Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1583/07-1
Relator: AUGUSTO CARVALHO
Descritores: FIANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: 1.Contrato de adesão é aquele em que uma das partes, normalmente uma empresa de apreciável dimensão, formula unilateralmente as cláusulas negociadas (no comum dos casos, fazendo-as constar de um impresso ou formulário) e a outra parte aceita essas condições, mediante a adesão ao modelo ou impresso que lhe é apresentado, não sendo possível modificar o ordenamento negocial apresentado.
2.Um contrato de empréstimo celebrado por documento num cartório notarial e no qual os executados se constituíram fiadores solidários e principais pagadores de todas as responsabilidades emergentes do mesmo não é um contrato de adesão.
3.A obrigação assumida pelos fiadores que renunciam ao benefício da excussão, continuando a ser acessória, deixa de ser subsidiária, equiparando-se aqueles, nos termos referidos, a devedores solidários. Renunciando ao benefício da excussão, os fiadores não podem opor ao credor os meios de defesa, previstos nos artigos 637º, 638º e 639º, do C. Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


A Caixa Geral de Depósitos, S.A., instaurou execução comum contra Alexandra A... e marido Armando L...; José A... e mulher Rosa V..., visando a cobrança da quantia total de 21.140,62 euros, proveniente de um contrato de empréstimo que celebrou com a primeira e segundo executados. Para garantia do pagamento do referido empréstimo, foi constituída fiança pelos terceiro e quarta executados.

Os executados José A... e mulher Rosa V... deduziram oposição, alegando que gozam do benefício da excussão prévia, previsto no artigo 638º, do C. Civil e, deste modo, têm direito de recusarem o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens dos devedores principais e, ainda, mesmo depois dessa excussão, se provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor. Mais alegam que a cláusula 20.1 do título dado à execução se encontra ferido de nulidade, na media em que, aquando da assinatura do dito contrato de empréstimo, ficou assente entre todos os intervenientes – incluindo os responsáveis da exequente – que os opoentes só assinavam esse documento no pressuposto de gozarem, de qualquer modo, do benefício da excussão prévia, devendo os responsáveis da exequente, como lhes competia, terem explicado verbalmente aos opoentes o conteúdo da dita cláusula, cuja compreensibilidade não resulta imediatamente do seu teor e é contra o que foi acordado. Nesta decorrência, referem que do artigo 6º, do D.L. nº 446/85, de 25/10, resulta que, atenta a normal complexidade das cláusulas gerais integradas no tipo de contratos como aquele junto pela exequente, esta devia, o que não fez, explicar verbalmente a cláusula 20.1, que afecta os direitos dos opoentes, devendo a mesma ser considerada nula ou, pelo menos excluída do seu texto.

Na contestação apresentada, a exequente refere que no contrato de empréstimo, os executados José A... e Rosa de Fátima se constituíram “fiadores solidários e principais pagadores…” de todas as responsabilidades emergentes do mesmo, pelo que, enquanto fiadores, renunciaram expressamente ao benefício da excussão prévia, e daí, estarem a ser executados, a título principal e sem qualquer limitação, nos termos do artigo 640º, do C. Civil. Defendem, ainda, que é bem mais explícito para o cabal entendimento da cláusula referir na mesma que o fiador em causa se assume como “principal pagador” do que dizer que o mesmo renuncia ao “benefício da excussão prévia”.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a oposição à execução, com fundamento de que, enquanto fiadores, os opoentes renunciaram ao benefício da excussão prévia e, por isso, podem ser executados a título principal – artigos 634º e 640º, do C. Civil. Por outro lado, a cláusula 20.1, nomeadamente, a expressão aí utilizada “principais pagadores do empréstimo” tem um conteúdo compreensível e acessível ao comum dos cidadãos, sendo, por conseguinte, inadequado trazer-se à colação, como fazem os opoentes, o disposto no artigo 6º, do D.L. nº 446/85, de 25/10.

Inconformados com a decisão, os executados/opoentes recorreram para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1.A exequente limita-se a alegar que “para garantia do pagamento do referido emprétimo, foi constituída fiança pelos terceiro e quarta executados” aqui recorrentes, não alegando, sequer, que estes se responsabilizaram solidariamente como fiadores e principais pagadores pelo pagamento daquele e/ou nem sequer alega que aqueles renunciaram ao benefício da excussão.
2.Ainda que se entenda que aquela falta de alegação é irrelevante – o que não se concede – sempre se diz que a douta sentença fez uma errada interpretação das normas previstas nos artigos 627º, nº 2 e 638º, do C. Civil.
3.O artigo 627º, nº 2, do C. Civil, define uma das características da fiança: a acessoriedade, que significa que a fiança se apresenta como acessória da dívida principal: acessória no sentido de a fiança ficar subordinada e acompanhar a obrigação afiançada. A acessoriedade é uma característica que faz parte da natureza da fiança, pelo que, não pode ser afastada por vontade das partes.
4.A segunda característica é a subsidiariedade, referida na lei, através do benefício da excussão (artigo 638, do C. Civil). Nos termos desta regra, o fiador só responde pelo pagamento da obrigação se e quando se provar que o património do devedor é insuficiente para saldar a obrigação por este contraída. Já esta última característica pode ser afastada pela vontade das partes. Sempre que assim aconteça, o fiador, ao lado do devedor, apresenta-se como principal pagador; ou seja, o fiador e o devedor tornam-se responsáveis, em termos solidários, pelo pagamento da dívida.
Terá sido este, ao que parece, o entendimento do tribunal “a quo”.
5.porém, em relação à solidariedade, quando o fiador se obriga como principal pagador, deve entender-se que são distintas a obrigação do devedor e a do fiador, pelo que, mesmo quando este se obriga como principal “pagador”, não existe entre ambos solidariedade passiva, atendendo à acessoriedade da obrigação do segundo em relação à do primeiro – cfr., entre outros, Ac. da Rel. De Coimbra, de 28.2.1968, J.R., 14º (1968), Tomo I, p. 203; Ac. da Rel. do Porto, de 9.5.1995, C.J., ano XX, Tomo III, p. 210; e na doutrina, Garantias do Cumprimento, de Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Almedina, 2ª edição.
6.Nessa medida, deve entender-se que os recorrentes gozam do benefício da excussão prévia, previsto no artigo 638º, do C. Civil.
7.Acresce ainda que a exequente não pode socorrer-se do conteúdo da cláusula 20.1 – fiança do contrato de empréstimo junto aos autos com o requerimento executivo, para dizer que os recorrentes se constituíram “fiadores e principais pagadores”, pois, tal cláusula é nula ou, no mínimo, nos termos do artigo 8º, D.L. 446/85, de 25/10, deve considerar-se excluída.
8.Com efeito, afigura-se-nos indiscutível que o contrato em causa configura um contrato de adesão. Tal resulta da definição deste tipo de contratos que decorre do D.L. 446/85, de 25/10, com as alterações do D.L. 220/95, de 31/8: cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar.
9.Desse contrato se pode ver que se trata de um contrato escrito intitulado como “contrato de empréstimo” celebrado pela exequente como mutuante, pelos executados como mutuários e pelos fiadores. Trata-se de contrato de adesão, dado que consta de impresso previamente elaborado pela exequente que os aderentes se limitam a aceitar ou não sem possibilidade de conformar as cláusulas à sua vontade, para além da óbvia possibilidade de aceitar ou rejeitar.

10.Naquele contrato, após a identificação das partes, estipula o mesmo que “se regerá pelas seguintes condições que as partes declaram aceitar:” Seguem-se as condições específicas em que se inclui a finalidade, as condições de financiamento – total do capital mutuado, a comissão de gestão, o número e o montante de cada uma das prestações de reembolso e as respectivas datas, as taxas de TAEG e de juros.
11.Para que num contrato de adesão o aderente possa ter um conhecimento efectivo das cláusulas antes de as subscrever é preciso que as mesmas lhe sejam lidas e explicadas. Nos termos do artigo 5º, do D.L. citado, “as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las”.
12.Quando em litígio, um dos principais argumentos que são alegados – como fizeram os recorrentes na oposição à execução – consubstancia a falta do cumprimento do dever de informação do alcance ou sentido de uma ou de várias cláusulas do contrato, conduzindo a que o consumidor tenha assinado na convicção de um sentido oposto ou sem estar devidamente esclarecido sobre o alcance da cláusula.
13.Segundo o dispõe o nº 3, do artigo 5º, do D.L. nº 446/85, “o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”, sendo essa prova essencial para que as cláusulas em causa sejam eficazes relativamente à parte aderente. Ora, nada disso ocorreu nos presentes autos.
14.E, não havendo prova dessa comunicação e, não recaindo o ónus da prova sobre a entidade que apresenta as cláusulas contratuais gerais – no caso a recorrida – dispõe o artigo 8º, do mesmo diploma, que “consideram-se excluídas dos contratos singulares: a)as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º”. Ou seja, tudo se passa como efectivamente inexistissem quaisquer cláusulas contratuais gerais ou a cláusula contratual geral em concreto sobre que incidiu a falta de informação e comunicação.
15.Ora, o tribunal da 1ª instância nem sequer possibilitou às partes a apresentação e produção de prova, sendo que os recorrentes alegaram que, “aquando da assinatura do dito contrato de empréstimo, ficou assente entre todos os intervenientes – incluindo, por isso, os responsáveis da exequente – que os opoentes só assinaram esse documento no pressuposto de gozarem, de qualquer modo, do benefício de excussão prévia”
16.Por tudo supra exposto, a douta sentença violou ainda o disposto no nº 3, do artigo 5º, e no artigo 8º, do D.L. nº 446/85, de 25/10.
17.Termos em que, face à incorrecta aplicação da lei, o Tribunal da Relação deve revogar a decisão recorrida, declarando que os recorrentes gozam do benefício da excussão prévia, sendo, por isso, legítimo o direito de recusarem o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens dos devedores principais e, ainda, mesmo depois dessa excussão, se provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor.

A recorrida Caixa Geral de Depósitos, S.A., não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Os elementos de facto a considerar, por relevantes, para o conhecimento do recurso são os seguintes:
-No exercício da sua actividade creditícia, por documento escrito e assinado por todos os intervenientes, a exequente celebrou com a primeira e segundo executados um contrato de empréstimo destinado a apoio à tesouraria, até ao montante de 20.000,00 euros, tendo sido a taxa contratada a Euribor a 3 meses, em vigor na data do início de cada período de contagem de juros, acrescida de um spread de 4%, donde resultou à data da celebração do contrato na taxa de juro nominal de 7,3780%.
-Ficou igualmente estipulado no contrato que, em caso de mora, a C.G.D. poderia cobrar sobre o capital exigível e juros correspondentes aos períodos mínimos legalmente previstos, comissões e outros encargos, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa para operações activas da mesma natureza, acrescida de uma sobretaxa de 4%.
-Para garantia do pagamento do referido empréstimo, foi constituída fiança pelos terceiro e quarta executados.
-Na cláusula 20.1 do referido contrato de empréstimo foi estabelecido o seguinte: As pessoas identificadas para o efeito no início do contrato constituem-se fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que vierem a ser devidas à Caixa pelos primeiros contratantes no âmbito do presente contrato e das operações nele previstas, e dão antecipadamente o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que forem convencionadas entre a Caixa e a Empresa devedora, sem prejuízo de a dívida poder ser liquidada dentro do prazo inicialmente fixado.


São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do C. P. Civil.
As questões a decidir são as seguintes: saber se o contrato de empréstimo em causa configura um contrato de adesão, não podendo a exequente socorrer-se da cláusula onde se estabelece que os recorrentes se constituíram “fiadores solidários e principais pagadores”, pois, a mesma é nula ou deve considerar-se excluída; caso se entenda que não há contrato de adesão, face à acessoriedade da fiança, saber se os recorrentes gozam do benefício da excussão prévia.
Por documento outorgado no Cartório Notarial de Felgueiras, a exequente celebrou com a primeira e segundo executados um contrato de empréstimo destinado a apoio à tesouraria, até ao montante de 20.000,00 euros, tendo sido a taxa contratada a Euribor a 3 meses, em vigor na data do início de cada período de contagem de juros, acrescida de um spread de 4%, donde resultou à data da celebração do contrato na taxa de juro nominal de 7,3780%.
Para garantia do pagamento do referido empréstimo, foi constituída fiança pelos terceiro e quarta executados.
Contrato de adesão é aquele em que uma das partes, normalmente uma empresa de apreciável dimensão, formula unilateralmente as cláusulas negociadas (no comum dos casos, fazendo-as constar de um impresso ou formulário) e a outra parte aceita essas condições, mediante a adesão ao modelo ou impresso que lhe é apresentado, não sendo possível modificar o ordenamento negocial apresentado.
Não pode dizer-se que o acordo assim encontrado se firmou no desenvolvimento de saudável discussão dos termos contratuais a que se chegou.
«Teoricamente não há aqui restrições à liberdade de contratar. O consumidor do bem ou serviço, se não está de acordo com as condições constantes do modelo ou impresso elaborado pelo fornecedor, é livre de rejeitar o contrato. Simplesmente esta liberdade seria a liberdade de…não satisfazer uma necessidade importante, pois os contratos de adesão surgem normalmente em zona do comércio onde o fornecedor está em situação de monopólio ou quase monopólio. Rejeitar as condições apresentadas, e que o apresentante não aceita discutir, significa a impossibilidade de satisfazer com outro parceiro contratual a respectiva necessidade. Daí que o particular, impelido pela necessidade, aceite as condições elaboradas pela outra parte, mesmo que lhe sejam desfavoráveis ou pouco equitativas – daí a restrição factual à liberdade de contratar». Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 101.
Existem vários perigos de abuso desta figura dos contratos de adesão e, além de outros, por vezes, eles contêm cláusulas de que o utente do bem ou serviço fornecido não se apercebe, disseminadas como estão no amplo contexto do contrato e impressas em caracteres de leitura não convidativa, além de frequentemente estarem redigidas em termos técnicos dificilmente acessíveis a não especialistas.
Neste contexto, com vista a obviar aos inconvenientes que para a parte dita mais fraca poderão advir do incontrolável respeito das cláusulas contratuais gerais apostas nestes contratos de adesão, é que foi publicado o D.L. nº 446/85, de 25/10 (inspirado no modelo da lei alemã de 9/12/1976) com o objectivo de proporcionar a necessária e pontual fiscalização contra as situações abusivas detectadas, sujeitando-as à oportuna e ponderada inspecção judicial.
O contrato de empréstimo celebrado e do qual os ora recorrentes se constituíram fiadores solidários e principais pagadores de todas as responsabilidades emergentes do mesmo não é um contrato de adesão. Certamente que os executados não se terão limitado a aderir a um modelo ou impresso que lhe foi apresentado pela exequente, pois, não é crível que a entidade bancária conceda um financiamento de 20.000,00 euros, sem estabelecer negociações com os outros contratantes e, sobretudo, com os fiadores, dando-lhes a conhecer o sentido com que assumem a respectiva obrigação. Aliás, são os próprios recorrentes que alegam, no artigo 8º da petição inicial, ter havido negociações, ou seja, “aquando da assinatura do dito contrato de empréstimo, ficou assente entre todos os intervenientes – incluindo, por isso, os responsáveis da exequente – que os opoentes só assinaram esse documento no pressuposto de gozarem, de qualquer modo, do benefício de excussão prévia”.
De todo o modo, o empréstimo foi celebrado por documento e, portanto, os opoentes não podem, sem mais, invocar um hipotético acordo verbal contemporâneo da assinatura daquele e que não tenha no seu texto um mínimo de correspondência.
Negócio formal o contrato de empréstimo, onde os fiadores se obrigaram, a sua interpretação rege-se pelo critério do nº 1, do artigo 238º, do C. Civil, aplicação à declaração negocial do princípio mais amplo do artigo 9º, do mesmo Código.
É claro que a circunstância de se tratar de um negócio formal não exclui a possibilidade do recurso, para a sua interpretação, a elementos estranhos ao documento; o que não pode é aderir-se a um resultado que não tenha no documento um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso.
Ora, não podendo os fiadores, razoavelmente, ignorar a cláusula 20.1, na qual se constituíram “principais pagadores”, seria ilógico que eles, simultaneamente com a assinatura do documento, tivessem acordado verbalmente com todos os outros intervenientes o benefício da excussão prévia.
Por outro lado, como se refere na sentença recorrida, a cláusula 20.1, nomeadamente, a expressão aí utilizada “principais pagadores do empréstimo” tem um conteúdo compreensível e acessível ao comum dos cidadãos, sendo inadequado trazer-se à colação, como fazem os opoentes, o disposto no artigo 6º, do D.L. nº 446/85, de 25/10. É bem mais explícito, para cabal entendimento da dita cláusula, referir na mesma que o fiador se assume como “principal pagador” do que dizer que ele goza do “benefício da excussão prévia”. Mas, os recorrentes até denotam conhecer, à data da assinatura do documento, o diferente significado das expressões, pois, pretendiam que daquela tivesse ficado a constar o gozo do benefício da excussão prévia e não a obrigação de principais pagadores.
O sentido de que os fiadores se assumiram como “principais pagadores” é, de facto, aquele que, com correspondência no texto do documento, se extrai como sendo o das declarações negociais de todos os intervenientes no negócio.
O contrato de empréstimo celebrado não se configura, assim, como um contrato de adesão e a cláusula 20.1, na qual os recorrentes se constituíram “fiadores solidários e principais pagadores”, não é nula, nem deve considerar-se excluída.

Defendem também os recorrentes que, face à acessoriedade da fiança, gozam do benefício da excussão prévia, previsto no artigo 638º, do C. Civil.
No artigo 627º, nº 1, do C. Civil, refere-se que “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”.
A fiança é, por isso, uma garantia pessoal das obrigações, através da qual um terceiro assegura a realização de uma obrigação do devedor, responsabilizando-se pessoalmente com o seu património por esse cumprimento perante o credor. O valor da fiança como garantia encontra-se, por isso, dependente do valor do património do fiador. Normalmente, a fiança abrange todo o património do fiador, embora possa por limitação convencional ser restringida a alguns dos seus bens (artigo 602º, do C. C.).
As principais características da fiança são a acessoriedade e a subsidariedade.
A acessoriedade aparece referida no artigo 627º, nº 2, dizendo que “a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor”.
A dependência da obrigação do fiador em relação à do devedor começa na forma da declaração da prestação de fiança, que é a da forma exigida para a obrigação principal, ainda que seja necessária a declaração expressa do fiador – artigo 628º, nº 1. Essa dependência estende-se também ao âmbito da fiança, já que esta não pode exceder a dívida principal nem ser contraída em condições mais onerosa, ficando sujeita à redução caso tal venha a suceder – artigo 631º, nº 1 e 2.
Uma outra manifestação da acessoriedade é a de que a invalidade da obrigação principal, seja ela a nulidade ou a mera anulabilidade, acarreta também a invalidade da fiança, por força do artigo 632º, nº 1.
O fiador tem a possibilidade de opor ao credor os meios próprios do devedor, salvo se forem incompatíveis com a obrigação do fiador – artigo 637º
Finalmente, a extinção da obrigação principal acarreta também a extinção da fiança – artigo 651º.
Por sua vez, a subsidariedade reconduz-se à possibilidade de o fiador invocar o benefício da excussão, conforme resulta do artigo 638º, impedindo o credor de executar o património do fiador enquanto não tiver tentado sem sucesso a execução através do património do devedor. cfr. artigo 828º, do C. P. Civil. Para além disso, o artigo 639º, do C. C., refere que a subsidariedade da fiança opera mesmo existindo garantias reais constituídas por terceiro antes da fiança, já que o fiador tem igualmente o direito de exigir a execução prévia das coisas sobre que recai a garantia real.
A subsidariedade da fiança constitui, porém, uma característica não essencial, pois, o fiador pode renunciar a ela, como resulta do artigo 640º, alínea a). Para além disso, a subsidariedade é excluída quando o devedor ou o dono dos bens onerados com a garantia não puder, em virtude de facto posterior à constituição da garantia ser demandado no território do continente ou ilhas adjacentes (artigo 640º, alínea b)) ou quando a fiança respeitar a obrigação comercial (artigo 101º, do C. Com.).

Dito isto, deve referir-se que a circunstância de o fiador se ter obrigado como «principal pagador» tem apenas como consequência a renúncia ao benefício da excussão, nos termos dos citados artigos 638º e 640º, do C. Civil.
Com efeito, a fiança constitui o fiador numa obrigação acessória da que recai sobre o devedor e não perde essa natureza pelo facto de o fiador aceitar vincular-se como “ principal pagador”, caso em que se elimina apenas a característica da subsidariedade daquela garantia.
Resulta do artigo 634º, que as duas obrigações – a do devedor e a do fiador – , embora distintas, têm o mesmo conteúdo. A fiança cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.
E, como observa M. J. Almeida Costa, «a posição do fiador que se obrigou como principal pagador não se identifica com a do condevedor solidário. Na verdade, a obrigação daquele, embora não seja subsidiária em face do credor, continua a ser acessória em relação à do devedor afiançado, com as respectivas consequências. Recordemos, por exemplo, que a fiança não é válida, caso o não seja a obrigação principal (artigo 632º), e que o fiador, em princípio, pode opor ao credor os meios de defesa que competirem ao devedor (artigo 637º). Ora, bem se sabe que tal não acontece na solidariedade passiva». Direito das Obrigações, pág. 777.
Mas, o mesmo autor também refere que o fiador, quando renuncia ao benefício da excussão, se equipara, do ponto de vista do credor, a um verdadeiro devedor solidário; só que, não o sendo realmente, poderá depois exigir do afiançado, se cumpre a obrigação, a totalidade do que pagou.
Portanto, e em síntese, dir-se-á que a obrigação assumida pelos fiadores que renunciam ao benefício da excussão, continuando a ser acessória, deixa de ser subsidiária, equiparando-se aqueles, nos termos referidos, a devedores solidários. Renunciando ao benefício da excussão, os fiadores não podem opor ao credor os meios de defesa, previstos nos artigos 637º, 638º e 639º, do C. Civil.
No caso concreto, os recorrentes constituíram-se principais pagadores e, por conseguinte, ao contrário do que defendem, não gozam do benefício da excussão prévia, previsto no citado artigo 638º.
Os recorrentes invocam também que a exequente apenas alega que “para garantia do pagamento do referido empréstimo, foi constituída fiança pelos terceiro e quarta executados”, não alegando que estes se responsabilizaram solidariamente como fiadores e principais pagadores daquele e/ou que renunciaram ao benefício da excussão.
Tal falta de alegação é, de facto, irrelevante, pois, com o requerimento executivo, a exequente juntou o título executivo, no qual se insere a cláusula que prevê a referida renúncia ao benefício da excussão.
Face ao disposto no artigo 810º, nº 3, alínea b), do C. P. Civil, o requerimento executivo contém todos os elementos necessários.
Nestes termos, improcedem todas as conclusões que os recorrentes formularam, devendo manter-se a sentença recorrida, a qual não violou qualquer norma legal e, nomeadamente, os artigos 627º a 640º, do C. Civil, bem como os artigos 5º, 6º e 8º, do D. L. nº 446/85, de 25/10.

Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente o recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes.


Guimarães, 15.11.2007