Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2117/23.4T8VCT.G1
Relator: MARIA LEONOR BARROSO
Descritores: PENSÃO COMPLEMENTAR DE REFORMA
NATUREZA DA PENSÃO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A atribuição de uma pensão de reforma complementar tem natureza previdencial e não laboral.
O direito unitário a receber as respectivas pensões vitalícias está sujeito ao prazo de prescrição de 20 anos- 309º CC. Já os direitos que dele periodicamente se desprendem, correspondentes às prestações concretas periódicas em que a reforma se desdobra ao longo do tempo, está sujeito ao prazo de prescrição de cinco anos- 310, g), do CC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

AA em 26-06-2023 intentou a presente acção declarativa com processo comum contra o ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público, citado em 29-06-2023.

Formula os seguintes pedidos:
a) Condenar-se o Réu a pagar ao A. as pensões complementares já vencidas desde ../../2017 até ../../2023, incluindo a 13ª prestação vencida nos meses de Novembro de 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, acrescido dos juros legais de mora, no montante global de 23.212,50;
b) Nos juros legais de tais importâncias, à taxa legal, contados da data de vencimento de cada uma das prestações em divida até à realização do seu pagamento;
c) A pagar as pensões complementares futuras devidas ao A. até à sua morte, em montante a actualizar em cada ano civil segundo os coeficientes de desvalorização da moeda que se vierem, entretanto, a verificar;
d) Bem ainda, uma pensão de sobrevivência em beneficio dos seus sucessores elegíveis, e no caso de morte e a partir da sua verificação, a calcular de harmonia com o contrato constitutivo deste Fundo de Pensões e respectivos Anexos;
e) Nas custas e legais acréscimos
Causa de pedir: trabalhou desde ../../1983 para a empresa EMP01... S.A.(EMP01...), para ora liquidada e extinta, estando o Estado Português habilitado no seu lugar. Foi alvo de despedimento colectivo comunicado em 30-04-2014, altura em que tinha 55 anos de idade e mais de 30 anos de casa. Juntamente com outros trabalhadores, impugnou o despedimento colectivo (processo 544/14..., ainda em curso) demandando várias entidades, incluindo a ora ré, onde também formulou pedidos relacionados com o fundo e direito à pensão complementar ora reclamada, acção essa que sofreu diversas vicissitudes processuais (vg. convolação de acção comum para acção especial de despedimento colectivo). Os RR, quanto ao referido pedido relacionados com o fundo de pensões, foram absolvidos da instancia por coligação ilegal (ac. da RG de 15-06-22, transitado em transito em julgado), prosseguindo os autos de impugnação de despedimento colectivo apenas para apreciação da licitude do despedimento. A decisão proferida de absolvição da instância não impede que o A. proponha nova acção, mantendo-se os efeitos civis derivados da propositura da primeira causa. Quanto ao pedido em si, refere que a  entidade empregadora EMP01... celebrou em 10/12/1987 com a Companhia de Seguros EMP02... (EMP02...), actualmente EMP03..., um contrato constitutivo de um fundo designado por “Fundo de Pensões EMP01...” destinado, entre o mais, a suportar os encargos inerentes ao pagamento do complemento de pensão de reforma por velhice ou invalidez dos trabalhadores admitidos nos EMP01... até ../../2008 e do complemento de sobrevivência por óbito dos trabalhadores da referida empresa que se tenham reformado após ../../1993. O A., à data do despedimento colectivo tinha direito ao pagamento de uma pensão complementar de reforma, em caso de velhice ou de declaração de invalidez pela Segurança Social. Ora, o A. reformou-se por velhice em 08/10/2017, sem que até tenha sido satisfeita a sua pretensão, o que justifica a presente acção.
Contestação- refere-se, entre o mais, a prescrição do direito reclamado, porquanto a relação laboral do A. cessou no dia 14/07/2014, tendo decorrido o prazo de um ano -337º, 1, do CT. Ademais, a decisão de absolvição da instância da ora R. no referido processo de despedimento colectivo transitou em julgado em 11/10/2022 e a presente acção apenas foi instaurada em 26/06/2023, pelo que o A. não se pode fazer valer dos efeitos civis interruptivos de prescrição dos créditos laborais derivados da propositura da primeira causa, porquanto há muito está ultrapassado o prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância- 279º, 2,CPC.
O autor apresentou resposta à contestação, sustentando que não ocorreu a prescrição

DECISÃO RECORRIDA: foi proferido despacho saneador sentença julgando-se procedente a exceção de prescrição dos créditos reclamados pelo Autor a título de pensão complementar de reforma, com o seguinte dispositivo:
“Assim, face ao exposto, julga-se procedente excepção de prescrição dos créditos peticionados nesta acção, deles se absolvendo o R.
Custas pelo A.”

FOI INTERPOSTO RECURSO PELO AUTOR –CONCLUSÕES
“1. No modesto entendimento do Autor, devem ser aproveitados os efeitos civis decorrentes da citação dos Réus para contestar a acção por si proposta e mais 9 colegas de trabalho, neste Tribunal, com o nº 544/14.7T8VCT até ao respectivo transito em julgado.
2. Com efeito, pelo Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 15/6/2016, ficou decidida, não só a forma processual adequada para o processo, convolando-o para impugnação de despedimento colectivo, com aproveitamento da petição inicial, mas ainda ordenando que se procedesse à coligação dos R.R., à luz dos arts. 36 e 37 do Cód. Proc. Civil, sem prejuízo das demais questões.
3. Este Acórdão transitou em julgado e, por isso, manteve-se e mantém-se em vigor, na sua parte decisória (processual), por constituir caso julgado formal, conf. arts. 620 e 621 parte inicial do Cód. Proc. Civil.
4. Em cumprimento daquela decisão transitada em julgado, o A. deve ser notificado pelo juiz de 1ª instância para, no prazo fixado, indicar qual o pedido que pretende ver apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, o Réu ser absolvido da instância quanto a todos eles, conf. Disposições combinadas dos arts. 36. 37 e 38 do Cód. Proc. Civil.
5. Sucede que, o Autor não foi notificado, até à presente data, para esclarecer quais os pedidos que pretendia ver apreciados naquela acção, e apenas precludido o prazo de resposta que lhe fosse concedido, é que, no âmbito daquele processo se poderia decidir da absolvição da instância dos Réus de todos ou parte dos pedidos ali formulados, de harmonia com o disposto nos arts. 36, 37 e 38 do Cód. Proc. Civil.
6. Pelo exposto, a douta decisão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/6/2022, que absolveu os Réus da instância relativamente aos pedidos formulados pelos Autores do pagamento de uma pensão complementar de reforma àquela que lhes foi atribuído pela Segurança Social, violou aquele outro anterior, proferido pelo mesmo Tribunal, com data de 30/6/2016, consubstanciando ofensa de caso julgado formal, conf. citados arts. 620 e 621 nº 1 do Cód. Proc. Civil.
7. Apenas com o trânsito em julgado da decisão proferida na Acção 544/14.7T8VCT, o que não aconteceu ainda, é que começa a contar o prazo de prescrição do direito aqui invocado nesta acção, conf. art. 306 nº 1 do Cód. Civil.
8. Por outro lado, pelo douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães de 15/6/2022, que absolveu o Réu Estado da instância quanto ao pedido de pagamento da pensão complementar de reforma formulado pelos A.A., o mesmo decidiu ainda que o pedido formulado nesta acção não emerge de contrato de trabalho ou relação jurídica de trabalho subordinado, mas de uma relação previdencial que nasce com a declaração do Autor como reformado pela Segurança Social, em 7/10/2017.
9. Ora, estando aqui em causa uma relação jurídica de carácter previdencial, qualificada como tal por decisão transitada em julgado, não pode aqui ser aplicável, para efeitos da prescrição, uma norma específica prevista para as relações jurídicas de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, concretamente, o respectivo art. 337 nº 1 do Cód. do Trabalho.
10. A pensão complementar de reforma, à data da propositura da acção (16/10/2014), constituía uma mera expectativa jurídica que poderia resultar num direito subjectivo do Autor, caso (condição suspensiva), no futuro, viesse a reformar-se por velhice ou invalidez permanente pela Segurança Social, artigo 270º do Cód. Civil.
11. Pelo que, ao contrário do douto entendimento expresso na douta decisão recorrida, o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito nasce e pode ser exercido que é, naturalmente, no momento da declaração de reforma do Autor pela Segurança Social, 7 de Outubro de 2017, de harmonia com o disposto no art. 306 nºs 1 e 2 do Cód. Civil e artigos 50º e 51º do Dec. Lei Dec. Lei 187/2017 de 10/05.
12. Por outro lado, o reconhecimento do direito à pensão complementar de reforma não está sujeito a prazo prescricional especial ou específico, mas apenas ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos, conf. art. 309 do Cód. Civil.
13. Por sua vez, o pagamento das pensões complementares de reforma resultantes da declaração de reforma pela Segurança Social, tem natureza periódica e, por isso, a prescrição do direito à sua exigibilidade pelo credor corre desde o vencimento da primeira prestação que não for paga, conf. art. 307 nº 1 do Cód. Civil.
14. Por isso, no caso em apreço, o prazo de prescrição para a exigibilidade da pensão complementar à da reforma pela Segurança Social, aqui reclamada, apenas prescreveria ao fim de cinco anos relativamente às datas em que deveriam ser pagas, conf. art. 310 al g) do Cód. Civil.
15. Acresce que, na douta decisão recorrida considerou-se que o decurso do prazo da prescrição começou a correr quando o Autor foi despedido, em 14/07/2014, quando dispunha apenas de uma mera expectativa jurídica de ver garantido o pagamento de uma pensão complementar de reforma, caso viesse a ser reformado pela Segurança Social, por velhice ou invalidez permanente.
16. Assim, por força das disposições combinadas dos artigos 279º, nº 2 ab initio do Cód. Proc. Civil e artigos 306º, nºs 1 e 2, 307º, 309º e 310º, alínea g) do Cód. Civil, apenas com o transito em julgado do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que decidiu absolver o réu da instância relativamente aos pedidos de pagamento da pensão complementar de reforma formulado na acção 544/14.7T8VCT, é que começou a correr o prazo de prescrição dos direitos invocados nesta acção.
17. Acresce que, na pendência da Acção nº 544/14.7T8VCT, já identificada, em 22/05/2018, o A. deduziu articulado superveniente, através do qual peticionou e liquidou o pagamento das pensões complementares de reforma devidas a partir de 8 de Outubro de 2017 (dia seguinte à atribuição de reforma ao A.), até àquela data. Ora,
18. perante a notificação do Réu a 21/05/2020 no âmbito da Acção nº 544/14.7T8VCT, através da qual foi chamado a substituir as Rés “EMP01...” e “EMP04...”, é que voltaria a correr o prazo inicial ou primitivo de prescrição, 5 anos, conf. artigos 323º e 326º do Cód. Civil. Ademais,
19. o douto Acórdão interlocutório do Tribunal da Relação de Guimarães, com data de 15/6/2022, que absolveu os Réus da instância, violou nesta parte o douto Acórdão proferido pelo mesmo Tribunal, em 30/6/2016, que decidiu com força de caso julgado formal, que a absolvição da instância dos Réus apenas poderia e deveria ser decidida após o Juiz de 1ª instância notificar os Autores para esclarecerem sobre quais os pedidos que pretendiam ver apreciados, no âmbito daquela acção.
20. Pelo que, neste caso, e com todo o respeito por opinião diversa, também por esta razão, o prazo de prescrição relativo ao pedido aqui formulado pelo A., de pagamento de uma pensão complementar de reforma só começará a correr, quando transitar em julgado a decisão que vier a ser proferida na Acção de Impugnação de Despedimento Colectivo nº 544/14.7T8VCT e se cumprir integralmente o teor daquele Acórdão transitado em julgado.
21. Do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a 16/05/2022, apenas a “EMP05... - ..., Lda.” interpôs Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não foi admitido por despacho de 27/09/2022, com Referência Citius ...21 e a respectiva decisão transitou em julgado em 11/10/2022.
22. Mesmo a entender-se que a decisão proferida neste douto acórdão que absolveu o Réu da instância relativamente ao pedido de pagamento da pensão complementar de reforma aqui em causa, a verdade é que antes do respectivo transito em julgado não poderia ser proposta outra acção com o mesmo objecto, causa de pedir e pedido, por verificação da excepção de litispendência, conf. artigos 576º e 582º do Cód. Proc. Civil.
23. Com efeito, só a partir do transito em julgado daquela decisão (11/10/2022) é que poderia intentar-se a presente acção sem que pudesse ser invocada pela parte contrária, na sua contestação, a verificação da excepção de litispendência.
24. A presente acção foi proposta em 26/06/2023 e o Réu citado para a contestar em 12/07/2023, isto é, foi proposta no prazo de 201 dias após aquela decisão e ainda que à situação vertente fosse aplicável o prazo de prescrição de 1 ano previsto especificamente para as relações jurídicas de trabalho (artigo 337º nº 1 do Cód. Trabalho), o mesmo, neste caso, ficou longe de ser atingido ou precludido.
25. Assim, sendo de 5 anos o prazo de prescrição relativamente à exigibilidade de cada uma das pensões complementares de reforma aqui em causa e que o respectivo direito, quando muito, só poderia ser exercido no dia seguinte ao transito em julgado da douta decisão proferida por aquele acórdão, 15/06/2022, não tem fundamento qualquer dos fundamentos invocados pelo Mmo. Juiz a quo para considerar prescrito o direito invocado pelo Autor na presente acção.
26. A douta decisão recorrida violou por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 36º, 37º, 38º, 279º nº 2, 576º, 582º, 620º, 621º e 625º do Cód. Proc. Civil; o artigo 337º nº 1 do Cód. do Trabalho; 306º nºs 1 e 2, 307º, 309º, 310º alínea g), 323º nº 1, 326º nºs 1 e 2 e 327º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil; 50º e 51º do Dec. Lei 187/2007 de 10/05.
TERMOS EM QUE
a douta decisão recorrida deve ser revogada e substituída por uma outra que declare que in casu não se verifica a excepção de prescrição e, em consequência, ordenar-se prosseguimento dos demais termos do processo até final...”

CONTRA-ALEGAÇÕES - sustenta-se a improcedência da apelação.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR [1]: prescrição dos créditos reclamados.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS PROVADOS A ACRESCER AOS QUE CONSTAM DO RELATÓRIO, RESULTANTES DE DOCUMENTO E ACORDO:

1 - O Autor foi admitido 06/06/1983 ao serviço da empresa designada por EMP01... (entretanto dissolvida e liquidada) para exercer por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de engenheiro metalo-mecânico
2 - Esta sociedade, uma sociedade anónima, cujo único accionista era o Estado Português, foi constituída em 03/06/1944 e a sua dissolução verificou-se em 5 de Maio de 2015, por decisão do respectivo Conselho de Administração e o encerramento da sua liquidação verificou-se em 27/04/2018.
3 - Por carta enviada, em 23 de Abril de 2014, recebida pelo A. no dia 30.04.2014, a empresa EMP01..., sua entidade patronal, comunicou-lhe o seu despedimento, no âmbito de um despedimento colectivo que se estendeu a mais onze (11) trabalhadores.
4 - À data do despedimento, o A. tinha a categoria profissional de engenheiro especialista (3ª) e auferia uma remuneração base mensal de 1.672,63 € - docs. nºs ... e ....
5 - Em 16 de Outubro de 2014, o A., conjuntamente com mais 9 colegas envolvidos naquele despedimento colectivo promovido pelos EMP01..., intentou no Tribunal de Trabalho ... uma acção comum emergente de contrato de trabalho sob o nº 544/14.7T8VCT, contra a identificada entidade patronal e, ainda, contra: EMP05..., LDA, EMP04... S.A. (entretanto extinta e substituída pelo Estado Português), FUNDO DE PENSÕES DOS EMP01... e EMP06... - SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE PENSÕES S.A.
6. - Por despacho de 21/12/2015, os R.R. da acção 544/14... foram absolvidos da instância, em consequência de ter sido julgada provada e procedente a excepção dilatória invocada pelas R.R. de erro na forma do processo.
7 - Na sequência de recurso interposto pelos, aí, A.A., por acórdão proferido em 30/06/2016 o Tribunal da Relação de Guimarães julgou a apelação parcialmente procedente, convolando-se a forma processual para Processo de Impugnação de Despedimento Colectivo, com aproveitamento da petição inicial, devendo proceder-se à apreciação da coligação à luz do preceituado nos artigos 36º e 37º do Cód. Proc. Civil.
8 - Por decisão proferida em 10/03/2022, o Mmo. Juiz em 1ª instância voltou a julgar procedente a exceção de ineptidão da petição inicial invocada pelos, aí, R.R., absolvendo-os a todos da instância.
9. Desta decisão, o A. e os demais trabalhadores interpuseram Recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães em 24/03/2022.
10 - Por acórdão proferido em 15/06/2022, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogou o despacho saneador na parte em que absolveu da instância as 1ª, 2ª e 3ª Rés, relativamente aos pedidos formulados na petição inicial sob os pontos I)- a), b) e c), II), III), IV), V) e VII), confirmando-o na parte restante, designadamente manteve a absolvição da instância relativamente ao pedido formulado por cada um dos autores referente a aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhes garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar ou o capital necessário à garantia desse pagamento.
11 - A decisão de absolvição da instância transitou em julgado em relação ao pedido acima referido, em 11.10.2022
12- O Réu EMP01... S.A., celebrou em 10/12/1987 com a Companhia de Seguros EMP02... (EMP02...) actualmente EMP03... um contrato constitutivo de um fundo designado por “Fundo de Pensões EMP01...” destinado a suportar os encargos inerentes ao pagamento do complemento de pensão de reforma por velhice ou invalidez dos trabalhados admitidos nos EMP01... até ../../2008 e do complemento de sobrevivência por óbito dos trabalhadores da referida empresa que se tenham reformado após ../../1993.
13 - Também, em caso de cessação do contrato de trabalho, os trabalhadores que se encontrassem no activo e que tivessem sido admitidos nos quadros permanentes dos EMP01... antes de 1 de Novembro de 2008, com um mínimo de 15 anos de serviço, e cujo contrato cessasse, por mútuo acordo ou por causa involuntária por parte do trabalhador, adquiriam o direito a usufruir de um beneficio calculado e definido nos termos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do anexo I do Plano de Pensões dos EMP01..., quando aplicadas a uma situação de invalidez. O benefício a atribuir é equivalente ao valor actual de uma renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma, com 13 pagamentos mensais, cujo valor foi determinado nos termos da alínea anterior, será utilizado na aquisição, a título único, de uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou de unidades de participação do fundo de pensões PPR ou de seguro de vida PPR. A subscrição deste contrato era reportada à data da cessação do vínculo laboral.
14 – O Autor reformou-se por velhice em 8-10-2017.
15- Na pendência da Acção nº 544/14.7T8VCT, já identificada, em 22/05/2018, o A. deduziu articulado superveniente, através do qual peticionou e liquidou o pagamento das pensões complementares de reforma devidas a partir de 8 de Outubro de 2017 (dia seguinte à atribuição de reforma ao A.)
16 - A EMP01..., S.A., após a sua dissolução por decisão do Conselho de Administração de 05/05/2015, entrou em liquidação, cujo encerramento se verificou em 27/04/2018 pela inscrição ..., apresentação nº ...03. As relações jurídicas de que aquela era detentora transmitiram-se, por habilitação para o Estado.
17 - O Fundo de Pensões dos EMP01..., gerido pelo EMP06... VIDA E PENSÕES, foi declarado extinto pelo Dec. Lei 62/2015 de 23/04, tendo-se operado a transferência para a Caixa Geral de Aposentações, I.P. da totalidade das responsabilidades então a cargo do Fundo de Pensões dos EMP01..., S.A. (Fundo de Pensões dos EMP01...).
18- A presente ação foi instaurada no dia 26.06.2023, tendo o Réu sido citado no dia 29.06.2023

B) DA PRECRIÇÃO DO CRÉDITOS RECLAMADOS

O tribunal a quo julgou prescritos os direitos reclamados por ter decorrido um ano a contar da data de cessação do contrato de trabalho, aplicando o prazo previsto na lei laboral para exigir créditos ao empregador (“Conclui-se, assim, que, tendo a relação laboral do A. cessado a 14 de Julho de 2014, os direitos que aqui pretende ver reconhecidos, decorrentes da existência daquela relação laboral, encontram-se prescritos, por força do disposto no artº. 337, nº. 1, do C. trabalho.”-sic).
O autor insurge-se. Os seus principais argumentos são os seguintes: ocorreu interrupção da prescrição por efeito de outra acção intentada (despedimento colectivo), onde, com referência aos pedidos relacionados com os ora reclamados, foi proferida decisão de absolvição da instância; está em causa uma relação jurídica de carácter previdencial - a pensão complementar de reforma-, a qual, à data da propositura da acção (16/10/2014) constituía uma mera expectativa jurídica que poderia resultar num direito subjectivo do autor, caso no futuro viesse a reformar-se por velhice ou invalidez permanente pela Segurança Social; o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito nasce e pode ser exercido, ou seja, no momento da declaração de reforma do autor pela Segurança Social; ao direito em causa é aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos- 309 do Cód. Civil; já quanto ao pagamento das pensões complementares resultantes da declaração de reforma pela Segurança Social, aquelas têm natureza periódica, por isso a prescrição do direito à sua exigibilidade pelo credor corre desde o vencimento da primeira prestação que não seja paga - 307º, 1 do Cód. Civil; contudo na pendência da referida acção de despedimento colectivo (p. 544/14.7T8VCT). em 22/05/2018, o autor deduziu articulado superveniente, através do qual peticionou e liquidou o pagamento das pensões complementares de reforma, voltando a correr novo prazo prescricional com a notificação deste pedido.
Analisando:
O autor reformou-se por velhice em 8-10-2017. Nos autos reclama do R. o pagamento de pensões complementares de reforma em consequência deste evento e a partir dessa data.
Logo o senso nos faz estranhar, e até desconfiar, de qualquer opção jurídica que faça contar o prazo de prescrição do direito reclamado antes deste ter ingressado na esfera do seu titular (este era até então apenas uma expectativa) e, sobretudo,   de poder ser exercido. A opção do tribunal a quo postula que o direito prescreveu (14-07-2014) antes de nascer e de poder ser exercido (8-10-2017), o que é um contrassenso.
Sob a epígrafe “Prescrição e prova de crédito”,  o artigo 337º, 1, do CT refere “ - O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
A norma refere créditos com a três tipos de origem: violação do contrato de trabalho; cessação do contrato de trabalho; emergentes de contrato de trabalho.
Deixando para o fim a última previsão, parece-nos linear que o direito a pensão complementar de reforma e as prestações mensais que a concretizem ora reclamadas pelo autor não têm origem na cessação do contrato de trabalho, como acontece, por exemplo, tipicamente, com a indemnização/compensação por qualquer tipo de despedimento, o pagamento de proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal e outros acertos de contas devidos em razão do fim do contrato. A causa do direito ora reclamado é, antes, a reforma por velhice.
Também nos parece claro que o direito e as pensões mensais reclamadas não têm origem na violação do contrato de trabalho, como é o caso típico do atraso/não pagamento de retribuições, créditos originados em falta de formação profissional, violação do direito a férias, não pagamento de trabalho suplementar, etc. Como se referiu, a causa dos direitos que o autor ora pretende exercer é a ocorrência de um evento (até então uma condição suspensiva), a saber a reforma por velhice do autor.
Finalmente, a terceira causa, a mais abrangente, um género de “chapéu ou caldeirão”, os créditos emergentes de contrato de trabalho: abrange todos os créditos cuja causa seja titulada pela relação laboral.  Note-se que a norma não se destina a abranger qualquer crédito ou direito que seja exercido por alguém que, em algum tempo, teve a qualidade de trabalhador, isso corresponderia a uma extensão incompreensível do conceito e da natureza do crédito laboral. Crédito laboral tem um sentido mais específico, conexionando-se directamente a contrapartida/ benefício reclamado com a actividade laboral exercida pelo trabalhador. E é por isso que a norma faz desencadear o prazo prescricional apenas com o termo do contrato, porque, no que ao trabalhador respeita, entende-se que durante a pendência da relação laboral aquele não dispõe de inteira liberdade psicológica para exercer os seus direitos, por ser a parte mais frágil na relação contratual.
Ora, não é disso que se trata neste processo. Ainda que o autor, finda a relação laboral, estivesse completamente liberto de qualquer forma de pressão, simplesmente não poderia exercer e reclamar o complemento de reforma porque a condição a tal necessária ainda não tinha ocorrido (reforma).
Qual é então a natureza da prestação complementar de reforma que o autor reclama?
É um direito de natureza previdencial, um encargo de segurança social (complementar) que se adquire com a cessação do contrato de trabalho e passagem à reforma, e não uma contrapartida do actividade com origem na relação laboral. A percepção de que o regime público de segurança Social (consagrado na CRP de 1976) não garantia aos futuros beneficiários um rendimento equiparado ao auferido durante o período activo levou à proliferação (e até antes deste ser assegurado pelo sistema público) de regimes especiais complementares destinados a assegurar, mormente através de patrimónios autónomos como Fundos de Pensões, o pagamento das reformas à margem dos sistemas públicos, como era exemplo paradigmático o caso dos bancários. O conceito de regime previdencial abrange todos estes sistemas e organismos, por todos eles, visarem a protecção dos trabalhadores na invalidez e velhice, garantindo-lhes as correspondentes pensões.

A este propósito atente-se no sumário do ac. STJ de 12-01-2006, p. 05S3229 ”, www.dgsi:
 1.O termo «Previdência», pelo seu teor literal e pela sua inserção sistemática em capítulo intitulado «Segurança social e outras regalias», pode ser entendido com um sentido amplo, referindo-se a todos os organismos que, em geral, visam a protecção dos trabalhadores na invalidez e velhice, garantindo-lhes as correspondentes pensões....”
A propósito de que a atribuição de uma pensão de reforma tem natureza previdencial e não salarial, veja-se também ac. STJ de 21-06-2003, p. 02S3384, www.dgsi.pt
No sentido que este é um direito diferido e que até à verificação da condição suspensiva é uma mera expectativa jurídica, veja-se ac. STJ de 15-10-2003, P. 03S281 :
“...A este respeito, diga-se que é inquestionável que este STJ tem vindo a decidir que o direito à pensão de reforma, ou ao seu complemento, é um direito "diferido", pois só se concretiza com o atingir de determinada idade, existindo anteriormente uma expectativa jurídica do seu recebimento (4).Com efeito, tem-se entendido que na vigência do contrato de trabalho, o trabalhador adquire a expectativa jurídica a uma pensão de reforma, e complemento (5), expectativa essa que se concretizará com o atingir de determinada idade: ou seja, dito de outro modo, o direito à pensão de reforma só se adquire no momento em que se mostram integralmente verificados os respectivos pressupostos.”- negrito nosso.
Diga-se, en passant, que a jurisprudência citada pelo tribunal a quo tem pressupostos totalmente diferentes, em nada se assemelhando ao caso dos autos, na medida em ali está em causa um acordo de pré-reforma e não prestações por reforma. Aliás o próprio sumário citado na decisão a quo logo revela o erro na sua invocação quando diz ” I - A pré-reforma produz uma modificação dos deveres contratuais do trabalhador e do empregador que se pode traduzir, conforme o que for acordado entre as partes, na redução ou na suspensão do contrato de trabalho. Tendo o trabalhador direito, por força do acordo de pré-reforma, a receber uma prestação pecuniária mensal, a mesma tem natureza jurídica diversa da pensão de reforma.”- RP de 21/10/2013, in www.dgsi.p, negrito nosso. Ou seja, a jurisprudência citada infirma o fundamento do tribunal a quo.
Assim sendo, em suma, a atribuição de uma pensão de reforma, ainda que complementar, tem natureza previdencial. Não é um crédito laboral.
Qual o seu prazo prescricional?
Seguramente, segundo o que vem sendo exposto, não é o prazo laboral de um ano, pois, embora o direito à pensão de reforma derive de uma anterior relação de trabalho, aquele direito dela se autonomiza, uma vez cessada tal relação, nascendo então uma nova relação jurídica, com diferente natureza, de cobertura previdencial, seja no âmbito de esquemas sociais de natureza privada ou pública-  ac. STJ de 25-06-2002, www.dgsi.pt
Tem a jurisprudência vindo a distinguir - ao que aderimos-, de um lado o direito à reforma enquanto direito unitário a receber as respectivas pensões vitalícias sujeito a um regime e, de outro lado, os direitos que dele periodicamente se desprendem, correspondentes às prestações periódicas em que a reforma se concretiza ao longo do tempo, sujeito a outro regime. O primeiro direito está sujeito ao prazo de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309º CC. O segundo referente ao direito às prestações concretas periódicas está sujeito ao prazo de prescrição de cinco anos, conforme previsto no art.º 310, alínea g), do CC.
Assim, o refere o sumário do  ac. STJ ac. de 25-06-2002:
I - Na relação previdencial de reforma, existem duas espécies de direitos: o direito à reforma, como direito unitário a receber as respectivas pensões vitalícias, e os direitos que dele periodicamente se desprendem, correspondentes às prestações periódicas em que a reforma se concretiza ao longo do tempo; a estas prestações periódicas, e aos respectivos juros legais, aplica-se o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310, alíneas d) e g), do Código Civil, aplicando-se ao direito unitário à pensão o prazo de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309 do mesmo Código.
II - Às prestações periódicas de reforma é inaplicável o regime do artigo 38 do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n. 48409, de 24 de Novembro de 1969, pois, embora o direito à pensão de reforma derive de uma anterior relação de trabalho, aquele direito dela se autonomiza, uma vez cessada tal relação, nascendo então uma nova relação jurídica, no âmbito da segurança social.”-  no mesmo sentido, ac. STJ de 21-06-2003, p. 02S3384 e, nas Relações, a mero título de exemplo, veja-se ac. RE de 26-05-2022, p. 3314/20.0T8FAR.E1.
De resto, quanto ao prazo de prescrição de cinco anos das prestações de reforma periódicas, diga-se que este é também o prazo prescricional estipulado para as prestações das pensões da Segurança Social, como se vê das sucessivas Leis de Bases da Segurança Social (13º Lei nº 28/84, de 14-08, 65º Lei 17/2000, de 08-08, 70.º Lei nº 32/2002, de 20-12 e 69º Lei nº 4/2007, de 16-01). Apenas a ele não recorremos porque o mesmo é um prazo que regula as relações de natureza administrativa (entre um organismo público investido dessa qualidade e um particular), enquanto que a relação em causa nos autos é de natureza privada.
Sustenta a recorrente à interrupção da prescrição.
Resulta dos artigos 323º, 1 e 326º, 1, CC que a prescrição se interrompe pela citação ou pela notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, inutilizando-se todo o prazo decorrido anteriormente e começando a correr novo prazo a partir do ato.
No caso, tal significa, tendo por comparação a citação da Ré ocorrida em 29-06-2023 e o referido prazo de cinco anos, que estão prescritas todas as prestações periódicas já vencidas e que sejam anteriores a este período - 323º do CC. Sendo claro, todos os créditos reclamados pelo autor em data anterior a 29.06.2018 consideram-se prescritos, pelo que apenas nesta parte, mas com diferente fundamentação, é de confirmar a decisão recorrida.
Tendo em conta que correu acção de despedimento colectivo onde o autor formulou pedidos relacionados com a pensão complementar de reforma, que terminaram com absolvição da instância, importa referir o alcance e efeitos desta vicissitude. Segundo o disposto no artigo 279.º, 1 e 2, CPC, a absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto.  Ressalva-se que, sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.
Ora, a decisão proferida na referida acção que absolveu da instância o Réu no que respeita aos pedidos em apreço, transitou em julgado em 11-10-2022, ao passo que a presente ação apenas foi interposta em 26-06-2023 e o Réu foi citado em 29-06-2023, altura em que estava já completamente esgotado o prazo de 30 para que os efeitos civis derivados da propositura da ação de impugnação do despedimento coletivo lhe pudessem aproveitar.

III– DECISÃO

Acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso revogando-se em parte a decisão recorrida, declarando-se a prescrição dos créditos reclamados pelo autor em data anterior a 29.06.2018 e, no mais, determina-se a remessa dos autos à 1ª instância a fim de prosseguirem a sua normal tramitação.
Custas do recurso a cargo do recorrente e recorrido, na proporção de 1/4 e de 3/4 respectivamente.
Notifique.
29-02-2024

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Vera Sottomayor


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.