Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1/08.0TJVNF-EW.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: NATUREZA DOS CRÉDITOS
CRÉDITOS SOBRE A MASSA INSOLVENTE
CRÉDITOS SOBRE A INSOLVÊNCIA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS CREDORES
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. Distinguem-se no CIRE os créditos sobre a massa insolvente (cuja constituição resulta, grosso modo, do próprio processo de insolvência), pagos precipuamente, sem necessidade de reclamação e logo que se vençam, e os créditos sobre a insolvência (cuja constituição ocorre em momento anterior à insolvência), pagos depois daqueles primeiros, e apenas se tiverem sido reclamados e reconhecidos por sentença transitada em julgado.
II. Os créditos laborais constituídos após a declaração da insolvência constituirão: créditos sobre a massa insolvente, se tiverem natureza remuneratória (v.g. salários, subsídios de férias, subsídios de natal, subsídios de alimentação); e créditos sobre a insolvência, se tiverem natureza compensatória por cessação do contrato de trabalho.
III. O princípio da igualdade dos credores, sendo imperativo não é absoluto, já que admite uma desigualdade de tratamento entre credores quando a mesma se mostre justificada por razões objectivas; e estas mostrar-se-ão verificadas quando um trabalhador reclame uma compensação por cessação do seu contrato de trabalho após a insolvência, aceitando a respectiva licitude (crédito qualificável como sobre a insolvência), e outro reclame judicialmente uma indemnização fundada na ilicitude de idêntico despedimento (crédito que lhe veio a ser reconhecido, e qualificado, como sobre a massa insolvente).
IV. O trabalhador que pretenda intentar uma acção com vista ao reconhecimento de créditos emergentes da vigência ou cessação do seu contrato de trabalho, terá que o fazer no prazo máximo de um ano a contar da sua cessação, nos termos do art. 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho; e, não o fazendo então, não poderá depois intentar uma acção de processo comum, nos termos do art. 89.º, n.º 2, do CIRE, para o mesmo efeito (nomeadamente, para obter título executivo, que reconheça e qualifique os seus créditos laborais como créditos sobre a massa insolvente).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada

1.1.1. B. F., residente na Rua …, Vila das Aves, em Santo Tirso, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A. C., residente na Avenida …, em Oliveira e Santa Maria, e Outros, e contra Massa Insolvente de O. F., S.A. (representada pelo respetivo Administrador da Insolvência – A. T., com domicílio profissional na Rua …, em Joane), pedindo que:
· fosse declarado que ela própria é credora da massa insolvente pelo valor de € 27.548,43 (sendo € 25.245,75 a título de compensação pelo seu despedimento, e € 2.302,67 a título de salários de Maio, Junho e parte de Julho de 2008), e respectivos juros de mora, sendo os Réus condenados a reconhecê-lo;
· fosse declarado que este seu crédito sobre a massa insolvente deveria ser graduado em paridade com os créditos dos Réus exequentes (em três acções executivas por eles propostas contra a massa insolvente) e dos Réus reclamantes (que naquelas reclamaram créditos);
· fossem os Réus condenados a reconhecer que este seu crédito sobre a massa insolvente gozaria de privilégio mobiliário e imobiliário especial sobre os bens da massa insolvente e sobre o produto da sua venda;
· fosse a ré Massa Insolvente condenada a pagar-lhe este seu crédito e os respectivos juros de mora.

Alegou para o efeito, em síntese, ter sido trabalhadora, desde 01 de Março de 1966, de O. F., S.A.; e, tendo a mesma sido declarada insolvente em 02 de Janeiro de 2008, ter reclamado em 03 de Março de 2008 os seus créditos sobre ela (€ 1.280,68 de salários em atraso, e € 25.245,75 relativos à compensação por eventual e futura cessação do seu contrato de trabalho, mercê do encerramento da empresa).
Mais alegou que, tendo o dito encerramento ocorrido em 30 de Outubro de 2008, por decisão do Administrador da Insolvência, somou € 2.302,67 aos créditos já reclamados, e depois por ele reconhecidos, relativos aos seus salários de Maio, Junho e parte de Julho de 2008.
Alegou ainda ser o crédito relativo à compensação por cessação do contrato de trabalho um crédito sobre a massa insolvente, e não sobre a insolvência - ao contrário do entendimento seguido pelo Administrador da Insolvência -, uma vez que a dita cessação resultou de um acto praticado por ele; e o mesmo sucedendo com o crédito relativo a salários vencidos após a declaração de insolvência, por a manutenção do seu contrato de trabalho ter sido igualmente decidida por ele.
Por fim, alegou que, tendo outros trabalhadores intentado acções para verificação ulterior de créditos (o que considerou ser desnecessário no seu caso pessoal, por terem sido reconhecidos todos os que reclamou nos prévios autos de insolvência), viram o relativo à compensação por cessação dos respectivos contratos de trabalho ser aí reconhecido como sendo sobre a massa insolvente; e, por isso, correr agora ela o risco de vir a ser prejudicada face àqueles (a manter-se o entendimento seguido nos autos de insolvência, de que o seu crédito análogo seria sobre a insolvência), desse modo se violando o princípio da igualdade dos credores.

1.1.2. Regularmente citados, os Réus vieram contestar.
1.1.2.1. A Massa Insolvente, na sua contestação, pediu que a acção improcedesse quanto a si.
Alegou para o efeito, em síntese, ter sido o crédito reclamado pela Autora reconhecido, nos termos do art. 129.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (1).
Mais alegou que, atento os prazos para as reclamações de créditos, para as acções de verificação ulterior de créditos, e para as acções relativas a dívidas da massa insolvente, o crédito aqui reclamado há muito que se encontraria prescrito.
1.1.2.2. A. C. e Outros, na sua contestação conjunta, pediram que se julgassem procedentes as excepções nela invocadas e a acção improcedente, por não provada.

Alegaram para o efeito, em síntese, ter a Autora (B. F.) reclamado os mesmos créditos que aqui invoca em três acções executivas pendentes, de que igualmente são partes, propostas contra a Massa Insolvente, verificando-se assim a excepção de litispendência; e terem sido citados primeiro nestes autos, pelo que deduziram naqueles outros a dita excepção, sem prejuízo de (prevenindo outro entendimento do Tribunal a quo) a invocarem igualmente aqui.
Mais alegaram que, tendo a Autora (B. F.) reclamado o crédito relativo à compensação por cessação do seu contrato de trabalho como crédito da insolvência (nos autos respectivos), não poderia agora pretender alterar a qualificação que livremente lhe atribuiu então.
Alegaram ainda que, estando em causa créditos laborais, a acção com vista ao reconhecimento da sua existência deveria ter sido intentada no ano seguinte a contar da data da cessação do contrato de trabalho, nos termos do art. 337.º, n,º 1, do Código do Trabalho (2); e, por isso, já se encontraria não só caduco, como prescrito, o direito que a Autora (B. F.) aqui pretenderia exercer.
Por fim, alegaram não se encontrar a Autora (B. F.) em condições análogas às suas (inexistindo o risco de qualquer violação do princípio da igualdade dos credores), uma vez que a mesma reclamou na insolvência o seu crédito relativo à compensação por cessação do seu contrato de trabalho como tendo origem no singelo encerramento da empresa, enquanto eles próprios o radicaram num despedimento ilícito (que desse modo impugnaram, em acção intentada expressamente para o efeito, no ano seguinte à sua verificação).
1.1.3. A Autora (B. F.) respondeu, pedindo que as excepções deduzidas pelos Réus fossem julgadas não provadas e improcedentes.
Alegou para o efeito, sempre em síntese, que, tendo reclamado nas três execuções pendentes, propostas por outros contra a Massa Insolvente, o seu crédito, pediu ainda o respectivo reconhecimento, nos termos do art. 792.º, do CPC (prevenindo a hipótese de se vir a entender aí que não tinha título executivo); e, não tendo ainda obtido resposta por parte da Executada, intentou a presente acção nos 20 dias seguintes, por forma a evitar a caducidade do requerimento respectivo (conforme al. a), do n.º 7, do art. 792.º citado), Defendeu, por isso, inexistir a excepção de litispendência invocada.
Mais alegou: não lhe ser exigível que invocasse a ilicitude do despedimento levado a cabo pelo Administrador da Insolvência, uma vez que, estando apenas em causa a qualificação do crédito compensatório devido pela cessação do seu contrato de trabalho, essa questão seria unicamente de direito; a qualificação do dito crédito como sendo sobre a insolvência violaria o princípio da igualdade (tratando de forma distinta, sem qualquer justificação, os vários trabalhadores da Insolvente, sendo apenas alguns deles pagos com os únicos bens apreendidos em acções executivas por eles intentadas para o efeito); e, tendo o dito crédito sido inclusivamente reconhecido pelo Administrador da Insolvência, não lhe era exigível que intentasse qualquer acção ulterior onde pedisse aquele reconhecimento. Defendeu, por isso, inexistir qualquer prescrição, ou caducidade, do direito que aqui invoca.
1.1.4. Foi proferido saneador-sentença, julgando procedente a excepção peremptória de prescrição, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Decisão
Pelo exposto,
a) julgo procedente a exceção peremtória de prescrição, declarando extinto o direito de crédito reclamado pela Autora B. F. no que respeita aos créditos laborais constituídos após a declaração de insolvência.
b)Em consequência, absolvo os RR dos pedidos contra os mesmos deduzidos nos presentes autos.
Custas pela A- artigo 527º, nº1 e 2 CPC.
Registe e notifique.
(…)»
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1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos

Inconformada com esta decisão, a Autora (B. F.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a sentença recorrida.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1 - A Recorrente tem direito a compensação pela cessação do contrato de trabalho ao abrigo do disposto no artigo 347 do C.T. levado a cabo por iniciativa do Sr. Administrador de insolvência.
2 - Pelo que a questão que se coloca nos presentes autos prende-se, apenas, quanto à natureza do crédito da Recorrente.
3 - Ou seja, entende a Recorrente que se trata de uma mera questão de direito.
4 - O crédito foi reconhecido na sua totalidade pelo Sr. Administrador de insolvência pelo que não se aplicam as disposições conjugadas dos artigos 337 e 381 do Código de Trabalho.
5 - Os contratos de trabalho mantêm-se em vigor até ao encerramento definitivo do estabelecimento, não implicando, pois, a declaração de insolvência a cessação imediata dos contratos de trabalho por caducidade, os quais subsistem após essa declaração e até àquele encerramento, sendo certo que o encerramento do estabelecimento confere aos trabalhadores o direito a uma compensação.
6 - Constituindo um ato de administração da massa insolvente a manutenção da empresa em laboração, as dívidas respeitantes a salários e demais contraprestações do trabalho prestado pelos trabalhadores da insolvente, após a declaração de insolvência, são qualificadas pelo art.º 51º, n.º 1, c), do CIRE, como dívidas da massa insolvente.
7 - Os créditos da Recorrente, trabalhadora da insolvente cujo contrato de trabalho cessou por acto (de gestão e administração) do administrador de insolvência, são dívidas da massa insolvente, independentemente de tal ter ou não sido reconhecido em acção judicial (por tal resultar expressamente do CIRE).
8 - Trata-se de divida emergente de acto de administração da massa insolvente nos termos do artigo 51º. Nº.1 c) do CIRE e também resultante da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções (artº 51º, nº1 d) do CIRE).
9 - A Recorrente não pode ser prejudicada ou privada de qualquer direito em relação aos demais trabalhadores que viram os seus créditos reconhecidos como dívidas da Massa.
10 - Tratar de forma diferente a Recorrente em relação aos trabalhadores cujos créditos foram reconhecidos como créditos sobre a Massa Insolvente implica a violação do princípio da igualdade.

Acresce que,
11 - A Recorrente reclamou créditos nos termos dos nºs. 1 e 3 do artigo 788º. do CPC, nos três processos de execução.
12 - E, para o caso de ser entendido que não possuía título executivo, requereu, nos termos do artigo 792 nº. 1 e nº. 2 do CPC a notificação da Executada Massa Insolvente para se pronunciar sobre a existência e natureza do seu crédito.
13 - Dispõe o artigo 792 nº. 1 que o credor que não seja munido de título executivo pode requerer que a graduação dos créditos aguarde a obtenção do título em falta.
14 - Por sua vez, dispõe o artigo 792 nº. 2 que recebido o requerimento deve o executado ser notificado para se pronunciar sobre a existência do crédito invocado.
15 - Como não tinha sido notificada sobre a decisão da executada Massa Insolvente, por cautela, intentou a presente acção dentro dos 20 dias previstos na alínea a) do nº. 7 do artigo 792 do CPC.
16 - De forma a evitar a caducidade do seu requerimento.
17 - Relativamente à graduação geral de créditos proferida nos autos de execução na qual a Recorrente não foi contemplada, em caso de deferimento da reclamação de créditos, sempre teria de ser refeita.
18 - Dispõe o nº. 6 do artigo 791º. do C.P.C que a graduação é refeita se vier a ser verificado algum crédito que, depois dela, seja reclamado nos termos do nº. 3 do artigo 788º. do mesmo código.
19 - Consta do mapa de rateio parcial apresentado pelo Sr. Administrador de Insolvência um crédito sobre a massa insolvente referente aos salários de Maio, Junho e parte de Julho de 2008 que, entretanto, se venceram no valor de € 2.302,67.
20 - Pelo que, pelo menos quanto a esta parte, a reclamação de créditos teria de ser admitida e o seu crédito pago nos mesmos termos que os restantes ex-trabalhadores, sob pena de violação do princípio da igualdade.
21- Foram erradamente interpretados os artigos 23º. nº. 1 alínea a), 333º., 337º. e 347º. do Código de Trabalho, artigos 51º. n. 1 alínea c) e d), 55º. n. 1 al. b), 172º. nºs. 1, 2 e 3 e 277º. do CIRE e artigos 788º., 791º. nº. 6 e 792º. do Código Processo Civil.
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1.2.2. Contra-alegações e ampliação do objecto do recurso

A. C. e Outros contra-alegaram, pedindo que se julgasse improcedente o recurso interposto.

Concluíram as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):
a) A Recorrente, B. F., interpôs recurso da sentença proferida que julgou extinto o seu crédito, por prescrição, nos autos acima referenciados, sendo que tal decisão, nessa parte, não merece censura, na medida em que o Tribunal a quo faz correcta aplicação e interpretação do direito, cujos argumentos de facto e de direito se adere;
b) Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre a Recorrente continuaria a não ser titular do crédito que reclama, o que subsidiariamente se invoca, devendo os argumentos que infra se apresentam, serem submetidos à douta apreciação deste Venerando Tribunal Superior, nos termos do artº 636º do CPC, pelo que se apresenta AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO, nos seguintes termos:
c) A ora Recorrente reclama, nestes autos, alegados créditos que, segundo ela, detém sobre a “MASSA INSOLVENTE O. F., S.A.” e que se reporta a € 25.245,75 de “compensação pelo encerramento” e € 2.302,67 de “salários vencidos após a declaração de insolvência”, no valor global de € 27.548,43;
d) Ora, desde logo, atendendo que a recorrente, com o mesmo pedido e causa de pedir, reclama os alegados créditos nos processos executivos 1/08.0TJVNF-1, 1/08.0TJVNF-2 e 1/08.0TJVN-3, do qual a recorrida foi notificada em 13/09/2021 e nesta acção a 8/09/2021, verifica-se a excepção de litispendência e que implicou a absolvição da instância;
e) Acresce que a recorrente com a mesma causa de pedir reclamou, nos termos do artº. 129º do CIRE os respectivos créditos e que os caracterizou como créditos da insolvência, incluindo a compensação no valor de € 25.245,75, o que é apresentado sob a condição do encerramento do estabelecimento e que a recorrente, no ponto 10 e 11 da acção afirma que se verificou;
f) Ora, os recorridos intentaram a referida acção nos termos do artº. 89º do CIRE por entenderem que foram alvo de despedimento ilícito, reclamando as respectivas indemnizações e as retribuições vencidas após a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão referida, ainda, que tivessem origem num acto ilícito do Sr. A.I., concluindo pelo seu recebimento como dívidas da massa, o que foi judicialmente reconhecido;
g) Aliás, a recorrente sustenta a existência dos seus créditos, por um acto lícito do Sr. A.I., - daí referir que se trata de compensação e retribuições - enquanto os recorridos invocam a conduta ilícita do Sr. A.I.;
h) Assim, a intenção descrita pela recorrente é distinta da que foi peticionada pelos recorridos, como bem salientam os acórdãos que reconhecem os créditos destes como dívidas da massa insolvente;
i) À luz dos argumentos supra expostos deve ser julgado improcedente o recurso interposto, e, subsidiariamente, deve ser julgado procedente a presente ampliação, de acordo com as normas legais atinentes, nomeadamente os artºs 51º, 88º, 89º, 128º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; 581º, 582º, 788º, nº 1 e 2, 789º nº 4 do Código de Processo Civil, 337º, 338º e 391º, nº 1, estes do Código do Trabalho.
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1.2.3. Resposta à ampliação do objecto do recurso
A Autora (B. F.) respondeu à ampliação do objecto do recurso, pedindo que se julgasse totalmente improcedente.
Concluiu a sua resposta da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):
a) A Recorrente intentou ação nos termos do artigo 89 do CIRE, por mera cautela, apenas para o caso de o Tribunal entender que a Recorrente não estava munida de título executivo.
b) Fê-lo, repete-se, nos termos e para os efeitos do artigo 792 nº. 3 e nº. 7 do CPC já que, até à data da propositura da ação, não tinha sido notificada da posição do Sr. Administrador de insolvência.
c) Tal como consta no nº. 14 da reclamação de créditos, a Recorrente até à data da cessação do contrato de trabalho, prestara trabalho, nos mesmos termos que os ex trabalhadores Recorridos, nas instalações fabris da insolvente ou seja em todo o património imobiliário apreendido a favor da massa insolvente.
d) Pelo que goza de garantia real sobre os bens arrolados para a massa insolvente, incluindo bens imóveis e, naturalmente, sobre o produto da venda dos mesmos.
e) A qualificação do crédito da Recorrente. como crédito sobre a massa é mera questão de direito sendo que os factos de que depende, e que foram alegados, não foram objecto de qualquer impugnação.
f) A Recorrente tem, pois, o direito a ver o seu crédito ser pago nos mesmos termos que os restantes ex-trabalhadores, aqui Recorridos, sob pena de violação do princípio da igualdade.
g) A lei não distingue entre uns e outros quanto à natureza e qualificação dos seus créditos como dívidas da massa insolvente.
h) A reclamação de créditos tal como, oportunamente, foi formulada pela Recorrente, implica que todos os seus créditos que nasceram com o encerramento da empresa por decisão do Sr. Administrador de Insolvência, são automaticamente considerados como créditos sobre a massa e dispensam a reclamação por qualquer outro meio, nomeadamente pelo recurso a qualquer ACÇÃO DE VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS como fizeram os Recorridos.
i) A Recorrente e os restantes trabalhadores e aqui Recorridos, mantiveram-se ao serviço após a declaração de insolvência, tendo vindo a ser despedidos pelo Administrador da Massa Insolvente.
j) A qualificação do crédito da Recorrente como crédito sobre a massa insolvente, nas circunstâncias em que foi feita a cessação dos contratos de trabalho pelo administrador de insolvência, tem sido objecto de inúmeras decisões da Jurisprudência e não oferece, actualmente, dúvidas.
l) Sendo desnecessário que a questão seja colocada numa acção judicial apenas para esse fim, dado que decorre diretamente da aplicação da lei.
m) Trata-se de divida emergente de acto de administração da massa insolvente nos termos do artigo 51º. Nº.1 c) do CIRE e também resultante da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções (artº 51º, nº1 d) do CIRE).
n) Neste enquadramento, os créditos da Recorrente, trabalhadora da insolvente cujo contrato de trabalho cessou por acto (de gestão e administração) do administrador de insolvência, são dívidas da massa insolvente, independentemente de tal ter, ou não, sido reconhecido em acção judicial (por tal resultar expressamente do CIRE).
o) A Recorrente não pode ser prejudicada ou privada de qualquer direito em relação aos demais trabalhadores que viram os seus créditos reconhecidos como dívidas da Massa.
p) Tratar de forma diferente a Recorrente em relação aos trabalhadores cujos créditos foram reconhecidos como créditos sobre a Massa Insolvente implica a violação do princípio da igualdade.
q) Isto porque, os Recorridos apenas recorreram a ações de verificação ulterior de créditos e não acção nos termos do artigo 89 como referem, para alegando a ilicitude do despedimento poderem ver aumentado o valor da indeminização e não porque tal fosse necessário para que os seus créditos fossem considerados como dívidas da massa.
r) De facto, quer o encerramento por iniciativa do Administrador de Insolvência fosse considerado licito ou ilícito o crédito daí decorrente sempre seria considerado como dívida da massa insolvente.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) (3), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

2.2.1. Questões incluídas no objecto do recurso e da sua ampliação

Mercê do exposto, do recurso de apelação interposto pela Autora (B. F.) e da ampliação do seu objecto pedida por A. C. e Outros, 03 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:
1.ª - Qual a natureza dos créditos (remuneratório - isto é, salarial - e compensatório – isto é, por cessação do contrato de trabalho) aqui invocados pela Autora, isto é, são qualificáveis como créditos sobre a massa insolvente (como pretende ela própria) ou como créditos sobre a insolvência (como pretendem os Recorridos)?
2.ª - Sendo qualificáveis como créditos sobre a insolvência (no todo, ou em parte), viola-se desse modo o princípio da igualdade entre credores?
3.ª - Sendo qualificáveis como créditos sobre a massa insolvente (no todo, ou em parte), encontram-se os mesmos prescritos?
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2.2.2. Questão excluída do objecto da ampliação do recurso
Vieram ainda os Recorridos (A. C. e Outros) invocar, no respectivo pedido de ampliação do objecto do recurso interposto, a excepção dilatória de litispendência, que se verificaria entre estes autos, e três outros, de natureza executiva, onde a Autora (B. F.) teria formulado pedidos iguais (de reconhecimento dos mesmos créditos, sua qualificação como créditos sobre a massa insolvente, e pagamento em condições de paridade face aos que eles próprios, e como tal, reclamaram e viram já reconhecidos).
Contudo, e tal como os próprios Recorridos (A. C. e Outros) desde logo o reconheceram nas suas contra-alegações, «atendendo que os Recorridos foram citados em primeiro lugar nos presentes autos, ocorre, assim, nos autos dos processos executivos, tal como já foi devidamente suscitado, a excepção dilatória de litispendência, que é do conhecimento oficioso e que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (cfr. artºs. 576º, nº 1 e 2, 577º, al. f) e 578º, todos do CPC)».
Logo, e ainda que eventualmente lhes pudesse assistir razão, quanto à alegada verificação da excepção dilatória de litispendência alegada, nunca seria nestes autos, em que foram citados em primeiro lugar, mas naqueles outros, em que o foram depois, que teriam de a suscitar (como, aliás, afirmam já ter feito), nos expressos, claros e imperativos termos fixados pelo art. 582.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC.

Declara-se assim, e com este fundamento, excluído aqui o conhecimento da excepção dilatória de litispendência, invocada pelos Recorridos (A. C. e Outros), na respectiva ampliação do objecto do recurso (interposto pela Autora).
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação das questões enunciadas, e mercê do conteúdo dos próprios autos (estes, os principais - de insolvência - e respectivos apensos), encontram-se assentes (por prova documental - autêntica ou particular, não impugnada -, e por confissão ficta) os seguintes factos:

1 - B. F. (aqui Autora), como trabalhadora, e O. F., S.A., como entidade patronal, celebraram verbalmente, em 01 de Março de 1966, um contrato de trabalho.
2 - Corre termos pelo Tribunal de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz 2, o processo de insolvência n.º 1/08.0TJVNF, pertinente a O. F., S.A. (que aqui constitui os autos principais, de que estes são apenso), tendo a respectiva insolvência sido declarada por sentença de 02 de Janeiro de 2008 (transitada em julgado a 13 de Fevereiro de 2008); e nela tendo sido fixado o prazo de 30 dias para reclamação de créditos.
3 - Em 03 de Março de 2008, B. F. (aqui Autora), invocando a qualidade de trabalhadora da Insolvente (com a categoria de revistadeira, com salário base de € 410,50, acrescido de complementos determinantes do valor global de € 537,84), reclamou junto do Administrador da Insolvência:
a) O crédito de € 1.280,68 (sendo € 205,00 relativo a parte do subsídio de férias de 2007, e € 1.075,68 relativo aos salários de Janeiro e Fevereiro de 2008, à razão mensal de € 537,84);
b) Outros créditos, no caso de vir a ser encerrada a empresa e liquidado o seu activo e o contrato viesse a cessar, designadamente o valor de € 1.075,68 (relativo a férias e a subsídio de férias, vencidos em 01 de Janeiro de 2008), o valor de € 268,92 (relativo a proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal no ano da cessação, à razão de € 89,64 para cada um destes itens), e o valor de € 25.245,75 (relativo à compensação decorrente da cessação do contrato de trabalho, à razão de 41 x 1,5 x € 410,50).
4 - Em 14 de Abril de 2008, em listas sobre créditos reconhecidos e não reconhecidos, apresentadas aos autos de insolvência nos termos do art. 129.º, do CIRE, o Administrador da Insolvência declarou reconhecer os créditos de B. F., no valor global de € 27.871,13 (sendo o valor de € 2.625,28 relativo a remunerações não pagas, e indicado como crédito com privilégio mobiliário geral, e o valor de € 25.245,85 relativo a indemnização por antiguidade, e indicado como crédito sob condição).
5 - Em 21 de Julho de 2008, o Administrador da Insolvência comunicou, por carta, a B. F. o encerramento do estabelecimento da Insolvente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
- A. T., na qualidade de Administrador de Insolvência nomeado nos autos supra referidos, vem comunicar a V. Exa. a decisão de encerramento do estabelecimento da insolvente com base nos factos seguintes, de acordo com o requerimento já presente no Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão:
- Incapacidade da Administração da Empresa em resolver a situação dos trabalhadores em greve desde o dia 18 de Junho de 2018;
- A indisponibilidade de empresas como a Distribuidor de Energia … e a Sociedade Térmica …, S.A. entre outras, em continuarem a fornecer energia eléctrica e térmica, respectivamente, fornecimentos que são essenciais ao funcionamento da Insolvente;
- A anulação de grande número de encomendas por parte dos principais clientes da insolvente, o que compromete decisivamente o futuro próximo da Insolvente.
(…)»
6 - Em 21 de Julho de 2008, o Administrador da Insolvência assinou e promoveu a entrega a B. F. da «Declaração de Situação de Desemprego» (modelo RP 5044-DGSS), constando nela como motivo do desemprego a cessação do contrato de trabalho, por «Despedimento promovido pelo Administrador, antes do encerramento definitivo do estabelecimento».
7 - Em 19 de Agosto de 2008, o Administrador da Insolvência comunicou aos autos que encerrou o estabelecimento da Insolvente a 21 de Julho de 2008; e a existência de dívidas da massa insolvente, nos seguintes termos:
«(…)
- Encerrado o estabelecimento da insolvente no passado dia 21 de Julho, perante as graves situações descritas em requerimentos de 24 de Junho, 1 de Julho e 18 de Julho, constatou o a.i. que ficaram vários valores em dívida relativas ao período após a declaração da insolvência relativas à gestão do estabelecimento da insolvente, nomeadamente remunerações dos trabalhadores, remunerações do administrador de insolvência, impostos e contribuições para a Segurança Social e fornecimentos diversos, conforme melhor se descrevem em relação anexa. As remunerações em dívidas aos trabalhadores são apresentadas pelos meses a que se referem e respectivos montantes, sendo que o a.i. apresentará no prazo de 30 dias uma relação nominativa relativa a tais remunerações, sendo que neste mesmo prazo fará eventual correcção à relação com o valor de possíveis outros créditos apurados na contabilidade que, entretanto, está sendo actualizada até ao dia do encerramento do estabelecimento.
Nos termos das alíneas c) e d)do Artº 51º do C.I.R.E., tais dívidas são consideradas dívidas da Massa Insolvente e, como tal, nos termos do nº 1 do Artº 172º deste diploma, são estas dívidas satisfeitas antes de se proceder ao pagamento dos créditos da insolvência.
Pelo exposto, requer a Vª Exª se digne autorizar os referidos pagamentos de acordo com a douta graduação de créditos que vier a recair sobre os vários créditos relacionados, na medida da liquidação do activo.
(…)»
8 - Em 20 de Agosto de 2008, na Assembleia de Credores, o Juiz declarou ratificar o encerramento do estabelecimento da Insolvente, ao abrigo do art. 157.º, al. b), do CIRE; e os Credores aprovaram a ratificação do dito encerramento, por 75,67% dos votos expressos.
9 - Em 22 de Setembro de 2008, e na sequência da sua anterior lista de 19 de Agosto de 2008, o Administrador da Insolvência juntou aos autos de insolvência uma relação rectificada de dívidas da massa insolvente, com indicação nominativa de créditos de trabalhadores, e na qual, indicou B. F. como credora de € 2.302,67 (sendo os valores de € 551,65 e de € 223,25 relativos aos salários dos meses de Maio e Junho de 2008, o valor de € 777,89 relativo a férias e a subsídio de férias de 2007, e o valor de € 749,88 relativo a férias, subsídio de férias e subsídio de natal de 2008); e pediu que se autorizassem os pagamentos respectivos, de acordo com o já solicitado em 19 de Agosto de 2008
10 - Em 30 de Outubro de 2008, em nova lista de créditos reconhecidos, apresentada nos termos do art. 129.º, do CIRE, no Apenso de Reclamação de Créditos n.º 1/08.0TJVNF-C, o Administrador da Insolvência declarou reconhecer os créditos de B. F., no valor global de € 27.871,13 (sendo o valor de € 2.625,28 relativo a remunerações não pagas, e o valor de € 25.245,85 relativo a indemnização por antiguidade, indicando então ambos como como créditos com privilégio mobiliário geral), esclarecendo ainda:
«(…)
- Com vista a permitir a passagem de certidões de créditos reconhecidos a trabalhadores da Insolvente para entrega no Instituto da Segurança Social, elaborou uma nova Relação de Créditos Reconhecidos, nos termos do Artº.129º do CIRE, com inclusão de novos créditos entretanto reconhecidos e a alteração na classificação dos créditos relativos às indemnizações por despedimento ilícito ocorrido com o encerramento do estabelecimento, a qual deixou de figurar “sob condição”. Por outro lado, não inclui novos créditos que estejam, ainda, no momento, pendentes de deliberação judicial.
Os créditos que digam respeito a renumerações e subsídios do ano de 2008, encontram-se expressos na relação nominativa relativa às dívidas da massa insolvente, junta aos autos no decurso do passado mês de Setembro.
(…)»

11 - A nova lista de créditos reconhecidos, de 30 de Outubro de 2008, foi impugnada, nunca tendo recaído sobre ela qualquer despacho de homologação.
12 - Um grupo de trabalhadores da Insolvente intentou contra a mesma acções de verificação ulterior de créditos, invocando a ilicitude do despedimento promovido pelo Administrador da Insolvência, e pedindo a competente indemnização por antiguidade, as retribuições devidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado das sentenças a proferir e o reconhecimento de tais créditos como dívidas sobre a massa insolvente; e obtiveram nas mesmas posteriores sentenças de procedência respectiva, confirmadas pelo Tribunal da Relação do Porto (nomeadamente, em acórdão proferido em 01 de Fevereiro de 2010, no aqui Apenso n.º 1/08.0TJVNF-AY, e em acórdão proferido em 06 de Julho de 2010, no aqui Apenso n.º 1/08.0TJVNF-L).
13 - Foram propostas três acções executivas, com vista à cobrança dos créditos sobre a massa insolvente reconhecidos aos trabalhadores que impugnaram, em acções de verificação ulterior de créditos, o respectivo despedimento, invocado a sua ilicitude; e estão agora as mesmas apensas aos autos de insolvência, com o n.º 1/08.0TJVNF-1, com o n.º 1/08.0TJVNF-2 e com o n.º 1/08.0TJVNF-3.
14 - Nas três acções executivas apensas aos autos de insolvência - com o n.º 1/08.0TJVNF-1, com o n.º 1/08.0TJVNF-2 e com o n.º 1/08.0TJVNF-3 -, foram penhorados os únicos bens agora disponíveis da massa insolvente (nomeadamente, depósitos bancários no valor de € 370.147,63).
15 - Em 18 de Julho de 2012, o Administrador da Insolvência juntou aos autos de insolvência n.º 1/08.0TJVNF «Mapa de Rateio Parcial», no qual indicou, em relação a B. F., e para além dos créditos referidos nos factos anteriores, o valor de € 2.302,67, de «Dívida da massa gerada após a declaração da insolvência», e o valor de € 7.668,00, de «Subrogação da Segurança Social»; e não indicou nada na rúbrica de «Pagamento das Dívidas da Massa» do «Rateio a efectuar».

16 - Em 29 de Julho de 2013, o Administrador da Insolvência juntou aos autos de insolvência n.º1/08.0TJVNF novo «Mapa de Rateio Parcial», no qual manteve, em relação a B. F., e para além dos créditos referidos nos factos anteriores, o valor de € 2.302,67, de «Dívida da massa gerada após a declaração da insolvência»; e manteve a falta de indicação de qualquer valor na rúbrica de «Pagamento das Dívidas da Massa» do «Rateio a efectuar».
17 - Em 09 de Fevereiro de 2015, em relação de créditos junta ao apenso de Reclamação de Créditos n.º 1/08.0TJVNF-C, apresentada nos termos do art. 129.º, do CIRE, o Administrador da Insolvência declarou reconhecer os créditos de B. F., no valor global de € 27.871,13 (sendo o valor de € 2.625,28 relativo a remunerações não pagas, e o valor de € 25.245,85 relativo a indemnização por antiguidade, reiterando a anterior indicação de ambos como como créditos com privilégio mobiliário geral)
18 - A nova lista de créditos reconhecidos, de 09 de Fevereiro de 2015, foi impugnada, nunca tendo recaído sobre ela qualquer despacho de homologação.
19 - Em 14 de Janeiro de 2017, o Administrador da Insolvência juntou aos autos de insolvência n.º1/08.0TJVNF novo «Mapa de Rateio Parcial», no qual manteve, em relação a B. F., o valor de € 2.302,67, de «Dívida da massa gerada após a declaração da insolvência»», e o valor de € 7.668,00, de «Subrogação da Segurança Social»; e manteve a falta de indicação de qualquer valor na rúbrica de «Pagamento das Dívidas da Massa» do «Rateio a efectuar».
20 - Em 01 de Março de 2017, no processo de insolvência n.º 1/08.0TJVNF, face ao último «Mapa de Rateio Parcial» (de 14 de Janeiro de 2017), foi proferido o seguinte despacho:
«(…)
A ordem do Tribunal no sentido de ser elaborado mapa de rateio parcial no que concerne às dívidas da massa, teve por base dois fundamentos: tornar transparente a distribuição das verbas entre os credores relativamente a tais dívidas, pese embora que para o pagamento destas não se exige a elaboração de tal mapa e por outro lado, agilizar o processado.
Porém, face às inúmeras reclamações contra o mesmo deduzidas a que acresce a interposição de recurso, afigura-se que a sua elaboração irá provocar delongas, exactamente o que se quis evitar com a elaboração de tal mapa.
Assim, deverão os autos prosseguir os seus normais termos e após finda a liquidação e prolação da competente sentença de graduação de créditos, será elaborado o respectivo mapa de rateio, devendo as dívidas da massa serem pagas de acordo com o disposto no artigo 172º, nº 1, do CIRE.
(…)»
21 - Em 26 de Novembro de 2019, no Apenso de Reclamação de Créditos n.º 1/08.0TJVNF-C, foi proferido o seguinte despacho:
«(…)
Cumpra o senhor administrador com o ordenado por despacho de 7-11-2019 no apenso de liquidação já que a massa insolvente é insuficiente para o pagamento sequer das dívidas da massa que estão a ser executadas por apenso, pelos trabalhadores/exequentes. Se o senhor administrador não efetuar os pagamentos de parte de tais dívidas com o produto da massa entregando-o à agente de execução, será ponderada a sua destituição.
(…)»
22 - Em 13 de Julho de 2021, B. F. apresentou um requerimento nas três acções executivas apensas aos autos de insolvência - com o n.º 1/08.0TJVNF-1, com o n.º 1/08.0TJVNF-2 e com o n.º 1/08.0TJVNF-3 -, para pagamento dos créditos que aqui invoca; subsidiariamente, reclamou-os em qualquer delas; e, prevenindo a hipótese de se entender que não possuía título executivo, pediu ainda que a graduação de créditos aguardasse a sua obtenção, caso a ali Executada (Massa Insolvente) negasse a sua existência (por cuja obtenção diligenciaria então, ao propor acção própria, nos vinte dias que o n.º 7, do art. 792.º, do CPC, lhe impõe para o efeito).
23 - Em 02 de Agosto de 2021, e face à omissão de qualquer pronúncia ou decisão nas três acções executivas referidas no facto anterior, B. F. intentou os presentes autos, por apenso ao processo de insolvência n.º 1/08.0TJVNF, ditos de acção com processo comum e nos termos do art. 89.º, n.º 2, do CIRE, contra trabalhadores da Insolvente (Exequentes e Reclamantes nas execuções n.º 1/08.0TJVNF-1, n.º 1/08.0TJVNF-2 e n.º 1/08.0TJVNF-3) e contra a Massa Insolvente, pedindo nomeadamente: o reconhecimento da sua qualidade de credora da massa insolvente, pelo valor de € 27.548,43 (sendo € 25.245,75 a título de compensação pelo seu despedimento, e € 2.302,67 a título de salários de Maio, Junho e parte de Julho de 2008), e respectivos juros de mora; e que o dito crédito sobre a massa insolvente fosse graduado em paridade com os créditos dos Réus exequentes e dos Réus reclamantes.
24 - Em 16 de Dezembro de 2021, no processo de insolvência n.º 1/08.0TJVNF, foi proferida a seguinte sentença de encerramento, sobre a qual não recaiu recurso:
«(…)
Nos termos do disposto no artigo 232º nº 2 do CIRE, tendo o administrador da insolvência dado conhecimento da insuficiência da massa insolvente ao Tribunal e ouvidos o devedor e os credores da massa insolvente, o Juiz declara encerrado o processo, salvo se ocorrer a circunstância prevista na parte final desta norma, ou seja, se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado como necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.
No caso em apreço, tal circunstância não se verifica, havendo elementos que permitem constatar que a massa insolvente é insuficiente para satisfazer as custas do processo e as demais dívidas da massa insolvente, conforme parecer do senhor administrador de insolvência.
Cumpridas as notificações do nº 2 do art. 232º do CIRE, nenhuma oposição foi deduzida.
Pelo exposto, nos termos conjugados dos artigos 230º, nº 1, d), 232º, nº 2, e 233º, nº 1, do CIRE, declaro encerrado o processo de insolvência de Fiação e Tecidos O. F., SA.
Registe e Notifique. Cumpra o disposto no artigo 230º, nº2 CIRE.
Valor: €5.000,01

De acordo com o disposto no art.º 230.º, n.º 2 do CIRE, indicando a causa do encerramento do processo:
- notifique os credores, a insolvente e o Ministério Público - art.º 37.º, n.º 2 do CIRE;
- afixe editas e publique anúncio no portal do citius- art.º 37.º, n.os 7 e 8 do CIRE;
- remeta certidão à Conservatória do Registo Comercial, registe no registo informático de execuções e na página informática do tribunal e comunique ao Banco de Portugal - art.º 38.º,nºs 2, alínea b) e 6, alíneas a), b) e c), todos do CIRE.
Notifique o Sr. Administrador da insolvência para dar cumprimento ao disposto no artigo 233º, nº 5, do CIRE.(…)»
25 - Em 04 de Fevereiro de 2022, no apenso de Reclamação de Créditos n.º 1/08.0TJVNF-C (onde não foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos) foi proferida a seguinte decisão:
«(…)
Nos presentes autos de reclamação, verificação e graduação de créditos relativos à insolvência de O. F., SA foi nos autos principais proferida sentença de encerramento dos autos de insolvência por insuficiência da massa insolvente para a satisfação das custas e dívidas, não tendo sido requerida a exoneração do passivo restante.
Assim, não mais interessa ser atingido o objetivo da presente ação, dado que nada há a distribuir pelos credores, pelo que declaro a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide - artigo 277º, al e) CPC.
Custas pela massa insolvente.
Registe e notifique.
Proceda ao arquivamento dos autos.
(…)»
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Diferente natureza dos créditos em processo de insolvência
4.1.1.1. Em geral - Créditos sobre a Insolvência versus Créditos sobre a Massa Insolvente

Lê-se no art. 47.º, do CIRE, que, declarada «a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio» (n.º 1); e tais créditos, «bem como os que lhes sejam equiparados, (…) são neste Código denominados (…) créditos sobre a insolvência» (n.º 2).
Trata-se, como desde logo decorre da expressão «cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração», de dívidas que têm um fundamento anterior à data da declaração da insolvência.
Estas «dívidas sobre a insolvência», e de acordo com o art. 173.º do CIRE, virão a ser pagas desde que estejam verificadas «por sentença transitada em julgado»; e o seu pagamento ocorrerá por força dos bens do insolvente, previamente apreendidos e/ou liquidados, consoante a natureza dos respectivos créditos, isto é, garantidos, privilegiados, comuns ou subordinados (4) (arts. 46.º, n.º 4, 174.º, 175.º, 176.º e 177.º, todos do CIRE) (5).
Mais se lê, no art. 46.º, n.º 1, do CIRE, que a «massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo».
A propósito do que sejam «as suas próprias dívidas», lê-se no art. 51.º, do CIRE, sob a epígrafe «Dívidas da massa insolvente», no seu n.º 1, que, salvo «preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código: a) As custas do processo de insolvência; b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores; c) As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente; d) As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções; e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência; f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração;
g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objecto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório; h) As dívidas constituídas por actos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes; i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente; j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.º».
Trata-se, como desde logo decorre da expressão «além de outras como tal qualificadas neste Código», de uma enumeração exemplificativa (6); e todas as dívidas sobre a massa insolvente têm como fundamento a própria situação de insolvência, isto é, são originadas com o processo ou por causa dele (7).
Estas «dívidas sobre a massa insolvente», e de acordo com o art. 172.º, do CIRE, virão a ser pagas antes de se «proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência», cabendo ao administrador da insolvência deduzir «da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo» (n.º 1); e tal pagamento «tem lugar nas datas dos respectivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo» (n.º 2).
Logo, além de pagas de forma precípua, não estão sujeitas ao processo de verificação e graduação de créditos, não tendo que ser reclamadas, podendo os respectivos credores exigir directamente o seu pagamento do administrador da insolvência; e fazê-lo logo que se vençam, falando-se a propósito do princípio da pontualidade (8). Será, inclusivamente, este regime privilegiado (de vencimento, de reclamação e reconhecimento, e de termos de pagamento) que justificará o carácter excepcional das dívidas sobre a massa insolvente (9).
Compreende-se, por isso, que se afirme que a «massa insolvente destina-se primordialmente à satisfação das suas próprias dívidas (os créditos sobre a massa, referidas no art. 51º) e apenas depois aos créditos sobre a insolvência (as restantes dívidas de natureza patrimonial do insolvente ou garantidas por bens deste, referidas no art. 47º)» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015 - 8.ª edição, Almedina, págs. 113). Logo, aquelas (dívidas sobre a massa insolvente) são pagas com precipuidade, e estes (créditos sobre insolvência), independentemente da sua categoria, são preteridos no confronto com elas.
*
4.1.1.2. Em particular - Créditos laborais

Lia-se no anterior CT (recorda-se, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), no seu art. 391.º, n.º 1, que a «declaração judicial de insolvência do empregador não faz cessar os contratos de trabalho, devendo o administrador da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações que dos referidos contratos resultem para os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado».
De forma idêntica se veio a dispor no art. 347.º, n.º 1, do actual CT (recorda-se, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro), onde se lê que a «declaração judicial de insolvência do empregador não faz cessar o contrato de trabalho, devendo o administrador da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado».
Compreende-se, por isso, que se leia no art. 55.º, n.º 1, al. b), do CIRE, que «cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir», prover «à continuação da exploração da empresa» do insolvente, «se for o caso, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica».
Caberá, porém, em regra à comissão de credores, na sua reunião de apreciação do relatório do administrador da insolvência, decidir sobre o encerramento ou manutenção em actividade do estabelecimento ou estabelecimentos compreendidos na massa insolvente (art. 156.º, n.º 2, do CIRE), sem prejuízo das circunstâncias excepcionais em que o administrador pode proceder a esse encerramento, previamente à dita assembleia, isto é, com o parecer favorável da comissão de credores, se existir, ou, quando não exista, desde que o devedor não se oponha ou o juiz o autorize, mercê da urgência da medida (art. 157.º, do CIRE).
Contudo, precisa-se no art. 277.º, do CIRE, que os «efeitos da declaração de insolvência relativamente a contratos de trabalho e à relação laboral regem-se exclusivamente pela lei aplicável ao contrato de trabalho» (10). Logo, exclui-se a aplicação aos mesmos do art. 111.º, do CIRE (aplicável ao contrato de prestação duradoura de serviço), havendo antes que recorrer ao que se dispõe no CT (11).
Lia-se, assim, no art. 391.º, n.º 2, do anterior CT (de forma idêntica ao que hoje se dispõe no art. 347.º, n.º 2, do actual CT), que, «antes do encerramento definitivo do estabelecimento», «o administrador da insolvência» pode «fazer cessar os contratos de trabalho dos trabalhadores cuja colaboração não seja indispensável à manutenção do funcionamento da empresa».
Contudo, e conforme decorre do seu n.º 3 (de forma idêntica ao que hoje se dispõe no n.º 3, do art. 347.º, do actual CT), «a cessação do contrato de trabalho (…) realizada nos termos do n.º 2 deve ser antecedida de procedimento previsto nos artigos 419.º e seguintes, com as necessárias adaptações», isto é, pertinente ao despedimento colectivo.
Logo, o trabalhador que visse então, ou veja agora, cessar o seu contrato de trabalho, antes do encerramento definitivo do estabelecimento, pelo administrador da insolvência, por a sua colaboração não ser tida como indispensável à manutenção do funcionamento da empresa, teria, e tem, direito à compensação devida por despedimento colectivo (12).
Contudo, e caso entendesse ter sido alvo de um despedimento ilícito, teria de o impugnar judicialmente, conforme art. 435.º, n.º 1, do anterior CT, onde se lia que a «ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador» (do mesmo modo se dispondo hoje, no actual CT, lendo-se no seu art. 387.º, n.º 1, que a «regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial», e reiterando-se no seu 388.º, n.º 1, que a «ilicitude do despedimento colectivo só pode ser declarada por tribunal judicial»).
A dita acção de impugnação de despedimento constitui uma espécie própria, conforme art. 21.º, do Código do Processo do Trabalho (13); e outra seria então, e é hoje, a indemnização devida (por despedimento ilícito), calculada nos termos dos arts. 436.º, 437.º e 439.º, todos do anterior CT (hoje, e de forma idêntica, arts. 389.º, 390.º e 391.º, do actual CT) (14).
*
Ora, discutia-se na doutrina e na jurisprudência qual a natureza dos créditos resultantes da manutenção dos contratos de trabalho após a declaração de insolvência, nomeadamente os compensatórios que resultassem da sua posterior cessação.
Com efeito, um primeiro entendimento defendia que, não só os créditos remuneratórios (v.g. salários e diversos subsídios regulares - férias, natal, alimentação), como os créditos compensatórios (por cessação posterior do contrato de trabalho), seriam sempre créditos sobre a massa insolvente, uma vez que radicados em acto praticado pelo administrador da insolvência (15).
Um segundo entendimento defendia que apenas os créditos remuneratórios constituiriam sempre créditos sobre a massa insolvente, outro tanto não sucedendo com os créditos compensatórios por cessação posterior do contrato de trabalho, que seriam créditos sobre a insolvência, já que só os primeiros seriam radicados em acto praticado pelo administrador da insolvência, com vista à permanência do estabelecimento em funcionamento (16).
Neste segundo entendimento, havia ainda quem defendesse que, no âmbito dos créditos compensatórios referidos, ter-se-iam que excluir os créditos laborais indemnizatórios resultantes de despedimento ilícito promovido pelo administrador da insolvência, sendo estes (ao contrário daqueles) considerados como créditos sobre a massa insolvente, nos termos do art. 51.º, n.º 1, al d), do CIRE (17).
Um terceiro entendimento, e relativo apenas aos créditos compensatórios por cessação posterior do contrato de trabalho, defendia que se teria que distinguir entre a parte da compensação respeitante ao período anterior à declaração da insolvência, e a parte remanescente respeitante ao período posterior àquela declaração, constituindo a primeira um crédito sobre a insolvência, e a segunda um crédito sobre a massa insolvente (18).
Veio, porém, o legislador, e mais recentemente, por fim à polémica referida, pela edição da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro (19).
A mesma, entrada em vigor em 11 de Abril de 2022 (20), aditou o art. 47.º-A ao CIRE; e nele se lê, sob a epígrafe «Créditos compensatórios», que os «créditos compensatórios resultantes da cessação de contrato de trabalho pelo administrador da insolvência após a declaração de insolvência do devedor constituem créditos sobre a insolvência».
Terá o legislador sido sensível: à ratio das dívidas sobre a massa insolvente (contraídas tendo exclusivamente em vista a própria actividade de liquidação e partilha da massa, e por forma a permitir que a empresa permaneça em funcionamento, onde não se enquadram as resultantes da cessação de contratos de trabalho) (21); ao seu carácter excepcional (não consentâneo com a qualificação como dívidas da massa de todas aquelas que resultassem da mera actuação do administrador da insolvência, na administração do estabelecimento do insolvente); e à desigualdade de tratamento que outra solução permitiria (já que diferente seria o tratamento dos trabalhadores abrangidos por um despedimento colectivo praticado antes da declaração da insolvência, e o tratamento dos trabalhadores que vissem após esta cessar o seu contrato de trabalho, embora entre um facto e outro pudesse mediar um limitadíssimo lapso de tempo) (22).
Dir-se-á, assim, ter-se tornado hoje consensual que os créditos laborais constituídos após a declaração da insolvência serão: créditos sobre a massa insolvente, se tiverem natureza remuneratória (art. 51.º, n.º 1, al. f), do CIRE); e créditos sobre a insolvência, se tiverem natureza compensatória por cessação do contrato de trabalho (art. 47.º-A, do CIRE).
*
4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.1.2.1. Crédito por salários vencidos após a declaração de insolvência

Concretizando, sendo a Autora (B. F.) trabalhadora de O. F., S.A. desde 01 de Março de 1966, vindo esta a ser declarada insolvente por sentença de 02 de Janeiro de 2008 (transitada em julgado a 13 de Fevereiro de 2008), permaneceu porém ao seu serviço até 21 de Julho de 2008, data em que o Administrador da Insolvência lhe comunicou a decisão de despedimento, «antes do encerramento definitivo do estabelecimento», passando-lhe ainda conforme declaração para posterior obtenção de subsídio de desemprego.
Mais se verifica que ficou a mesma credora pelos salários de Maio, Junho e parte de Julho de 2008, no valor global de € 2.302,67 (o que lhe foi inclusivamente reconhecido pelo Administrador da Insolvência, e aparentemente como crédito sobre a massa insolvente).
Ora, conforme sobejamente explicitado supra (reunindo nesta parte o permanente consenso da doutrina e da jurisprudência), este seu crédito remuneratório consubstancia um crédito sobre a massa insolvente.
*
4.1.2.2. Crédito a título de compensação por despedimento
Concretizando novamente, verifica-se que, no prazo de trinta dias fixado na sentença que declarou a insolvência de O. F., S.A., a aqui Autora (B. F.), reclamou não só o crédito de € 2.625,28, relativo a salários em atraso, vencidos antes da declaração da insolvência, como ainda, e «sob condição», o crédito de € 25.245,85, relativo à eventual e futura cessação do seu contrato de trabalho.
Mais se verifica que, vindo a mesma a ocorrer, «antes do encerramento definitivo do estabelecimento», por prévia decisão do Administrador da Insolvência, depois ratificada em sede de Assembleia de Credores, a Autora (B. F.) viu aquele crédito ser-lhe reconhecido pelo mesmo, declarando expressamente ter-se verificado a condição sob a qual tinha sido cautelarmente reclamado; e qualificando-o como crédito sobre a insolvência.
Recorda-se, a propósito, que se lê, no art. 50.º, n.º 1, do CIRE, que, para «efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico».
Ora, conforme sobejamente explicitado supra, este seu crédito compensatório por cessação do contrato de trabalho pelo administrador da insolvência, após a declaração desta, consubstancia um crédito sobre a insolvência (sendo o caso dos autos paradigmático do acerto de uma tal decisão, já que, estando em causa uma antiguidade de 41 anos de trabalho, apenas 5 meses dos mesmos se completaram após o trânsito em julgado da sentença de insolvência).
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, reconhecendo que o crédito remuneratório, no valor global de € 2.302,67 (salários de Maio, Junho e parte de Julho de 2008, por trabalho prestado após a declaração de insolvência, em 02 Janeiro do mesmo ano), invocado nestes autos pela Autora (B. F.), consubstancia um crédito sobre a massa insolvente; e que o crédito compensatório, no valor global de € 25.245,85 (por cessação do contrato de trabalho pelo administrador da insolvência, após a declaração desta e antes do encerramento definitivo do estabelecimento), aqui igualmente invocado, consubstancia um crédito sobre a insolvência.
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4.2. Princípio da igualdade
4.2.1.1. Em geral

Lê-se no art. 13.º, n.º 1 e n.º 2, da CRP, que todos «os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei», não podendo ninguém «ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».
Importa começar por precisar que o «princípio da igualdade é, porventura, dos princípios estruturantes do Estado de Direito, o de presença mais constante e mais antiga nos textos constitucionais, mas também é, mesmo em consequência dessa longevidade constitucional, o que tem experimentado uma evolução mais pronunciada e multifacetada. Entre a igualdade perante a lei dos primeiros tempos do constitucionalismo e a actual admissibilidade de políticas intencionalmente discriminatórias visando a produção de uma igualdade fáctica há, sob a égide o mesmo princípio constitucional da igualdade, dois séculos de evolução e controvérsias doutrinárias que reflectem, acompanham e influenciam as transformações sofridas pelo Estado de Direito enquanto tipo histórico do Estado» (Jorge Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Reimpressão, Coimbra Editora, Fevereiro de 2014, p. 101)
Assim, entre nós, vem o princípio da igualdade sendo reiteradamente definido pelo Tribunal Constitucional como uma proibição geral de arbítrio, isto é: impondo que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e se trate diferentemente o que for essencialmente diferente, não proíbe as distinções de tratamento, se materialmente fundadas, mas sim as distinções de tratamento discriminatórias, as diferenciações arbitrárias ou irrazoáveis, carecidas de fundamento racional.
Por outras palavras, «é sabido que o princípio da igualdade, tal como tem sido definido na jurisprudência deste Tribunal, não proíbe ao legislador que faça distinções - proíbe apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critério objectivos e relevantes. É esta, aliás, uma formulação repetida frequentemente por este Tribunal (cf., por exemplo, os Acórdãos deste Tribunal nºs 39/88, 352/92, 210/93, 302/97, 12/99, 683/99 e 319/00, publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, respectivamente, vols. 11º, pp. 233 e segs., 23º, pp. 369 e segs., 24º, pp. 549 e segs., e 36º, pp. 793 e segs., no Diário da República, 2ª série, de 25 de Março de 1999, de 03 de Fevereiro de 2000, e de 18 de Outubro de 2000).
Como princípio de proibição do arbítrio no estabelecimento da distinção, tolera, pois, o princípio da igualdade a previsão de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante.
Ao impor ao legislador que trate de forma igual o que é igual e desigualmente o que é desigual, esse princípio supõe, assim, uma comparação de situações, a realizar a partir de determinado ponto de vista. E, justamente, a perspectiva pela qual se fundamenta essa desigualdade e, consequentemente, a justificação para o tratamento desigual não podem ser arbitrárias. Antes tem de se poder considerar tal justificação para a distinção como razoável, constitucionalmente relevante» (Acórdão nº 187/2001, do Tribunal Constitucional, D.R., II Série, de 26.06.2001).
Precisando, de acordo com a «sugestiva formulação do Tribunal Constitucional alemão (citado por Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt, 1986, p. 370), o carácter arbitrário de uma diferenciação legal decorre da circunstância de “não ser possível encontrar […] um motivo razoável, que surja da própria natureza das coisas ou que, de alguma forma, seja concretamente compreensível”. Daí que [n]ão exista razão suficiente para a permissão de uma diferenciação [legal] se todos os motivos passíveis de ser tomados em conta tiverem de ser considerados insuficientes. É justamente o que sucede, quando não se logra atingir uma fundamentação justificativa da diferenciação. […] A máxima de igualdade implica, assim, um ónus de argumentação justificativa para tratamentos desiguais» (Acórdão nº 522/06, do Tribunal Constitucional, de 26 de Setembro, D.R., II Série, de 10.11.2006. Em estudo exaustivo, Jorge Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Reimpressão, Coimbra Editora, Fevereiro de 2014, p. 101 a 160).
Se o princípio constitucional se situa, primariamente, na edição da lei (editada e forma igual para todos os cidadãos), o «seu alcance mais significativo reside na aplicação da lei, que deve ser efectuada, pelos tribunais e agentes administrativos, do mesmo modo em relação a todo e qualquer destinatário» (Fernando Pereira Rodrigues, O Novo Processo Civil. Os Princípios Estruturantes, Almedina, 2013, p. 59).
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4.2.1.2. Em particular - Igual tratamento dos credores
Mostra-se consagrado, ao longo de todo o CIRE, quer em normas procedimentais, quer em normas substantivas, o princípio par conditio creditorum, «no sentido de que o processo de insolvência deve perseguir, não uma satisfação individual ou selectiva, mas uma satisfação colectiva e paritária - a satisfação mais completa do maior número possível de credores» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, págs. 220 e 221).
Ora, também aqui o princípio par conditio creditorum (isto é, de igualdade dos credores), pressupõe que se trate de forma igual o que é semelhante, e se trate de forma diferente o que é distinto.
Disso mesmo é exemplo o art. 194.º, n.º 1, do CIRE, segundo o qual «plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas».
Contudo, sendo um princípio de carácter imperativo, basilar e estruturante no regime insolvencial, não tem necessariamente carácter absoluto. Com efeito, em situações objectivamente justificáveis, poderá o princípio da igualdade dos credores «sofrer afrouxamentos ou restrições», como desde logo «decorre do texto constitucional que contempla, a par do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP), o princípio da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2, da CRP) e de proibição do arbítrio, coenvolvidos na legalidade do exercício de direitos e deveres, como é apanágio do estado de Direito baseado na dignidade da pessoa humana (art. 1.º da CRP)» (Ac. do STJ, de 25.03.2014, Fonseca Ramos, Processo n.º 6148/12.1TBBRG.G1.S1).
Compreende-se, por isso, que se afirme que o princípio da igualdade dos credores permite, em consideração com o princípio da prioridade na recuperação económica do devedor (art. 1.º, n.º 1, do CIRE), que se adopte um tratamento diferenciado de credores, conquanto o mesmo se justifique igualmente por razões objectivas, e não arbitárias (23).
Acentua-se, porém, nesta última ponderação, a importância do princípio da proporcionalidade (enquanto elemento intrínseco do princípio de igualdade dos credores), que deverá ser respeitado na diferença admissível (24).
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, tendo um grupo de trabalhadores da Insolvente vindo impugnar judicialmente, por o considerar ilícito, idêntico despedimento promovido pelo Administrador da Insolvência junto da Autora (B. F.) - isto é, na mesma ocasião e com o mesmo fundamento -, viu o seu crédito compensatório ser reconhecido como indemnização devida por despedimento ilícito; e qualificado como dívida sobre a massa insolvente.
Considera, assim, a Autora (B. F.), que decidir-se de outro modo quanto a si (quer nos autos de insolvência, quer nestes), violaria o princípio da igualdade dos credores, já que os factos subjacentes a uma e a outra situação seria os mesmos, divergindo apenas a respectiva qualificação de direito.
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, só aparentemente assim sucederá.
Com efeito, é inequívoco que, num primeiro momento, tanto ela como todos os trabalhadores que integraram o grupo que impugnou judicialmente a licitude do despedimento de que foram alvo se encontravam na mesma posição: eram trabalhadores de O. F., S.A.; permaneceram ao seu serviço após a declaração de insolvência respectiva; e viram cessar depois os seus contratos de trabalho, por decisão do Administrador da Insolvência, antes do encerramento definitivo do estabelecimento, decisão aquela depois ratificada pela Assembleia de Credores.
Contudo, certo é igualmente que, num segundo momento, a Autora (B. F.), ao contrário do dito grupo de trabalhadores, se conformou com a licitude do despedimento de que foi alvo, vendo assim reconhecida a compensação que - previamente, sob condição, e no prazo fixado para o efeito na sentença de insolvência - reclamara, como crédito sobre a insolvência.
Já o grupo de trabalhadores que decidiu impugnar judicialmente (como estava legalmente obrigado) a licitude do despedimento de que fora alvo, obteve uma decisão judicial, transitada em julgado, a reconhecer-lhe distinta compensação, quer no seu montante (por ilicitude do despedimento, e não relativa a despedimento colectivo), quer na sua natureza (qualificada então como crédito sobre a massa insolvente).
Logo, reconhece-se aqui uma inegável (e quiçá injusta) diferença de tratamento entre a Autora (B. F.) e um grupo de ex-Colegas seus. Mostra-se, porém, a mesma justificada por razões objectivas (escolha e adopção de um posterior e diferente modo de actuação, traduzido numa distinta sequência de actos, a que cabiam distintos efeitos jurídicos), cobertas com a força de caso julgado (formado nas acções de trabalho que o dito grupo de trabalhadores intentou), e com a força da lei e da sua correcta interpretação (no caso da Autora, e face à expressa reclamação por ela formulada) (25).
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, declarando que o reconhecimento do crédito laboral compensatório da Autora, no valor global de € 25.245,85 (por cessação do contrato de trabalho pelo administrador da insolvência, após a declaração desta e antes do encerramento definitivo do estabelecimento), como um crédito sobre a insolvência, não viola no caso concreto qualquer princípio da igualdade dos credores.
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4.3. Reclamação ulterior de créditos
4.3.1.1. Em geral
Lê-se no art. 89.º, do CIRE, sob a epígrafe «Acções relativas a dívidas da massa insolvente», que, durante «os três meses seguintes à data da declaração de insolvência, não podem ser propostas execuções para pagamento de dívidas da massa insolvente» (n.º 1); e as «acções, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária» (n.º 2).
Compreende-se este regime, se se tiver presente que as dívidas da massa insolvente devem ser pagas na data do seu vencimento, qualquer que seja o estado do processo de insolvência, e sem qualquer ónus de reclamação dos credores (art. 172.º, n.º 3, do CIRE); e deverão sê-lo por conta dos rendimentos provenientes da massa insolvente e, na insuficiência destes, com o produto da venda dos bens que a integram (arts.172.º, n.º 2 e 46.º, ambos do CIRE).
Contudo, quando assim não suceda (não sejam pagas pelo administrador da insolvência), cabe ao credor respectivo instaurar a ação competente contra a massa insolvente, isto é, ação declarativa, no caso de ainda não dispor de título executivo, ou ação executiva, no caso de já dispor do mesmo.
Neste último caso (interposição de novas acções executivas) só o poderá fazer decorridos três meses sobre a declaração de insolvência, sendo que este período de interdição não abrange as acções de natureza declarativa e os procedimentos cautelares que não tenham natureza executiva (26).
Precisa-se, porém, que se vem entendendo que as acções a intentar nos termos do art. 89.º, do CIRE, embora relativas a dívidas da massa insolvente, devem ser intentadas e seguir a tramitação processual que lhes caiba, consoante o tipo e a natureza próprios (27).
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4.3.1.2. Em particular - Créditos laborais
Lia-se no art. 381.º, n.º 1, do anterior CT (recorda-se, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) que todos «os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».
De forma idêntica se dispõe no art. 337.º, n.º 1, do actual CT, onde se lê que o «crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».
Logo, para que o trabalhador pudesse antes, e possa agora, intentar uma acção com vista ao reconhecimento de créditos emergentes da vigência ou cessação do seu contrato de trabalho, deverá respeitar o prazo de um ano a contar da sua cessação (28).

Não o fazendo, a entidade contra quem pretenda fazer valer o seu crédito tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito, embora a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda que com ignorância quanto à mesma, não possa ser repetida (art. 304.º, do CC).

Contudo, o decurso do prazo de prescrição é susceptível de ser interrompido, quer por acto judicial promovido pelo titular do direito, nos termos do art. 323.º, do CC, quer por reconhecimento do direito pelo obrigado, nos termos do art. 325.º, do CC.
Interrompido o prazo de prescrição, fica inutilizado todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sendo a nova prescrição sujeita ao prazo da prescrição primitiva (art. 326.º, do CC).
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4.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.3.2.1. Prescrição
Concretizando, verifica-se que, tendo a Autora (B. F.) visto cessar o seu contrato de trabalho em 21 de Julho de 2008, e pretendendo ver reconhecidos, quer o crédito remuneratório vencido após a declaração de insolvência da sua Entidade Patronal, quer o crédito compensatório por cessação posterior do seu contrato de trabalho, intentou para o efeito a presente acção; e fê-lo em 02 de Agosto de 2021, isto é, decorridos que estavam mais de doze anos após o termo do prazo legal fixado para esse fim.
Contudo, dir-se-á que, constatando a Autora (B. F.) o não pagamento do seu crédito remuneratório reconhecido sobre a massa insolvente, na data do respetivo vencimento, de acordo com o princípio da pontualidade no seu pagamento (em função do qual impende sobre o administrador de insolvência a obrigação de proceder ao pagamento das dívidas da massa insolvente mal estas se vençam), não podia deixar de ter interposto acção idêntica a esta (com vista a obter um título executivo, que depois pudesse utilizar para a sua cobrança coerciva) (29); e de o ter feito antes da prescrição do seu crédito.
Por maioria de razão deveria ter assim agido quanto ao seu crédito compensatório (por cessação do seu contrato de trabalho, antes do enceramento definitivo do estabelecimento, mas já após a declaração de insolvência), uma vez que o mesmo, embora reconhecido pelo Administrador da Insolvência, não o foi enquanto crédito sobre a massa, mas sim enquanto crédito sobre a insolvência.
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Dir-se-á ainda, e face ao limitado reconhecimento, pelo Administrador da Insolvência, de créditos da aqui Autora (B. F.) sobre a massa insolvente, que a prescrição respectiva não deixou de se verificar.
Com efeito, reitera-se que o dito reconhecimento (como crédito sobre a massa insolvente) apenas ocorreu quanto ao crédito remuneratório invocado por ela (excluindo-se do mesmo o crédito compensatório, que, como se viu, não possuía essa natureza).
Contudo, tendo-o o Administrador da Insolvência assim reconhecido em sucessivas listas rectificadas de dívidas sobre a massa insolvente (de 22 de Setembro de 2008, de 18 de Julho de 2012, de 29 de Julho de 2013 e de 14 de Janeiro de 2017), decorreu desde o último momento em que o fez (14 de Janeiro de 2017) novo prazo de prescrição (de um ano).
Logo, a interrupção (da prescrição) resultante daqueles sucessivos reconhecimentos - quanto ao único crédito sobre a massa insolvente que aqui poderia ser reconhecido como tal - não foi idónea a impedir que a dita prescrição se viesse a verificar (conforme arts. 325.º e 326.º, ambos do CC).
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4.3.2.2. Caso julgado
Dir-se-á, por fim, que, por despachos judiciais de 14 de Janeiro de 2017 e de 01 de Março de 2017 (transitados em julgado) foi decidido, quanto às dívidas da massa insolvente reconhecidas em tais listas do Administrador da Insolvência: primeiro, a suspensão do seu pagamento (30); e, depois, a definitiva omissão do mesmo, face à já comprovada insuficiência da massa insolvente para pagar a totalidade dos créditos laborais indemnizatórios, reconhecidos aos trabalhadores que tinham impugnado a licitude do despedimento de que foram alvo, e que oportunamente promoveram (em três acções executivas intentadas para o efeito) o seu pagamento coercivo (31).
Face ao exposto, e aos efeitos do caso julgado formado sobre tais decisões, não poderia o mesmo ser, aqui e agora, desrespeitado, por prolação de decisão (de procedência da acção) com ele desconforme, tudo nos termos dos arts. 620.º, 625.º e 628.º, todos do CPC.
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Importa, pois, decidir em conformidade, pela improcedência total do recurso de apelação interposto por B. F..
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V – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por B. F., e, em consequência, em

· Confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela Recorrente (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 21 de Abril de 2022.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.




1. O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - doravante aqui CIRE - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março.
2. O Código do Trabalho - doravante aqui CT - a que os Recorridos se reportam é o actual, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (e que entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009). Contudo, à data da declaração da insolvência de O. F., S.A. (02 de Janeiro de 2008), encontrava-se em vigor o anterior CT, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto. O seu art. 381º, n.º 1, dispunha de forma idêntica ao que viria depois a fazer o art. 337.º, n.º 1, do novo CT (lendo-se no primeiro que todos «os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho», e lendo-se no segundo que o «crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho»).
3. Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem -, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
4. Precisa-se, a propósito e nos termos do art. 47.º, n.º 4, do CIRE, que são créditos: «garantidos» e «privilegiados», «os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes»; «subordinados», os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência» (sendo nomeadamente esse o caso dos «créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respetiva constituição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência», dos «créditos cuja subordinação tenha sido convencionada pelas partes», dos «créditos que tenham por objecto prestações do devedor a título gratuito», ou dos «créditos por suprimentos ); e «comuns», «os demais créditos».
5. Logo, e de acordo com o reconhecimento obtido em prévia sentença transitada em julgado, o pagamento dos créditos: garantidos, é efectuado com o produto da liquidação dos bens onerados com garantia real, respeitando a prioridade que lhes caiba (art. 174.º, do CIRE); privilegiados, é efectuado com base nos bens não afectos a garantias reais prevalecentes, respeitando a prioridade que lhes caiba e os seus montantes (art. 175.º, do CIRE); comuns, é efectuado com base no produto da liquidação dos demais bens do insolvente, e na proporção dos seus créditos, se aquele for insuficiente para o efeito (art. 176.º, do CIRE); e subordinados, é efectuado se existir saldo remanescente, e com ele (art. 177.º, do CIRE).
6. Neste sentido: Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, págs. 292 e 308; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015 - 8.ª edição, Almedina, págs. 118; Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2.ª edição revista e actualizada, Almedina, pág. 274; e Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016 - 6.ª edição, Almedina, pág. 237.
7. Neste sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 64, onde se lê que, agrupando «os casos [da enumeração de dívidas sobre a massa insolvente, do art. 51.º, n.º 1, do CIRE] atendendo ao seu denominador comum, é possível concluir, em primeiro luar, que a classificação como dívidas da massa assenta na existência de uma espécie de nexo causal (ou nexo de derivação) entre as dívidas e o processo de insolvência. Sendo previsíveis e naturais ao processo de insolvência, tendo por finalidade assegurar a abertura e o curso de um processo de insolvência (como as resultantes das custas), ou sendo meramente eventuais (como as que derivam da actividade dos órgãos e, em particular, do exercício, pelo administrador da insolvência, das suas funções), a verdade é que todas são consequência do processo de insolvência».
8. Neste sentido, Ac. da RG, de 07.10.2021, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 1/08.0TJVNF-ET.G1, onde se lê, e quanto «ao momento do pagamento dos créditos que incidem sobre a massa insolvente, nos termos do n.º 3 do art. 175º, vigora quanto a eles o princípio da pontualidade, em função do qual impende sobre o administrador de insolvência a obrigação de proceder ao pagamento das dívidas da massa insolvente mal estas se vençam, não obedecendo, portanto, o pagamento das dívidas da massa insolvente às mesmas regras que presidem ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, que se encontram enunciadas nos arts. 173º e ss. do CIRE».
9. Neste sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 64, onde se lê que, olhando «para as restrições inerentes à classificação como dívidas da massa (em particular para os casos dispersos), é possível concluir, em segundo lugar, que a classificação como dívidas da massa assume um carácter marcadamente excepcional», sendo que bem «se compreende que assim seja, uma vez que as dívidas da massa desfrutam de um tratamento especial (privilegiado)».
10. Reitera-se aqui o que já resultaria do art. 10.º do Regulamento (CE) n.º 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, que é directamente aplicável em Portugal.
11. Neste sentido: Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, págs. 487, 936 e 937; Carvalho Fernandes, «Efeitos da declaração de insolvência no contrato de trabalho segundo o CIRE», Colectânea de estudos sobre a insolvência, Quid Juris, Lisboa, 2009, pág. 228; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2011 - 3.ª edição, Almedina, pág. 204; Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2.ª edição revista e actualizada, Almedina, pág. 210; Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016 - 6.ª edição, Almedina, pág. 200.
12. Precisando, e nos termos de ambos os CT, anterior e actual, a indemnização por despedimento colectivo confere ao trabalhador o «direito a uma compensação correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade» (hoje, «direito a compensação correspondente a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade»); no «caso de fracção de ano, o valor de referência previsto no número anterior é calculado proporcionalmente»; e a «compensação a que se refere o n.º 1 não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades» (hoje, o «montante global da compensação não pode ser superior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou, quando seja aplicável o limite previsto na alínea anterior, a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida)» (art. 401.º, do anterior CT, e art. 366.º, n.º 1 e n.º 2, do actual CT).
13. O Código do Processo de Trabalho - doravante aqui CPT - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 09 de Novembro.
14. Precisando, e nos termos de ambos os CT, anterior e actual, a indemnização por despedimento ilícito confere ao trabalhador o direito: a ser indemnizado por todos os danos sofridos, «patrimoniais e não patrimoniais», e a ser reintegrado no mesmo estabelecimento da empresa, «sem prejuízo da sua categoria e antiguidade» (art. 436.º, n.º 1, do anterior CT, e art. 389.º, n.º 1, do actual CT); «a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal» que declare a ilicitude do despedimento, deduzindo-se porém as importâncias auferidas «com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento», a «retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento», e o «subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador» desde o despedimento» (art. 437.º, do anterior CT, e art. 390.º, do actual CT); em «substituição da reintegração», a «uma indemnização», «cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude», bem como ao «tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial», não podendo porém a mesma «ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades» (art. 439.º, do anterior CT, e art. 391.º, do actual CT).
15. Neste sentido, na doutrina (vendo o contrato de trabalho como um contrato bilateral cujo cumprimento não pode ser recusado pelo administrador da insolvência, e a manutenção da empresa como acto de administração da massa insolvente): . Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 309, onde se lê que a «consequência, é pois, a de que todas as dívidas de funcionamento a empresa nascidas no período posterior à declaração de insolvência – dívidas laborais, fiscais, previdenciais, bancárias, de forncimento, etc. - , por serem consideradas dívidas da massa insolvente, são pagas prioritariamente à satisfação de todos os credores da insolvência, titulares de créditos anteriores à prolação da sentença (art.º 47.º, n.º 1), em conformidade com o que se estabelece no art.º 46.º, n.º 1»; . Luís Carvalho Fernandes, «Os efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho segundo o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Revista de Direito e Estudos Sociais, 2004, pág. 26; . Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2011 - 3.ª edição, Almedina, pág. 207, onde se lê estes «créditos vêm a ser considerados dívidas da massa insolvente (art. 51.º, n.º 1 c)), cuja satisfação obedece a um regime especial privilegiado (art. 172.º)»; . Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, «A natureza dos créditos laborais resultantes de decisão do administrador de insolvência», Cadernos de Direito Privado, 2011, 34, págs. 55 e segs; . Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2.ª edição revista e actualizada, Almedina, págs. 211 e 212, onde se lê que, como «os contratos de trabalho não se extinguem nem se suspendem com a declaração de insolvência do empregador, os créditos laborais que se constituem depois da declaração de insolvência são dívidas da massa, a pagar nos termos do art. 172.º, n.º 3», o que inclui as «quantias que sejam devidas ao trabalhador a título de compensação em resultado do encerramento do estabelecimento, com a consequente caducidade do contrato de trabalho», que também «devem ser consideradas dívidas da massa»; . e Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016 - 6.ª edição, Almedina, pág. 201, onde se lê que «as remunerações devidas aos trabalhadores que digam respeito ao período temporal posterior à declaração de insolvência são dívidas da massa, uma vez que resultam de “contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência». Na jurisprudência: Ac. da RE, de 14.06.2012, Bernardo Domingos, Processo n.º 177/09.0TBVRS-F.E1; Ac. da RP, de 14.10.2013, Fernanda Soares, Processo n.º 711/12.8TTMTS.P1; Ac. da RG, de 21.05.2015, Espinheira Baltar, Processo n.º 6320/07.6TBBRG-W.G1; Ac. da RG, de 09.07.2015, Maria Luísa Ramos, Processo n.º 72/12.5TBVRL-AG.G1; Ac. da RG, de 09.07.2015, António Sobrinho, Processo n.º 72/15.5TBVRL-W.G1; Ac. da RP, de 28.10.2015, Paula Maria Roberto, Processo n.º 672/15.1T8AGD.P1; e Ac. da RP, de 30.11.2015, Jorge Loureiro, Processo n.º 775/12.4TTMTS.P3.
16. Neste sentido, na doutrina (valorizando o carácter excepcional das dívidas da massa, o destinarem-se as mesmas a permitirem que a empresa permaneça em funcionamento - assim se justificando que os créditos remuneratórios sejam qualificáveis como dívidas da massa - , os efeitos negativos da consideração dos créditos compensatórios como dívidas desta natureza - ao criar resistências junto de credores na manutenção do funcionamento da empresa, por desse modo se verem preteridos nos eventuais e futuros pagamentos de todos os créditos reclamados e reconhecidos - e o respeito pelo princípio da igualdade dos credores - evitando que os trabalhadores que viram cessar os seus contratos em momento anterior à declaração de insolvência ficassem prejudicados face àqueles outros que apenas os viram cessar após a declaração de insolvência): . Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, págs. 275 e 276, onde se lê que, quanto «aos créditos remuneratórios constituídos após a declaração de insolvência, correspondentes a prestações de trabalho realizadas depois da abertura do processo de insolvência, esses são, em contrapartida, créditos sobre a massa insolvente, devendo ser satisfeitos no momento do seu vencimento, independentemente do estado do processo, nos termos do art. 172.º, n.º 3, ficando os trabalhadores dispensados do ónus da sua reclamação»; ainda pág. 282, onde se lê, quando aos créditos compensatórios, que não «se pode esquecer que o estado jurídico da empresa é de insolvência», devendo por isso «observar-se, tanto quanto possível, a igualdade de tratamento dos credores», evitando-se que o processo de insolvência sirva, «em última análise, para satisfazer exclusivamente os créditos constituídos depois da declaração de insolvência», sendo «inoperante perante os créditos anteriores (que deram origem à abertura do processo), nada ou quase nada restando para a sua satisfação» o «que seria incompreensível». . Joana Costeira, Os efeitos da declaração de insolvência no contrato de trabalho - Tutela dos créditos laborais, 2.ª edição, Almedina, 2017, págs. 85 e seguintes; . Júlio Vieira Gomes, «Nótulas sobre os efeitos da insolvência do empregador nas relações de trabalho», I Congresso de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2013, págs. 293 e seguintes. Na jurisprudência: Ac. da RC, de 14.07.2010, Barateiro Martins, Processo n.º 562/09.7T2AVR-P.C1; Ac. do STJ, de 20.10.2011, Alves Velho, Processo n.º 1164/0TBEVR-D.E1.S1; Ac. da RP, de 23.02.2012, Ana Paula Amorim, Processo n.º 239/07.8TYYVNG.P1; Ac. da RG, de 09.07.2015, Manuel Bargado, Processo n.º 72/12.5TBVRL-I.G1; Ac. da RG, de 14.01.2016, Maria da Purificação Carvalho, Processo n.º 6034/13.8TBBRG-I.G1; Ac. da RL, de 06.07.2017, Teresa Pais, Processo n.º 1856/07.1TBFUN-K.L1-8; Ac. da RG, de 11.07.2017, Jorge Teixeira, Processo n.º 1500/14.0TBGMR-E.G1; e Ac. da RG, de 01.02.2018, Helena Melo, Processo n.º 1450/14.0TJVNF-B.G1.
17. Neste sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 275, onde se lê que existem «ainda os créditos indemnizatórios, que podem definir-se como os resultantes da obrigação de indemnização dos danos decorrentes do despedimento ilícito, ou seja, do despedimento efectuado com violação das normas previstas no Código do Trabalho, nomeadamente aquelas que regulam o procedimento de despedimento colectivo»; e pág. 276, onde se lê que a classificação destes créditos indemnizatórios «não desperta, contudo, particulares dúvidas», já que, «resultando a indemnização de um ilícito praticado pelo administrador da insolvência, os créditos devem ser classificados como créditos sobre a massa insolvente, nos termos do art. 51.º, n.º 1, al. d)». Ainda, Joana Costeira, Os efeitos da declaração de insolvência no contrato de trabalho - Tutela dos créditos laborais, 2.ª edição, Almedina, 2017, pág. 85. Na jurisprudência: Ac. da RP, de 01.02.2010, Soares de Oliveira, Processo n.º 1/08.0TJVNF-AY.S1.P1; Ac. da RP, de 07.06.2010, Soares de Oliveira, Processo n.º 373/07.4TYVNG-V.P1; Ac. da RP, de 06.07.2010, Sílvia Pires, Processo n.º 1/08.0TJVNF-L.S1.P1; e Ac. do STJ, de 16.06.2016, Gonçalves Rocha, Processo n.º 775/12.4TTMTS.P3.S1.
18. Neste sentido, e na jurisprudência: Ac. da RG, de 09.07.2015, Carvalho Guerra, Processo n.º 72/12.5TBVRL-AJ.G1; e Ac. da RG, de 09.07.2015, Heitor Gonçalves, Processo n.º 72/12.eTBVRL-AH.G1. Contudo, e tal como referido por Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 278 (citando Maria do Rosário Palma Ramalho), contra um tal entendimento, milita o carácter unitário da dita compensação, calculada com base na antiguidade do trabalhador mas com tectos máximos (conforme art. 366.º, n.º 3, do CT, já citado supra), inviabilizando desse modo uma divisão em parcelas, para se pagar primeiro uma e (eventualmente) a outra.
19. Lê-se expressamente na «Exposição de motivos», da Proposta de Lei n.º 115/XIV/3.ª (que viria a dar origem à Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro), que «a presente proposta de lei contém ainda alterações, que visam, no essencial, a clarificação pontual de aspetos processuais ou substantivos sobre os quais há imprecisão na lei, dissenso na doutrina ou jurisprudência e fomentar uma capaz operacionalização dos institutos vigentes, permitindo, assim, uma melhor e mais célere aplicação do Direito, com a consequente elevação da tutela de credores e devedores». Precisa-se ainda que, com uma dessas alterações, se clarifica «que os créditos compensatórios resultantes da cessação de contrato de trabalho, pelo administrador da insolvência, após a declaração de insolvência do devedor constituem créditos sobre a insolvência, assegurando assim, também quanto a este ponto, a necessária segurança e igualdade na aplicação do Direito».
20. Lê-se no art. 12.º, da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, que a «presente lei entra em vigor 90 dias após a sua publicação».
21. Neste sentido, Ac. da RG, de 01.02.2018, Helena Melo, Processo n.º 1450/14.0TJVNF-B.G1, onde se lê que a «compensação pela cessação dos contratos de trabalho que caducaram em momento posterior à declaração da insolvência, deve ser considerada uma dívida da insolvência e não da massa, pois que a dívida emerge de uma relação que nasceu muito antes da declaração de insolvência e não constitui qualquer contrapartida de uma obrigação do trabalhador, motivo pelo qual não se subsume à previsão do artº 51º, nº 1, alínea e) do CIRE. Igualmente não se subsume à previsão das alíneas c) e d) do seu nº1, porque a compensação a atribuir não emerge dos actos de administração (alínea c), nem é uma dívida resultante da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções (alínea d) tout court), embora resulte de uma actividade volitiva dele nesse sentido. A compensação emerge da cessação dos contratos de trabalho em virtude da sua caducidade pela cessação da actividade da insolvente e encerramento do estabelecimento da insolvente que decorre da situação de insolvência do devedor».
22. Neste sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 282, onde se lê que os «desvios ao princípio par conditio creditorum, ou seja, o (eventual) tratamento privilegiado, preferencial ou prioritário de certos credores, devem ser admitidos apenas em casos contados, isto é, a título pontual, para evitar que a massa insolvente seja sobrecarregada em favor de alguns e em detrimento de outros. No caso contrário, o processo de insolvência serviria, em última análise, para satisfazer exclusivamente os créditos constituídos depois da declaração de insolvência e seria impotente perante os créditos anteriores (que deram origem à abertura do processo), nada ou quase nada restando para a sua satisfação. O que seria incompreensível».
23. Neste sentido, Ac. do STJ, de 03.11.2015, Salreta Pereira, Processo n.º 863/14.2T8BRR.L1.S1, e Ac. da RG, de 14.02.2019, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 1761/18.6T8GMR-A.G1.
24. Neste sentido, e concretizando um tratamento distinto consoante a distinta natureza dos créditos, Ac. do STJ, de 25.03.2014, Fonseca Ramos, Processo n.º 6148/12.1TBBRG.G1.S1, Ac. da RP, de 09.12.2014, Rui Moreira, Processo n.º 166/14.2TJPRT.P1, Ac. da RP, de 08.07.2015, Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 261/14.8TYVNG.P1, Ac. da RP, de 15.09.2015, Rodrigues Pires, Processo n.º 2438/14.7T8OAZ.P1, Ac. do STJ, de 24.11.2015, Fernandes do Vale, Processo n.º 700/13.5TBTVR.E1.S1, Ac. da RP, de 16.12.2015, Inês Moura, Processo n.º 1222/14.2T8STS.P2, Ac. da RG, de 25.02.2016, Francisco Xavier, Processo n.º 2588/15.2T8GMR.G1, Ac. da RG, de 06.10.2016, Elisabete Valente, Processo n.º 982/16.0TBVNF.G1, Ac. da RC, de 09.05.2017, António Carvalho Martins, Processo n.º 1006/15.0T8LRA-D.C1, Ac. da RC, de 27.06.2017, Isaías Pádua, Processo n.º 8389/16.3T8CBR.C1, Ac. da RG, de 11.07.2017, José Amaral, Processo n.º 7057/16.0T8VNG.G1, Ac. da RG de 24.05.2018, Alexandra Rolim Mendes, Processo n.º 5900/17.6T8VNF.G1, Ac. da RC, de 30.04.2019, Barateiro Martins, Processo n.º 2835/18.9T8CBR-E.C1, Ac. da RP, de 10.09.2019, Ana Lucinda Cabral, Processo n.º 433/19.9T8AMT.P1, e Ac. da RG, de 12.09.2019, António José Saúde Barroca Penha, Processo n.º 2623/18.2T8VRL.G1 - este último inédito.
25. No mesmo sentido, Ac. da RP, de 01.02.2010, Soares de Oliveira, Processo n.º 1/08.0TJVNF-AY.S1.P1, onde se lê que uma «situação é a extinção dos postos de trabalho em consequência da própria insolvência, que segue os trâmites legais, e outra, bem diferente, é o do despedimento resultante de um ilegal encerramento do estabelecimento»; e, por isso, «não se pode exigir que as consequências sejam as mesmas», «não se pode exigir que sejam tratadas da mesma forma situações diferentes», já que só «os que se encontram em situações iguais deverão ter tratamentos iguais. Porém, para que de tal desfrutem é necessário que exerçam os seus direitos judicialmente, como o fez o ora A.. Logo, não houve violação de qualquer princípio de igualdade».
26. Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 437.
27. Neste sentido, Ac. da RP, de 06.07.2010, Sílvia Pires, Processo n.º 1/08.0TJVNF-L.S1.P1, onde se lê que «a forma de processo adequada para reclamar os créditos sobre a massa insolvente indicados no art.º 51º, do CIRE, é aquela a que, segundo as diferentes regras processuais, corresponder o pedido formulado, limitando-se o artigo 89º, n.º 2, do CIRE, a determinar que elas se processam por apenso ao processo de insolvência, com exceção das execuções por dívidas tributárias».
28. Neste sentido, Ac. da RP, de 30.05.2018, Jerónimo Freitas, Processo n.º 2613/16.0T8MTS-A.P1, onde se lê que, quando «o meio processual próprio» de «impugnação de despedimento» «é o processo comum, aplica-se o regime de prescrição estabelecido no art.º 337.º n.º1, do CT, abrangendo o prazo de um ano aí estabelecido quer a propositura da acção quer os créditos emergentes de despedimento ilícito.
29. Neste sentido, Ac. da RP, de 18.06.2009, Maria Catarina, Processo n.º 269/07.0TYVNG-O.P1, onde se lê que as «dívidas da massa insolvente deverão ser pagas nas datas dos respetivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo (art. 172º, nº 3) e, não sendo pagas, poderão ser objeto de ação declarativa ou executiva a instaurar, nos termos do art. 89º nº 2, por apenso ao processo de insolvência». Reiterando-o, Ac. da RL, de 06.07.2017, Teresa Pais, Processo n.º 1856/07.1TBFUN-K.L1-8.
30. Lê-se, nomeadamente, no despacho em causa: «(…) A ordem do Tribunal no sentido de ser elaborado mapa de rateio parcial no que concerne às dívidas da massa, teve por base dois fundamentos: tornar transparente a distribuição das verbas entre os credores relativamente a tais dívidas, pese embora que para o pagamento destas não se exige a elaboração de tal mapa e por outro lado, agilizar o processado. Porém, face às inúmeras reclamações contra o mesmo deduzidas a que acresce a interposição de recurso, afigura-se que a sua elaboração irá provocar delongas, exactamente o que se quis evitar com a elaboração de tal mapa. Assim, deverão os autos prosseguir os seus normais termos e após finda a liquidação e prolação da competente sentença de graduação de créditos, será elaborado o respectivo mapa de rateio, devendo as dívidas da massa serem pagas de acordo com o disposto no artigo 172º, nº 1, do CIRE. (…)»
31. Lê-se, nomeadamente, no despacho em causa: «(…) Cumpra o senhor administrador com o ordenado por despacho de 7-11-2019 no apenso de liquidação já que a massa insolvente é insuficiente para o pagamento sequer das dívidas da massa que estão a ser executadas por apenso, pelos trabalhadores/exequentes. Se o senhor administrador não efetuar os pagamentos de parte de tais dívidas com o produto da massa entregando-o à agente de execução, será ponderada a sua destituição. (…)»