Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
256/08.0TBVVD.G1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: EXECUÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA
RECUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Deve recusar-se a declaração de executoriedade de decisão estrangeira, ao abrigo do n.º 2 do artigo 34º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, quando o processo onde foi proferida a decisão cuja executoriedade se pretende tenha corrido à revelia do requerido e não esteja demonstrado que o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, foi comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil de apresentar a sua defesa, ou que o requerido teve oportunidade de interpor recurso da decisão.
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO DA 2ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO
1. P BANK AG, com sede em Vogelweiderstrasse 75, Salzburgo, Áustria veio requerer, ao abrigo do Regulamento n.º 44/2001 (CE), de 22 de Dezembro de 2000, a declaração de executoriedade de sentença estrangeira, contra PEDRO M, indicando como morada de residência deste o Lugar de Poças, Sande, Vila Verde, e/ou na Land. 9,4652 SteinerKirchen na der Traun, Áustria, por aí trabalhar, alegando que foi proferida sentença por um Tribunal Austríaco (Tribunal de Wels), nos termos da qual o Requerido foi condenado a pagar à Requerente a quantia de € 15.489,75, acrescida de juros à taxa de 9%, desde 11 de Dezembro de 2004 até integral pagamento, custas processuais no valor de € 947,00, no prazo de 14 dias após a sua notificação, que aconteceu em 19 de Janeiro de 2005, ascendendo os juros vencidos a € 261,29.
Acrescenta que, pelo Tribunal de Lambach no âmbito de processo executivo intentado pela Requerente contra o Requerido foi proferida decisão que em 18 de Abril de 2005 fixou as custas em € 151,00, pelo requerimento de 8 de Setembro de 2005 fixou custas para a Requerente em € 6,00, pelo requerimento de 19 de Setembro de 2005 foram fixadas custas para a Requerente de € 6,00, e pelo requerimento de 6 de Outubro de 2005 foram fixadas custas para a Requerente de € 12,00, as quais foram notificadas ao Requerido.
Conclui pedindo que as referidas decisões sejam declaradas executórias para produzir efeitos em Portugal.

2. A Requerente juntou cópias das decisões proferidas pelos Tribunais Austríacos e ainda as certidões previstas no artigo 54º do Regulamento n.º 44/2001 (CE), de 22 de Dezembro de 2000.

3. Em 14 de Março de 2008 foi proferida a seguinte sentença:
“(…) Em face do disposto no artigo 41.° do Regulamento n.º 44/2001 (CE) declaro executórias as decisões proferidas pelos Tribunais de Wels e Lambach.

Sem custas — artigo 52.° do Regulamento n.º 44/200 1 (CE).
Notifique — artigo 42.° do Regulamento n.º 44/2001 (CE).”

4. Foi remetida carta registada ao requerido para notificação da decisão, que veio devolvida com a menção “mudou-se”, tendo as posteriores diligências encetadas com vista à sua notificação resultado infrutíferas.
Entretanto a requerente intentou execução para pagamento de quantia certa contra o aqui requerido, oferecendo como título executivo a sentença que declarou executórias as decisões proferidas pelos Tribunais de Wels e Lambach, que constam dos presentes autos, tendo o requerido deduzido oposição, alegando não ter tido conhecimento da acção que correu termos na Áustria, bem como da decisão proferida em Portugal.
Por sentença de 4 de Maio de 2011, proferida no apenso “B”, foi julgada procedente a oposição, julgando-se extinta a acção executiva por inexequibilidade do título, com fundamento na falta de notificação ao requerido da decisão exequenda, nos termos do artigo 42º, n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 44/2001.

5. O requerido veio, entretanto a ser notificado da decisão proferida nestes autos, na morada em Portugal, que consta de fls. 77/78 (Lameiro, 204, Ponte de S. Vicente, 4730-400 Vila Verde), na sequência do que interpôs recurso para esta Relação, ao abrigo do disposto nos artigos 43º e 44º do Regulamento n.º 44/2001 (CE), e anexos III e IV do mesmo, pedindo a revogação da sentença de 14 de Março de 2008, com os seguintes fundamentos:
1.ª Consoante consta de fls. 7 destes autos o requerido teria sido citado para contestar a acção proposta do Tribunal austríaco, na sua pretensa morada sita em Landstrasse 9, Steinerkirchem an der Traum, morada que consta ainda do doc. 2 a fls. 19, a fls. 23 e a fls. 29.
2.ª O requerido nunca foi citado nessa morada já que na altura, como muito bem sabia a requerente o requerido morava em Au 7, Baumgartenberg, Saxen, a mesma morada que tinha a quando da assinatura do contrato cujo pretenso incumprimento deu origem à acção. Ver Doc. 1 e 2.
3.ª De acordo com o constante de fls. 23 o requerido não trabalhava nem nunca trabalhou na morada (sede de uma sociedade) pelo que como é evidente, em 10/10/2005 ainda a requerente, pretensamente, não conhecia o paradeiro/morada do requerido, isto é, já depois de proferidas todas as decisões que agora se pretendem executórias.
4.ª A falta de citação, ou, pelo menos, como aqui se comprova, a nulidade da citação, assim como a não notificação dos actos que se referem e onde se inclui a própria sentença do processo austríaco ao requerido, impediram a este o exercício do seu direito ao contraditório, sendo este um dos motivos previstos no artigo 34º, n.º 2 do Regulamento 44/2001.
5.ª Tendo o requerido sido julgado à revelia na referida acção que correu na Áustria, não tendo sido citado para contestar, nem tendo sido até à data notificado da sentença pelo tribunal austríaco, está em condições de lhe ser dado o presente recurso como procedente.
6.ª Termos em que requer a V.Exª s seja dado provimento ao presente recurso e revogada a douta sentença proferida.

6. Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, pelo que a única questão a decidir consiste em saber se ocorre fundamento que obste à concessão da executoriedade às decisões proferidas pelos Tribunais Austríacos em causa.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A) - OS FACTOS
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais acima referidas, sendo ainda de considerar, por resultar da documentação junta aos autos que:
1. Da certidão da Sentença proferida pelo Tribunal Regional de Wels, de 14 de Janeiro de 2005, no que se reporta à citação do Requerido consta o seguinte:
“4.4 – Data da citação ou notificação do acto que determinou o início da instância, no caso de a decisão ter sido proferida à revelia: 19.1.2005” (cf. doc. de fls. 5 a 13);
2. Da certidão das decisões proferidas pelo Tribunal de Lambach, no que se reporta à citação/notificação do Requerido, consta o seguinte:
“4.4 – Data da citação ou notificação do acto que determinou o início da instância, no caso de a decisão ter sido proferida à revelia: 22/12/2005” (cf. doc. de fls. 14 a 18);
3. Das certidões juntas aos autos das decisões proferidas pelos Tribunais Austríacos, consta indicada a morada do requerido como “Empregado, Landstrasse 9, 4652 SteinerKirchen na der Traun” (cf. fls. 7, 19, 23 e 29);
4. Do documento de fls. 23, datado de 10 de Outubro de 2005, relativo a diligências para pagamento da quantia de € 15.484,75, do Tribunal Distrital de Lambach, consta a indicação da morada do requerido como “empregado” em Landstrasse 9, 4652 SteinerKirchen”, e a menção de que “segundo informação da Sociedade ELPA GmbH o devedor não trabalha nem nunca trabalhou na sociedade …”;
5. Do contrato junto pelo recorrente com as alegações de recurso consta a indicação da seguinte morada: “Au 7, 4351 Baumgartenberg”.
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B) – O DIREITO
1. Nos termos do artigo 38º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, as decisões proferidas num Estado-Membro e que nesse Estado tenham força executiva, como é o caso das decisões em apreço, podem ser executadas noutro Estado-Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada.
Para tanto, deve o interessado apresentar requerimento nesse sentido ao tribunal ou à autoridade competente indicados na lista constante do anexo II do Regulamento, no caso o Tribunal da Comarca de Vila Verde, por ser o competente em função do domicilio do requerido em Portugal, juntando os documentos referidos no artigo 53º do Regulamento (cf. artigo 39º, 40º e 41º, n.º 2)
Como decorre dos artigos 41º e 42º do mesmo Regulamento, a decisão será imediatamente declarada executória quando estiverem cumpridos os trâmites previstos no artigo 53.º, sem verificação dos motivos referidos nos artigos 34.º e 35.º, e a parte contra a qual a execução é promovida não pode apresentar observações nesta fase do processo, sendo a decisão proferida sobre o pedido de declaração de executoriedade imediatamente levada ao conhecimento do requerente, na forma determinada pela lei do Estado-Membro requerido e notificada à parte contra quem é pedida a execução, acompanhada da decisão, se esta não tiver sido já notificada a essa parte.
Visou-se assim, estabelecer um mecanismo uniforme e célere de obtenção da executoriedade das decisões proferidas pelas autoridades judiciárias dum Estado-Membro noutro Estado-Membro, no âmbito da aplicação do Regulamento em causa.

2. Da decisão proferida cabe recurso, nos termos dos artigos 43º e 44º, a interpor para o tribunal indicado na lista constante do Anexo III do Regulamento, que no caso Português é o Tribunal da Relação (aqui o de Guimarães), tendo por fundamento os motivos constantes dos artigos 34º e 35º, pois só por estes motivos o tribunal de recurso poderá recusar ou revogar a declaração de executoriedade, não podendo, contudo, apreciar de mérito as decisões estrangeiras (cf. artigo 45º).

3. No caso em apreço, o requerido, quando finalmente foi notificado da declaração de executoriedade conferida pela sentença proferida em 14 de Março de 2008, veio interpor o presente recurso, invocando que o processo correu à sua revelia e que nunca foi citado/notificado das decisões proferidas, pois nunca trabalhou na morada indicada no processo, como resulta do documento de fls. 23, fundamento que já havia invocado na oposição à execução acima referida, juntando o contrato, que diz ser aquele a que se reporta a sentença do Tribunal de Wels, onde consta uma morada diferente.
Vejamos:

4. Como resulta do Regulamento (CE) n.º 44/2001, aqui aplicável, o tribunal de recurso apenas poderá recusar ou revogar a declaração de executoriedade nas situações previstas nos artigos 34º e 35º.
Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 34º prevê-se, precisamente, a recusa de executoriedade “[s]e o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer”.

5. Analisadas as certidões juntas aos autos, relativas às decisões exequendas, o que delas consta é a indicação da data em que se considera feita a citação ou notificação do acto que determinou o início da instância, no caso de a decisão ter sido proferida à revelia.
Das expressões utilizadas, a fazer fé na tradução certificada (e não encontramos fundamento para dela duvidar, nem tal foi posto em causa, tanto mais que não houve contra-alegações), é manifesto que o processo correu à revelia do requerido ora recorrente e que a única morada que consta das decisões exequendas, como sendo a do requerido, é precisamente a referida na informação de fls. 23, que se reporta a diligências em sede se execução das decisões cuja declaração de executoriedade se pretende, onde se diz que o requerido ali não trabalha nem nunca trabalhou.
Ou seja, da documentação junta conclui-se que todas as decisões foram proferidas à revelia do requerido e que a este nunca foi efectivamente dado conhecimento das mesmas, pelo menos, a tempo útil de deduzir a sua defesa, não constando igualmente que haja interposto recurso de tais decisões, nem se podendo, sequer, presumir que o podia fazer.
Esta conclusão, que se retira da documentação junta pela Requerente, mostra-se consentânea com a alegação do Recorrente de que a sua morada era outra, no caso a que consta do contrato que juntou, facto que não motivou sequer a apresentação pela recorrida de contra-alegações.

6. Deste modo, julgando-se verificado o fundamento impeditivo da concessão da declaração de executoriedade prevista no n.º 2 do artigo 34º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, aqui aplicável, deve revogar-se a sentença recorrida, não se concedendo tal declaração às decisões apresentadas pelo Requerente.
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C) - SUMÁRIO
Deve recusar-se a declaração de executoriedade de decisão estrangeira, ao abrigo do n.º 2 do artigo 34º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, quando o processo onde foi proferida a decisão cuja executoriedade se pretende tenha corrido à revelia do requerido e não esteja demonstrado que o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, foi comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil de apresentar a sua defesa, ou que o requerido teve oportunidade de interpor recurso da decisão.
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IV – DECISÃO
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, negando-se a declaração de executoriedade às decisões dos Tribunais da Comarca de Wels e da Comarca de Lambach, em causa nos autos.
Custas a cargo da Recorrida.
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Guimarães, 12 de Julho de 2016
(Francisco Cunha Xavier)
(Francisca Mendes)
(João Diogo Rodrigues)