Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2123/09.1TAGMR.G2
Relator: ANA TEIXEIRA E SILVA
Descritores: DIFAMAÇÃO
OFENSAS À HONRA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – É normal que um condómino que exige, perante uma entidade pública (centro de arbitragem/tribunal arbitral), a reparação de prejuízos que atribui a quem tem a administração do condomínio, use expressões que não são “elogiosas” nem anódinas para o visado.
II – Não sendo possível concluir que o agente agiu de forma gratuita, movido por outro propósito que não a resolução dos problemas que o afetavam, deverá prevalecer o direito à liberdade de expressão de quem litiga em causa própria.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes, em conferência, na Secção Penal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
O assistente FREDERICO O...veio interpor recurso da decisão instrutória do Mmº Juiz do 2º Juízo Criminal de Guimarães, de não pronúncia da arguida Maria C... pela prática do crime de difamação, p. e p. pelos artºs 180º e 183º, nº1, al. a), do CP.
A mesma decisão veio a ser proferida em cumprimento do acórdão desta Relação que em 02/05/2012 Fls. 428-438. deliberou revogar o despacho de não pronúncia recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que supra a omissão consistente na falta de enumeração dos factos indiciados e dos não indiciados.
Depois de explanar as razões da discordância, o assistente expressa as seguintes conclusões:
I – O despacho em crise, ao não pronunciar a arguida pela prática de um crime de difamação, fez errada interpretação dos Arts. 180º e 183º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal e, bem assim, do Art. 154º, nº 2 do Código de Processo Civil.
II – O direito à liberdade de expressão, ou seja, o direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento, embora não podendo ser sujeito a “impedimentos”, conforme consta do nº 1, parte final do Art. 37º da C.R.P., não pode, no entanto, ser exercido sem limites, porque há limites ao direito, mormente, outros direitos constitucionais. E, em caso de colisão entre aquele direito à liberdade de expressão e os direitos inerentes à pessoa humana, deve dar-se prevalência a estes, por serem superiores.
III – A honra e consideração, a que alude o Art. 180º do C.P., consiste num bem jurídico complexo, que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicando na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.
IV – A previsão do nº 1 do Art. 180º do C.P. pretende proteger cada pessoa não só de ataques à sua honra, mas, também, à sua consideração social, pelo que, conclui-se também que a liberdade de expressão tem de ser uma liberdade responsável e o seu uso terá de corresponder aos fins para que é concedida e não prosseguir, ainda que indirectamente, outros fins.
V – O uso pela arguida das expressões mencionadas nos autos, apesar de serem proferidas no uso do direito à liberdade de expressão desta, colidem com o direito à honra e consideração do recorrente e integram um ilícito criminal, nomeadamente, o crime de difamação, previsto e punido pelo Art. 180º do Código Penal.
VI – As expressões e juízos usados pela arguida não se limitaram à defesa da causa e a assegurar a tutela jurisdicional efectiva, pois em nada serviram a tese da arguida na defesa da causa ou foram fundamentais para a sua decisão, pelo que, é notório que a arguida só delas fez uso com o intuito de denegrir e atingir a honra e consideração do recorrente.
VII – Também não se pode concluir pela não punibilidade da conduta da arguida, nos termos do nº 2 do Art. 180º do C.P., uma vez que é notório que arguida não fez tal imputação ao recorrente para realizar interesses legítimos e, bem assim, em boa fé, não logrou provar que as expressões e juízos de valor formulados sobre o recorrente fossem verdadeiros.
VIII – A arguida, através das expressões referidas nos autos transmitiu a ideia de que o recorrente é pessoa desonrosa e mentirosa, o que, obviamente, lesou a honra e consideração daquele.
IX – Existem indícios suficientes e prova bastante da prática pela arguida de um crime de difamação, considerando-se altamente provável a futura condenação desta ou ser esta mais provável do que a sua absolvição, nos termos do disposto no Art. 308º, nº 1 do C.P.C.
O Ministério Público e a arguida responderam:
- o primeiro, remetendo para o Parecer da Srª. Procuradora-Geral Adjunta, o qual concluía pela pronúncia da arguida;
- a segunda, entendendo que deve ser mantida a decisão recorrida.
Nesta instância, o Sr. Procurador-Geral Adjunto aderiu à posição do Ministério Público junto do Tribunal recorrido e do Assistente-Recorrente, emitindo parecer de que o recurso merece provimento.
A arguida respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

II - FUNDAMENTOS
1. O OBJECTO DO RECURSO.
A questão suscitada reconduz-se à existência ou não de indícios suficientes da prática pela arguida do crime de difamação.

2. O DESPACHO RECORRIDO.
Apresenta o seguinte conteúdo:
Nos presentes autos a arguida Maria C... , não se conformando com a acusação deduzida, veio, nos termos do art.º 287.º n.º1 al. a) do Código de Processo Penal, requerer a abertura da instrução, pugnando pela prolação de um despacho de não pronúncia pois alega, em súmula, que não cometeu qualquer crime sendo que as frases mencionadas na acusação estão inseridas no exercício do seu legítimo direito de reclamação, não tendo como intenção a de ofender a honra e consideração do assistente.
O art. 286º nº 1 do Código de Processo Penal vem indicar expressamente, como fim da instrução, a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
A fase da instrução é formada pelo conjunto dos actos instrutórios que o juiz entenda dever levar a cabo e obrigatoriamente por um debate instrutório (vide art. 289º Código de Processo Penal).
No caso em apreço, realizaram-se todas as diligências de instrução tidas por necessárias.
Foi realizado o debate instrutório com observância de todo o legal formalismo e proferida decisão instrutória.
Foi interposto recurso da decisão instrutória proferida tendo o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães revogado o despacho de não pronuncia, determinando a sua substituição por outro que supra a omissão consistente na falta da enumeração dos factos indiciados e dos não indiciados.
O que cumpre efectuar.
*
De acordo com o previsto no art. 308º nº 1 do Código de Processo Penal, será proferido despacho de pronúncia se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, proferindo-se despacho de não pronúncia no caso contrário.
Nos termos do art.º 283.º n.º2 ex vi art.º 308.º n.º2 ambos do Código de Processo Penal “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma media de segurança”.
De acordo com os ensinamentos do Prof. CASTANHEIRA NEVES, in “Questão de Facto e Questão de Direito”, pag. 105, na suficiência dos indícios está contida “a mesma exigência de “verdade” requerida pelo julgamento final – só que a instrução não mobiliza os mesmos elementos probatórios e de esclarecimento e, portanto, de convicção, que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento e, por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser suficiente ou suficiente para a pronúncia”.
Também, e como refere o Prof. FIGUEIREDO DIAS, in “Direito Processual Penal”, pag. 133, “os indícios só são suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente possível a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a absolvição”.
Em súmula, parafraseando LUÍS OSÓRIO in Comentário ao Código de Processo Penal, Vol. IV, p. 441, que devem considerar-se indícios suficientes aqueles que fazem nascer em quem os aprecia, a convicção de que o [réu] poderá vir a ser condenado (sic).
*
A arguida foi acusada pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art.º 183.º nº1 al. a) por referência ao art.º 180.º n.º1, ambos do Código Penal.
Prescreve o art.º 180.º do Código Penal:
1. Quem, dirigindo-se a terceiro imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2. A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
3. Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4. A boa-fé referida na alínea b) do n.º2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.
A difamação não se confunde com a simples indelicadeza, com a falta de polidez, ou mesmo com a grosseria, que são comportamentos que apenas podem traduzir falta de educação.
Parafraseando BAJO FERNÁNDEZ, in Compendio de Derecho Penal, 1998, p. 254 e ss. os juristas têm que renunciar a um conceito inequívoco de honra, dada a plurivalência da expressão. Bem pelo contrário, têm de se limitar a procurar o âmbito da protecção jurídico-penal da honra.
Os meios de execução do crime podem ser vários, neles se integrando todos aqueles que representem forma de expressão do pensamento: as palavras (orais, escritas ou reproduzidas por meios mecânicos), os desenhos, as caricaturas, as pinturas, as esculturas, as alegorias, os gestos, os sinais, as atitudes, os actos, etc (cfr. art.º 182.º)”
Podem ser vários os processos executivos do tipo legal em causa: i) a imputação de um facto ofensivo, ainda que sob a forma de suspeita; ii) a formulação de um juízo de valor; e iii) a reprodução de uma imputação ou de um juízo susceptíveis de ofender a honra de outrem (cfr. LEAL HENRIQUES/SIMAS SANTOS, Código Penal Anotado, II, 2.ª ed., Lisboa, 1997, p. 317).
Mas o que se deve entender por facto e juízo de valor? A distinção não é irrelevante, desde logo porque as causas de justificação da conduta referidas no art. 180.º, n.º 2 aplicam-se apenas quando se se trate de factos, como resulta do próprio teor literal da norma (apenas os facto se imputam; os juízos de valor formulam-se).
Pode dizer-se que facto é qualquer acontecimento, evento ou situação, passada ou presente, susceptível de ser objecto de prova.
O juízo de valor, por seu turno, analisa-se numa apreciação pessoal sobre o carácter da vítima.
Perante a norma do citado art.º 180.º está de todo em todo superado a antiga controvérsia no que tocava à exigência de um chamado dolo específico (vide FARIA COSTA, in Comentário Conimbricense, Tomo I, p. 612).
Podemos concluir que não é necessário um animus injuriandi vel diffamandi; é, pois, somente necessário que o agente quisesse com o seu comportamento ofender a honra ou a consideração alheias ou previsse essa ofensa de modo a que a mesma lhe pudesse ser imputada dolosamente (Neste sentido MAIA GONÇALVES, ob. cit., p. 611 e ss e BELEZA DOS SANTOS, in RLJ, ano 92, p. 196 e ss.)
Basta uma actuação dolosa numa das modalidades definidas no art.º 14.º do Código Penal.
Vertendo ao caso em apreço.
Dos factos:
Da análise do processado resultam como suficientemente indiciados os seguintes factos:
1. Uma reclamação escrita deu entrada em 20/05/2009, no Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Vale do Ave, Tribunal Arbitral, sedeado na Rua Capitão Alfredo Guimarães, 1, 4800-019 Guimarães, com o n.º 430.
2. A arguida, referindo-se à pessoa do assistente (enquanto este prestador de serviços de administração à empresa de condomínios “N... – Condomínios, Ldª”) escreveu que:
3. acusam” a perseguição feita por parte do administrador que denegriu o seu bom nome e a sua imagem pública em toda a imensa área residencial”.
4. “Mas, o intuito do dito administrador desde a entrada, conforme apregoava era unicamente de roubar à visada o salário em tribunal”.
5. “Até é pertinente referir que este administrador de condomínio orgulha-se por maltratar os condóminos e incita-os à discórdia”.
6. Ao escrever as expressões a arguida quis publicitar junto daquele organismo arbitral, o alegado cariz persecutório do queixoso, e ainda afirmou diante desse organismo que o assistente denegriu o bom nome dela, arguida e a sua imagem pública, em toda a área residencial de condomínio.
Do mesmo modo quis publicitar uma alegada intenção do assistente de lhe roubar o salário dela, arguida, o que era alegadamente apregoado pelo assistente.
Também a arguida quis publicitar que o assistente alegadamente se orgulhava por maltratar os condóminos e que os incita à discórdia.
7. O assistente com tais expressões sentiu-se gravemente ofendido na sua honra, consideração e imagem pública.
Factos não suficientemente indiciados:
i) A arguida escreveu o referido em 3. a 5. com intenção de ofender o assistente na sua honra, na sua consideração e na sua imagem.
ii) Foi intenção da arguida ao escrever as expressões ofender o queixoso na sua honra, consideração e imagem pública.
Apreciando.
Os factos suficientemente indiciados resultam desde logo da análise da reclamação constante de fls. 5 a 8., sendo que atento o referido pelo assistente verificamos que o mesmo sentiu-se ofendido na sua honra.
No caso em apreço tomando só em consideração os dizeres mencionados no ponto 3. a 5. dos factos indiciados, verificamos que os mesmos são, numa primeira análise, atentórios da honra de um terceiro.
Contudo, não se poderá olvidar que se tratam de factos mencionados no âmbito de uma participação dirigida ao Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Vale do Ave.
Assim, tratam-se de factos mencionados no contexto de uma reclamação, que analisada na sua globalidade, não nos permite concluir que se encontram fora do respectivo direito à queixa ou participação de quem os formula.
A arguida pretendia facultar-se do direito à tutela jurisdicional efectiva.
Acresce que no âmbito da elaboração de uma peça processual são utilizadas expressões que não são aplicadas com o intuito de humilhar ou ofender, mas sim com o objectivo de defenderem os interesses da parte.
Aliás, nos termos do art.º 154.º n.º3 do Código de Processo Civil, o legislador considera que não é considerado ilícito o uso das expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa, desde, claro está, que não sejam efectuadas com animus injuriandi.
A arguida, a fls. 83 v., salienta que nunca foi intenção difamar o denunciante, tendo sido a sua única intenção resolver os problemas, relativos à administração do condomínio, razão pela qual remeteu a reclamação para o tribunal arbitral do vale do Ave.
Aliás, a jurista que exerce funções junto do centro de Arbitragem de Conflitos ao Consumo salientou que o processo de reclamação é um processo sigiloso, cujo conteúdo é apenas conhecido pelo tribunal arbitral e pelas partes envolvidas (cf. fls. 88)
Heloísa C... (filha da arguida) que tem conhecimento da reclamação referiu que a mesma era efectuada no Tribunal arbitral e que era suposto ser sigilosa (cf fls. 290/291).
Pelo exposto, o Tribunal não considera suficientemente indiciado que a arguida agiu com a intenção de difamar o assistente.
Razão pela qual não se encontra indiciado os factos referidos supra em i) e ii).
Nestes termos, atento o supra exposto não se poderá concluir pela verificação do tipo legal de crime imputado à arguida, desde logo por falta do tipo subjectivo do crime.
Assim, por inexistir indícios suficientes de factos que consubstanciem a prática de qualquer crime por parte da arguida, será proferido despacho de não pronúncia.

3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
O assistente defende a pronúncia da arguida pela autoria material de um crime de difamação p. e p. pelos artºs 180º, nº1, e 183º, nº1, al. a), do CP, nos termos da acusação particular que deduzira (parcialmente “acompanhado” pelo Ministério Público O Ministério Público subscreveu enquadramento jurídico menos gravoso, difamação “simples” p. e p. apenas pelo artº 180º, nº1, do CP – cf. fls. 97.), por a entender suficientemente indiciada.
Analisada toda a prova produzida – de natureza pessoal (declarações do assistente e arguida, depoimentos das testemunhas Rogério S..., Sofia M..., Heloísa C... Antes, também arguida – cf. fls. 79., Pedro M... , Maria P... Fls. 31, 83, 49, 88, 290-294., Elisabete A... Depoimento documentado a fls. 235-236, gravado no CD agrafado na contracapa do vol. I.) e documental (carta de fls. 4, reclamação de fls. 5-8, ofício de fls. 150, petição inicial de fls. 151-156 e sentença de fls. 157-169) -, constata-se inexistir fundamento para o pretendido despacho de pronúncia.
Dispõem os artºs (no que ora interessa):
180º (Difamação)
1 – Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido (…).
2 – A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
183º (Publicidade e calúnia)
1 – Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180º, 181º e 182º:
a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; (…).
Não oferece dúvida que a arguida, referindo-se ao assistente, escreveu: “acusa em primeira monta, a perseguição feita por parte do administrador que denegriu o seu bom nome e a sua imagem pública em toda a imensa área residencial”; “Mas, o intuito do dito administrador desde a entrada (2007), conforme apregoava era unicamente de roubar à visada o salário em Tribunal”; “Até é pertinente referir que este administrador de condomínio orgulha-se por maltratar os condóminos e incita-os à discórdia”.
Fê-lo numa “reclamação escrita” dirigida ao “Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Vale do Ave”, em que era reclamado o assistente, enquanto “administrador do condomínio” e “representante legal” da empresa “N... – Condomínios, Ldª”, e tendo como assunto a “Prestação defeituosa de empresa de condomínio”, que relatou ao longo de 18 números (os 8 primeiros, respeitantes à sua filha Heloísa C..., também condómina V. A) 1. a 8.; os restantes números, 1.a 10. de B), respeitam à arguida.) e instruiu com “10 fotografias” alegadamente “comprovativas As quais não foram incorporadas nestes autos..
A arguida termina “pretendendo ser ressarcida pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados” e indica mais “prova” supostamente testemunhal.
É claro que as frases supra-citadas - reproduzidas na acusação particular - não são “elogiosas” para a pessoa do assistente, nem anódinas, mas têm que ser interpretadas num contexto mais vasto, de alguém (a arguida) que exige de uma entidade pública (um centro de arbitragem / tribunal arbitral) a reparação de prejuízos causados por vários problemas existentes no Bloco onde se localizam as fracções que lhe pertencem, e que, no seu entender, são atribuíveis à deficiente administração do condomínio protagonizada pelo assistente.
Ora, à arguida assiste – inequivocamente - o direito de se queixar de tais deficiências perante as entidades competentes (v.g., os artºs 20º, nº1, 60º, nº1, da CRP; 3º, 13º e 14º da Lei 24/96, de 31.07 Lei de Defesa do Consumidor.); e o exercício desse direito afasta a punibilidade da respectiva conduta: quer se trate da imputação de factos, ao abrigo do citado nº2 do artº 180º do CP; ou da formulação de juízos, por aplicação da causa “geral” de exclusão da ilicitude prevista no artº 31º, nº2, al. b), do CP.
Não ficaram, nestes autos, cabalmente comprovados todos os problemas apontados na dita exposição escrita (nem é esta a sede própria para o efeito); mas evidenciaram-se já alguns (relatados por Elisabete Azevedo, Heloísa C... e Pedro de Magalhães) bem como a penhora do vencimento da arguida (v.g., o depoimento de Maria dos Prazeres Neves), o que é revelador de uma postura de seriedade por banda da arguida naquilo que enunciou junto do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Vale do Ave.
Logo, não é possível concluir que a arguida agiu de forma gratuita, movida por qualquer outro propósito que não o da resolução dos problemas do condomínio que a afectavam.
Com a latitude que lhe confere a liberdade de expressão Apregoada pelo Recorrente e constitucionalmente garantida – artº 37º, nº1, da CRP. e a compreensível “paixão” de quem litiga em causa própria (e de um seu familiar, a quem se não pode exigir a objectividade e o distanciamento sempre desejáveis), não se vislumbra que a dita “reclamação” extravase os limites do aceitável, por atentar em medida inadmissível contra direitos pessoais do assistente (nomeadamente, a honra ou consideração).
Depois, nenhuma prova se produziu no sentido do preenchimento da circunstância agravante prevista no invocado artº 183º, nº1, al. a), do CP.
O processo de reclamação iniciado pela arguida é “sigiloso, cujo conteúdo é apenas conhecido pelo tribunal arbitral e pelas partes envolvidas, reclamante e reclamado” (conforme afirmou a Jurista do Centro de Arbitragem Fls. 88.) e se alguma “publicidade” foi dada ao escrito da arguida, parece que só ao assistente se deve (de acordo com os depoimentos das testemunhas Heloísa C..., Pedro de Magalhães e Elisabete Azevedo).
A lei não define com rigor o que são indícios suficientes (artº 283º, nº2, aplicável por força do artº 308º, nº2, ambos do CPP) nem o poderia fazer; mas trata-se, certamente, de um conjunto de elementos convincentes de que o arguido praticou os factos incrimináveis que lhe são imputados.
Nessa perspectiva, consagrou-se um entendimento de apreciação valorativa dos indícios no sentido de não sujeitar o arguido a vexames e despesas inúteis, cabendo também ponderar que eventuais situações de “non liquet” devem ser valoradas a favor do arguido, por força do princípio in dubio pro reo, princípio geral de incidência probatória mesmo na fase instrutória, enquanto emanação do princípio da presunção de inocência Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pp. 211 e ss., e Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, t. II, p. 316..
Com a prova produzida nos autos – quer durante o inquérito quer durante a fase instrutória -, seria inevitável a absolvição da arguida em audiência de julgamento.

Em conclusão: não há indícios suficientes do cometimento do crime de difamação com “publicidade”; por conseguinte, impõe-se a manutenção da decisão de não pronúncia da arguida Maria de Fátima Cardoso.

III - DECISÃO
1. Nega-se provimento ao recurso interposto pelo assistente, mantendo-se a decisão instrutória recorrida.
2. Custas pelo assistente, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 UCs.

18 de Março de 2013