Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2951/20.7T8VCT.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
REGIME EXTRAORDINÁRIO PROTEÇÃO ARRENDATÁRIO
MEDIDAS COVID
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
O artº. 8º da Lei nº. 1-A/2020 de 19/3 não abrange, por interpretação extensiva, uma diligência de entrega judicial de um imóvel e desocupação determinada no âmbito de um procedimento cautelar de restituição provisória de posse, ainda que o mesmo fosse residência própria e permanente do requerido.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

Nos presentes autos de procedimento cautelar de restituição provisória de posse que C. C. veio interpor contra Z. D., pedindo que lhe seja restituída a posse do prédio urbano composto de casa de rés do chão, primeiro andar, cabana e quintal, sito em …, freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .../940412 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ....
Produzida prova sem audição prévia do requerido, veio a mesma a ser decretada nos seguintes termos
“Em face do exposto, julgo procedente a presente providência cautelar e, consequentemente ordeno a restituição imediata à Requerente do imóvel / prédio melhor descrito no artigo 1º do requerimento inicial, à custa imediata da requerente se for necessário proceder a despesas, nomeando-se para a sua realização / efectivação a Sra. Solicitadora de Execução indicada.”

Da sua motivação consta o seguinte:

“Atentos os depoimentos prestados e os documentos juntos aos autos, consideram-se sumariamente provados os seguintes factos:
1.1. A Requerente, por contrato promessa de compra e venda, celebrado em 24 de abril de 2002, prometeu comprar, pelo preço de 124.700,00€ (cento e vinte e quatro mil e setecentos euros), a M. C., titular do número de identificação fiscal ………, natural da freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, titular do bilhete de identidade n.º ……, emitido pelo Arquivo de Identificação de Viana do Castelo, em 24 de outubro de 2000, e ao seu marido, J. M., titular do número de identificação fiscal ………, natural da freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, titular do bilhete de identidade n.º ……, emitido pelo Arquivo de Identificação de Viana do Castelo, em 15 de abril de 1996, o prédio urbano composto de casa de rés do chão, primeiro andar, cabana e quintal, sito em …, freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .../940412 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ... (doravante designado, apenas, por “Imóvel da Requerente ou Imóvel A”), conforme documento n.º 1, de fls. 15 e ss).
1.2. A Requerente, por escritura pública de compra e venda, celebrada em 26 de dezembro de 2002, comprou, pelo preço de 124.700,00€ (cento e vinte e quatro mil e setecentos euros), o imóvel A a M. C. e ao seu marido J. M., já supra identificados, conforme documento n.º 2 de fls. 18 vº.
1.3. A Requerente consta como titular e proprietária inscrita do Imóvel A, conforme se pode verificar pelas respectivas Certidão Predial e Caderneta Predial, fls. 20 e 21, documentos n.º 3 e 4.
1.4. Sendo a Requerente quem, desde 2002, ano em que comprou o Imóvel A, tem pago o respectivo IMI, conforme documento de fls. 22 a 28.
1.5. Antes ainda de adquirir o Imóvel A, mas já depois de ter assinado o contrato promessa de compra e venda, a Requerente contratou a M. M., topógrafo, a realização de um levantamento topográfico ao Imóvel A, que este realizou em agosto de 2002, conforme documento n.º 6, fls. 29 a 31.
1.6. Conforme é possível verificar pelos vários desenhos referentes a esse levantamento topográfico, o Imóvel A situa-se do lado Nascente da linha do comboio, conforme fotografias aéreas do artigo 6º do requerimento inicial.
1.7. A Requerente há vários anos que não se deslocava ao imóvel de que é proprietária, o Imóvel A.
1.8. Acontece que, no mês de junho de 2020, a Requerente deslocou-se ao Imóvel A, para se inteirar do respetivo estado, uma vez que pretende adaptá-lo, para dar início a um projeto de alojamento local.
1.9. Qual não foi a surpresa da Requerente quando encontrou o Imóvel A fechado e ocupado por terceiros.
1.10. O portão de entrada do Imóvel A foi substituído, uma vez que o porta e cadeado que a fechava previamente existentes, e do qual a Requerente tinha a chave, havia sido estroncado.
1.11. Ademais, a casa existente no Imóvel A mostrava sinais de ter sido ocupada e modificada, o que foi confirmado à Requerente por vizinhos, que disseram à Requerente que o Imóvel A não é permanentemente habitado por ninguém, mas que esporadicamente, sobretudo aos fins-de-semana, vêem lá movimento.
1.12. Assustada e surpreendida com a situação, a Requerente de imediato promoveu diligências com vista a descobrir a identidade de quem havia invadido e se encontrava a ocupar ilegitimamente o Imóvel A de que era e é a única e legítima proprietária.
1.13. Nessa sequência, apurou a Requerente ter sido o Requerido quem estroncou a fechadura do cadeado do portão e substituiu o portão e a fechadura que anteriormente ali existiam e que passou a ocupar o Imóvel A ilegitimamente.
1.14. O Requerido ocupou o Imóvel A, sem o conhecimento e autorização da Requerente.
1.15. O Requerido sabia e não podia ignorar que o Imóvel A não lhe pertencia (e não pertence) e que nunca obteve autorização por parte da sua proprietária, a aqui Requerente, para invadir e ocupar esse imóvel.
1.16. Com vista a tentar resolver a insólita situação criada pelo Requerido, a Requerente entrou em contato com ele, o qual se recusou e recusa a restituir o Imóvel A à Requerente, argumentando que o mesmo lhe pertence, mesmo perante as exibição dos documentos que atestam a titularidade da requerente sobre o prédio.
1.17. Tanto quanto a Requerente apurou, o Requerido é proprietário de um imóvel na freguesia e ..., concelho de Viana de Castelo, mas não é o Imóvel A, nada tem a ver com este e em nada se confunde com este.
1.18. Com efeito, o Requerido, por escritura pública outorgada em 21 de julho de 2015, comprou, pelo preço de 4.900,00€ (quatro mil e novecentos euros), a R. C. e mulher, M. R., casados na comunhão geral de bens, ambos naturais do Brasil, de nacionalidade Brasileira, residentes na Rua …, Bahia, com os números de identificação fiscal ……… e ………, respetivamente, o prédio urbano, composto por terreno destinado a construção, sito no Lugar …, freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º … (doravante designado, apenas, por “Imóvel do Requerido” ou “Imóvel B”), conforme documento n.º 7, fls. 32 e ss.
1.19. O Requerido é atualmente o titular e proprietário inscrito do Imóvel B, conforme se pode verificar pelas respetivas Certidão Predial e Caderneta Predial, documentos n.º 8 e 9 fls. 34 a 39.
1.20. Quando o Imóvel B foi adquirido pelo Requerido, em 2015, era, conforme refere a respetiva escritura de compra e venda, um “terreno destinado a construção”.
1.21. Enquanto no Imóvel A, quando a Requerente o adquiriu, em 2002, já estava edificada uma casa, como resulta da respetiva descrição predial e da escritura pública de compra e venda outorgada pela Requerente, juntas como documentos n.ºs 2 e 3.
1.22. O preço pelo qual o requerido adquiriu o Imóvel B foi de apenas 4.900,00€, incomparavelmente inferior ao preço que a Requerente pagou pela compra do Imóvel A, que ascendeu a 124.700,00€.
1.23. A localização do Imóvel A é completamente diferente da do Imóvel B.
1.24. O imóvel B do requerido com as suas actuais resulta do seguinte historial:
- o Imóvel B, conforme consta da respetiva Certidão Predial, tem a Descrição em Livro n.º ....., do Livro n.º 210, documento n.º 8;
- da Descrição em Livro n.º ....., do Livro n.º 210, resultaram, por terem sido desanexados,
dois novos prédios, a saber (Cfr. Doc. 10):
• O prédio com Descrição em Livro n.º ....., do Livro B-211 (desanexado em fevereiro de 1974), doravante identificado apenas por “Imóvel UM”; e
• O prédio com a Descrição em Livro n.º ....., do Livro B-211 (desanexado em fevereiro de 1976), doravante identificado apenas por “Imóvel DOIS”.
- a origem das referidas desanexações e, portanto, a origem dos Imóveis UM e DOIS, esteve relacionada com os seguintes factos:
• Em janeiro de 1973, pelo averbamento 1, foi averbada, na Descrição em Livro n.º ....., do Livro n.º 210, a construção de uma casa, em parte do terreno, de rés do chão e 1.º andar, com a superfície coberta de 134 m2; e
• Em fevereiro de 1974, pelo averbamento 2, foi averbada, na Descrição em Livro n.º ....., do Livro n.º 210, a construção de uma casa, de rés do chão e 1.º andar, área coberta de 160 m2, passando o prédio a prédio misto.
- ou seja, por cada construção que foi realizada no prédio com Descrição em Livro n.º .....,
do Livro n.º 210, foi feita uma desanexação.
- assim, atualmente, o Imóvel UM, ou seja, o prédio com Descrição em Livro n.º ....., do Livro B-211, corresponde ao prédio urbano, composto por rés do chão, 1.º andar e logradouro, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º …, que é propriedade de S. B. e da sua mulher, M. B., que aí residem, conforme documento n.º 11,
- por seu turno, o Imóvel DOIS, ou seja, o prédio com a Descrição em Livro n.º ....., do Livro B-211, corresponde ao prédio urbano, composto por rés do chão, 1.º andar e logradouro, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º …, que é propriedade do Banco …, PLC, conforme documento n.º 12.
- do exposto flui, portanto, que o Imóvel B, de que o Requerido é atualmente proprietário, é resultado da desanexação de outros dois Prédios, o Imóvel UM e o Imóvel DOIS.
- em conclusão: a dimensão inicial ou originária do prédio com Descrição em Livro n.º .....,
do Livro n.º 210, foi sendo reduzida à medida que foram realizadas as referidas desanexações, pelo que, após as duas identificadas desanexações, o que restou foi um terreno, sem nada construído, tal e qual como foi comprado pelo Denunciado em 2015: o Imóvel B.
1.25. Em resultado do exposto, a localização do Imóvel da Requerente (o Imóvel A), do Imóvel do Requerido (o Imóvel B), do Imóvel UM e do Imóvel DOIS é a que consta da figura constante do artigo ..º da requerimento inicial da qual resulta que: tanto o Imóvel do Requerido (Imóvel B), como o Imóvel UM e o Imóvel DOIS, que resultaram de desanexações do mesmo prédio, situam-se a Poente da linha do comboio, junto à estrada nacional 13, ao passo que o Imóvel da Requerente (Imóvel A) se localiza do outro lado da linha do comboio, a Nascente da linha do comboio.
1.26. Em 05 de julho de 2018, o Requerido promoveu, junto da Conservatória do Registo Predial de … a alteração da composição do Imóvel B de “Terreno destinado a construção urbana” para “Edifício de 2 pavimentos e logradouro”, conforme resulta da certidão predial do Imóvel B, documento n.º 7 e requisição de registo – Cfr. Doc. 13, fls. 47 e ss.
1.27. Na presente data não há qualquer construção ou edificação no Imóvel B, muito embora na ficha predial do referido imóvel ter passado a constar “Edifício de 2 pavimentos e logradouro”.
1.28. A Requerente procurou resolver esta situação a bem, através de Advogados, mas os Advogados da Requerente e do Requerido não chegaram a um consenso.
1.29. A Requerente apresentou contra o Requerido queixa crime no passado dia 28 de setembro de 2020 - Inquérito nº 2820/20.0T9VCT – 1º Secção do DIAP de Viana do Castelo, conforme documento n.º 16, fls. 56 e ss.
(…)
4. Fundamentação Jurídica.
(…)
No caso vertente, está sumária e suficientemente demonstrada a posse anterior da requerente, o esbulho, no sentido da privação, contrária à sua vontade, da dita posse e, bem assim, a violência exercida sobre o imóvel de que o requerido se apropriou, traduzida na provocada inacessibilidade ao mesmo, com prévio estroncamento de cadeado com que a requerente vedava o acesso ao seu imóvel.
(…)
Desde 26 de dezembro de 2002, data em que o comprou, a Requerente é a única titular do direito de propriedade sobre o Imóvel A.
A Requerente sempre actuou nessa pressuposição e nessa qualidade de proprietária, designadamente ao efectuar o pagamento anual do IMI.
Por outro lado, como resulta da factualidade acima descrita, o Requerido não é proprietário do Imóvel A, nem dispõe de qualquer título que o legitime a ocupar ou deter o Imóvel A.
Assim, a Requerente tem a posse do Imóvel A, sendo que essa posse sempre se presumiria, por força do disposto no artigo 1268.º, n.º 1, do CC. Uma vez que a Requerente beneficia da presunção de posse derivada do registo de propriedade datado de 2002, dado que desde dessa data está registada a favor da Requerente a aquisição do Imóvel A.
O requisito do esbulho também se verifica, assim como a violência por parte do Requerido.
Com o arrombamento da fechadura do cadeado do portão de acesso ao Imóvel A e com a substituição do próprio portão que aí existia, à revelia e sem o conhecimento e autorização da Requerente, o Requerido esbulhou, com violência, a posse da Requerente.
(…)
Neste momento, a Requerente está impedida de aceder e de exercer o seu direito de propriedade sobre o Imóvel A.
Nos termos do disposto no artigo 378.º do CPC, o juiz deve ordenar a restituição provisória da posse sem audição prévia do requerido quando se verifiquem os três requisitos vindos de escalpelizar, isto é, a posse e o esbulho violento, o que sucede no caso em apreço.
Acresce que a Requerente necessita de acesso ao imóvel de que é proprietária, pois pretende iniciar no Imóvel A um projecto de alojamento local, para o que, naturalmente, tem que ter o acesso ao Imóvel A e a sua posse.
A isto acresce que o perigo de que o Requerido, se tomar conhecimento do presente procedimento antes de decretada a restituição da posse à Requerente, se apresse a vender ou, por qualquer outra forma, alienar ou “desviar” para terceiros o Imóvel A, vendendo-lhes, na realidade, o Imóvel B, mas fazendo-os crer que estão a comprar o Imóvel A, na senda da postura e da ação assumida perante a Requerente quando esta o contactou e lhe exigiu a restituição do Imóvel A.
Com efeito, a postura do Requerido, de i) se recusar a restituir à Requerente a posse de um imóvel que sabe que não lhe pertence, ii) afirmar que é proprietário do Imóvel A, apesar de este ter sido adquirido pela Requerente, estar registado na Conservatória do Registo Predial e inscrito na Matriz Predial em nome da Requerente, iii) saber que o imóvel de que é proprietário, o Imóvel B, nada tem que ver, designadamente em termos de localização e de valor com o Imóvel da Requerente, e iv) utilizar rectificações alterações à descrição do imóvel para tentar legitimar a sua propriedade, demonstram que o Requerido age de má fé, pelo que existe um receio fundado, por parte da Requerente, que o Requerido agrave a lesão já causada à Requerente.
Termos em que deverá ser decretada a providência requerida.”
*
Em 13/11/2020 o recorrente apresentou nos autos requerimento de “incidente inominado” em que pede:

Que se declare nula a notificação remetida pela Senhora Agente de Execução ao aqui Requerido, que ordena a entrega da chave de um imóvel e desocupação do mesmo e entrega do mesmo livre de pessoas e bens, pois abrigo do artigo 8º do da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 58-A/2020, de 30 de Setembro, estão impedidas ordens de desocupação de imóveis, muito mais quando o referido imóvel é residência do aqui Requerido e seu filho mais novo.
Caso assim não se entenda, que o incidente seja julgado procedente por provado, e seja determinada a imediata suspensão da providência cautelar (visto apresentar, desde logo, prova
documental inequívoca do alegado).

A requerente opôs-se ao requerido concluindo:

a) pela ordem de desentranhamento do incidente anómalo apresentado pelo Requerido, por admissível; ou, se assim não se entender,
b) pelo indeferimento do pedido formulado pelo Requerido, mantendo-se a providência decretada.

Foi proferido sobre a matéria em questão o seguinte despacho:
“I-
1. Veio novamente o requerido deduzir incidente nos termos do qual pediu:
a) que se declare nula a notificação remetida pela Senhora Agente de Execução ao aqui Requerido, que ordena a entrega da chave de um imóvel e desocupação do mesmo e entrega do mesmo livre de pessoas e bens, pois abrigo do artigo 8º do da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 58-A/2020, de 30 de Setembro, estão impedidas ordens de desocupação de imóveis, muito mais quando o referido imóvel é residência do aqui Requerido e seu filho mais novo;
b) Caso assim não se entenda, deve o presente Incidente ser julgado procedente por provado, ser determinada a imediata suspensão da providência cautelar (visto apresentar, desde logo, prova documental inequívoca do alegado).
2.
A requerente exerceu o seu contraditório.
3. Apreciando e decidindo:
3.1.
Em primeiro lugar, realça-se que se está perante a execução de uma providência cautelar de restituição provisória da posse (cf. artigo 377º CPC)) julgada procedente e decretada após apreciação crítica de toda a prova produzida pela Requerente.
3.2.
Veio o Requerido invocar a nulidade da notificação que lhe foi remetida pela Sra. AE, recebida em 09 de Novembro de 2020, nos termos da qual veio requer a entrega da chave de um imóvel.
Ora, tal notificação em si mesma não consubstancia a prática de qualquer nulidade processual, ou seja a prática de qualquer acto que a lei não admita (cf. artigo 195º CPC), pois que a mesma consubstancia o executar, de uma forma até mais favorável ao requerido, de uma decisão judicial que ordena a restituição da posse de um imóvel. Pelo que por este prisma, improcede a invocada nulidade.
3.3.
O Requerido invoca ainda como fundamento de nulidade o facto de tal acto (ordem de desocupação) se encontrar vedado, nos termos e ao abrigo do artigo 8º do da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 58-A/2020, de 30 de Setembro.
Ora, em primeiro lugar, a ordem não provém da Sra. Agente da Execução, mas sim do Tribunal no âmbito de uma providência cautelar de restituição provisória da posse.
Em segundo lugar, o normativo invocado pelo Requerido: artigo 8º do da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 58-A/2020, de 30 de Setembro não se aplica à situação descrita porquanto, citando-se o mesmo:
Artigo 8.º
Regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários
Durante a vigência das medidas de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade de saúde pública e até 60 dias após a cessação de tais medidas nos termos do n.º 2 do artigo 7.º da presente lei, ficam suspensos:
a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
c) A produção de efeitos da revogação, da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
d) O prazo indicado no artigo 1053.º do Código Civil, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as referidas medidas;
e) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.

Do citado normativo, resulta a sua manifesta inaplicabilidade à situação invocada pelo requerido, que não é arrendatário, nem em causa está a execução de uma hipoteca
Por outro lado, a situação igualmente não se mostra abrangida pelo artigo 6ºA da Lei 16/2020, não estando em causa nenhuma das situações aí previstas, designadamente nos nºs 6 e 7.
Pelo exposto, julga-se improcedente a invocada nulidade do acto da Sra. AE, o qual apenas consubstancia a execução de uma decisão do Tribunal no âmbito de uma providência cautelar de restituição provisória da posse, não se mostrando abrangido por qualquer regime excepcional.
3.4.
Por fim, veio o requerido no âmbito daquilo a que apelidou de “Incidente Inominado” requerer a imediata suspensão da providência cautelar.
Obviamente, que não é legal e processualmente nesta âmbito e sede de “Incidente Inominado” que o Tribunal vai apreciar a alegação de todo um conjunto de factos que contendem e põem em causa o mérito da pretensão da Requerente.
Tal apenas pode suceder processualmente em momento e meio próprio, qual seja, o da oposição à providência cautelar, o que não é o presente caso.
A suspensão da restituição provisória da posse tal como requerida não se encontra processualmente prevista.
O que se encontra previsto (e seguindo-se na esteira da jurisprudência constante do AC RG de 12/7/2007, in www.dgsi.pt) é a substituição da providência decretada por caução (cf. artigo 368º, nº3 CPC), substituição essa que “ só deve ocorrer nos casos em que se verifiquem ponderosos e aceitáveis interesses e razões do esbulhador, que possam superar o interesse de reprimir a violência do esbulhador.”
Ora, a este título alegou o requerido que o imóvel é a sua habitação própria permanente, e onde há vários anos reside com o seu filho mais novo.
Juntou um documento - conforme Doc. 3 – cujo teor não atesta tal facto.
Por outro lado, é o próprio requerido quem afirma, no formulário do requerimento ora em apreço, residir na “Rua …, Vila do Conde”!
Pelo exposto, considerando que a suspensão da restituição decretada apenas pode ter lugar pela substituição prevista no artigo 368º, nº3 CPC, mediante prestação de caução oferecida desde logo pelo requerido e desde que alegados e provados os factos subsumíveis à parte final de tal normativo – requisitos cumulativos (cf. Ac. RG supra citado), o que não sucede no caso em apreço, indefere-se à requerida suspensão.
Custas do incidente a cargo do requerido.
Notifique. “
*
Inconformado, veio o requerido interpor recurso que termina com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

1. Circunscreve-se o objecto do presente Recurso, de forma simples e singular às seguintes questões a resolver nesta Instância:
a) Se a Senhora Agente de Execução poderia - em situação de Estado de Emergência do País - concretizar a ordem do Douto Tribunal a quo de desocupação do imóvel objecto do procedimento cautelar, obrigando o aqui Recorrente a desocupar o imóvel, deixando-o livre de pessoas e bens?
b) E, sendo aquele imóvel a sua residência, a sua habitação própria e permanente, assim como a residência do seu filho menor?
c) A declaração do Estado de Emergência, que se iniciou com a Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 58-A/2020, e de 30 de Setembro, nomeadamente o seu Artigo 8º só se aplica aos casos de arrendamentos e execuções, ou vai mais longe do que isso - mais longe do que a letra da Lei - tendo em conta que espírito do legislador não foi só a protecção do arrendatário e dos executados, mas de todos, devendo-se assim fazer uma interpretação extensiva da Lei – para além da letra da Lei - incluindo-se todos os casos de desocupação de imóveis, nas quais se incluiu o caso dos autos, protegendo-se assim todas as pessoas de ficarem de ser colocadas na rua, numa situação de pandemia, com todas as consequências e riscos que daí advêm para quem é obrigado a proceder à desocupação do imóvel onde habita?
2. Comecemos então por responder à primeira questão (questão da al. a)):
3. O procedimento cautelar de restituição provisória da posse, por esbulho violento, é um procedimento cautelar legalmente previsto e, portanto, admissível.
4. O que já não é admissível no entendimento do Recorrente, é que a concretização da providência que ordenou a desocupação do imóvel, ou seja, a entrega da chave do imóvel, devendo se este entregue, desocupado, livre de pessoas e bens, possa ser levada a cabo e concretizada, na situação em que se vive, ou seja, em Estado de Emergência, devido à pandemia.
5. É entendimento do Recorrente, que a concretização de tal ordem deveria ter ficado suspensa, até ser revogado o Estado de Emergência, assim se cumprindo o Artigo 8º do da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 58-A/2020, de 30 de Setembro, que não foi ainda revogada.
6. Pelo que entende o Recorrente que não podendo aquela notificação e anconcretização/ execução da ordem do Tribunal a quo ser efectuada em virtude de tais diplomas legais, a mesma é NULA, e como consequência não podia o Recorrente e seu filho mais novo serem postos na Rua!
7. Está-se assim perante uma clara violação do Artigo 8º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março.
8. Mais, no dia 18 de Novembro, dia em que se concretizou a desocupação (concretizou o teor da notificação da Sra. Agente de Execução), estava declarado o Estado de Emergência, nos termos da Resolução da Assembleia da República 83-A/2020 de 06 de novembro de 2020.
9. Caso assim não se entenda, o que só por mera cautela de raciocínio se equaciona, teríamos ainda de responder à 2ª pergunta:
10. O Tribunal a quo, no Despacho de que ora se recorre, refere que o documento 3 junto pelo Recorrente no Incidente, para prova de que o imóvel é sua residência e habitação própria e permanente, tem um teor que não atesta tal facto. Com o devido respeito e salvo melhor e mais Douta opinião, mal andou o Tribunal a quo.
11. O documento 3 é composto por duas declarações de duas pessoas, que sob compromisso de honra e por ser verdade declaram que o Requerente e o seu filho menor residem naquele imóvel, como ainda é composto por duas declaraçções da Junta de Freguesia de ... que atesta não só que o Recorrente é proprietário do imóvel como nele reside o seu filho mais novo.
12. Tais declarações são prova mais do que suficiente para irrefutavelmente atestar que o Recorrente e seu filho ali residem, pelo que mal andou o Tribunal a quo, ao não considerar tais documentos, e olvidar, num Estado de Emergência que aqui residem pessoas e que mesmo assim podem ser postas na Rua!
13. Ali residindo pai e filho, a ordem de desocupação do imóvel, declarado o Estado de Emergência não podia ser assim concretizada, apesar de ter sido ordenado pelo Tribunal, devendo a mesma ficar suspensa, até ser revogada a Lei que decretou o Estado de Emergência, ou seja, a Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, agora concatenada com a Resolução da Assembleia da República nº 83-A/2020, de 06 de Novembro.
14. O Recorrente e seu filho mais novo ali residem há vários anos, são conhecidos por vizinhos e gente da terra, pois que se está num meio pequeno em que todos se conhecem e têm a sua correspondência a ser para ali remetida, os contratos de energia, luz, água, televisão, internet, telefone, enfim, tudo naquele imóvel, por ser efectivamente a sua residência
15. Está-se assim perante uma clara violação do Artigo 8º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março.
16. Passemos então à terceira questão deste recurso:
17. É entendimento do Recorrente que o espírito do Legislador, ao legislar como legislou foi proteger todas as situações de desocupação dos imóveis, face à situação de pandemia em que vive, nomeadamente, a situação dos autos.
18. Pelo que mal andou o Tribunal a quo, ao cingir-se à letra da Lei, que restringiu o Artigo 8º da Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março, e o espírito do legislador unicamente à letra da Lei, ou seja, decidir que o referido normativo só se aplica aos casos de arrendamentos e execuções, quando na realidade e tendo em conta o espírito do legislador e uma interpretação extensiva da Lei nos termos do Artigo 9º do Código Civil, se aplica ao caso dos autos.
19. No dia da entrega do imóvel, estava ainda em vigor a declaração do Estado de Emergência declarada pela Resolução da Assembleia da República nº 83-A/2020 de 06 de novembro de 2020.
20. A desocupação do imóvel, residência do aqui Recorrente e habitação própria e permanente e bem assim também a residência do seu filho menor – que com o devido respeito, parece ter sido esquecido pelo Tribunal a quo – geram elevados e graves prejuízos para o aqui Recorrente e seu filho, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao dizer que a desocupação representa para o Recorrente a forma mais favorável!
21. Está-se assim perante uma clara violação do Artigo 8º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março e do Artigo 9º do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores de Direito e sempre com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deve conceder-se total provimento ao presente Recurso de Apelação, revogando-se a decisão de indeferimento proferida no Despacho de que se ora recorre e proferindo decisão que, conhecendo do recurso interposto, declare a nulidade da notificação efectuada pela Senhora Agente de Execução ao aqui Recorrente e da concretização/execução que ordenou a desocupação do imóvel, por terem sido ambas (notificação e execução) efectuadas em momento proibido por Lei, ou seja, em situação de Estado de Emergência, declarado nos termos da Lei 1-A/2020, de 19 de Março.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:

-o disposto no artº. 8º da Lei nº. 1-A/2020 de 19/3 abrange a situação dos autos (ou outra disposição da mesma Lei);
-na afirmativa, se está verificado o seu circunstancialismo no caso concreto.
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III- MATÉRIA DE FACTO.

A matéria de facto a considerar prende-se com a factualidade alegada pelo recorrente no requerimento que dá origem ao despacho recorrido, bem como o desenrolar dos autos principais do procedimento cautelar tal como consta do relatório “supra”, e ainda o teor da decisão proferida nos mesmos autos conforme foi já reproduzida.
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IV O MÉRITO DO RECURSO.

Teremos de iniciar a análise do presente recurso começando por analisar a norma cuja aplicação o recorrente vem suscitar, face às suas alterações e diplomas conexos, tentando circunscrever ao que interessa ao caso, sendo que, tal como à data da interposição do recurso, continua em vigor actualmente o estado de emergência (-à data a que se profere este acórdão, perante o Decreto do Presidente da República nº. 9-A/2021 de 28/01, autorizado pela Resolução da Assembleia da República nº. 14-A/2021 de 28/1 (DR nº. 19/2021, 1º suplemento, série I, de 28/01) regulamentado pelo Decreto nº. 3-D/2021 de 29/01, DR nº. 20/2021, 1º suplemento, série I, de 29/01).
Todas as questões que o recorrente levanta têm que ver com o artº. 8º da Lei nº. 1-A/2020 de 19/3.
Comecemos pela menção ao artº. 1.º da Lei nº. 58-A/2020 de 30/9 por ser a que a dá ao artº. 8º da Lei nº. 1-A/2020 de 19/3 a redação em vigor à data do requerimento sujeito ao despacho sob recurso (13/11/2020). Esta tem o seguinte objeto declarado: “A presente lei procede à sexta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, sobre medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, alterada pelas Leis n.os 4-A/2020, de 6 de abril, 4-B/2020, de 6 de abril, 14/2020, de 9 de maio, e 28/2020, de 28 de julho, alargando o regime extraordinário de proteção dos arrendatários até ao final do ano de 2020.”

E, nesse sentido, determina no seu artº. 2º:
“Alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março
O artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 8.º
[...]
1 - Ficam suspensos até 31 de dezembro de 2020:
a) [Anterior alínea a) do corpo do artigo.]
b) [Anterior alínea b) do corpo do artigo.]
c) [Anterior alínea c) do corpo do artigo.]
d) [Anterior alínea d) do corpo do artigo.]
e) [Anterior alínea e) do corpo do artigo.]
2 - O disposto no número anterior depende do regular pagamento da renda devida nesse mês, salvo se os arrendatários estiverem abrangidos pelo regime previsto no artigo 8.º da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril.
3 - O disposto no n.º 2 aplica-se às rendas devidas nos meses de outubro a dezembro de 2020.»”

Antes disso o artº. 8º já havia sofrido alterações por força do artº. 2º da Lei nº. 4-A/2020 de 6/4 e do artº. 2º da Lei nº. 14/2020 de 9/5. E depois do requerimento em apreço ter dado entrada foi já novamente alterado pelo artº. 2º da Lei nº. 75-A/2020 de 30/12.

Assim, a norma com a redação em vigor à data do requerimento dispunha:

“Regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários
1 - Ficam suspensos até 31 de dezembro de 2020:
a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
c) A produção de efeitos da revogação, da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
d) O prazo indicado no artigo 1053.º do Código Civil, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as referidas medidas;
e) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.
2 - O disposto no número anterior depende do regular pagamento da renda devida nesse mês, salvo se os arrendatários estiverem abrangidos pelo regime previsto no artigo 8.º da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril.
3 - O disposto no n.º 2 aplica-se às rendas devidas nos meses de outubro a dezembro de 2020.”

E a atual redação diz:
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4, ficam suspensos até 30 de junho de 2021:
a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
c) A produção de efeitos da revogação, da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
d) O prazo indicado no artigo 1053.º do Código Civil, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as referidas medidas;
e) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.
2 - O disposto no número anterior depende do regular pagamento da renda devida nesse mês, salvo se os arrendatários estiverem abrangidos pelo regime previsto nos artigos 8.º ou 8.º-B da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, na sua redação atual.
3 - O disposto no número anterior aplica-se às rendas devidas nos meses de outubro a dezembro de 2020 e de janeiro a junho de 2021.
4 - No caso de contrato de arrendamento para fins não habitacionais relativo a estabelecimentos que, por determinação legal ou administrativa da responsabilidade do Governo, tenham sido encerrados em março de 2020 e que ainda permaneçam encerrados a 1 de janeiro de 2021, a duração do respetivo contrato é prorrogada por período igual ao da duração da medida de encerramento, aplicando-se, durante o novo período de duração do contrato, a suspensão de efeitos prevista no n.º 1.
5 - A prorrogação prevista no número anterior conta-se desde o termo original do contrato e dela nunca pode resultar um novo período de duração do contrato cujo termo ocorra antes de decorridos seis meses após o levantamento da medida de encerramento e depende do efetivo pagamento das rendas que se vencerem a partir da data de reabertura do estabelecimento, salvo se tiverem efetuado o respetivo diferimento.
6 - A suspensão de efeitos prevista no n.º 1 e a prorrogação prevista no n.º 5 cessam se, a qualquer momento, o arrendatário manifestar ao senhorio que não pretende beneficiar das mesmas ou se o arrendatário se constituir em mora quanto ao pagamento da renda vencida a partir da data da reabertura do estabelecimento, salvo se tiverem efetuado o respetivo diferimento.

Da leitura da norma ressalta à “primeira vista” que a sua aplicação respeita a contratos de arrendamento habitacional ou não habitacional e a processos executivos relativos a hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado. É também essa a leitura do recorrente.

O que se questiona é se a lei vai mais longe do que isso “- mais longe do que a letra da Lei - tendo em conta que espírito do legislador não foi só a protecção do arrendatário e dos executados, mas de todos, devendo-se assim fazer uma interpretação extensiva da Lei – para além da letra da Lei - incluindo-se todos os casos de desocupação de imóveis, nas quais se incluiu o caso dos autos, protegendo-se assim todas as pessoas de ficarem de ser colocadas na rua, numa situação de pandemia, com todas as consequências e riscos que daí advêm para quem é obrigado a proceder à desocupação do imóvel onde habita?” –como defende e pretende o recorrente.

A questão que o recorrente coloca é se devem ser paralisados os efeitos de uma decisão proferida num processo urgente, cuja tramitação o legislador nunca suspendeu, e que não nomeou na lei.
Como é sabido a legislação aprovada no âmbito da “Covid 19” respeita a Medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19” –processo que se pode ter por iniciado com a Lei n.º 1-A/2020.
Estamos perante um período excecional de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença Covid-19, em que o legislador teve necessidade de dispor, além do mais, sobre os prazos e os atos a praticar em processos judiciais.
Sendo medidas excecionais, não admitem aplicação analógica –artº. 11º do C.C..
Mas também não cremos que tenha existido uma qualquer omissão ou lacuna da lei (cfr. artº. 10º do C.C.), como melhor se verá.
O legislador foi expresso naquilo a que se quis reportar, e no que ao caso importa: arrendamentos habitacionais e não habitacionais e execuções de hipotecas sobre imóveis que constituam habitação própria e permanente dos visados.
Os valores ponderados na legislação, “grosso modo” e visto apenas a perspetiva que interessa aos autos e que à generalidade das pessoas (excluído todo o vasto âmbito que regula outras atividades económicas e questões relacionadas com o SNS e com situações de saúde e de proteção), tiveram que ver com duas ordens de razões:
-o apoio à (manutenção) dos arrendamentos e da habitação própria e permanente, face a dificuldades económicas originadas ou agravadas pelos efeitos da pandemia na vida dos visados, e, como também veremos, bem como a quem já estava em situação económica difícil –insolventes- e se vê na iminência de perder a casa de morada de família;
-evitar/limitar ao indispensável a mobilidade das pessoas face á circulação do vírus.
Há que ver se face a esses valores a norma em questão comporta interpretação extensiva no sentido propugnado pelo recorrente.
Decorre do artº. 9º, nº. 1 do C.C. que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Conforme Ac. da Rel. do Porto de 24/11/2020 (www.dgsi.pt), que tratou inclusive da interpretação da legislação sobre a Covid 19 embora numa situação diversa da destes autos, e a propósito do artº. 9º do C.C., escreveu-se: “Com esta norma afasta-se o exagero dos objetivistas que não atendem sequer às circunstâncias históricas em que a norma nasceu, na medida em que se manda reconstituir o pensamento legislativo e atender às circunstâncias em que a lei foi elaborada. Condena-se igualmente o excesso dos subjetivistas que prescindem por completo da letra da lei, para atender apenas à vontade do legislador, quando no nº 2[1] se afasta a possibilidade de qualquer pensamento legislativo valer como sentido decisivo da lei, se no texto desta não encontrar um mínimo de correspondência verbal. E ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias – históricas – em que a lei foi elaborada, o preceito não deixa de expressamente considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada, consagrando uma nota vincadamente atualista. Porém, o facto de o artigo afirmar que a reconstituição do pensamento legislativo deve fazer-se a partir dos textos não significa, de modo nenhum, que o intérprete não possa ou não deva socorrer-se de outros elementos para esse efeito, nomeadamente do espírito da lei – a “mens legis”. Pode assim dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei. Contudo, quando assim não suceda, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objetivo, como são os que constam do nº 3 do art. 9º[2] - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de Henrique Mesquita, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., págs. 58/59.”
Não podemos por isso ignorar que o legislador regulou outras matérias noutras normas. Veremos as que podem importar ao caso, para melhor interpretação e compreensão do alcance do artº. 8º.

A Lei nº. 16/2020, de 29/5 veio introduzir novas alterações à Lei nº. 1-A/2020, acrescentando o artº. 6º-A e eliminando o artº. 7º da mesma lei, dizendo na redação em vigor à data do requerimento:

«Artigo 6.º-A
Regime processual transitório e excecional
1 - No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo.
2 - As audiências de discussão e julgamento, bem como outras diligências que importem inquirição de testemunhas, realizam-se:
a) Presencialmente e com a observância do limite máximo de pessoas e demais regras de segurança, de higiene e sanitárias definidas pela Direção-Geral da Saúde (DGS); ou
b) Através de meios de comunicação à distância adequados, nomeadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, quando não puderem ser feitas nos termos da alínea anterior e se for possível e adequado, designadamente se não causar prejuízo aos fins da realização da justiça, embora a prestação de declarações do arguido ou de depoimento das testemunhas ou de parte deva sempre ser feita num tribunal, salvo acordo das partes em sentido contrário ou verificando-se uma das situações referidas no n.º 4.
3 - Nas demais diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer outros atos processuais e procedimentais realiza-se:
a) Através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente; ou
b) Presencialmente, quando não puderem ser feitas nos termos da alínea anterior, e com a observância do limite máximo de pessoas e demais regras de segurança, higiene e sanitárias definidas pela DGS.
4 - Em qualquer das diligências previstas nos n.º 2 e 3, as partes, os seus mandatários ou outros intervenientes processuais que, comprovadamente, sejam maiores de 70 anos, imunodeprimidos ou portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco, não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal, devendo, em caso de efetivação do direito de não deslocação, a respetiva inquirição ou acompanhamento da diligência realizar-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, a partir do seu domicílio legal ou profissional.
5 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é garantida ao arguido a presença no debate instrutório e na sessão de julgamento quando tiver lugar a prestação de declarações do arguido ou coarguido e o depoimento de testemunhas.
6 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório:
a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;
b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c) As ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
d) Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos referidos nas alíneas anteriores;
e) Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não possam ser feitas nos termos da alínea b) do n.º 2, da alínea b) do n.º 3 ou do n.º 7.
7 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvidas as partes.
8 - O disposto nas alíneas d) e e) do n.º 6 prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo correspondente à vigência da suspensão.
9 - Os serviços dos estabelecimentos prisionais devem assegurar, seguindo as orientações da DGS e da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais em matéria de normas de segurança, de higiene e sanitárias, as condições necessárias para que os respetivos defensores possam conferenciar presencialmente com os arguidos para preparação da defesa.
10 - Os tribunais e demais entidades referidas no n.º 1 devem estar dotados dos meios de proteção e de higienização desinfetantes determinados pelas recomendações da DGS.»

O nº. 1 deste artigo define o seu campo de aplicação.
Assim, determinou-se a suspensão das diligencias relacionadas com a entrega judicial da casa de morada de família nos processos executivos e nas insolvências.
Este é um regime excecional, relativo a um específico ato de cariz executivo – suspensão de diligências relacionadas com a entrega judicial da casa de morada de família.
Foi já tratado jurisprudencialmente o âmbito de aplicação de cada um destes nºs. 6 e 7, em termos que não destacaremos aqui por não ter pertinência ao nosso caso –cfr. Acs. da Rel. do Porto de 24/9/2020, 12/10/2020, 9/11/2020, 24/11/2020, e 15/12/2020, de Coimbra de 13/7/2020 e 21/9/2020. Trataram de questões relacionadas com o regime excecional os Acs. da Rel. de Guimarães de 17/9/2020, de Évora de 10/9/2020 e de Coimbra de 20/10/2020, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
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Feito este percurso, verifica-se que o legislador nomeou os atos abrangidos em cada uma das disposições.
Ora, por um lado as razões relativas à proteção do visado face à deterioração da sua situação económica fruto (que radica) da pandemia –que residem na procura de atenuação das mesmas no caso dos arrendamentos e no caso em que o visado está a ser executado (nomeadamente acionando a hipoteca), ou está em situação de insolvência- não se vislumbram no caso dos autos. Não estramos perante uma execução de crédito, sequer perante uma qualquer dívida, não é nada disso que está subjacente à propositura do procedimento; nem consta que o recorrente esteja insolvente.
Por outro lado, as razões que presidiram à diminuição de circulação de pessoas não são de tal modo impositivas que não sejam admitidas quaisquer exceções, nem este diploma o pretendeu fazer; outros diplomas foram aprovados que visavam quase só tratar dessa matéria, e também eles comportando exceções. Os motivos determinantes da redução de mobilidade também não são os prementes nestes casos previstos e mencionados, nem preponderantes face ao da proteção da situação económica que se pretendeu salvaguardar.
De facto, e melhor concretizando, não podemos abstrair do caso concreto que dá origem à decisão que a diligência em causa visa executar, tal como delimitada pelo petitório da requerente dos autos e definido pela mesma decisão: estão em conflitos direitos de propriedade/posse sobre um determinado imóvel.
O procedimento cautelar visa, por definição, colocar termo de forma urgente a uma situação que sumariamente se apurou ser violadora de um direito de outrem, sendo preliminar (no caso) de uma ação em que os direitos em confronto serão devidamente definidos (sem prejuízo da questão da inversão do contencioso). Acresce no procedimento cautelar em apreço a particularidade de se tratar de um “esbulho violento”.
De notar ainda que o legislador manteve a tramitação dos processos urgentes (sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências), e mesmo no período de vigência do artº. 7º da Lei nº. 1-A/2020 entretanto revogado manteve exceções à suspensão dos seus prazos.
É verdade que esta providência encerra uma natureza declarativa e executiva na medida em que se efetiva uma vez decretada, sem necessidade de recurso a uma ação executiva.
Mas nem todas as diligências executivas ficaram suspensas, e nem todas as diligências que incidem sobre a casa de morada de família podem ser abarcadas por um regime excecional quando não lhe estão subjacentes as razões imperiosas que o determinaram.
Entendemos por isso que a situação em apreço nem está abrangida, ainda que por interpretação extensiva, no artº. 8º da Lei nº. 1-A/2020 de 19/3, nem pelo artº. 6º-A, nº. 6, b), da mesma lei.
Nem tão pouco se nos afigura que se verificam os requisitos de que o artº. 10º do C.C. faz depender a aplicação analógica – ausência de previsão legal e que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei-, de qualquer modo impedida de aplicação por estarmos perante um regime excecional e como decorre do artº. 11º do C.C..
Não devia pois ser deferida a suspensão da diligência de desocupação do imóvel, fosse ou não habitação própria (não no sentido de ser da propriedade do requerido, mas pessoal) e permanente, porque não abrangida a situação nas citadas disposições.
Posto isto, não se verificava qualquer impedimento ao ato praticado pela agente de execução (designadamente não cabe aferir da violação ao dever de confinamento, que radique na prática da diligência), não estando inquinado de qualquer nulidade.
E fica prejudicada a questão da prova –se o meio apresentado (atestado da Junta de Freguesia) é idóneo ao efeito (a propósito do que, não obstante, se adiantará “infra” a nossa posição)- de que o imóvel em causa constitui a casa de morada de família do recorrente ou habitação própria e permanente (residência do mesmo e do filho) –também não cabendo analisar se o legislador quis dizer a mesma coisa com as duas expressões (cfr, o campo de aplicação de cada uma –artº. 8º, nº. 1, e) e artº. 6º-A, nº. 6, b)).
O estado de emergência é decretado pelo Presidente da República (com autorização da Assembleia da República) e regulamentado pelo Governo, e desse modo concretizados os seus termos, nomeadamente o dever de confinamento, pelo que não há violação do estado de emergência sem violação de um preceito concreto que determine a restrição ou impedimento (no caso de deslocação/de circulação) no caso que se pretende analisar.
Fica também prejudicada qualquer “comparação” de prejuízos –da requerente com a suspensão da diligência face ao requerido com a sua execução- matéria que não tem que ver com os normativos aqui chamados, designadamente com o invocado em sede de recurso.
Apenas uma palavra quanto ao valor do Atestado da Junta de Freguesia: é da competência própria das Juntas de Freguesia, nos termos da alínea rr) do n.º 1, do art. 16º da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, “passar atestados”, os quais devem ser assinados, em nome da Junta de Freguesia, pelo seu presidente (arts. 18º, n.º 1, al. l) e n.º 3, al. c) da citada Lei). E, nos termos do art. 34º do Dec. Lei n.º 135/99, de 22/04 (na redacção do Dec.-Lei n.º 73/2014, de 13/05), sob a epígrafe “Atestados emitidos pelas juntas de freguesia”: «1 - Os atestados de residência, vida e situação económica dos cidadãos, bem como os termos de identidade e justificação administrativa, passados pelas juntas de freguesia, nos termos das alíneas qq) e rr) do n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, devem ser emitidos desde que qualquer dos membros do respetivo executivo ou da assembleia de freguesia tenha conhecimento direto dos factos a atestar, ou quando a sua prova seja feita por testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores recenseados na freguesia ou ainda por outro meio legalmente admissível. 2 - Nos casos de urgência, o presidente da junta de freguesia pode passar os atestados a que se refere este diploma, independentemente de prévia deliberação da junta.
3 - Não está sujeita a forma especial a produção de qualquer das provas referidas, devendo, quando orais, ser reduzidas a escrito pelo funcionário que as receber e confirmadas mediante assinatura de quem as apresentar.
4 - As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal.
5 - A certidão, relativa à situação económica do cidadão, que contenha referência à sua residência faz prova plena desse facto e dispensa a junção no mesmo processo de atestado de residência ou cartão de eleitor.
6 - As certidões referidas no número anterior podem ser substituídas por atestados passados pelo presidente da junta».

Destes normativos resulta, além do mais, a competência do Presidente da Junta para passar os atestados de residência e que os mesmos podem ser emitidos tendo por base uma pluralidade de fontes de ciência: (a) conhecimento directo dos factos a atestar por qualquer dos membros do executivo ou da Assembleia de Freguesia; (b) prova por testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores recenseados na freguesia; (c) mediante declaração do próprio.
Mesmo não sofrendo o atestado de residência de qualquer irregularidade formal (cfr. artº. 369º do C.C.) e poder ser considerado formalmente um documento autêntico com força probatória conforme o artº. 371º do C.C., deste resulta contudo que os documentos autênticos apenas fazem prova plena “dos factos que referem como praticados pela autoridade oficial”, “assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora”.
No caso a fonte foi o testemunho de dois cidadãos.
Estamos perante um documento autêntico, pelo que, nos termos do art. 371° do C. Civil, faz prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base em perceções da entidade documentadora. Mas, conforme Pires de Lima e Antunes Varela (“Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª edição, pags. 327 e 328), "o valor probatório do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém, mas somente aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora".
Ou seja, o atestado de residência não prova a residência: prova sim que a Junta de Freguesia, com base nas informações diretas dos seus membros ou com base em testemunho ou declaração do próprio, atestou a residência. Mas se nem sequer prova a residência de uma pessoa, tão pouco a residência permanente.
É por isso um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, que o valorará como mais um elemento de prova.
Neste sentido, Acs. da Rel. de Guimarães 8/7/2020, e da Rel. de Lisboa de 2/12/99 e de 12/12/2006, e ainda de Coimbra 8/10/2019 (www.dgsi.pt).
Assim e no caso concreto, o Atestado junto não fazia por si só a pretendida prova, tendo de ser conjugado com outras apresentadas e que teriam de ser produzidas.

Em suma, a agente de execução cumpriu como lhe competia a determinação do Tribunal, não estando impedida de o fazer seja por força da vigência do estado de emergência, seja por força de qualquer disposição que o regulamenta.
Nem a notificação nem a execução da decisão devem ficar suspensos (ou, doutro prisma, nem a ordem nem o procedimento devem ficar suspensos), não sofrendo de qualquer vício, nem estando abrangido por qualquer disposição legal que determinasse tal suspensão (designadamente o citado artº. 8º).
Não sendo por isso nenhum dos argumentos do recurso procedentes, deve manter-se a decisão recorrida integralmente.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negam provimento à apelação e confirmam a douta decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.).
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Guimarães, 4 de fevereiro de 2021.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Jorge dos Santos
2º Adjunto: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves

(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)