Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
36210/18.0YIPRT.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: FACTURA COMERCIAL
FORÇA PROBATÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - A factura é um documento comercial, contabilístico, correspondente a actos comerciais de venda e entrega de produtos, documento esse que é passado pelo vendedor.

2 - O documento idóneo para comprovar a entrega dos produtos e sua aceitação pelo R. não é a junção aos autos do duplicado da factura emitida pelo próprio vendedor, mas sim o extracto do qual resulta que a encomenda foi conferida e aceite pelo comprador, ou que a mercadoria foi recebida, o que é normalmente efetuado através da simples aposição da assinatura do comprador (ou empregado deste), no duplicado da própria factura.

3 - No domínio das relações comerciais, a apresentação de faturas não acarreta a inversão do ónus da prova previsto no direito civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

“X, Unipessoal, Lda.” deduziu requerimento de injunção contra “Y, Lda.”, pedindo a sua notificação para lhe pagar a quantia de € 13.842,83, proveniente de contrato de fornecimento de bens (castanhas), devidamente entregues e faturados, mas não pagos, apesar da interpelação para o efeito.

A requerida deduziu oposição alegando que nunca solicitou o fornecimento invocado, nem a fatura junta corresponde a qualquer fornecimento de castanhas, que nunca foram entregues. Pede a condenação da requerente como litigante de má-fé, em multa e indemnização a seu favor, em valor nunca inferior a € 2.000,00.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, que absolveu a ré integralmente do pedido.

A autora interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes

Conclusões:

A Recorrente sindica a douta sentença recorrida nos seguintes parâmetros:

a) decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada; violação do princípio do ónus de alegação pelas partes dos factos essenciais da causa e do princípio da limitação dos poderes de cognição do Tribunal; apreciação dos pressupostos artigos (405.°, 406.° n.º 1 e 342.° n.º 2 do CC); feita tal prova pelo vendedor, compete então ao adquirente a prova dos factos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do alienante ao recebimento do preço (artigo 342.° n.º 2 do CC).
b) O ónus da prova, que não se confunde com um dever de provar, é um instituto de direito material regulado nos artigos 342° ss do Código Civil atual, que pode ser definido como a regra de julgamento da causa segundo a qual, num contexto processual onde sobressaem os princípios do inquisitório (artigo 411° do Código de Processo Civil) e da aquisição processual (artigo 413° do Código de Processo Civil), a parte (autor ou réu) que invoque a seu favor uma situação jurídica tem contra si o risco de não serem adquiridos no processo os factos positivos ou negativos que, segundo a lei material, são idóneos a fazer nascer a situação jurídica favorável invocada, ficando, assim, essa parte processual sujeita à improcedência da sua pretensão no caso de insuficiência da aquisição processual dos factos fundamentadores da situação jurídica invocada -
c) Ora, como já referido, no que respeita à distribuição do ónus da prova, à Autora impende a prova da celebração do negócio dos autos e, consequentemente, da constituição na esfera jurídica da Ré da obrigação de pagamento do preço supostamente acordado (artigos 342.° n.º 1, 405.° e 406.° n.º 1 do CC);- e, em nosso entender, foi alcançada, ao contrário da Decisão proferida pelo Tribunal A quo - dos autos resultou prova suficiente - da venda- da entrega das castanhas - da respetiva emissão e receção da fatura da interpelação da falta de pagamento/incumprimento.
d) Competiria, por sua vez, à Demandada a prova dos factos modificativos, impeditivos ou extintivos de tal direito (artigo 342.º n.º 2 do mesmo diploma, o que não se verificou,
e) Pois, que dos factos impeditivos ou extintivos da obrigação a Ré não apresentou qualquer meio de prova que sustente o pilar da Sentença - que culminou com a Absolvição dos pedidos
f) Assim, a Recorrente apresenta impugnação da decisão sobre a matéria de facto pretendendo impugnar a douta decisão proferida sobre a matéria de fato a recorrente está obrigada a "... indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, ... " - cfr. art.° 640.º, n.º 2, aI. a), CPC.
g) A Recorrente, pretende que seja reapreciada e assim alterada - matéria de facto discutida nos autos foram incorretamente julgados os factos vertidos nos números, 9. Parcialmente (só impugnando a afirmação "alegado"), 11., 12., 13. (parcialmente - impugnando a afirmação "Em momento posterior à cessão das quotas" .) da materialidade de facto considerada como provada:
h) Quanto à materialidade considerada como não provada, impugna e entende a Recorrente que tais factos foram incorretamente julgados e decididos, - por contradição absoluta com os factos vertidos nos articulados, - matéria confessada, tal como da Prova documental carreada para os Autos e prova testemunhal,
i) Impõe decisão diversa. Assim, impugnam os Recorrentes por não corresponderem com a matéria de facto - razão pela qual os pontos identificados de A), e B), inclusive devem ser alterados e considerados como provados.
j) Tal, como demonstrado a Discordância da Recorrente, revela reforço não só na Identificada Fatura, mas, ainda na prova dada nas Declarações de Parte, Discussão dos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida
k) Número 9 dos factos provados: ora dos meios de prova que - Depoimento das Partes, documentos - concretizam prova - de que se verificou o negócio/aquisição e assim a venda fornecimento de castanhas e não um "alegado" fornecimento como o Tribunal Recorrido erroneamente decidiu. Certamente, que da Fatura junta revela o inicio da Prova, que confessado por ambas as partes - o seu suporte existência quer tanto na contabilidade da Recorrente quer na Contabilidade da Recorrida, não poderia concluir o Tribunal Recorrido como o fez, deveria sim, ter dado como provado, que houve efetivamente um fornecimento de bens, caso assim não seja valorado estaríamos então perante uma Simulação de Negócio!!! Deveria nesta parte o Tribunal a quo - proceder a devida fundamentação, em sentido oposto.
l) Número 11 dos factos provados: confirmado pelo Depoimento de Parte do atual sócio-gerente da Recorrida, ambos os sócios na altura da emissão da Fatura em causa praticavam atos de gerência, pelo que se impugna o vertido no ponto 11. dos factos provados, devendo este ser alterado para não provado.
m) Número 12 e 13 dos factos provados - Tal como resulta de ambos os Depoimentos, corroborados com a descrita e junta Fatura - Gravação Acta Audiência aos 23:10, respondeu o sócio gerente da Ré - sobre se estaria ou não a Fatura em causa na contabilidade da sua empresa ' ... Não sei como foi lá parar ... está na contabilidade ... 'Posteriormente, quando questionado se a R compraria castanhas à A., afirmou aos 07:00 ' ... muito dificilmente se comprava à X ... ele colhia pouco ... ',no entanto quando questionado sobre quem fornecia mais castanha à R, se o representante legal da A. ou o da R, respondeu em mais uma contradição aos 13:10 ' ... a minha era menos que a dele ...
n) Impõe-se assim, verificada a prova, com a pertinência que lhe é exigível - que decorre da confissão da Ré - a existência do fornecimento de castanhas - e de que tal fornecimento nunca foi pago - pois a fatura ainda na data posterior a cessão de quotas encontra-se na sede e contabilidade da Ré - como não paga.
o) Aliás, reitera-se que ambos os depoimentos - que era usual e corrente a venda de castanhas pela A. a R e que ambos os sócios gerentes nas datas em causa - exerciam e tinham conhecimento de tais atos.
p) Compulsados os depoimentos das Partes, e a prova documental constante dos autos, temos que da conjugação e analise critica de tais elementos não podia o tribunal a quo dar como não provado o fornecimento de castanhas.
q) Com efeito as declarações prestadas em sede de Audiência, e documentos juntos pelas partes, não suscitam quaisquer dúvidas, para impor decisão diversa da recorrida - sem prejuízo de melhor aprofundar a questão no recurso da matéria de direito.
r) Destes considerandos resulta, que foi feita prova em conformidade com os Requisitos legais. Dispondo de matéria bastante - para Decisão Diversa ¬Nomeadamente - considerando por provados e Procedentes os Pedidos - que, foram legitimamente Reclamados pela Recorrente
s) A exigência legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se satisfaz com a simples referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção, devendo indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, expondo o processo lógico e racional que seguiu, por ser esta a única forma de tornar possível o controlo da razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto, e de convencer os destinatários sobre a sua correção.
t) Pelo que, também, nesta parte verificamos precipitação e erro notório na valoração da prova, que devia ser tida em conta, e valorada como tal, conforme as razões ora invocadas.
u)Tal Decisão viola de forma clara o disposto nos artigos 342.° n.º 2, 405.° e 406.° n.º 1 do CC artigo 411° e 413.° do Código de Processo Civil, bem como a não apreciação ou má apreciação feita aos artigos 847.° e 879.° do CC. Como tal discorda-se da aplicação, feita pelo tribunal a quo.
v) Sentença recorrida, a manter os seus termos e factos e consequências - colide, com os direitos fundamentais que à Recorrente assiste, e, que de forma evasiva injustificada, desproporcional inclusive aos factos considerados como tal, o Tribunal a quo erroneamente Decidiu de forma precipitada.

TERMOS EM QUE, sempre com o douto suprimento de V. Excelências deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência: Ser revogada a douta sentença recorrida na parte em que deu como provados os pontos 9., 11., 12. e 13. da materialidade de facto considerada como provada - alterando em conformidade, e, bem assim, quanto à materialidade considerada como não provada, considerando a contradição absoluta por não corresponderem com a matéria de facto - de A) e B), inclusive - devem, ser alterados e considerados como provados, devendo os pedidos proceder por provados, condenando a Recorrida nos termos descritos.

ASSIM se fazendo, como sempre, inteira e merecida JUSTIÇA.

A ré contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida e insistindo na condenação da apelante como litigante de má-fé.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto – ónus da prova e força probatória da fatura - e consequências da sua eventual alteração na decisão jurídica.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Factos provados:

1. A Autora é uma sociedade comercial unipessoal por quotas, a qual tem como objecto comercial a prática dos actos de comércio inerentes à produção, comercialização, venda, fornecimento e distribuição de produtos agrícolas entre outros.
2. Por sua vez, a Ré é uma sociedade comercial por quotas, cujo objecto social consiste na agricultura e produção de frutos e arbustos, compreendendo a cultura de frutos de casca rija, nomeadamente, castanha e noz; preparação e conservação de frutos e produtos hortícolas, descasque e transformação de frutos de casca rija, comercialização por grosso de fruta, de produtos hortícolas e frutos de casca rija, incluindo castanhas, e outras actividades agrícolas.
3. O capital social da Ré correspondia ao valor de € 5.000,00;
4. Sendo distribuído por duas quotas no valor unitário, cada qual, de € 2.500,00;
5. Quotas essas detidas pelos respectivos sócios-gerentes, D. R. e J. A.;
6. Os quais são cunhados.
7. Por sua vez, a Autora tem como único sócio-gerente o aludido, J. A..
8. Devido a desentendimentos entre os sócios-gerentes da Ré, o aludido J. A., no presente ano de 2018, o primeiro cedeu ao segundo a quota de que era titular na Demandada, pelo preço de € 2.500,00, idêntico ao do respectivo valor nominal.
9. Em 19 de Dezembro de 2015, a Autora emitiu factura dirigida à Ré, reclamando o pagamento da quantia de € 11.000,00, acrescida de IVA (€ 660,00), decorrente do alegado fornecimento pela primeira à segunda de 10.000 quilos de castanha ao preço unitário de € 1,10 / quilo.
10. Nos termos dos estatutos da Ré, até à cessão de quotas ocorrida 2018 e aludida em 8), a Demandada obrigava-se mediante a assinatura dos dois (então) sócios-gerentes, D. R. e J. A..
11. Enquanto permaneceu como sócio-gerente da Ré, era o aludido J. A. quem contratava com os fornecedores e clientes da empresa, bem como geria efectivamente a Demandada, sem prejuízo de o aludido D. R. apor habitualmente a respectiva assinatura nos cheques mediante os quais eram efectuados os pagamentos, atento o referido em 10).
12. Enquanto permaneceu como sócio-gerente da Autora, o aludido J. A., nunca exigiu à Ré o pagamento da factura aludida em 9).
13. Em momento posterior à cessão de quotas aludida em 8), a Autora interpelou a Ré para efectuar o pagamento referido em 9).

Factos não provados:

A. Que, em 2015, a Ré tivesse solicitado à Autora o fornecimento da quantidade de 10.000 quilos de castanha ao preço unitário de € 1,10 / quilo e pelo preço global de € 11.000,00 + IVA, no total de € 11.660,00, fornecimento esse que a Demandante aceitou realizar.
B. Que, na sequência do acordo aludido em A), no mesmo ano de 2015, a Autora tivesse entregue à Ré a aludida quantidade de 10.000 quilos de castanhas.

A recorrente considera incorretamente julgados os factos vertidos nos pontos 9 (parcialmente, só impugnando a afirmação “alegado”), 11, 12 e 13 (parcialmente, só impugnando a afirmação “em momento posterior à cessão das quotas”) e nas alíneas A) e B), considerando que, os factos constantes destas últimas, devem ser considerados provados.
Para o efeito, sustenta-se na fatura de fls. 14 e nas declarações de parte do seu representante legal, bem como numa alegada contradição do representante legal da ré.
O Sr. Juiz analisou a prova, designadamente, a fatura em causa e as declarações de parte de ambos os representantes legais (para além de duas testemunhas) e esclareceu a sua motivação na fixação da matéria de facto, de forma que nos parece exemplar.
Pretende a apelante que não foi dada a importância devida à existência de uma fatura que comprovaria o fornecimento de bens que estaria na base do pedido formulado e que, existindo a fatura, caberia à parte contrária fazer a prova de factos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do alienante ao recebimento do preço, o que não foi efetuado.
Ora, a cópia da fatura junta a fls. 14 dos autos, é um mero documento particular, não assinado pela parte que nele, supostamente, se obrigava ao pagamento. A sua força probatória é apreciada livremente pelo tribunal, nos termos do artigo 366.º do CC. Tendo o documento em causa sido impugnado e não tendo sido oferecida pela autora nenhuma outra prova que conferisse credibilidade à sua alegação, não pode o tribunal sustentar-se apenas na existência de uma fatura para dar como provada a versão apresentada pela autora.
Veja-se que a testemunha A. G., contabilista, apenas conhecia a fatura, mas desconhecia os termos do eventual negócio que esteve na base da emissão da mesma.
Acresce que o legal representante da autora, apesar de inúmeras referências à fatura, não soube adiantar pormenores importantes, como o ano em que teria ocorrido o fornecimento de castanhas, qual a quantidade de castanhas vendida/encomendada e qual o preço respetivo. Quando perguntado sobre o modo como a entrega das castanhas se teria processado, referiu que foi ele mesmo descarregar as castanhas ao armazém da ré, acompanhado de dois funcionários, mas não soube indicar o nome de nenhum deles. Também a explicação para o facto de não ter sido exigido o pagamento da fatura na altura do fornecimento –empréstimos por parte do outro sócio – se revelou pouco convincente, face à existência de outros negócios entre as partes, anteriores e posteriores, com faturas emitidas pela autora e pagas pela ré.
Finalmente, releva o depoimento da testemunha A. R., que mediou o conflito entre os dois gerentes até à escritura de cessão de quotas e nunca ouviu falar desta fatura e que a mesma estaria por pagar, sendo que seria expectável, de acordo com as regras da experiência comum, que se fizesse o encontro final de contas antes da cessão de quotas.
Daí que a fatura em causa – documento particular não assinado pelo devedor - é manifestamente insuficiente para, por si só, poder levar à procedência da acção.
Como é sabido, a factura é um documento comercial, contabilístico, correspondente a actos comerciais de venda e entrega de produtos, documento esse que é passado pelo vendedor.
Como refere José Maria Pires, in Direito Bancário, 2.ºv.-pg. 130, “O vendedor, no acto da entrega das mercadorias, passará uma factura ou conta, acompanhada do extracto; o comprador ficará com a factura e o vendedor com o extracto, depois de por aquele ter sido conferido e aceito.”
“Assim sendo, o documento idóneo para comprovar a entrega dos produtos e sua aceitação pelo R. não é a junção aos autos do duplicado da factura emitida pelo próprio vendedor, mas sim o extracto do qual resulta que a encomenda foi conferida e aceite pelo comprador, ou que a mercadoria foi recebida.
Este objectivo é conseguido, por vezes, pela simples aposição da assinatura do comprador (ou empregado deste), no duplicado da própria factura, dando conta ter sido conferida e recebida esta” – Acórdão da Relação do Porto de 24/05/2005, processo n.º 0522175 (Mário Cruz), in www.dgsi.pt.

O direito comercial não tem qualquer regra específica que liberte o vendedor do ónus probatório dos factos constitutivos do seu direito, donde, estar aquele submetido ao regime geral do art. 342.º-1 do CC.
“No domínio das relações comerciais, a apresentação de faturas não acarreta a inversão do ónus da prova previsto no direito civil – artigo 3.º do CComercial e 342.º e 344.º in fine do CC” – Acórdão da Relação de Lisboa de 04/02/2010, processo n.º 224338/08.7YIPRT.L1-8 (Carla Mendes), in www.dgsi.pt.
A autora poderia provar a venda por qualquer meio de prova, designadamente através de prova testemunhal, por forma a validar e confirmar o documento impugnado, ou então, fazendo juntar duplicado da factura, mas devidamente assinada pelo comprador ou juntando qualquer outro documento assinado por este, onde ele, directa ou indirectamente confirmasse o fornecimento ou reconhecesse a dívida, ou obtendo a respectiva confissão através de depoimento de parte, que a A teria de provocar.

Já vimos que tal não sucedeu.

Assim, tendo em conta que o documento junto pela autora não prova, só por si, a venda e entrega dos produtos à ré, e dado que, para além dele, não foi produzido nenhum outro elemento de prova suficientemente credível, não poderiam considerar-se provados os factos constantes das alíneas A) e B) dos factos não provados (daí que esteja correta a inserção da expressão “alegado” no ponto 9 dos factos provados).

Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 26/01/2017, processo n.º 113/10.0TBMNC.G1 (Maria Purificação Carvalho), in www.dgsi.pt: “Tratando-se de documentos particulares cujo teor foi impugnado estamos perante documentos de prova livre, não formal ou vinculada (como acontece com a prova plena), e a sua simples análise, desacompanhada de outra prova, não impõe de modo irrefutável a demonstração de factos diversos dos que foram dados como provados ou a modificação da matéria tida como não provada”, bem como o Acórdão do STJ de 04/05/2010, processo n.º 1047/04.3TBMAI.P1.S1 (João Camilo), com o seguinte sumário: “I - Se numa acção declarativa de condenação, em que está em causa um contrato de prestação de serviços que a autora teria prestado à ré e cujo preço esta não pagou, a autora se limitou a juntar documentos da sua contabilidade, sem arrolar qualquer prova testemunhal, os aludidos documentos, na falta de impugnação dos mesmos, apenas provam que a autora os emitiu e nada mais. II - Para passar da emissão daqueles documentos para a efectiva prestação dos serviços neles referidos, havia que produzir outra prova nesse sentido. III - O facto da autora/recorrente ter emitido as declarações constantes daqueles documentos tanto pode ser devido à efectiva prestação dos serviços naquelas constantes como na pretensão em ver a recorrida condenada no pedido, independentemente da efectiva prestação dos aludidos serviços. IV - Entender-se de forma oposta, seria descobrir a maneira de ver ser condenado um réu apenas com base em declarações do próprio autor, apesar da impugnação do réu, o que se traduziria na subversão do ónus da prova regulado no art. 342.º, n.º 1, do CC”.

Quanto aos pontos 11, 12 e 13 dos factos provados, apesar de entendermos, tal como o Sr. Juiz de primeira instância, que os mesmos resultaram provados – declarações de parte e depoimento já acima referido, da testemunha A. R. -, não se vê a sua relevância para a decisão da causa, sendo questões instrumentais que contribuem para a formação da convicção, mas que não têm autonomia face a esta e considerando as já enunciadas regras do ónus da prova.

Pelo que, na improcedência da invocada impugnação da decisão de facto, improcede, totalmente, a apelação, cujo êxito se sustentava naquela.

Uma última palavra apenas para referir que a improcedência dos argumentos aduzidos pela apelante, não conduz à litigância de má-fé, que não vislumbramos nos autos.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
***
Guimarães, 19 de setembro de 2019

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes