Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
44/21.9YRGMR
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: DECISÃO ARBITRAL
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
ANULAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AÇÃO DE ANULAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A impugnação da sentença arbitral, estabelecida no artigo 46.ª da Lei de Arbitragem Voluntária, para além de outras características, tem a natureza de contencioso de anulação e não, como no processo civil, de substituição, pelo que não pode comportar qualquer norma idêntica ao artigo 662.º n.º 2 c) do Código de Processo Civil.
II- No específico contexto do processo arbitral, tem que se considerar que, excluindo as exceções referidas na segunda parte do n.º 3 do artigo 42.º da Lei de Arbitragem Voluntária, o não conhecimento na sentença arbitral de factos alegados pelas partes que, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, sejam suscetíveis de ter relevância para a decisão da causa, traduz-se numa violação do dever de a fundamentar, estabelecido na parte inicial desse n.º 3, o que, à luz do disposto na subalínea vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º do mesmo diploma, constitui motivo para a sua anulação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I
X Eletricidade S.A. (1) veio impugnar a decisão arbitral, de 21 de dezembro de 2020, proferida pelo Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Ave, Tâmega e Sousa, no processo que aí correu termos na sequência do pedido de arbitragem apresentado por M. C., solicitando a "anulação da sentença arbitral nos termos e para os efeitos das alíneas ii) e v) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV".

Na decisão colocada em crise o tribunal arbitral decidiu:
"Assim, em face ao exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a presente ação arbitral e consequentemente:
a) Absolvo a demandada "Y Distribuição" dos pedidos formulados pela demandante;
b) Condeno a demandada "Y Serviço Universal" (2) no pagamento à demandante, no prazo máximo de 10 (dez), dias, da quantia de € 1.250,00, a título de indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais."
A requerente X Eletricidade formulou as seguintes conclusões:
1. A partir de 05 de novembro de 2021, a Y Serviço Universal, S.A. passou a designar-se X Eletricidade, S.A., conforme consta da respetiva certidão do registo comercial, com a chave de acesso …….., válida até 07/04/2024 e que ora se junta como documento n.º 1.
(…)
8. Em 17 de Janeiro de 2020 a Ré apresentou junto do Centro de Arbitragem de Conflitos e de Consumo do Ave Tâmega e Sousa (doravante TRIAVE) uma queixa contra a Autora pedindo, em suma, a sua condenação no pagamento de uma indemnização no valor de € 1250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) pelos alegados danos causados pelo corte de energia (alegadamente) ordenado pela Autora em 09.1.2015.
(…)
12. Notificada para exercer o direito ao contraditório a Autora veio impugnar os factos alegados pela Ré, referindo que o corte não ocorreu no dia 09/01/15 mas sim no dia 07/1/15 – facto este confirmado pelo Operador de Rede de Distribuição - bem como o facto de o corte ter sido antecedido do competente aviso de corte, aviso este que que tinha 21/11/2014 com data limite de pagamento;
13. Tendo o corte sido antecedido pela competente carta de aviso, tal como é exigido pela legislação aplicável ao sector elétrico, e não tendo sido feito o pagamento do valor integral em dívida dentro do referido prazo, o corte foi legitimo e legal.
14. Concluindo que o corte se deveu ao não pagamento integral do valor inscrito na carta de aviso de corte enviada à Ré em 30/10/2014 e que tinha como data limite de pagamento 21/11/2014 (…).
15. Mais alegou que para além dos valores vencidos em 07/01/2015 (€ 21,14) e que justificaram o corte.
16. No dia 09/01/2015 a Ré liquidou o valor global de € 89,49 que englobava os €21,14 que justificaram o corte, € 37,99 referentes ao aviso de corte junto pela própria Ré, € 28,51 da religação do fornecimento de energia e ainda €1,85 de juros de mora;
17. Feito o pagamento dos valores em aberto a Autora solicitou o restabelecimento do fornecimento de energia, o que veio a acontecer no dia 12/01/15.
18. Ou seja, decorre do articulado da Autora, não só que o corte correu no dia 07-1-15, e não no dia 09-01-15 como alega a Ré, tendo o mesmo sido legitimo não só porque foi antecedido pela respetiva fatura que, na data de vencimento não foi paga, como pela carta de aviso de corte que também não foi paga na data de vencimento, motivo pelo qual o pedido da Ré deveria improceder.
19. A W Redes foi igualmente demandada tendo informado aos autos que em 07-01-2015 foi gerada uma ordem de serviço, a ordem de serviço de corte BTN n.º ...........78 que foi executada nesse mesmo dia, pelas 11h53;
20. Carreados todos os documentos para o processo, realizado o julgamento e apreciação de toda a prova, testemunhal e documental, trazida pelas partes ao processo o TRIAVE julgou provados os seguintes factos:
(…)
21. Face à convicção do TRIAVE sobre a factualidade provada e não provada decidiu aquele Tribunal condenar a ora Autora no pagamento à Ré da quantia de € 1.250,00.
22. Ora, a Autora não pode conformar-se com esta decisão motivo pelo qual pretende a impugnação da mesma através da presente ação de anulação
23. Ora analisada a decisão arbitral é convicção da Autora que a mesma deve ser impugnada não só porque o Tribunal deixou de se pronunciar sobre questões essenciais para a boa decisão da causa e que eram suscetíveis de alterar a decisão,
24. Bem como pelo facto de, não obstante a Autora ter tido oportunidade de apresentar a sua defesa, o Tribunal Arbitral, de forma inexplicável, não levou em consideração nenhum dos factos que a Autora alegou, sendo manifesta a desigualdade de tratamento de ambas as partes.
25. Fundando-se a presente impugnação nas alíneas ii) e v) do n.º 1 do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
26. Conforme o referido supra a Ré pedia a condenação da Autora no pagamento da quantia de € 1.250,00 a título de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados pela interrupção do fornecimento de energia alegadamente datada de 09/1/2015,
27. Para tanto alegou que no dia 09/01/2015 efetuou o pagamento da quantia de € 89,49 e "Quando regressei a casa, nesse dia, 09/01/2015, a eletricidade estava cortada" tendo o restabelecimento de energia ocorrido no dia 12/1/21 pelas 12h00;
28. Com a Reclamação a Ré junta ainda duas cartas enviadas pela Autora, no seguimento de uma reclamação feita pela Ré junto da DECO e que em suma explica o fundamento do corte e, bem assim, que o mesmo em nada se relaciona com o valor pago em 09/1/25. (…).
29. Com efeito das cartas enviadas pela Autora, com data de 21/5/2019 e 21/06/2019 resulta que em 06/10/2014 foi emitida a fatura n.º ...........29 no valor de € 73,81 (€ 30,82+€42,99), fatura essa que tinha como data-limite 24/10/2014 (…).
30. No dia 10/10/2014 a Ré procede ao pagamento da quantia de € 30,82, permanecendo em dívida € 42,99, que deveria ser pago até 24/10/2014;
31. Em 30/10/2014, e face ao não pagamento dos € 42,99, a Autora emitiu um aviso de corte com data-limite de pagamento 21/11/2014 (…);
32. No dia 26/11/2014 a Ré procedeu ao pagamento da quantia de € 21,85 para pagamento de parte da fatura n.º ...........29, tendo permanecido em dívida a quantia de € 21,14, quantia esta que deveria ter sido paga até ao dia 21/11/2014.
33. Mais resulta das referidas cartas que não tendo sido feito o pagamento do valor remanescente de € 21,14 a Autora fez o pedido de interrupção do fornecimento de energia o que veio a ocorrer no dia 07 de janeiro de 2015.
34. Ou seja, dos documentos carreados para o processo pela própria Ré, é possível desde logo perceber que existiam incongruências na sua reclamação quanto à data do corte, aos valores que levaram ao corte e, bem assim, sobre a ilegitimidade do mesmo.
35. Nenhum destes factos é evidenciado, referido ou analisado na sentença!
36. A contestação da ora Autora, vai ao encontro do que é referido nas cartas remetidas à ora Ré e que estão juntas aos autos, sendo possível concluir que o corte ocorrido em 07/1/2015 tem como fundamento a falta de pagamento integral da fatura n.º ...........29,
37. Fatura esta que, reitera-se, não foi paga na sua totalidade nem na data prevista na fartura – 24/10/2014 – nem da data concedida no aviso de corte – 21/11/2014.
38. Curiosamente o Tribunal não fez qualquer referência a estes factos que tinham apenas permitido provar a legitimidade do corte!
39. Conforme o referido supra a W Redes na sua contestação vem esclarecer que o corte ocorreu em 07/1/2015, e não no dia 09/1/15, e que o restabelecimento do fornecimento ocorreu no dia 12/01/2015,
40. Esclarecimentos estes devidamente suportados por documentos!
41. De forma inexplicável e, no nosso entendimento, a extravasar em muito o âmbito da livre apreciação da prova, o TRIAVE dá como não provado que o corte tenha ocorrido em 07/01/2015 mantendo-se fiel, como sempre, à versão dos factos da Ré.
42. Ora dos factos e documentos trazidos aos autos pelas 3 partes resulta de forma inequívoca que a Autora cumpriu integralmente o legalmente definido para as situações de incumprimento imputáveis ao cliente:
- Emitiu a fatura n.º ...........29 no valor de € 73,81, com data limite de 24/10/14, informado dessa forma a Ré do valor a pagar decorrente do fornecimento de energia elétrica à instalação e, bem assim, a data de vencimento da fatura – vide artigos 134.º e 135.º do RRC;
- A Ré em 10/10/2014 pagou o valor de € 30,82 permanecendo em dívida a quantia de € 42,99;
- Constituindo-se a Ré em mora a Autora fixou um prazo adicional (21/11/2014) para a liquidação do valor em dívida e;
- Alertou a Ré para a consequência legal - a suspensão do fornecimento - decorrente do não pagamento da fatura dentro do prazo adicional (21/11/2014) – vide n.º 2 do artigo 75.º do RCC.;
- Em 26/11/2014, e já depois de decorrido o prazo concedido, a Ré procedeu ao pagamento da quantia de € 21,85, valor este imputado à quantia de € 42,99, permanecendo por liquidar a quantia de € 21,14;
- Ultrapassado o prazo referido em iii) e não estando a fatura integralmente paga a Ré emitiu uma ordem de serviço com vista à interrupção do fornecimento de energia, concretizada a 07/01/2015 pela W Redes;
- Em 09/1/15, dois dias após o corte, a Ré procede ao pagamento da quantia de € 89,49 (€ 21,14 + 37,99 +2 8,51 + 1,85), valor este que naquela data estava vencido e no qual se inclui o remanescente da fatura n.º ...........29 no valor de € 21,24, tendo nessa mesma data a Autora emitido OS com vista ao restabelecimento do fornecimento de energia, o que veio a ocorrer no dia 09/1/15.
43. Todos estes pontos resultam de factos e documentos trazidos aos autos pelas 3 partes e que no entendimento da Autora deviam ser merecedoras da análise e pronuncia por parte do Tribunal.
44. Que ao invés de analisar criticamente todos os factos e documentos trazidos pelas partes, opta por ignorar a posição da Autora e da W Redes Demandadas e aceita, sem mais, tudo o quanto é alegado pela Ré,
45. Mesmo quando essa alegação está em manifesta contradição até com os documentos que junta.
46. Proferindo uma decisão mal fundamentada, sem qualquer razoabilidade e mais grave sem qualquer sem qualquer referência aos factos alegados pela Autora e que permitem legitimar o corte ordenado a 07/01/2015.
47. Face à importância da fatura ...........29, do pagamento parcial de € 21,85, do aviso de corte emitido em 30/10/2014, do não pagamento do remanescente da referida fatura e o valor em dívida à data de 07/01/2015, e do corte datado de 07/01/15 exigia-se que Tribunal se pronunciasse sobre estes factos.
48. E exigia-se a pronuncia do Tribunal porque são factos relevantes para a boa decisão da causa e permitiam comprovar a legitimidade e a legalidade do corte.
49. Da mesma forma que se exigia algum juízo critico relativamente à versão da Ré e às provas trazidas aos autos.
50. É manifesto que Tribunal apenas dá voz a uma versão dos factos, apesar dessa versão ter várias incongruências, o que evidencia uma manifesta desigualdade no tratamento das partes e na forma como as provas foram analisadas e valoradas.
51. O Tribunal, ao ignorar os argumentos, provas e factos trazidos pela Autora, não se pronunciando sobre os mesmos, viola o princípio de igualdade das partes e evidencia uma tendência para um dos pratos da balança que não se pode admitir!
52. A Autora defendeu a sua posição em sede de contestação exigindo-se, no mínimo, que os factos que trouxe ao processo fossem analisados de forma criteriosa e referidos na sentença ainda que fosse para serem considerados como não provados.
53. Ora o Tribunal ao não se pronunciar sobre os factos trazidos pela Autora, nomeadamente os factos que permitem concluir pela legitimidade e legalidade do corte – emissão da fatura ...........29, aviso de corte emitido a 30/10/2014, pagamento parcial da fatura ...........29 e, bem assim, a data correta do corte– está a violar de forma flagrante o disposto no n.º 2 do artigo 608.º CPC e dá fundamento à presente impugnação.
54. Por outro lado o facto de o Tribunal aceitar a versão dos factos trazidos pela Ré sem "analisar criticamente" os documentos juntos, incluindo os que são juntos pela própria, nomeadamente o recibo emitido pela Autora e as cartas enviadas, está a violar o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC e, no nosso entendimento, o principio da igualdade das partes.
55. Com efeito, impunha-se ao Tribunal perceber e pronunciar-se sobre toda a sucessão de factos que levou à interrupção do fornecimento de energia por forma a poder, de forma fundamentado, julgar se a mesma era ilícita ou não,
56. E para tal tinha apenas que analisar criticamente os factos e documentos trazidos aos autos pelas partes, o que não aconteceu!
57. Na verdade, se o Tribunal tivesse analisado, tal como a lei lhe exige, todos os factos e documentos trazidos pelas partes a sentença teria que ser naturalmente diversa, concluindo-se que o corte se deveu ao não pagamento integral da fatura n.º ...........29,
(…)
58. Ou seja o corte foi legal e legitimo tendo a Autora cumprido todos os requisitos exigidos quer na Lei n.º 23/96 de 26/07 quer no RRC!
59. No entanto, o Tribunal não fez essa análise, não se pronunciou sobre factos relevantes o que prejudica e compromete a posição da Autora e, bem assim, a boa decisão da causa,
60. Pelo que se exige anulação da sentença arbitral nos termos e para os efeitos das alíneas ii) e v) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.

A requerida M. C. deduziu oposição sustentando nas suas conclusões que:
1. Como fundamento do pedido de anulação da decisão arbitral com fundamento nas alíneas ii) e v) do n.º 3 do art. 46.º da LAV, alegou a Autora, em suma, que os documentos por ela carreados ao processo não foram "evidenciados, referidos ou analisados na sentença".
2. Pois bem, os documentos a que a requerente se refere respeitam a documentos probatórios juntos com a contestação apresentada que, alegadamente, evidenciam que a fatura n.º ...........29 não foi integralmente paga pela aqui Ré até à data do seu vencimento, a 24/10/2014, nem na data concedida no aviso de corte enviado pela Autora – 21/11/2014 – sendo que a ordem de serviço emitida com vista a interromper o fornecimento de energia tem por base a fatura supramencionada e que tal corte veio a acontecer dia 7/01/2151 e não a 9/01/2015, conforme resultou provado da douta sentença do TRIAVE.
3. A aqui Ré não pode concordar com este entendimento nem tão pouco sustentar a legitimidade do Recurso interposto pela Autora.
4. Conforme resulta da sentença (vide documento que ora se junta sob n.º 1), sob a epígrafe "Enquadramento de Facto" pode ler-se o seguinte: "Finda a produção de prova e tendo em conta a posição assumida pelas partes nos seus articulados, as declarações de parte da demandante, que se revelaram coerentes, seguras, coincidentes com a realidade, com precisão de datas, lugares e pessoas, revelando, por isso, autenticidade e genuinidade, e , desse modo, credíveis, o depoimento das testemunhas, os documentos juntos aos autos pelas partes, os factos admitidos por acordo, confessados e/ou provados por documentos, em conjugação, ainda, com as regras da experiência e com os juízos da normalidade da vida, resultaram provados, com relevância para a decisão desta causa arbitral, os factos seguintes:" (negrito e sublinhado nosso).
5. Daqui se retira que o tribunal Arbitral teve em consideração todos os meios probatórios carreados ao processo pelas partes, incluindo os da aqui Autora, sendo que, considerou como não provado que "A demandada "Y Serviço Universal" gerou uma ordem de serviço de conte BTN para habitação da demandante em 07-01-2015".
6. À luz do preceituado no n.º 607/n.º 3, 4 e 5 do CPC, na elaboração da sentença e depois de declarados os factos julgados provados e os factos julgados não provados, o juiz aprecia livremente as provas e forma a sua convicção.
7. Não são tidos em consideração os factos não provados.
8. Os factos alegados pela Ré foram analisados e referidos na sentença, contrariamente ao alegado pela Autora. Aliás, veja-se a parte da sentença referente à forma como o Tribunal formou a sua convicção, onde, na alínea c) faz referência expressa aos documentos carreados ao processo pela aqui Autora, dizendo que "quanto ao facto n.º 1 da matéria de facto que resultou não provada pelo Doc. 5 junto com a contestação escrita da demandada "Y Distribuição" (negrito e sublinhado nosso).
9. Daqui resulta que o Tribunal Arbitral, considerou os documentos analisados pela Autora e pronunciou-se sobre os mesmos, não havendo, por este motivo, fundamento para o recurso interposto com base nas alíneas ii) e v) do n.º 3 do art. 46.º da LAV, não podendo a aqui Autora alegar que o tribunal não respeitou o principio da igualdade de tratamento entre as partes e que deixou de se pronunciar sobre questões essenciais para a boa decisão da causa, que no seu entender seriam suscetíveis de alterar a decisão.
10. Face ao exposto, o presente recurso deve ser julgado inadmissível, por falta de fundamento que o justifique, nomeadamente, por não se verificar nenhum dos requisitos necessários para anulação da sentença arbitral presentes no n.º 3 do art. 46.º da LAV.
11. Apesar do supra exposto, e, sem prescindir, admitindo, por mero exercício académico, que a ordem de serviço emitida com vista a interromper o fornecimento de energia foi efetuada tendo por base a falta de pagamento atempado da fatura n.º ...........29, tendo sido o fornecimento de energia interrompido a 7 de janeiro de 2015 (o que nem faz sentido, se não atente-se na missiva enviada pela Autora à aqui Ré em que na carta faz referência a que a interrupção de fornecimento seria efetuada a 9 de janeiro de 2015, caso os montantes em dívida não fossem liquidados até essa mesma data – confronto com doc. 2) a situação em apreço seria ainda mais gravosa do que a julgada pelo Tribunal Arbitral, por vários motivos:
- 1.º) Porque o aviso de corte na carta enviada (cfr. doc. 2) tem como data limite de pagamento o dia 9 de janeiro de 2015. Ou seja, resultaria que incumpriram o aviso enviado à Ré.
- 2.º) Em consonância com o artigo 5.º/n.º 2 da Lei n.º 23/96, de 26 de julho, que é a lei que regula os serviços públicos, "em caso de mora do utente que justifique suspensão do serviço, esta só pode ocorrer após o utente ter sido advertido, por escrito, com antecedência mínima de 20 dias relativamente à data em que ela venha a ter lugar" (negrito e sublinhado nosso). Ou seja, se o corte tivesse sido efetuado dia 7 de janeiro de 2015, como alegado pela Autora do presente recurso, então além de incumprirem o preceituado no artigo supra citado (uma vez que a data de corte não corresponde com a data mencionada na carta enviada pela Autora), como, atendendo a que a advertência pela Autora enviada é datada de dia 18 de dezembro de 2014, ao suspenderem o fornecimento de energia dia 7 de janeiro de 2015, respeitaram apensas as prescrições mínimas referidas no artigo (20 dias certos a contar do aviso até à suspensão).
- 3.º) Se respeitaram só e apenas as prescrições mínimas do artigo supra mencionado, atendendo à situação da Ré - à data com mais de 70 anos, a viver sozinha – e tendo em conta que se tratava de um mês em pleno inverno, ao suspenderem a energia, atentaram contra os ditames da boa fé, que decorrem, desde logo, do art. 3.º da Lei n.º 23/96 de 26 de julho.
12. Por esta mesma razão, e atendendo a que a Ré no pedido efetuado na reclamação apresentada expressou que pretendia ser indemnizada em valor "nunca inferior a 1.250,00 €" (conforme documento 3 que se junta), se for dado como provado que a Autora, conforme por ela alegado, tanto em sede de contestação como nas alegações de recurso, que a suspensão do serviço ocorreu dia 7 de janeiro de 2015, então pretende a aqui Ré que o montante indemnizatório atribuído pelo TRIAVE seja revisto, e lhe seja concedida indemnização em valor nunca inferior a 7.500,00 €.
13. Findo o exercício académico hipotético, a verdade é que a Ré recebeu aviso de interrupção de serviço com vista ao pagamento no montante de 89,49€, com data limite de pagamento em 9/01/2015, referente ao incumprimento da obrigação de pagamento de montantes pendentes.
14. Face ao aviso rececionado a Ré deslocou-se a uma loja acreditada para o efeito e realizou o pagamento do montante mencionado no referido aviso, antes do meio dia do dia 9 de janeiro de 2015.
15. Cumpriu a sua obrigação e saldou os montantes em divida, de forma a evitar a suspensão do serviço, que mesmo assim veio a acontecer, só sendo retomado a 12 de janeiro de 2015, pelas 12:00h.
16. Se a "Y Universal" tivesse atuado com a diligência necessária, evitaria que a aqui Ré ficasse privada de energia durante três dias, em pleno inverno, sem aquecimento, sem poder cozinhar, ligar a luz, fazer a sua vida normal.
17. Como é que a Autora deveria ter procedido, segundo as suas obrigações legais?
- A partir do momento em que a Ré saldou os montantes em divida, a Autora deveria, mediatamente, ter suspendido a ordem de serviço emitida à "Y Distribuição", que ordenava que esta última interrompesse o fornecimento de energia elétrica à habitação da Ré. Isto não sucedeu, tendo sido provado pelo TRIAVE que a comunicação supramencionada só ocorreu às 17:40:17 do dia 9 de janeiro de 2015.
18. Se a Autora tivesse atuado com a diligência necessária, uma vez que conforme resulta do n.º 2 do artigo 85.º do Regulamento das Qualidades de Serviço, constante do Anexo I ao Regulamento n.º 455/2013, de 29 de novembro, da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (confronto com doc. 4 que se anexa) o restabelecimento de energia ocorre na sequência de comunicação por parte do comercializador de energia ocorre após a comunicação por parte do comercializador de que a situação que deu causa à interrupção se encontra sanada, e atendendo a que a deslocação do operador de rede para a realização do restabelecimento deve ser feita num prazo máximo de 12 horas (uma vez que se trata de uma cliente em "baixa tensão normal" (conforme resulta do regulamento) a partir do momento em que teve conhecimento da regularização da situação, e atendendo a que este prazo apenas corre em dias úteis das 8h às 24h, conforme resulta dos n.ºs 5 e 13 do artigo 85.º do RQS, se a Autora tivesse procedido com a diligência necessária, teria evitado a suspensão do fornecimento de energia durante três dias (dia 9, 10, 11 e 12 de janeiro de 2015), podendo a religação da energia ter sido efetuada no próprio dia do pagamento dos montantes em divida.
19. Ao não proceder com a diligência necessária violou as obrigações legais que lhe competiam, por força do art. 3.º e 7.º da Lei n.º 23/96 de 26/07.

Face ao demais exposto:
20. Não há legitimidade para intentar o presente recurso, com base nas alíneas ii) e v) do art. 46.º da LAV;
21. Admitindo, por mero exercício académico que a interrupção do fornecimento de energia aconteceu a 7 de janeiro de 2015, então a aqui Ré pretende ser indemnizada em valor nunca inferior a 7.500,00 €;
22. Se a Autora tivesse atuado com a diligência que lhe era imputável, decorrente das suas obrigações legais, teria evitado a suspensão do fornecimento de energia durante três dias, atendendo a que a partir do momento que a Ré saldou os montantes em divida, deixou de existir fundamento para o "corte da energia" na habitação da Ré;
23. Uma vez que a Ré pagou os montantes antes do meio dia de dia 9 de janeiro de 2015, e que a deslocação do operador de rede para a realização do restabelecimento de energia deve ser efetuada no prazo máximo de 12 horas, a partir do momento e que teve conhecimento da regularização da situação por parte da entidade comercializadora, e sabendo que os operadores de rede laboram em dias úteis das 8h às 24h, no limite, se o procedimento tivesse sido efetuado de forma correta, por parte da Autora, então, no limite, até às 24h do dia 9 de janeiro de 2015, deveria ter sido restabelecido o fornecimento de energia na habitação da Ré (caso não se conseguisse evitar a suspensão).

As questões a decidir consistem em saber se:
a) "não há legitimidade para intentar o presente recurso, com base nas alíneas ii) e v) do art. 46.º da LAV" (3);
b) "o Tribunal deixou de se pronunciar sobre questões essenciais para a boa decisão da causa e que eram suscetíveis de alterar a decisão" (4);
c) "o Tribunal Arbitral (…) não levou em consideração nenhum dos factos que a Autora alegou, sendo manifesta a desigualdade de tratamento de ambas as partes" (5);
d) "admitindo (…) que a interrupção do fornecimento de energia aconteceu a 7 de janeiro de 2015, então a aqui Ré pretende ser indemnizada em valor nunca inferior a 7.500,00 €" (6).
II
1.º
Foram julgados provados os seguintes factos:

1. A demandante e a demandada "Y Serviço Universal" celebraram em 6-1-2012 um contrato de fornecimento de energia elétrica para a sua casa de habitação sita na Rua …, no concelho de Vila do Conde.
2. Em 9-1-2015 a demandada "Y Serviço Universal" gerou uma ordem de serviço para interrupção ("corte''), do fornecimento de energia elétrica.
3. Tal ordem de serviço entrou no servidor da demandada "Y Distribuição" em 9-1-2015.
4. A demandada "Y Distribuição" executou o "corte" no dia 9-1-2015, pelas 12:12:02.
5. A ordem de serviço foi gerada pela demandada "Y Serviço Universal" com fundamento no incumprimento pela demandante da obrigação de pagamento da quantia de 89,49 €.
6. A demandante pagou a quantia de 89,49 € em 9-1-2015.
7. A demandada "Y Serviço Universal" gerou em 9-1-2015, pelas 17:40:17, uma ordem de serviço para religação do serviço de fornecimento de energia elétrica.
8. A demandada "Y Distribuição" executou essa ordem em 12-1-2015 pelas 11:42:32.
9. Durou três dias a interrupção do fornecimento de energia elétrica à habitação da demandante.
10. A interrupção do fornecimento de energia elétrica provocou a deterioração e perda total dos alimentos descritos que se encontravam no frigorífico e no congelador existente na habitação da demandante, como peixe, carne, iogurtes e outros alimentos que têm de ser conservados no frio.
11. A interrupção do fornecimento de energia elétrica na sua habitação causou à demandante frustrações, angústias e incómodos resultantes do litígio, da ausência de energia elétrica na sua habitação e do efeito que isso provocou, desde logo, nas rotinas diárias de uma pessoa com idade avançada que vive sozinha numa habitação unifamiliar, para além da ansiedade e frustração contínuas decorrentes das chamadas telefónicas sem reposta ou com respostas evasivas da parte da demandada em causa durante os três dias em que esteve sem energia elétrica na sua habitação.

E foi julgado não provado o seguinte facto:

1. A demandada "Y Serviço Universal" gerou a ordem de Serviço de corte BTN para a habitação da demandante em 07-01-2015.
2.º
A requerida defende que "não há [por parte da requerente] legitimidade para intentar o presente recurso, com base nas alíneas ii) e v) do art. 46.º da LAV" (7).
Para que não haja equívocos, é oportuno começar por dar nota que essa falta de "legitimidade", como lhe chama a requerida, não é uma questão de (i)legitimidade processual, mas sim uma questão de falta de fundamento da requerente para, em face do que alega, recorrer ao disposto naquelas alíneas do citado artigo 46.º.
Essa apelidada falta de "legitimidade" resultará das razões sintetizadas na conclusão 9.ª da oposição, motivo por que "o presente recurso deve ser julgado inadmissível, por falta de fundamento que o justifique, nomeadamente, por não se verificar nenhum dos requisitos necessários para anulação da sentença arbitral presentes no n.º 3 do art. 46.º da LAV" (8).
Se, como diz a requerida, "o Tribunal Arbitral, considerou os documentos analisados pela Autora e pronunciou-se sobre os mesmos" (9), então o mais que poderá daí emergir é a improcedência do pedido de anulação da sentença arbitral. A circunstância de nesta ação a requerente imputar vícios à sentença arbitral que ela, eventualmente, não tem, não se traduz em "ilegitimidade" para a atacar; a circunstância de a requerente ter sido condenada na decisão arbitral é suficiente para poder invocar o disposto no artigo 46.º da Lei de Arbitragem Voluntária e a impugnar perante um tribunal estadual.
Questão diversa é a de saber se o faz fundadamente, isto é, se há, efetivamente, razões para a anulação da decisão arbitral.
3.º
Segundo a requerente "o Tribunal deixou de se pronunciar sobre questões essenciais para a boa decisão da causa e que eram suscetíveis de alterar a decisão" (10), pelo que, face ao disposto no artigo 46.º n.º 3 a) subalínea v) da Lei de Arbitragem Voluntária (11), esta deve ser anulada. Na sua perspetiva há uma omissão de julgamento dos factos mencionados nas conclusões 29.ª a 33.ª e 42.ª, os quais considera relevantes, por permitirem "provar a legitimidade do corte" (12).
A requerida respondeu afirmando que "os factos alegados pela Ré foram analisados e referidos na sentença, contrariamente ao alegado pela Autora. Aliás, veja-se a parte da sentença referente à forma como o Tribunal formou a sua convicção, onde, na alínea c) faz referência expressa aos documentos carreados ao processo pela aqui Autora, dizendo que "quanto ao facto n.º 1 da matéria de facto que resultou não provada pelo Doc. 5 junto com a contestação escrita da demandada "Y Distribuição" (13).

Vejamos.
Examinada a certidão do processo de arbitragem, verifica-se que no pedido de arbitragem apresentado, a 17-1-2020, pela agora requerida esta dizia que "no início de 2015 recebi um Aviso que referia como data limite de pagamento 09/01/2015, sob pena de interrupção de fornecimento de energia elétrica".

Na sua contestação a requerente alegou, para além do mais, que:

"24.º A X Eletricidade (então Y Serviço Universal) emitiu e expediu, com destino ao endereço oportunamente indicado pela Requerente para receção da correspondência, o pré-aviso regulamentar que se mostra como documento 4;
25.º No qual se previa a interrupção do fornecimento, assim o pagamento não fosse efetuado, a partir de 21 de novembro de 2014;
26.º Uma vez que o pagamento não foi efetuado até essa data - momento em que a Requerente já era devedora, no local, ela quantia de 164,44 € conforme doc. 7, e que corresponde a extrato de conta corrente do sistema de gestão comercial, o fornecimento foi interrompido no dia 7 de janeiro de 2015".
Assim, nessa peça não se alegou o que agora figura nas conclusões 29.ª, 30.ª, 32.ª, 33.ª e 44.ª, esta com exceção do que figura nos citados artigos 24.ª a 26.ª.
Diz a requerente que "todos estes pontos resultam de factos e documentos trazidos aos autos pelas 3 partes e que no entendimento da Autora deviam ser merecedoras da análise e pronuncia por parte do Tribunal." (14)
Os factos a que faz alusão, realmente, encontram-se em documentos juntos aos autos. Porém a maioria deles, incompreensivelmente, não foi alegada na contestação, sendo certo que é nesta peça que o demandado tem que alegar os factos em que assenta a sua defesa, como estabelece o artigo 33.º n.º da Lei de Arbitragem Voluntária (15). Os documentos servem de meio de prova dos factos alegados e não de meio de alegação da matéria de facto.
Portanto, só importa averiguar se há alguma omissão de pronúncia em relação aos factos alegados nos artigos 24.ª a 26.ª da contestação; quanto a todos os outros, não tendo eles sido alegados em devido tempo, não tinha o tribunal arbitral que os julgar provados ou não provados.
Feito este esclarecimento, temos que do alegado nos artigos 24.ª a 26.ª da contestação resulta que terá sido a ausência do pagamento do crédito da requerente a que se refere "o pré-aviso regulamentar que se mostra como documento 4" que determinou a interrupção do fornecimento de energia elétrica.
Ora, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, é evidente a potencial pertinência destes factos alegados pela requerente, visto que, se eles se provarem, então a interrupção do fornecimento de energia elétrica realizou-se após a data concedida à requerida para o pagamento da dívida que motivou esse corte e não, como esta alega, no último dia do respetivo prazo (16).
O artigo 46.º n.º 3 a) subalínea v) da Lei de Arbitragem Voluntária estabelece que a sentença arbitral "pode ser anulada pelo tribunal estadual (…) se (…) o tribunal arbitral (…) deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar".
Pela simples leitura dos factos provados e não provados verificamos que o tribunal arbitral não tomou posição relativamente à matéria de facto alegada naqueles três artigos da contestação.
Contudo, salvo melhor juízo, essa omissão não se refere a uma questão "que [se] devia apreciar", pois a expressão "deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar" significa, sim, que ao tribunal arbitral cabe "conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções que oficiosamente lhe cabe conhecer". (17) Com efeito, esta omissão é um "vício (…) [que] se reporta ao incumprimento do dever de conhecer as questões suscitadas pelo pedido, pela causa de pedir e pelas exceções." (18) E importa ter em mente que "o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão." (19)
Portanto, não estamos perante uma omissão de pronúncia "sobre questões que [o tribunal arbitral] devia apreciar".
3.º
Subscrevemos o entendimento de que no processo civil a insuficiência da decisão de facto, quando isso faz com que esta, por essa razão, seja "deficiente", se enquadra no disposto no artigo 662.º n.º 2 c) do Código de Processo Civil (20), conhecendo logo o tribunal ad quem a matéria de facto em causa se o processo já reunir os elementos necessários para esse efeito; tal vício não se traduz, assim, na nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (21).
Mas, há quem não concorde com esta posição e considere que "toda a decisão final de uma causa comporta elementos de facto e de direito (cf. art. 607.º, n.º 3, CPC), pelo que essa decisão deve integrar uma fundamentação quanto à matéria de facto e uma fundamentação distinta quanto à matéria de direito. A nulidade da sentença (…) decorre da falta da especificação dos fundamentos de facto e de direito (cf. art. 615.º, n.º 1, al. b), CPC) (…), [sob pena de não haver um] tratamento unitário da omissão de qualquer destas fundamentações no art. 615.º, n.º 1, al. b), CPC." (22)
Todavia, "a nulidade da sentença arbitral não deve (…) ser vista à luz do regime da sentença judicial fixado no CPC, não podendo, de modo algum, ser atacada senão por violação do dever de fundamentação de uma sentença do tipo arbitral e conforme as características do processo arbitral, despido assim do formalismo rígido da sentença do tribunal estadual. Mas, a sentença arbitral não pode deixar de cumprir o requisito da fundamentação adequada, de facto (…), nos termos que acima se deixam ditos." (23) Na verdade, "a decisão deve responder a todos os factos relevantes, invocados por qualquer das partes: sempre com justificação." (24)
Note-se que a impugnação da sentença arbitral, para além de outras características, tem a natureza de contencioso de anulação (25) e não, como sucede no processo civil, de substituição (26); tal impugnação "conduz à cassação da decisão arbitral" (27), pelo que no respetivo processo não pode haver qualquer solução idêntica à do artigo 662.º n.º 2 c) do Código de Processo Civil.
Neste específico contexto tem que se concluir que, excluindo as exceções referidas na segunda parte do n.º 3 do artigo 42.º da Lei de Arbitragem Voluntária, o não conhecimento na sentença arbitral de factos alegados pelas partes que, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, sejam suscetíveis de ter relevância para a decisão da causa, traduz-se numa violação do dever de a fundamentar, consagrado na parte inicial desse mesmo n.º 3.
Ora, no capítulo da fundamentação verifica-se que a subalínea vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da Lei de Arbitragem Voluntária estabelece a anulabilidade da sentença arbitral quando ela for "proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º".
Portanto, no nosso caso, deve, ao abrigo desta subalínea vi), anular-se a sentença prolatada pelo tribunal arbitral, em virtude desta não se ter pronunciando quanto aos factos alegados nos artigos 24.ª a 26.ª da contestação, julgando-os provados ou não provados.
Sendo assim, fica prejudicado o conhecimento das outras questões suscitadas nos autos.
Uma última palavra para sublinhar que o segmento da decisão do tribunal arbitral onde se decidiu "absolvo a demandada "Y Distribuição" dos pedidos formulados pela demandante" não foi, direta ou indiretamente impugnado, o que é sinónimo de que ele se encontra transitado em julgado. Por isso, a presente anulação não se estende a essa parte.
III
Com fundamento no atrás exposto julga-se procedente a impugnação da decisão arbitral, de 21 de dezembro de 2020, proferida pelo Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Ave, Tâmega e Sousa e declara-se a mesma anulada, sem prejuízo do respeito devido pelo trânsito em julgado do segmento em que nela se decidiu absolver "a demandada "Y Distribuição" dos pedidos formulados pela demandante".

Custas pela requerida M. C..
13 de maio de 2021

António Beça Pereira
Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes



1. Que anteriormente usava a denominação "Y Serviço Universal S.A.".
2. Agora X Eletricidade S.A..
3. Cfr. conclusão 20.ª da oposição da requerida.
4. Cfr. conclusão 23.ª.
5. Cfr. conclusão 24.ª.
6. Cfr. conclusão 21.ª da oposição da requerida.
7. Cfr. conclusão 20.ª da oposição da requerida.
8. Cfr. conclusão 10.ª da oposição da requerida.
9. Cfr. conclusão 9.ª da oposição da requerida.
10. Cfr. conclusão 23.ª.
11. Lei 63/2011, de 14 de dezembro.
12. Cfr. conclusão 38.ª.
13. Cfr. conclusão 8.ª da oposição da ré.
14. Cfr. conclusão 43.ª.
15. Sem prejuízo da exceção enunciada no n.º 3.
16. Do conjunto dos factos alegados pela requerente e pela requerida resulta que esta teria mais que uma dívida para com aquela e que essas dívidas foram objeto de mais que uma comunicação em que se mencionava a possibilidade de uma interrupção do fornecimento de energia elétrica e se indicava uma data a partir da qual isso poderia acontecer. Sendo assim, tem que se saber qual das dívidas é que concretamente determinou a interrupção do fornecimento de energia elétrica, de forma a se determinar a data, que a requerente informou a requerida, a partir da qual era possível essa interrupção ocorrer. Só assim estaremos em condições de concluir se a interrupção do fornecimento de energia elétrica se realizou, ou não, ainda dentro do prazo que tinha sido concedido à requerida para proceder ao pagamento da dívida que motivou o corte.
17. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2.ª Edição, pág. 704.
18. Ac. STJ de 1-3-2018 no Proc. 4290/09.5TBCSC.L1.S1, www.gde.mj.pt.
19. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1952, pág. 145.
20. Cfr. Ac. STJ de 22-3-2018 no Proc. 290/12.6TCFUN.L1.S1, Ac. Rel. Coimbra de 19-12-2012 no Proc. 31156/10.3 YIPRT.C1, Ac. Rel. Coimbra de 20-01-2015 no Proc. 2996/12.0TBFIG.C1, Ac. Rel. Porto de 16-12-2015 no Proc. 12203/05.7TBMAI.P2, Ac. Rel. Lisboa de 13-4-2015 no Proc. 6834/12.6TBVNG.P1 e Ac. Rel. Lisboa de 16-3-2016 no Proc. 37/13.0TBHRT.L1-4, todos em www.gde.mj.pt.
21. Nem, pelos motivos já expostos, na alínea d).
22. Teixeira de Sousa, Comentário de 30-7-2015 no blogue do IPPC. No mesmo sentido veja-se Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª Edição, pág. 605.
23. Manuel Pereira Barrocas, Lei de Arbitragem Comentada, 2013, pág. 155.
24. Menezes Cordeiro, Tratado da Arbitragem, 2016, pág. 402.
25. Cfr. artigo 46.º da Lei de Arbitragem Voluntária. Sobre o contencioso de anulação veja-se Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. II, 1983, pág. 1213. Atenta essa natureza, a pretensão exposta pela requerente na conclusão 21.ª nunca poderia ser satisfeita nesta ação.
26. Cfr. artigo 665.º do Código de Processo Civil. Sobre esta matéria veja-se Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª Edição, pág. 30.
27. Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª Edição, pág. 1160.