Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1740/10.1JAPRT-E. G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
CÔNJUGE DO EXECUTADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I. O cônjuge do executado só pode embargar de terceiro em defesa dos seus direitos relativos aos bens comuns indevidamente atingidos pelo acto de penhora (art. 343º do CPC), quando assuma a posição de terceiro em relação à acção executiva e alegue, de uma forma concretizada, o fundamento pelo qual a penhora efectivada deve ser considerada indevida.

II. Citado o cônjuge do executado para a execução, nos termos dos artºs. 740º e 786º, nº 1, al. a) do CPC, ainda que indevidamente, fica na posição de parte, pelo que nesta situação não pode, em princípio, embargar de terceiro.

III. Os Embargos já serão, no entanto, admissíveis quando, por haver bens próprios do executado, não esteja verificado o condicionalismo em que actua a responsabilidade subsidiária (desde que essa situação seja alegada), bem como quando não tenha sido feita a citação do cônjuge nos termos do art. 740º, nº 1 do CPC”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente(s): MARIA (…);
Recorrido: MARIA (…);
*
MARIA (…), executada nos autos de execução, a que estes embargos estão apensados, veio apresentar embargos de terceiro contra MARIA (…), exequente/embargada no mesmo processo.

Alega que, quando foi notificada em 08 de Janeiro de 2018 da contestação apresentada pela embargada no apenso D do presente processo, tomou conhecimento de que foi efectuada a penhora sobre o prédio urbano situado em (…), freguesia de (…), concelho de ..., destinado à habitação, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º (…) e descrito na CRP de ... sob o n.º (…).

Todavia, alega, também, que antes disto tinha sido citada no processo principal, em 14/09/2016, para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de serem penhorados bens comuns.

Partindo do pressuposto que esta citação não está efectuada de acordo com a lei, conclui que a penhora do prédio acima descrito também é nula, invalidade que se estende a todos os actos subsequentes.

Termina pedindo que se declarem nulas a citação e a penhora acima referidas.
*
A embargada apresentou contestação com o seguinte teor:
“I
Mérito dos embargos

.. No âmbito dos embargos apresentados veio a embargante Maria ... alegar o seguinte:

a) Que apenas teve conhecimento da penhora do imóvel que identifica - prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º (…), bem comum do executado e da embargante - através da notificação da contestação apresentada pela embargada, concluindo pela tempestividade dos embargos apresentados;
b) Que, estando em causa a penhora de bens comuns, a agente de execução no âmbito da citação efectuada em 14 de Setembro de 2016 em cumprimento do preceituado no art.º 740º do CPC não mencionou expressamente que, caso não fosse requerida a separação de bens ou junto certidão da acção judicial pendente dessa separação, a execução prosseguiria sobre os bens comuns limitando-se à fórmula “sob pena de serem penhorados os bens comuns”, pelo que requer a nulidade de tal citação.
. A decisão dos presentes embargos impõe que se apreciem as seguintes questões:
a) A tempestividade da apresentação dos embargos;
b) A nulidade decorrente da citação em cumprimento do preceituado no art.º 740º do CPC
c) A penhora da meação de bens do executado no património do dissolvido casal.

Apreciemos, pois, o mérito dos embargos deduzidos.

I. Quanto à tempestividade dos embargos (caducidade do direito de acção)

. Alega a embargante que apenas tomou conhecimento da penhora do imóvel em mérito - prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º (..)- em 8 de Janeiro de 2018 quando da apresentação da contestação pela Embargada no apenso D.
. Não lhe assiste qualquer razão, o que a mesma não desconhece. Vejamos,
. Com data de 14 de Setembro de 2016, como reconhece a embargante no art.º 6. da sua petição de embargos, foi citada, nos termos do art.º 740º do CPC, de que tinha o prazo de o prazo de 20 (vinte) dias para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de serem penhorados os bens comuns. - cf. Documento 2 junto com a petição de embargos
. Tal citação, conforme decorre da epígrafe “Documentos Anexos” aí inserta, foi acompanhada do “requerimento executivo e documentos que o acompanham e auto de penhora.” - negrito de nossa autoria
. O auto de penhora que acompanhou a citação, nos termos e para efeitos do preceituado no art.º 740º do CPC, data de 15.07.2016 e dele consta a penhora dos seguintes bens imóveis: - doc. 1 que se junta
a) Prédio urbano, situado em (…), freguesia de (…), concelho de ..., destinado a habitação, … inscrito na matriz predial urbana sob o art.º (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº (..)
(…)

Ou seja,

. Tendo a embargante recebido em 19.09.2016 a citação, nos termos e para efeitos do preceituado no art.º 740º do CPC, o que a mesma reconhece (Veja-se art.º 5 da petição de embargos), recebeu obviamente o auto de penhora anexo à nota de citação.
. E se dúvidas existissem, quanto ao facto da anexação à citação do auto de penhora datado de 15.07.2016, elas ficam desfeitas pela posição manifestada pela embargante nos autos de execução.

Com efeito,

10º. Em 7 de Outubro de 2016 a embargante apresentou nos autos de execução (ref.ª citius 1050687) um requerimento em que afirmava: - doc. 2
i) Que foi citada nos termos e para efeitos do preceituado no art.º 740º do CPC para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendencia de acção em que a separação já tenha sido requerida;
ii) Que por via do divórcio do executado António (…), o património do casal era constituído pelo prédio urbano - art.º (…) - e por 3/16 avos do prédio rústico em mérito nos presentes autos (art.º 291-B)
iii) Que entende que a penhora e venda devia abranger a meação dos bens em causa.

Ou seja,

11º. A embargante desde 19.09.2016, data em que recebeu a citação enviada pela agente de execução, datada de 15.07.2016, para citação ao abrigo do preceituado no art.º 740º do CPC, a qual era acompanhada pelo auto de penhora lavrado em 15.07.2016, tinha conhecimento da penhora do prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º 1192.

Ora,

12º. Os embargos de terceiro devem ser deduzidos nos 30 (trinta) dias subsequentes àquele em que foi efectuada a diligência ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa. - Art.º 344º, n.º 2 do CPC.
13º. O prazo a que alude o artigo 344º nº 2 do CPC, para a dedução dos embargos de terceiro, é extintivo do respectivo direito potestativo de acção, o que significa tratar-se de um prazo de caducidade, porquanto define a vida de um direito, ou seja, o direito à propositura ou não dos embargos de terceiro
14º. Conclusão: À data de apresentação dos presentes embargos de terceiro já havia decorrido há muito o prazo de trinta dias, pelo que os presentes embargos estão fora de tempo.
15º. Verifica-se, assim, a excepção peremptória da caducidade do direito de acção, o que determina a improcedência dos presentes embargos. - Art.º 576º, n.º 1 e 3 do CPC.

II. Quanto à nulidade da citação (art.º 740º do CPC)

16º. Salvo o devido respeito por melhor opinião, afigura-se-nos que a nulidade da citação a que a embargante faz menção, não havia que ser discutida em sede de embargos, porque enquanto nulidade pode e deve ser conhecida no processo por simples requerimento (via incidental).
17º. Reconhecemos que a parte final da citação da agente de execução, para efeitos do preceituado no art.º 740º do CPC, devia fazer constar a cominação de que, caso a embargante não requeresse ou comprovasse a separação e bens, a execução prosseguiria sobre os bens comuns.

No entanto,

18º. A embargante compreendeu o alcance da citação quando apresentou o requerimento a que se faz referência no antecedente art.º 10º, no qual expressou a posição de que a penhora não deveria incidir sobre os bens penhorados, que identificou, mas sim sobre a meação do executado António ... sobre o acervo patrimonial do dissolvido casal do qual tais imóveis faziam parte.
19º. Como se sabe, existem duas modalidades de nulidade da citação: a falta de citação propriamente dita, prevista no art.º 188º, do CPC, e a nulidade da citação, em sentido estrito, regulada no art.º 191º, do mesmo diploma legal.
20º. A nulidade (falta) da citação (nulidade principal) deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (artºs 189º e 198º do CPC).
21º. Considera-se sanada a falta de citação, nos termos do artigo 196º, do CPC, quando o réu/executado/embargante intervier no processo sem arguir logo aquela omissão.
(Para a arguição da falta de citação não há prazo; enquanto o réu se mantiver em situação de revelia, ou melhor, enquanto se mantiver alheio ao processo, está sempre a tempo de arguir a falta da sua citação, só perdendo o direito de o fazer se intervier no processo e não reagir imediatamente contra ela. - Ver Prof. A. dos Reis (Comentário, vol. 2º, pág. 446/447 e CPC Anot., I, 3ª ed., pág. 313)

Ora,
22º. A embargante através do requerimento apresentado em 7 de Outubro de 2016, a que se faz referência no antecedente art.º 10º, não veio arguir a nulidade a que aduz na presente petição de embargos.
23º. Por outro lado, a nulidade da citação existe quando não hajam sido observadas, na sua realização, as formalidades prescritas na lei (art.º 191º do CPC), dispondo o seu n.º 2: “O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.”.
24º. Enunciado o quadro legal e a doutrina, reportando-nos ao caso concreto, constata-se que cabia à embargante arguir a falta de citação logo que interveio no processo, isto é, no acto que constituiu a sua primeira intervenção, in casu, o requerimento apresentado em 7 de Outubro de 2016.
25º. Como não o fez tal nulidade tem-se por sanada. - Artigo 196º, do CPC
26º. Improcede, pois, a arguida nulidade.

III. Penhora da meação de bens no património do dissolvido casal

27º. A Embargante pretende fazer crer – artºs. 20º a 26º do seu articulado - que a penhora deve incidir sobre o direito à meação que pertence ao executado sobre os bens do dissolvido casal (prédio urbano, inscrito na matriz sob o art.º 1.192 e por 3/16 avos do prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 291-B.

Ora,

28º. Essa questão está decidida por sentença transitada em julgado proferida nos autos de Embargos de Terceiro cujos termos, sob o n.º 1740/10.1JAPRT-B, correram por apenso aos autos principais (Execução 1740/10.1JAPRT-A). - doc. 3 (cópia sentença)

Com efeito,

29º. Inicialmente a agente de execução, no âmbito da execução, procedeu à notificação nos termos e para efeitos do preceituado no art.º 781º do CPC (penhora de direito a bens indivisos), ou seja, procedeu à penhora do direito à meação que o executado tinha nos bens do dissolvido casal.
30º. Tudo porque a Embargante havia sido casada com o executado António … de quem se divorciou em 2011, tendo procedido à partilha de bens, e, por sentença transitada em julgado, tal partilha foi declarada ineficaz em relação a Embargada e suas filhas. - doc. 3 (cópia sentença)
31º. A Embargante insurgiu-se contra tal penhora - direito à meação dos bens do casal - deduzindo Embargos de Terceiro (Proc. n.º 1740/10.1JAPRT-B) onde reclamava que a penhora deveria ser efectuada nos termos do art.º 740º, n.º 1 do CPC, ou seja, incidindo a penhora sobre tais bens (urbano e rústico), requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da mesma. - doc. 4 (petição de embargos)
32º. Foi, então, proferida douta sentença já transitada em julgado, que:

a) Declarou a nulidade da falta de citação nos termos do art.º 740º, n.º 1 do CPC e consequente nulidade da penhora do direito à meação sobre os bens do casal;
b) Ordenou que se procedesse à penhora nos termos do preceituado no art.º 740º do CPC (penhora de bens comuns em execução movida contra um dos conjugues

Portanto,

33º. É ponto assente que a penhora deve incidir sobre os bens comuns do casal, o que foi feito pela agente de execução, seguindo-se a citação nos termos do preceituado no art.º 740º do CPC
34º. Inexiste, pois, qualquer causa de nulidade da penhora efectuada.

IV. Litigância de má-fé

35º. Decorrente do anteriormente vertido verifica-se que a Embargante:
a) Levianamente (dolosamente) afirma que não foi citada nos termos do preceituado no art. 740º do CPC, o que notoriamente não corresponde à verdade;
b) Pretende veladamente – artºs. 20º a 26º - fazer crer que a penhora deve incidir sobre o direito à meação do executado nos bens do dissolvido casal, não ignorando que deduziu embargos onde peticionou que a penhora incidisse sobre bens comuns, procedendo-se à citação nos termos do art.º 740 do CPC, o que foi decidido nesse sentido por sentença transitada em julgado (Embargos de Terceiro -Proc. n.º 1740/10.1JAPRT-B);

Assim,

36º. A Embargante tem perfeita consciência que pleiteia sem razão quanto afirma que a citação, ao abrigo do preceituado no art.º 740º do CPC não foi efectuada e, por outro lado, que a penhora deve incidir sobre o direito à meação (arts. 20º a 26º), quando, em embargos de terceiro por si motivados, clamou pela penhora dos bens comuns e citação ao abrigo do preceituado nos termos da citada disposição (art.º 740º do CPC), o que foi decidido nesse sentido por douta sentença proferida. - (Embargos de Terceiro - Proc. nº 1740/10.1JAPRTB)
37º. Logo, litiga com má-fé - cf. Ac. STJ de 11.09.2012, in www.dgsi.pt.
(…)
*
De seguida, o Tribunal de Primeira Instância proferiu a seguinte decisão:

“Pelo exposto, julgo improcedentes os embargos de terceiro, cessando a suspensão da execução ordenada a fls. 81.
Custas pela embargante.
Registe e notifique.”.
*
A Recorrente interpôs Recurso da aludida decisão, apresentando as seguintes conclusões.

“Conclusões

I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida no âmbito dos presentes autos, na sentença, que veio a julgar improcedentes os presentes embargos de terceiro, bem como cessada a suspensão da execução ordenada a fls. 68 a respeito do bem aqui em causa.
II. Baseou-se o Mmo. Juiz a quo para tomar tal decisão, segundo refere a sentença, no pressuposto de que “a embargante não alega qualquer facto que, dado como provado, possa traduzir a ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a natureza da diligência, tal como exige a lei de processo.”
III. Salvo o devido respeito, a A. discorda totalmente da decisão proferida.
IV. O Exmo. Senhor Juiz a quo refere na sentença em crise que “a embargante não alega qualquer facto que, dado como provado, possa traduzir a ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível, com a natureza da diligência, tal como exige a lei do processo”.
V. O certo é que, como se vislumbra pela atenta análise da petição de embargos apresentada pela embargante, esta alegou devidamente nos arts. 20.º a 26.º a ilegalidade da penhora efectuada.
VI. Com efeito, alegou a embargante que: não é executada, nem casada com o executado neste processo, pelo que não pode ser penhorada a sua meação dos prédios em causa.
VII. A embargante, no seguimento de notificação para requerer separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de serem penhorados os bens comuns, informou quais os bens comuns, conforme documento que se junta sob o n.º 3 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
VIII. Mencionou também que: em face de sentença proferida devia ser determinada a penhora e venda da meação dos bens em causa, correspondente à parte do património do executado António (…)” e que se opunha à venda em conjunto da sua meação.
IX. Até à data não houve resposta ao requerimento apresentado.
X. O certo é que, a penhora foi realizada sobre a totalidade dos bens do ex-casal, o que a torna ilegal.
XI. A embargante é dona da sua meação dos bens em causa e não é responsável pela divida cujo cumprimento se exige, pelo que esta sua meação não pode ser penhorada para assegurar o cumprimento dessa obrigação que só ao executado António () diz respeito,
XII. Pelo que deve ser determinada a nulidade da penhora dos bens constantes do auto de penhora junto (cfr. Doc. 1), nomeadamente sobre o imóvel constante de verba n.º 1 correspondente ao prédio urbano, situado em ..., freguesia de ..., concelho de (…) destinado a habitação, … inscrito na matriz predial urbana sob o art.º (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º (…) e a verba 2, correspondente ao Prédio rústico, situado em (…), freguesia de ..., Concelho de ..., composto por vinha da Região demarcada do Douro e Arvores de fruto, com a área de 6906 m2 ……………… inscrito na matriz cadastral sob o art. (…) descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º(…).
XIII. Ou seja, a embargante alegou facto (penhora da totalidade do bem), que pode traduzir a ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a natureza da diligência, no caso o direito de propriedade da embargante.
XIV. As embargantes responderam a estas alegações nos artºs. 26 a 34 da contestação apresentada.
XV. Desta forma, na sentença proferida, o Exmo. Senhor Juiz a quo não se pronunciou sobre os factos alegados pela embargante, no que diz respeito à ofensa da posse e da propriedade da mesma.
XVI. A sentença proferida violou assim o estatuído na alínea b) do nº 1 do art. 615.º do C.P.C.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida. “
*
Foram apresentadas contra-alegações, onde a Recorrida pugna pela improcedência do Recurso e apresentou as seguintes conclusões:

“Conclusões

. A Embargante/recorrente pretende fazer crer em sede de alegações, que reproduz a matéria por si vertida nos artºs. 20º a 26º da petição de embargos, que a penhora devia incidir sobre o direito à meação que pertence ao executado sobre os bens do dissolvido casal, do qual faz parte o prédio urbano, inscrito na matriz sob o art.º (…) (penhora do direito a bens indivisos, nos termos do art.º 781º do CPC), e nunca sobre bens comuns, nomeadamente o referido urbano, o que determinava a sua citação ao abrigo do preceituado no art.º 740º, n.º 1 do CPC, ou seja, para requerer a separação de bens ou junto certidão da acção judicial pendente dessa separação;
. Acresce, ainda segundo a embargante/recorrente, o facto de a citação promovida pela agente de execução, efectuada em 14 de Setembro de 2016 em cumprimento do preceituado no art.º 740º do CPC, não ter sido regularmente efectuada;
.Daí que tenha peticionado (i) a nulidade da citação efectuada à embargante/recorrente em 14 de Setembro de 2016 e (ii) a nulidade da penhora efectuada;

Sucede que,

. A questão da penhora (penhora de bens indivisos – art.º 781º do CPC – ou penhora da meação do executado – art.º 740º do CPC) foi decidida por sentença transitada em julgado proferida nos autos de Embargos de Terceiro cujos termos, sob o n.º 1740/10.1JAPRT-B, correram por apenso aos autos principais (Execução 1740/10.1JAPRT-A), que decidiu que a penhora deveria incidir sobre bens comuns, impondo-se a citação nos termos do preceituado no art.º 740º, n.º 1 do CPC;
. O M.º Juiz “a quo” perfilhando o entendimento da embargada/recorrida entendeu, por um lado, que (i) estava decidido por sentença transitada em julgado que a penhora devia ser efectuada nos termos do preceituado no art. 740º, nº 1 do CPC (penhora de bens comuns) e, por outro, (ii) que a nulidade da citação a que a embargante/recorrente faz menção, não havia que ser discutida em sede de embargos, porque enquanto nulidade pode e deve ser conhecida no processo por simples requerimento (via incidental);
. E, ainda que assim não se decidisse, sempre se impunha que a arguida nulidade da citação, efectuada em 14 de Setembro de 2016 em cumprimento do preceituado no art.º 740º do CPC, se tivesse por sanada.
. Com efeito, com data de 14 de Setembro de 2016, como reconhece a embargante/recorrente no art.º 6º da sua petição de embargos, foi citada, nos termos do art.º 740º do CPC, de que tinha o prazo de 20 (vinte) dias para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de serem penhorados os bens comuns (entre eles o urbano em mérito);
. Sucede que, em 7 de Outubro de 2016 a embargante/recorrente apresentou nos autos de execução (ref.ª citius 1050687) um requerimento em que afirmava: i) Que foi citada nos termos e para efeitos do preceituado no art.º 740º do CPC para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendencia de acção em que a separação já tenha sido requerida; ii) Que por via do divórcio do executado António ..., o património do casal era constituído pelo prédio urbano - art.º (…)- e por 3/16 avos do prédio rústico em mérito nos presentes autos (art.º 291-B); iii) Que entendia que a penhora e venda devia abranger a meação dos bens em causa;

Ou seja,
. Notoriamente a embargante/recorrente desde 19.09.2016, data em que recebeu a citação enviada pela agente de execução, tinha conhecimento da penhora do prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º (…)(bem comum)

Ora,
10º. Existem duas modalidades de nulidade da citação: a falta de citação propriamente dita, prevista no art.º 188º, do CPC, e a nulidade da citação, em sentido estrito, regulada no art.º 191º, do mesmo diploma legal, sendo que a nulidade (falta) da citação (nulidade principal) deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (arts. 189º e 198º do CPC);
11º. Considera-se sanada a falta de citação, nos termos do artigo 196º, do CPC, quando o réu/executado/embargante/recorrente intervier no processo sem arguir logo aquela omissão;
12º. Reportando-nos ao caso concreto, constata-se que cabia à embargante/recorrente arguir a falta de citação logo que interveio no processo, isto é, no acto que constituiu a sua primeira intervenção, in casu, o requerimento apresentado em 7 de Outubro de 2016 e, como não o fez tal nulidade tem-se por sanada. - Artigo 196º, do CPC.
13º. Razão, pela qual, sempre teria que improceder a nulidade de citação invocada.

Termos em que,
Deve negar-se provimento ao recurso mantendo-se nos seus precisos termos a douta sentença impugnada”.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cf. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
*
No seguimento desta orientação, a Recorrente coloca a seguinte questão que importa apreciar:

- Saber se, contrariamente ao decidido, a Embargante/Recorrente alegou factos que podem traduzir a ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a natureza da diligência; e se, em consequência, não tendo o Tribunal Recorrido se pronunciado sobre esses factos, a sentença recorrida violou o estatuído na alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPC (omissão de pronúncia).
*
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
*
O Tribunal Recorrido considerou provados os seguintes factos:

“FUNDAMENTAÇÃO Factos provados.

1. A embargante foi notificada em 08 de Janeiro de 2018 da contestação apresentada pela embargada no apenso D do presente processo e aí, também, tomou conhecimento de que foi efectuada a penhora sobre o prédio urbano situado em (…), freguesia de ..., concelho de ..., destinado à habitação, composto de casa de r/c e andar, e anexo, com logradouro, com a área coberta de 226 m2 e descoberta de 174 m2, a confrontar de norte com caminho público, sul e poente com (…), Nascente com (…9, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º (…9 e descrito na CRP de ... sob o n.º (…)
2. Antes disto tinha sido citada no processo principal, em 14/09/2016, para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida sob pena de serem penhorados bens comuns.
*
Para dar como provados os factos que antecedem, o tribunal atendeu ao teor de fls. 9 a 75 dos autos
*
B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiu em cima a questão que importa aqui apreciar.

O Tribunal Recorrido julgou os presentes Embargos de terceiro improcedentes por entender:

a. Que a Embargante não alegou qualquer facto que, dado como provado, possa traduzir a ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a natureza da diligência, tal como exige a lei de processo.
b. Que as questões atinentes à citação nos termos e para os efeitos do art.º 740.º do CPC, designadamente atendendo ao que já foi decidido nos autos, devem ser apreciadas apenas em sede de processo principal, nada tendo que ver, agora, com as penhoras e a sua validade.
*
Defende a Recorrente que assim não é, porque:

- Alegou, devidamente nos artºs. 20.º a 26.º da petição inicial, a ilegalidade da penhora efectuada.

Assim,

- Alegou que não é executada, nem casada com o executado neste processo, pelo que não pode ser penhorada a sua meação dos prédios em causa.
- Alegou que a penhora foi realizada sobre a totalidade dos bens do ex-casal, o que a torna ilegal.
- Alegou que a penhora da totalidade do bem traduz a ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a natureza da diligência, no caso o direito de propriedade da embargante.
*
Cumpre decidir.

Dispõe o art. 342º, nº 1, do CPC que “se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.

Por sua vez, estabelece o art. 345º do mesmo Código que “sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”.

Destas duas disposições resulta que o terceiro embargante tem de demonstrar a existência do seu direito ofendido pelo acto judicial de apreensão ou entrega de bens e a ocorrência dessa ofensa.

Já o Prof. Alberto dos Reis (1) dizia que o terceiro embargante tem de alegar e provar a posse e a lesão ou ameaça de lesão da posse.

E, conforme já se podia ler no Ac. do STJ de 13.3.97 (BMJ, nº 465, p. 486 ss.), “ao deduzir embargos de terceiro, devem os embargantes alegar os factos reveladores da sua posse (…) e da ofensa desta pela diligência judicial, sem o que não se mostra satisfeito o respectivo ónus de alegação, a que corresponde o ónus da prova”.

Por outro lado, por força do princípio dispositivo, “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir” (art. 5º, do CPC).

A causa de pedir “é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido” (2).

Assim, a causa de pedir são factos e não juízos jurídicos ou conclusivos.

Isto significa que, no caso dos embargos de terceiro, incumbe ao embargante alegar e provar factos que consubstanciem a causa de pedir respectiva, sendo insuficiente a mera afirmação da posse e da lesão da posse ou a invocação de direito incompatível, sem a efectiva concretização em factos que preencham esses conceitos.

Na verdade, “a causa de pedir dos embargos de terceiro é a factualidade integrante do direito invocado, seja a posse, seja a propriedade, seja algum outro direito incompatível com a finalidade da diligência judicial que se pretende impugnar, bem como a factualidade integrante daquela diligência.

Assim, tem o embargante que articular, a título de causa de pedir, os factos donde derive o direito ou a situação invocada legalmente incompatíveis com a finalidade do acto judicial em causa” (3).

Sem tais factos não há causa de pedir suficientemente configurada – o que poderá determinar a ineptidão da petição inicial (art. 186º, nº 2, al. a), do CPC), consequente nulidade de todo o processo (art. 186º, nº 1), vício que constitui excepção dilatória, e impõe o indeferimento liminar, por ser processualmente admissível (ao abrigo do art. 345º do CPC).

Como também referia o Prof. Alberto dos Reis (4) é inepta, por omissão de causa de pedir, a petição em que não se articulem factos positivos e concretos: quando o autor se limita a usar ou invocar os termos da própria lei, uma fórmula abstracta da lei ou uma dada figura legal, não está a expor a causa de pedir.

Quando o embargante se limita a declarar que é proprietário ou possuidor dos bens penhorados, sem especificar em que condições se tornou seu dono ou possuidor, então apenas está a expressar afirmações, no mínimo, de carácter conclusivo.

E, como é sabido, conclusões (ou juízos conclusivos) não são factos: trata-se de matéria equiparável a matéria de direito, pelo que trata-se de alegações que são insusceptíveis de preencher a causa de pedir da pretensão que se pretende deduzir.

Ora, no caso concreto, com bem refere o Tribunal Recorrido, a petição de embargos de terceiro aqui em discussão mostra-se efectivamente omissa na descrição de factos, de onde, pela respectiva prova, se pudesse inferir a propriedade (ou a posse) da Embargante, relativamente aos bens penhorados e a alegada ofensa a qualquer dos seus direitos alegadamente violados.

No caso concreto, em especial, exigia-se ainda que a Embargante cumprisse o ónus de alegar e comprovar a natureza, própria ou comum, do bem penhorado e o fundamento pelo qual entenderia que a penhora teria sido indevidamente ordenada e concretizada.

Alegações que não foram efectuadas pela Embargante/Recorrente na petição inicial (já que o único fundamento invocado respeitará à alegada arguição da nulidade da citação).

Mas não é só por aqui que a decisão recorrida se deve manter integralmente.

No caso concreto, estamos, como já se viu, perante uma situação especial, pois que a Embargante assume a qualidade de (ex.-) cônjuge do executado, tendo sido penhorados bens comuns que eram do casal – o que já se mostra decidido na sentença proferida nos autos de Embargos de terceiro apenso B) (5).

Ora, nestes casos em que os bens, que constituem objecto dos Embargos de terceiro (e da penhora), são comuns, um dos pressupostos dos embargos de terceiro é (para além da alegação de que o Embargante não é parte na lide executiva) o não ter sido citado nos autos de execução para requerer a separação de bens, nos termos do nº 1 do artigo 740.º do CPC.

Na verdade, o art. 343º do CPC exige determinados pressupostos para conferir legitimidade ao cônjuge do executado para deduzir embargos de terceiro

Com efeito, pode-se ler no citado dispositivo legal que: “O cônjuge que tenha a posição de terceiro pode, sem autorização do outro, defender por meio de embargos os direitos relativamente aos bens próprios e aos bens comuns que hajam sido indevidamente atingidos pela diligência prevista no artigo anterior(6).

Porém, este preceito tem de ser lido no contexto mais alargado do regime processual previsto para o cônjuge do executado – e para essa leitura revestem especial relevância o disposto nos artºs. 740º e 787º do CPC.

O nº 1 da primeira dessas disposições legais rege do seguinte modo: “Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns”.

E a segunda dessas disposições legais, sob a epígrafe “estatuto processual do cônjuge do executado”, na sequência da previsão do art. 786º, nº 1, al. a), do CPC (que consagra a citação do cônjuge do executado para a execução “quando se verifique o caso previsto no nº 1 do art. 740º”), estabelece, no seu nº 1, que “O cônjuge do executado, citado nos termos da primeira parte da alínea a) do nº 1 do artigo anterior, é admitido a deduzir, no prazo de 20 dias, oposição à penhora e a exercer, nas fases da execução posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual confere ao executado, podendo cumular eventuais fundamentos de oposição à execução”, acrescentando, no seu nº 2, que “Nos casos especialmente regulados nos artigos 740.º a 742.º, é o cônjuge do executado admitido a exercer as faculdades aí previstas”.

Perante estes dispositivos legais, não restam dúvidas que, citado o cônjuge do executado, no momento e com as garantias a que se refere o art. 740º do CPC, pode ele requerer a separação de bens, em processo de inventário, ou juntar aos autos certidão comprovativa da pendência de processo de separação de bens já instaurado.

E se não o fizer, a execução poderá prosseguir sobre os bens comuns.

Daí que se entenda que “requisito essencial para a subsunção a este preceito processual (art. 343º do CPC) é que o cônjuge do executado ainda não tenha sido citado (mormente para o efeito previsto na primeira parte da al. a) do nº1 do art. 786º do CPC), uma vez que, nessa hipótese, o cônjuge já não tem a qualidade de terceiro” (7).

Nessa medida, tendo o cônjuge do executado sido citado nesses termos, já não tem legitimidade para deduzir os Embargos com aquele fundamento (8).

Na verdade, só caso tenha sido omitida a aludida citação a que se reporta o n.º 1 do art. 740º do CPC, na execução movida apenas contra um dos cônjuges, é que pode o outro deduzir embargos de terceiro para defender o seu direito relativo aos bens comuns penhorados.

Assim, a citação do cônjuge do executado para a acção executiva confere-lhe a posição de parte (9) (ou retira-lhe a qualidade de terceiro), impedindo-o de embargar de terceiro.

Destas considerações decorre, assim, que o cônjuge do executado só pode embargar em defesa dos seus direitos relativos aos bens comuns indevidamente atingidos pelo acto de penhora, quando assuma a posição de terceiro em relação à acção executiva (ou seja, não seja parte).

“Por isso movida uma acção executiva apenas contra um dos cônjuges para pagamento de dívida própria, na qual sejam penhorados bens comuns, pode o outro cuja citação a que se reporta o nº1 do art. 740º do CPC haja sido omitida pelo agente de execução, deduzir embargos de terceiro, a fim de defender o seu direito à meação sobre eles…

Citado o cônjuge do executado para a execução, nos termos do art. 786º, nº 1, al. a) do CPC, ainda que indevidamente, fica na posição de parte, pelo que não pode embargar de terceiro” (10).

Em conclusão, “… pelo art. 343º do CPC (só) o cônjuge que seja terceiro – i. e., não seja parte na acção, como executado ou como cônjuge citado ao abrigo dos artºs. 786º, nº 1 e 740º, nº 1 - tem legitimidade singular – e por isso, não carece de autorização do outro – para se defender por meio de embargos de diligência indevidamente delimitada pelo art. 342º do CPC…” (11).

Nesta conformidade, “tratando-se de bens comuns em dois casos não pode o cônjuge do executado embargar: a) quando tenha sido citado nos termos do art. 740º, nº 1 do CPC e o executado não tenha bens próprios; b) quando a penhora incida sobre bens levados para o casal pelo executado ou por ele posteriormente adquiridos a título gratuito e/ou sobre rendimentos de uns e outros desses bens, ou sobre bens sub-rogados no lugar deles, ou ainda sobre o produto do trabalho e os direitos de autor do executado, dado que estes bens, ainda que comuns, respondem ao mesmo tempo que os bens próprios (art. 1696, nº 2 do CC). Mas os Embargos já são admissíveis quando, por haver bens próprios do executado, não esteja verificado o condicionalismo em que actua a responsabilidade subsidiária, bem como quando não tenha sido feita a citação do cônjuge nos termos do art. 740º, nº 1 do CPC” (12).

Nesta sequência, forçoso é concluir que, perante a circunstância de a embargante ter sido citada na execução nos termos do art. 740º do CPC, não podia a mesma ver aqui reconhecida a qualidade de terceiro para efeitos de dedução do incidente de embargos previsto nos artºs. 342º e seguintes do CPC, pelo que só por esse facto os Embargos deduzidos teriam também que improceder.

Além disso, também essa mesma conclusão se pode extrair do facto de a Embargante não ter cumprido o ónus que sobre ela recaia de alegar os factos correspondentes à sua pretensão, não tendo, nomeadamente, alegado os factos de onde pudesse decorrer a natureza, própria ou comum, do bem penhorado e o fundamento pelo qual entenderia que a penhora teria sido indevidamente ordenada e concretizada (por ex., a violação do princípio da responsabilidade subsidiária).

Acontece que a Embargante veio, mais uma vez, arguir a nulidade da sua citação (efectuada naquele âmbito) – o que, a reconhecer-se, poderia voltar a legitimá-la para a dedução dos Embargos de terceiro (embora, no caso concreto, como se acaba de referir, não tenha apresentado qualquer alegação fáctica no sentido de concretizar porque é que se deveria considerar que a penhora concretizada em bem comum do ex-casal tinha sido indevidamente efectivada - o que conduziria de qualquer modo à improcedência da sua pretensão).

Julga-se, no entanto, que a invocação da nulidade da citação (que não da sua completa omissão) não pode, no presente processo, constituir fundamento dedução de Embargos de terceiro – já se referiram em cima, quais são os fundamentos que o legislador considerou, neste âmbito, admissíveis.

Além disso, trata-se de questão que já se mostra decidida nos autos apensos, tendo transitado em julgado a respectiva sentença proferida no Apenso D).

Na verdade, a arguição da nulidade da citação, como já ficou dito nesse processo pelo Tribunal Recorrido, só pode ser invocada no próprio processo de execução (13).

Não constitui fundamento de dedução de Embargos de terceiro; e, nesse sentido, poder-se-ia até dizer que existe como que uma espécie de erro na forma do processo (no meio processual que devia ter sido utilizado) – cf. art. 193º do CPC.

Mas mais do que isso, e conforme decorre do exposto, no caso concreto constituiria mesmo um pressuposto prévio da legitimação da Embargante para deduzir os presentes Embargos (só pondo em causa a citação, por requerimento a apresentar nos autos de execução – se tal ainda for/fosse possível – é que a Recorrente poderia readquirir a exigida qualidade de terceiro em relação à acção executiva).

Tudo isto foi dito pelo Tribunal Recorrido:

“… as questões atinentes à citação nos termos e para os efeitos do art.º 740.º do CPC, designadamente atendendo ao que já foi decidido nos autos, deve ser apreciado apenas em sede de processo principal, nada tendo que ver, agora, com as penhoras e a sua validade (…)

Isto quer dizer que a penhora acima referida em 1), efectuada sobre o prédio ali identificado, não padece de qualquer vício (nem tal, verdadeiramente, foi alegado) que possa ser apreciado em sede de embargos de terceiro, devendo as questões atinentes ao cumprimento do art.º 740.º do CPC ser aferidas, agora, unicamente no processo principal”.
*
Pelo exposto, conclui-se que o tribunal recorrido não omitiu a pronúncia sobre os fundamentos invocados pela Embargante (art. 615, nº, 1, al d) do CPC).

Como é sabido, segundo este preceito legal é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Esta previsão legal está em consonância com o comando do nº 2 do art. 608º do CPC em que se prescreve que “o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

No entanto, importa não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido.

As questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.

Coisa diferente das questões a dirimir/decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 608º, nº 2 do CPC.

Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.

A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um eventual erro de julgamento (error in iudicando), mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia.

Feito este enquadramento, cabe referir que, conforme decorre de todo o exposto, a decisão recorrida não padece, manifestamente, do vício invocado, na estrita medida em que conheceu, não só das questões colocadas pela Embargante (no sentido exposto), como, além disso, se pronunciou sobre os argumentos da Recorrente, nomeadamente, aqueles que a mesma agora aponta como não tendo sido objecto de pronúncia.

Nesta conformidade, julga-se, como consequência do atrás explanado, que a sentença proferida não padece do vício de nulidade invocado pela Recorrente.

Improcede, pois, totalmente o Recurso interposto.
*
*
III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o Recurso interposto pela Embargante/Recorrente.
*
Custas pela Recorrente.
Notifique.
*
Guimarães, 7 de Fevereiro de 2019

(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)
(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)
(Dra. José Alberto Moreira Dias)

1. In “Processos Especiais”, vol. I, p. 404
2. v. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, p. 245
3. Ac. da RG de 24.9.2015 (relator: Jorge Teixeira), in dgsi.pt.
4. Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, p. 377
5. A questão da penhora (penhora de bens indivisos – art.º 781º do CPC – ou penhora da meação do executado – art.º 740º do CPC) foi decidida por sentença transitada em julgado proferida no apenso B, onde se decidiu que a penhora deveria incidir sobre bens comuns, impondo-se a citação nos termos do preceituado no art.º 740º, n.º 1 do CPC.
6. Já se referiu que a Embargante nem sequer alegou este último requisito.
7. Virgínio Ribeiro/Sérgio Rebelo, in “A acção executiva anotada e comentada”, pág. 89.
8. V. por ex. o ac. da RL de 23.2.2012 (relator: Teresa Pardal) onde se refere que “se o executado não tiver bens próprios e o cônjuge do executado tiver sido citado nos termos do artigo 825º (actual, art. 740º) para requerer a separação e bens na sequência da legítima penhora dos bens comuns, não há qualquer fundamento para a defesa por embargos (cf. neste sentido Lebre de Freitas “A acção executiva”, 5ª edição, página 291, acs RL 10/01/2008 P. 9533/2007.2, RC 15/11/2005 P. 2680/05, STJ 13/04/2000 P.00B195 - sumário, todos em www.dgsi.pt)”.
9. Segundo Rui Pinto in “Manual da acção executiva e Despejo”, pág. 843 assumirá mesmo a posição de parte principal, “embora não seja titular da relação exequenda- máxime, não é devedor – mas estando presente em razão dos bens, um pouco como os terceiros garantes ou possuidores (cf. artºs. 54º, nº 2 e 4 do CPC) …”.
10. Salvador da Costa, in “Incidentes de Instância”, pág. 180.
11. Rui Pinto, in “Manual da acção executiva e Despejo”, pág. 788.
12. Lebre de Freitas, In “A Acção executiva – à luz do CPC de 2013”, 6ª edição, pág. 335 e 336.
13. Refere Rui Pinto, in “Manual da acção executiva e Despejo”, pág. 832 que “(a nulidade da citação) pode ser invocada pelo cônjuge e credor no prazo da oposição ou de reclamação de créditos. Se não foi sequer indicado esse prazo, a nulidade pode ser arguida aquando da primeira intervenção do processo…”. Já a pura e simples falta de citação do cônjuge do executado … (art. 786º, nº 2 e 3) tem o mesmo efeito que a falta de citação do Réu, o que implica, antes de mais, que ela segue o regime geral da nulidade primária da falta de citação. (…). No requerimento serão alegados e demonstrados os pressupostos do acto de citação omitidos. No caso do cônjuge serão a qualidade de cônjuge e qualidade dos bens, sendo certo que a qualidade de bens comuns não é de conhecimento oficioso, ao contrário da natureza de imóvel ou de estabelecimento comercial do bem. (…) A falta de citação do cônjuge do executado fica sanada se ele intervier na execução sem logo a arguir, nos termos do art. 189º, nº1 do CPC”.