Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4695/17.8T8BRG.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MEIOS DE PROVA
PRINCÍPIO DA PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
RECIBOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1- Em processo laboral as nulidades da sentença devem ser arguidas no requerimento de interposição do recurso como é imposto pelo artº 77º do CPT.

2- No julgamento da matéria de facto os poderes da 2ª instância estão delimitados pelo nº 1 do artº 662º do CPC (artº 640º, nº 1, alª b) do CPC), pelo que a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

3- Por isso devem ser especificados não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas que imponham antes decisão diversa da impugnada.

4- Pese embora o disposto no artº 394º, nº 2 do CC tem vindo a entender-se de forma largamente dominante pela jurisprudência e doutrina que em casos particulares em que exista começo ou princípio de prova por escrito, é admitido o recurso à prova testemunhal, em complemento da prova documental.

5- Recibos assinados pelo credor e os autos de ocorrência levantados pelas autoridades, nas circunstâncias destes autos são susceptíveis de serem utilizados como princípio de prova.

Eduardo Azevedo
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

C. R. intentou a presente acção com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra X – Indústria de Vestuário, Lda.

Pediu: a) Ser o despedimento verbal da A. operado pela R. X – INDÚSTRIA DE VESTUÁRIO, LDA. declarado ilícito e, por via dele,

b) ser a R. condenada a pagar à A. a quantia, conforme supra se discorreu, de €18.250,00 (dezoito mil duzentos e cinquenta euros) líquidos, ou seja impendendo sobre a R. acautelar todos os descontos legais que se afigurem necessários para que a A. receba tal quantia, isto por conta da ilicitude do despedimento, tudo de acordo e com as inerentes repercussões que acima se circunstanciaram e pormenorizadamente se explicaram, assim como,
c) ser condenada a pagar à A. as retribuições que se venceram desde a data do despedimento - 13-12-2016 - até trânsito em julgado da referida decisão, descontando-se as vencidas até 30 dias antes da propositura da presente acção, no montante mensal de €1.000,00 (mil euros) líquidos; e, ainda,
d) Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de €1.916,66 (mil novecentos e dezasseis euros e sessenta e seis cêntimos), referente aos proporcionais de férias e subsídio de férias do ano de 2016, tudo com os contornos acima melhor adscritos; e, em ambos casos,
e) Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de €433,33 (quatrocentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), por conta dos treze dias de trabalho prestado no mês de Dezembro de 2016, tudo com os contornos acima melhor adscritos; e, em ambos casos,
f) condenar-se a R. a pagar os competentes juros moratórios vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento das referidas quantias;”.

Alegou, em síntese: a R foi constituída em 2004, tendo como sócios e gerentes a própria e o seu irmão M. J., com o capital social de 5.000,00€, distribuídos em duas quotas de 2.500,00€; desde a data da constituição da R que jamais exerceu qualquer acto de gerência, a qual era única e exclusivamente exercida pelo seu irmão, e sempre exerceu as funções de controladora de qualidade sob as ordens, direcção e fiscalização daquela, exercendo as referidas funções nas suas instalações, em horário de trabalho previamente definido pela mesma, sendo a tal título remunerada mensalmente; com data de 10.08.2016, a R, representada pelo seu irmão, consigo subscreveu acordo escrito, denominado “Aditamento Contrato de Trabalho Sem Termo (Alteração salarial e outras)”; entretanto, nos dias 13 e 14 de Dezembro de 2016, foi-lhe travada a entrada nas instalações da R, por indicações do seu irmão, o que motivou a chamada das autoridades policiais ao local; a R, representada pelo seu irmão, comunicou-lhe verbalmente o respectivo despedimento no dia 13.12.2016; aquando dos episódios ocorridos nos dias 13 e 14 de Dezembro de 2016, o seu irmão dirigiu-se a si tendo-lhe desferido uma chapada na cara e empurrado; por força da actuação da R, representada pelo seu irmão sofreu humilhação, constrangimento e tristeza, tendo sentido abalada a respectiva confiança e auto-estima; e, com data de 16.12.2016, foi outorgada por si e pelo sei irmão escritura pública de “Cessão de Quota e Renúncia à Gerência”, nos termos da qual cedeu a quota que dispunha na R ao segundo, tendo igualmente renunciado ao respectivo cargo de gerência.

A R contestou alegando, em súmula no sentido de impugnar a factualidade alegada já que a A sempre exerceu as funções de gerente, tendo sido simulado o citado aditamento que foi subscrito antes tendo em vista permitir-lhe a obtenção de subsídio de desemprego.

Foi elaborado despacho saneador não se seleccionando a matéria de facto assente e a base instrutória.

Realizou-se audiência de julgamento, decidindo-se a matéria de facto.

Proferiu-se sentença, com o seguinte dispositivo:

“…, julga-se a acção totalmente improcedente e, consequentemente, absolve-se ré X – Indústria de Vestuário, Ld.ª dos pedidos contra si deduzidos pela autora C. R..”.

A A recorreu e concluiu:

1. Vem o presente recurso interposto da sentença que antecede, a qual julgou totalmente improcedente, por não provada, a acção proposta contra a Ré X – Indústria de Vestuário, Lda. e, consequentemente, absolveu aquela de todos os pedidos contra si formulados, designadamente o não reconhecimento da ilicitude do despedimento operado com todas as consequências legais daí emergentes.
2. A discordância da recorrente atém-se, como a seguir se espraiará, primeiramente com o que se entende ser um erro de julgamento, porquanto foram considerados como não impugnados documentos que o haviam sido, como também existe uma violação do disposto no artigo 394.º do Código Civil, na medida em que o Tribunal "a quo" admitiu a produção de prova testemunhal por parte do simulador sem para que para tal exista o almejado e imprescindível princípio de prova vindo-se a escorar nesta para a decisão que alcançou, na omissão da motivação da matéria e facto quanto ao facto provado de a subscrição do aditamento ter em vista permitir à autora obter o subsídio de desemprego e, bem como, mesmo que desconsiderando a improcedência daquele erro e inerente violação normativa, com a avaliação que incidiu sobre a prova testemunhal produzida e dos documentos compilados.
3. O que tudo concatenado, se perfilha, propende para uma alteração quer das respostas dadas à matéria de facto provada, designadamente ao ponto 3.4 da sentença (ponto 2.º da matéria de facto dada como provada) e, outrossim, para que a factualidade constante das alíneas a) a f) da respostas dadas à matéria de facto não provada seja alterada para provada, com a consequente procedência da acção e condenação da Ré em tudo o quanto se encontra peticionado.

Veja-se, no que concerne ao erro notório de julgamento,

4. Em sede de fundamentação à resposta dada à matéria de facto vem, na senda da explicação dada sobre a admissão da prova testemunhal por parte dos simuladores, referido que “In casu, considera-se que este princípio de prova por escrito existe, decorrendo da circunstância de, por força dos recibos de vencimento juntos aos autos e não impugnados pela autora, se ter referido que a mesma (continuou) a auferir o vencimento de €2.500,00 (…)”.
5. Sucede que tal asseveração não corresponde de todo à verdade, pois que a Recorrente impugnou expressamente tais documentos, conforme requerimento impetrado nos autos a 14 de Dezembro de 2017, o qual gira na competente plataforma informática CITIUS sob a referência 6412941.
6. Face a essa postura processual da Recorrente nunca poderia o Tribunal "a quo", como por fim acabou por o fazer, extrair daí os efeitos processuais que emergem da sua suposta aceitação por ausência de tomada de posição, uma vez que isso consubstancia uma verdadeira distorção da realidade factual, pois que há um desvio à verdadeira representação do facto, ou seja um erro quanto à apreciação da prova, o que tem influência nas respostas dadas à matéria de facto.
7. Tanto mais que dali acaba, em bom rigor, por ser construído um cenário legitimante, ainda que de reforço, sobre a possibilidade de o simulador poder produzir prova testemunhal quanto ao negócio simulado, pelo que se impõe a competente sanação desse erro, considerando-se, por conseguinte, tal facto como controvertido e eliminando essa aceitação que lhe foi inculcada.

Quanto à violação do disposto no art.º 394.º, do Código Civil:

8. Os números 1 e 2, do artigo 394.º, do Código Civil, vedam ao simulador a possibilidade de este poder produzir prova sobre um documento simulado em que interveio.
9. Constituindo a excepção a esse princípio, de criação jurisprudencial/doutrinal, uma possibilidade que está dependente da circunstância de existir um princípio de prova escrito que a torna admissível, o que arreda essa proibição do carácter absoluto.
10. Contudo, a sentença agora colocada em crise postergou, com o devido respeito por opinião contrária, essa proibição ao considerar que os recibos de vencimentos juntos (os tais que foram impugnados mas que foram dados como aceites) conjugados com os autos de ocorrência de fls 118 e 119/120 (meras declarações produzidas pelos agentes autuantes) constituem um princípio dessa prova que a torna admissível.
11. Escorando, outrossim, esse entendimento de princípio de prova, que a jurisprudência diz que se quer escrito, nas meras declarações prestadas pelo representante legal da Ré e no depoimento de uma das testemunhas em audiência de julgamento, designadamente na testemunha Maria.
12. Sucede que tal é proibido e colide com a interpretação jurisprudencial que lhe subjaz, o que se retira da órbita da abundante jurisprudência fixada quanto a esta temática, da qual se salienta aqui a título meramente exemplificativo o Ac. do STJ datado de 07.02.2017, o qual explicita que "Essa tese pode aceitar-se com três condições: o princípio de prova consistir num documento, com força e credibilidade; o documento não pode ser usado como facto – base da presunção judicial; reconhecer-se que se trata de uma laboração da doutrina e jurisprudência oportunamente arredada do “jure constituto” e, em consequência, a ser tida em consonância com os artigos 9.º e 10.º do Código Civil.", concluindo, assim, que "Aprova testemunhal será sempre, nestes casos, complementar (coadjuvante) de um documento indiciário de “fumus bonni juris”.
13. O que surge igualmente reforçado na esteira do prolatado no Ac. da Relação do Porto, datado de 28.01.2014, quando esclarece que "Essa prova documental indiciária deve observar três requisitos cumulativos: tratar-se de um escrito; provir daquele a quem é oposto, ou de um seu representante, ainda que de modo ou mediato, e deve tornar verosímil o facto alegado", pelo que "Inexistindo qualquer documento nos termos descritos, provindo da contraparte a quem é oposto, resulta inadmissível a pretendida produção de prova testemunhal."
14. Arrimado nessas posições jurisprudenciais pugna-se pelo entendimento de que os recibos de vencimento, pois que as declarações sejam do representante legal assim como as das demais testemunhas jamais estão sob essa alçada, não reúnem os requisitos necessários para se poderem considerar como começo de prova, desde logo porque lhe faltam os pressupostos cumulativos a que a jurisprudência faz alusão, nomeadamente por não provirem daquele a quem são opostos.
15. A que sobrevém o facto de não somenos importância de que do seu suposto conteúdo não resulta qualquer facto que possa conferir verosimilhança a essa simulação que a ré gizou.
16. O que é extensivo aos, com esse escopo, valorados autos de ocorrência lavrados por parte da GNR – fls. 118 e 119/120, pois que tal não se afigura consentâneo com o espírito jurisprudencial/doutrinal que admite a produção de prova com base no documento escrito, ou seja o propalado princípio de prova.
17. Pelo que ao ter colhido apoio nesses documentos e depoimentos o Tribunal "a quo" incorreu num manifesto erro de julgamento com repercussões directas nas respostas dadas à matéria de facto, porquanto caso não fosse admitida, como se impunha que o tivesse sido, a produção de tal prova toda a factualidade vertida no Aditamento ao contrato ter-se-ia que ter dada como assente, como agora se pugna por ver reconhecido.
18. O que determinou que tivesse sido considerado como provado, no ponto 2.º da resposta dada à matéria de facto, vertido sob 3.4 na sentença, que “O acordo escrito descrito em B) e C) foi subscrito por autora e ré, representada por M. J., tendo em vista permitir à primeira a obtenção de subsídio de desemprego”, quando a resposta deveria ser “O acordo escrito descrito em B) e C) foi subscrito por autora e ré, representada por M. J., tendo em vista permitir à primeira a definição da sua posição laboral ante a cedência da sua quota e da renúncia à gerência da sociedade;
19. O que teve igualmente influência directa nos factos dados como não provados, dado que se os factos constantes desse documento tivessem sido dados como aceites, ante a não admissibilidade de prova testemunhal, os factos constantes das alíneas g) a l) da resposta dada à matéria de facto ter-se-iam que dar como provados, o que aqui se suscita que seja feito.

Acresce que existe também uma total falta de motivação,

20. Como profusamente se alegou existe uma total omissão da motivação da matéria de facto quanto ao facto provado de a subscrição do aditamento ter em vista permitir à autora obter o subsídio de desemprego.
21. Com efeito, percorrida a fundamentação quer da resposta à matéria de facto quer da sentença não se lobriga como é que foi dado como provado tal facto, contando que não existe um mínimo resquício de explicação/fundamentação de como é que a autora lograria obter tal subsídio apenas munida deste aditamento que mais não é que uma descrição e definição das suas funções como trabalhadora.
22. Em derrogação desse facto provado e absolutamente não explicado pode-se, a título complementar, trazer à colação o facto de as relações entre as partes anteriormente à feitura do documento já serem tumultuosas - facto alegado no ponto 33 da contestação - o que torna ainda menos verosímil que a recorrida se dispusesse a celebrar um documento com aqueles contornos, isto é reconhecendo aquela antiguidade de funções, dadas as consequências que daí podiam advir em caso de litígio.
23. Destarte, sendo certo que tal facto provado deveria ter sido motivado, e que não o foi, e sendo certo que essa “exigência legal não se satisfaz com a simples referência para os meios de prova que o julgador considerou decisivos para forma a sua convicção, devendo indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação dessa convicção, expondo o processo lógico e racional que seguiu, por ser esta a única forma de tornar possível o controlo da razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto, e de convencer os destinatários sobre a sua correcção” – Ac. da Relação de Coimbra, de 07.05.2013, fica claro que a sentença violou o disposto na al. b, do n.º 1, do art. 615.º, do CPC, o que consubstancia uma nulidade que se pugna ver reconhecida com as consequências legais daí inerentes.
24. Ou, caso assim não seja entendido, que tal consubstancia uma nulidade prevista na al. c), segunda parte, do n.º 1, do art. 615.º, do CPC, o que alternativamente e por múnus de patrocínio se suscita.

Quanto à impugnação da matéria de facto:

25. A recorrente discorda, sempre com o devido respeito por opinião contrária, da factualidade dada como não provada, designadamente a constante das alíneas a) a f), da resposta à matéria de facto, reportados na conclusão de 04.06.2018, as quais deverão ser dadas como provados, alterando-se, ainda a resposta dada aos factos dados como provados na sentença sob o ponto 3.4 (ponto 2.º da resposta à matéria de facto).
26. Ante o entendimento de que a produção de prova testemunhal quanto ao negócio simulado é admissível, o que não se aceita e apenas se aventa por lógica de recurso, cumpre, nesse caso, frisar que são as próprias declarações do representante legal da Ré, M. J., o qual outorgou em representação da sociedade Ré o documento denominado de Aditamento a Contrato de Trabalho Sem Termo (alteração salarial e outras), que tornam evidente que nunca existiu qualquer intuito simulatório na feitura do mesmo.
27. O que sai espelhado dos trechos transcritos supra em sede de alegação, mormente na parte que se compreende entre 03m34s e os 04m53s do depoimento prestado no dia 24.05.2018.
28. O que se intui, quanto mais não seja, pela impossibilidade deste em aventar qualquer explicação plausível para justificar a sua subscrição.
29. Realidade essa que vem reforçada entre os 13m30ss e os 15m42s do seu depoimento, quando admite que foi celebrado um outro documento com igual teor - aditamento ao contrato de trabalho - para a sua ex-mulher e que esta ficou como trabalhadora após o divórcio e consequente partilha da quota que também lhe pertencia.
30. O que tudo concatenado reforça o intuito que esteve subjacente à elaboração daquele documento, ou seja o de dar cobertura à realidade da recorrente e proteger esta enquanto trabalhadora.
31. Limitações explicativas essas que, por fim, são deveras cristalinas quando se considera a parte do seu depoimento compreendida entre os 18m26s aos 25m19s.
32. Nessa consonância, deve a resposta dada ao ponto 3.4 da sentença ser alterada, fazendo constar que “O acordo escrito descrito em B) e C) foi subscrito por autora e ré, representada por M. J., tendo em vista permitir à primeira a definição da sua posição laboral ante a cedência da sua quota e da renúncia à gerência da sociedade.”
33. No que toca aos factos dados como não provados constantes das alíneas a) a f) da resposta dada à matéria de facto, reportados na conclusão de 04.06.2018 é o próprio depoimento do representante da ré que serve de apoio para alteração dessas respostas.
34. Não obstante, se se considerar o depoimento da testemunha Maria, colhido no dia 24.05.2018, entre os 03m36s e os 34m59s, assume-se inevitável concluir que as respostas a esses factos deveriam ter sido outras que não provadas.
35. Pois, esta com inevitável proximidade, uma vez que foi quem ajudou a fundar a empresa para os seus dois filhos e que com estes colaborou até finais de Julho de 2016, explicou as funções meramente produtivas - controladora de qualidade - da sua filha e da forma como sempre esteve arredada da gerência.
36. Tendo explicado, com excelsa clareza, as agressões que a recorrente foi vítima, da colação de um vigilante na empresa que obstou à sua entrada e da forma como aquela foi impedida de entrar na empresa nos dias 13 e 14 de Dezembro de 2016.
37. Factos que em parte são confirmados pelo próprio representante da Ré, o qual admitiu que tomou a decisão de impedir a entrada da recorrente na empresa, assim como o são as agressões que aquela foi vítima e que são, em justa medida, corroboradas pelo agente da GNR que foi chamado à empresa no dia 14 de Dezembro de 2016 o qual expressou no competente auto de ocorrência que a recorrente nesse dia ostentava marcas de ter sido agredida - "(...) tendo esta patrulha verificado que a face se encontrava vermelha".
38. O que a testemunha P. M., militar da GNR, confirmou em audiência de julgamento no dia 24.05.2018, com início aos 03m33s e término aos 03m39s,
39. Assim, impõe-se também que a resposta à factualidade constante das alíneas d) a f) seja alterada para como provada, como aqui se propugna por ver reconhecido e decidido, pois que dúvidas não restam de que o segurança foi lá colocado para impedir a entrada da recorrente, que essa entrada lhe foi barrada em dois dias consecutivos, que esta foi agredida pelo representante legal da ré e que tais agressões e postura tiveram consequências, constituindo uma humilhação capaz de lhe causar tristeza e de abalar a sua confiança e auto-estima, como é de senso comum.
40. Decidindo-se consequentemente, face da alteração da respostas dadas à factualidade cuja alteração se suscita, revogar a sentença ora em crise, substituindo-a por outra que, julgando o recurso procedente, condene a Ré a pagar à recorrente todos os direitos emergentes daquele despedimento ilícito, tudo conforme se encontra peticionado, nomeadamente:

- No pagamento à Recorrente da quantia de €18.250,00 (dezoito mil duzentos e cinquenta euros) líquidos, ou seja impendendo sobre a Recorrida acautelar todos os descontos legais que se afigurem necessários para que a Recorrente receba tal quantia, isto por conta da ilicitude do despedimento;
- No pagamento da quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) por conta dos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente, atenta a sua gravidade e extensão, consubstanciado no comportamento da recorrida que deixou sequelas visíveis na vida social e profissional daquela
- No pagamento das retribuições que se venceram desde a data do despedimento - 13-12-2016 - até trânsito em julgado da referida decisão, descontando-se as vencidas até 30 dias antes da propositura da presente acção, no montante mensal de €1.000,00 (mil euros) líquidos; e, ainda,
- No pagamento da quantia de €1.916,66 (mil novecentos e dezasseis euros e sessenta e seis cêntimos), referente aos proporcionais de férias e subsídio de férias do ano de 2016,tudo com os contornos acima melhor adscritos; e, em ambos casos, condenada no pagamento à Recorrente da quantia de €433,33 (quatrocentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), por conta dos treze dias de trabalho prestado no mês de Dezembro de 2016;
- E, por fim, no pagamento dos competentes juros moratórios vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento das referidas quantias;”.

Em síntese conclusiva, termina pretendendo o provimento do recurso.

Contra-alegou-se no sentido da improcedência do recurso.

O processo foi com vista ao MP dando parecer no sentido da improcedência do recurso.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões a conhecer são relativas às arguidas nulidades, à impugnação da decisão sobre a matéria de facto e se caso disso à existência de contrato de trabalho, à ilicitude de despedimento, às indemnizações e aos créditos salariais.

Foram considerados como factos assentes na sentença:

3.1. A sociedade ré foi constituída em 2004, tendo como sócios e gerentes M. J. e a ora autora, irmãos, com o capital social de € 5.000,00, distribuídos em duas quotas de € 2.500,00.
3.2. Com data de 10.08.2016, a ré, representada por M. J., e autora subscreveram acordo escrito, denominado “Aditamento Contrato de Trabalho Sem Termo (Alteração salarial e outras)”, por força do qual é declarado que: “a segunda contraente faz parte dos órgãos sociais da primeira contraente, sendo sócia com o capital de 50% da mencionada sociedade e gerente com poderes para obrigar isoladamente a mesma”; “não obstante essa posição esta tem exercido, contudo, funções estritamente enquanto trabalhadora da referida sociedade desde 28.10.2004, estando, assim, também vinculada à Primeira Contraente por um verdadeiro contrato de trabalho em que não foi observada a forma escrita (…) celebrado como sem termo (…)”; “a segunda contraente está na iminência de ceder a sua quota ao outro sócio e de, igualmente, renunciar ao cargo de gerente, havendo já celebrado contrato promessa de cessão de quotas com esse desiderato (…)”.
3.3. Ainda nos termos do referido acordo escrito, declararam os seus outorgantes que a trabalhadora exercerá funções correspondentes à categoria profissional e controladora de qualidade, por um período de trabalho correspondente a 40 horas semanais, de segunda a sexta-feira, entre as 08h00 e as 18h00, com intervalo para refeição das 12h00 às 13h30, mediante a remuneração mensal líquidas de € 1.000,00 (mil euros), acrescida do correspondente subsídio de alimentação legal por cada dia útil de trabalho prestado.
3.4. O acordo em sujeito foi subscrito por autora e ré, representada por M. J., tendo em vista permitir à primeira a obtenção de subsídio de desemprego.
3.5. Nos dias 13 e 14 de Dezembro de 2016, foi travada a entrada da autora nas instalações da ré, por indicações de M. J., o que motivou a chamada das autoridades policiais ao local.
3.6. Com data de 16.12.2016, foi outorgada pela autora e M. J. escritura pública de “Cessão de Quota e Renúncia à Gerência”, nos termos da qual a primeira cedeu a quota que dispunha na sociedade ré ao segundo, tendo igualmente renunciado ao respectivo cargo de gerência.”.

Das nulidades

Invocam-se nulidades nos termos das alªs b) ou c), do nº 1, do artº 615º, do CPC reportando-se à alegação que o tribunal a quo aquando a sua fundamentação da decisão da matéria de facto e também da sentença não ter justificado a conclusão que tirou que o acordo escrito entre as partes intitulado como “Aditamento Contrato de Trabalho Sem Termo (Alteração salarial e outras)”, destinava-se a permitir à recorrente a obtenção do subsidio de desemprego.

Esta matéria é dada como assente no ponto 3.4 da sentença e constituiu o ponto 2 da citada decisão (3.4. O acordo em sujeito foi subscrito por autora e ré, representada por M. J., tendo em vista permitir à primeira a obtenção de subsídio de desemprego; 2.º O acordo escrito descrito em B) e C) foi subscrito por autora e ré, representada por M. J., tendo em vista permitir à primeira a obtenção de subsídio de desemprego.).

As supostas irregularidades foram invocadas integradas na alegação do recurso e nas conclusões, pelo que sem se observar o formalismo previsto no artº 77º do CPT. Ou seja, na unidade formal do requerimento de interposição do recurso e das alegações, ademais omitindo-se nesse requerimento que é dirigido ao tribunal recorrido e sem ser em moldes que permitissem ao juiz a quo a percepção, imediata e sem necessidade de maiores indagações, de que estava colocada a respectiva questão (acórdãos do STJ de 25.10.1995, CJ, III, 281, 14.01.2016, proc.º n.º 359/14.2TTLSB.L1.S1 e do TRL de 25.01.2006 e de 15.12.2005 in www.dgsi.pt).

No processo laboral, com efeito, existe um regime particular de arguição de nulidades de sentença.

Uma coisa é o requerimento de interposição de recurso e outra a alegação de recurso: o requerimento é dirigido ao tribunal que proferiu a decisão e a alegação é dirigida ao tribunal superior devendo conter as razões da discordância em relação à sentença e os fundamentos que, no entender do recorrente, justificam a sua alteração ou revogação (artº 637º do CPC).

Deste modo, tal arguição devendo ter sido feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso torna inviável o seu conhecimento (acórdãos do Tribunal Constitucional 403/2000, in DR, II, de 13.12.200, reportado ao artº 72º, nº 1 do CPT/81, e 439/2003, in www.tribunalconstitucional.pt, reportado ao artº 77º nº 1 do CPT/99).

Ainda que assim não fosse, sempre seria desde logo improcedente a arguição, pois só faria sentido o conhecimento do respectivo motivo se inserida na impugnação da decisão da matéria de facto nos termos conjugados dos artºs 640º, cumprindo-se os ónus daí decorrentes, e 662º, maxime nº 2, alª d), do CPC, sede própria na qual seria relevante a par, nomeadamente, da desconsideração de prova produzida ou do erro de apreciação da mesma.

Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Desde logo enfrentemos a questão da alegada falta de fundamentação no que respeita à matéria do citado ponto 3.4 da sentença (O acordo em sujeito foi subscrito por autora e ré, representada por M. J., tendo em vista permitir à primeira a obtenção de subsídio de desemprego).

Segundo o disposto no artº 662º, nº 2, alª d) do CPC nesta instância deve, mesmo oficiosamente, “determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal da 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

Aquando a decisão da matéria de facto em audiência esta foi fundamentada nestes termos:

“O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos, nas declarações prestadas pelo legal representante da ré, bem como na prova testemunhal produzida em sede de audiência, tendo em conta as regras de repartição do ónus da prova e a experiência comum, do modo que seguidamente se descreve.

Teve o tribunal desde logo em consideração os factos sobre os quais havia acordo das partes nos articulados, nomeadamente os resultantes do teor dos documentos autênticos (certidão e matrícula da ré e escritura pública), bem como tendo em conta os termos do documento particular subscrito entre as partes (“Aditamento Contrato de Trabalho Sem Termo (Alteração salarial e outras)”), na parte em que o admitem ter subscrito, pese embora a ré alegue a simulação do respectivo conteúdo, nos termos que infra se explanarão.

No que diz respeito à demais factualidade argumentada pela autora, considerou-se ter resultado apenas provado a ocorrência dos episódios dos dias 13 e 14 de Dezembro de 2016, quanto ao facto de ter sido travada a sua entrada nas instalações da ré, por indicações de M. J., factos estes que motivaram a chamada das autoridades policiais ao local. Por sua vez, os militares da GNR P. M. e A. J., assim como R. M. (segurança privado), limitaram-se a confirmar a ocorrência dos episódios ocorridos a 13 e 14 de Dezembro de 2016, nada dos respectivos depoimentos se retirando relativamente aos factos que sustentavam o respectivo pedido de indemnização por danos não patrimoniais.

Quanto ao demais, entende o Tribunal não ter resultado provada a versão trazida a juízo pela autora, dando como provada antes a versão da ré, no que à simulação do contrato de trabalho diz respeito, não obstante a inegável posição de simulador.

Na verdade, seguimos de perto o Ac. TRE de 02/02/2017, segundo o qual: «I- De acordo com o n.º 2 do artº 394.º do Cód. Civil é inadmissível a prova por testemunhas do acordo simulatório e do negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores. II- Contudo, o referido normativo legal deve ser interpretado restritivamente, no sentido de, existindo um princípio de prova por escrito, ser lícito aos simuladores recorrer à prova testemunhal para completar a prova documental existente, desde que esta constitua, por si só, um indício que torne verosímil a existência de simulação. III- Para que este se verifique é necessário que da prova documental seja possível extrair comportamento/actuação de ambas as partes no sentido do conluio no negócio em causa(…)». Neste mesmo sentido, de acordo com Vaz Serra deve ser admitida a prova testemunhal em determinadas situações: (i) quando exista um começo ou princípio de prova por escrito; (ii) quando se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção da prova escrita e (iii) em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova. No mesmo sentido, de admissão da prova testemunhal como prova complementar, com vista a «determinar o alcance dos documentos que à simulação se refiram ou consolidar o começo de prova que neles seja lícito fundar”, aponta Carvalho Fernandes (A prova da Simulação pelos Simuladores”, O Direito, ano 124.º, 1992, IV, pág. 593-616), citado por Pedro Pais de Vasconcelos (Teoria Geral de Direito Civil, 3.ª edição, 2005, pág. 534-535), que, por sua vez, parece aceitar a orientação de que «a prova testemunhal seja apenas complementar da que for produzida por documentos, e não lhe seja reconhecida a capacidade de contrariar a prova documental, ou outra prova de valor superior».

In casu, considera-se que esse princípio de prova por escrito existe, decorrendo da circunstância de, por força dos recibos de vencimento juntos aos autos e não impugnados pela autora, se ter aferido que a mesma (continuou) a auferir o vencimento de € 2.500,00 – confirmado de resto pela única testemunha por a mesma arrolada para esse efeito (sua mãe, Maria) como sendo idêntico ao do irmão, gerente – e que dos mesmos constava a categoria de sócio-gerente. A par de tais elementos documentais, temos ainda o teor dos autos de ocorrência de fls. 118 e 119/120, confirmado pelos respectivos autuantes ouvidos como testemunhas nos presentes autos, dos quais consta como tendo sido declarações proferidas pela própria autora, de acordo com as quais a mesma se arrogava (à data) sócia e proprietária da empresa.

No mais, a sustentar tal princípio de prova, temos o teor das declarações prestadas pelo próprio legal representante da ré, coadjuvadas com o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas J. C. (funcionário da ré desde 2014 e actualmente o respectivo Director de Produção) e M. D. (funcionário da ré, desde 2009, a laborar no departamento de produção), tendo estes sido consonantes e objectivos, explicando que, desde sempre, tiveram a autora como uma das donas da empresa, a cujas instruções deviam obediência e à qual reportavam o respectivo trabalho, explicando que enquanto aquela se dedicava ao sector produtivo, o irmão e também dono da empresa tinha seu cargo o sector comercial.”.

Nesta fundamentação é feita análise crítica da prova e são assegurados os raciocínios e seus percursos que presidiram à opção da matéria de facto discutida, sendo admitida ou repudiada.

Não se fazem afirmações inconciliáveis entre si.

Sem premissas incompatíveis, cada uma subsiste utilmente por si.
Nesta medida, nada se lhe há-de apontar e nem a coerência formal desse processo lógico progressivo é propriamente questionada pela recorrente.

Tudo, nesta perspectiva, insusceptível de afectar a transparência da decisão.

Não será necessário um exercício de exegese exigente para se concluir deste modo.

O mesmo acontece, ainda que implicitamente, quanto às razões que levaram ao entendimento do tribunal a quo sobre a finalidade da elaboração do documento com o elemento cognitivo subjacente: em razão do alegado pela recorrida na contestação, da prova produzida e examinada em audiência e da própria percepção da realidade segundo as regras de experiência comum.

Tanto é assim que a recorrente não excluiu que esse intuito tivesse sido pelo menos formalmente aflorado na produção da prova, por um lado, e, por outro, mostra não ser alheia ao motivo da convicção face ao modo como censura o respectivo juízo de facto que lhe possa ter estado subjacente, mal ou bem.

E, com efeito ainda, face ao predito, o processo da aquisição da convicção é tão elementar que prescinde de qualquer análise crítica expressa com exposição do processo lógico e racional levada às ultimas consequências, não se podendo concluir então que as partes não conseguem “tornar possível o controlo da razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto, e de convencer os destinatários sobre a sua correcção”.

Assim sendo, neste âmbito, nada mais haverá a determinar quanto a esta matéria.

Doutro passo

A recorrente invocou a violação do artº 394º do CC, o qual, sob a epígrafe “Convenções contra o conteúdo de documento ou além dele”, rege: “É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores” (nº 1); A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores. (nº 2)”.

Questiona por isso o teor do citado ponto 3.4 da sentença (O acordo em sujeito foi subscrito por autora e ré, representada por M. J., tendo em vista permitir à primeira a obtenção de subsídio de desemprego), entendendo que sem essa violação antes “a factualidade constante do documento junto pela autora com o seu articulado – Aditamento contrato de trabalho sem termo – teria que ser dada como assente”, para além de que exigia que se desse como assente que “O acordo escrito descrito em B) e C) foi subscrito por autora e ré, representada por M. J., tendo em vista permitir à primeira a definição da sua posição laboral ante a cedência da sua quota e da renúncia à gerência da sociedade”, bem como esta matéria não considerada provada:

a) Desde a data da constituição da sociedade ré que a autora jamais exerceu qualquer acto de gerência, a qual era única e exclusivamente exercida por M. J., seu irmão;
b) Desde a data da constituição da sociedade ré a autora sempre exerceu as funções de controladora de qualidade sob as ordens, direcção e fiscalização daquela, exercendo as referidas funções nas instalações daquela sociedade, em horário de trabalho previamente definido pela mesma, sendo a tal título remunerada mensalmente;
c) Desde 10.08.2016, a autora passou a exercer as funções de controladora de qualidade sob as ordens, direcção e fiscalização daquela, exercendo as referidas funções nas instalações daquela sociedade, em horário de trabalho previamente definido pela mesma, sendo a tal título remunerada mensalmente;
d) A ré, representada por M. J., comunicou verbalmente à autora o respectivo despedimento no dia 13.12.2016;
e) Aquando os episódios ocorridos nos dias 13 e 14 de Dezembro de 2016, M. J. dirigiu-se à autora tendo-lhe desferido uma chapada na cara e empurrado;
f) Por força da actuação da ré, representada pro M. J., a autora sofreu humilhação, constrangimento e tristeza, tendo sentido abalada a respectiva confiança e auto-estima;”.

Contudo, este propósito tem, desde logo, óbices intransponíveis.

No caso da nova redacção ao ponto 3.4 da sentença visam-se juízos de valor ou matéria conclusiva: a expressão “definição da sua posição laboral” não contém facto naturalisticamente perceptível.

Também sempre seria redundante por ser eventualmente uma conclusão a retirar da própria matéria constante dos pontos 3.2. e 3.3 da sentença (Com data de 10.08.2016, a ré, representada por M. J., e autora subscreveram acordo escrito, denominado “Aditamento Contrato de Trabalho Sem Termo (Alteração salarial e outras)”, por força do qual é declarado que: “a segunda contraente faz parte dos órgãos sociais da primeira contraente, sendo sócia com o capital de 50% da mencionada sociedade e gerente com poderes para obrigar isoladamente a mesma”; “não obstante essa posição esta tem exercido, contudo, funções estritamente enquanto trabalhadora da referida sociedade desde 28.10.2004, estando, assim, também vinculada à Primeira Contraente por um verdadeiro contrato de trabalho em que não foi observada a forma escrita (…) celebrado como sem termo (…)”; “a segunda contraente está na iminência de ceder a sua quota ao outro sócio e de, igualmente, renunciar ao cargo de gerente, havendo já celebrado contrato promessa de cessão de quotas com esse desiderato (…)”; [A]inda nos termos do referido acordo escrito, declararam os seus outorgantes que a trabalhadora exercerá funções correspondentes à categoria profissional e controladora de qualidade, por um período de trabalho correspondente a 40 horas semanais, de segunda a sexta-feira, entre as 08h00 e as 18h00, com intervalo para refeição das 12h00 às 13h30, mediante a remuneração mensal líquidas de € 1.000,00 (mil euros), acrescida do correspondente subsídio de alimentação legal por cada dia útil de trabalho prestado). De resto, o mais, extrair-se-ia do próprio documento cujo teor deve ser sempre dado como adquirido, entendesse-se ou não que houve simulação.

No que concerne à factualidade que se propõe através das alªs a) a f) não se vislumbra como pela simples remoção da alegada violação o tribunal permitia-se aditar na sua esmagadora parte essa matéria.

No documento, inclusivamente, nem se declara que desde a data da constituição da recorrida a recorrente jamais exerceu qualquer acto de gerência e esta era única e exclusivamente exercida pelo seu irmão.

Mas, de qualquer modo falece razão à recorrente ao pretender que seja reconhecido que o tribunal a quo violou tal disposição legal, por seu turno, permitindo à recorrida, enquanto simuladora, a produção de prova oral no sentido da cabal demonstração de um negocio simulado perante o citado acordado.

Tenha-se em atenção que o tribunal a quo fundou-se em jurisprudência e doutrina com apoio uniforme do mais alto tribunal superior para através de interpretação restritiva superar a proibição prevista nos nºs 1 e 2 do artº 394º do CC.

Repete-se o que a propósito se mencionou na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

“Quanto ao demais, entende o Tribunal não ter resultado provada a versão trazida a juízo pela autora, dando como provada antes a versão da ré, no que à simulação do contrato de trabalho diz respeito, não obstante a inegável posição de simulador.

Na verdade, seguimos de perto o Ac. TRE de 02/02/2017, segundo o qual: «I- De acordo com o n.º 2 do artº 394.º do Cód. Civil é inadmissível a prova por testemunhas do acordo simulatório e do negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores. II- Contudo, o referido normativo legal deve ser interpretado restritivamente, no sentido de, existindo um princípio de prova por escrito, ser lícito aos simuladores recorrer à prova testemunhal para completar a prova documental existente, desde que esta constitua, por si só, um indício que torne verosímil a existência de simulação. III- Para que este se verifique é necessário que da prova documental seja possível extrair comportamento/actuação de ambas as partes no sentido do conluio no negócio em causa(…)». Neste mesmo sentido, de acordo com Vaz Serra deve ser admitida a prova testemunhal em determinadas situações: (i) quando exista um começo ou princípio de prova por escrito; (ii) quando se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção da prova escrita e (iii) em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova. No mesmo sentido, de admissão da prova testemunhal como prova complementar, com vista a «determinar o alcance dos documentos que à simulação se refiram ou consolidar o começo de prova que neles seja lícito fundar”, aponta Carvalho Fernandes (A prova da Simulação pelos Simuladores”, O Direito, ano 124.º, 1992, IV, pág. 593-616), citado por Pedro Pais de Vasconcelos (Teoria Geral de Direito Civil, 3.ª edição, 2005, pág. 534-535), que, por sua vez, parece aceitar a orientação de que «a prova testemunhal seja apenas complementar da que for produzida por documentos, e não lhe seja reconhecida a capacidade de contrariar a prova documental, ou outra prova de valor superior».

In casu, considera-se que esse princípio de prova por escrito existe, decorrendo da circunstância de, por força dos recibos de vencimento juntos aos autos e não impugnados pela autora, se ter aferido que a mesma (continuou) a auferir o vencimento de € 2.500,00 – confirmado de resto pela única testemunha por a mesma arrolada para esse efeito (sua mãe, Maria) como sendo idêntico ao do irmão, gerente – e que dos mesmos constava a categoria de sócio-gerente. A par de tais elementos documentais, temos ainda o teor dos autos de ocorrência de fls. 118 e 119/120, confirmado pelos respectivos autuantes ouvidos como testemunhas nos presentes autos, dos quais consta como tendo sido declarações proferidas pela própria autora, de acordo com as quais a mesma se arrogava (à data) sócia e proprietária da empresa.

No mais, a sustentar tal princípio de prova, temos o teor das declarações prestadas pelo próprio legal representante da ré, coadjuvadas com o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas J. C. (funcionário da ré desde 2014 e actualmente o respectivo Director de Produção) e M. D. (funcionário da ré, desde 2009, a laborar no departamento de produção), tendo estes sido consonantes e objectivos, explicando que, desde sempre, tiveram a autora como uma das donas da empresa, a cujas instruções deviam obediência e à qual reportavam o respectivo trabalho, explicando que enquanto aquela se dedicava ao sector produtivo, o irmão e também dono da empresa tinha seu cargo o sector comercial.”.
Como princípio de prova, invocaram-se os recibos de vencimento e os autos de ocorrência, o que, diga-se, eram capazes por si de tornar verosímil o alegado no sentido da simulação.

Quanto a esses recibos pode-se afirmar efectivamente que os mesmos não foram impugnados pela recorrente para efeitos de os considerar como princípio de prova. Não os impugnou a sua genuidade e nem pretendeu ilidir a sua autenticidade (artºs 444º a 446º do CPC). Tanto assim é que no seu requerimento em que tomou posição sobre os mesmos a recorrente reconhece a sua “autenticidade formal” pelo que terá de admitir também que o seu substracto “probatório mínimo necessário” permite aquele desiderato, assim legitimando “que o simulador pudesse produzir prova testemunhal”.

Estamos também a falar de documentos assinados pela recorrente que os dá de quitação (artº 787º do CC) do que recebeu, pelo que é incompreensível que se afirme que os mesmos “não reúnem os requisitos necessários para se poderem considerar como começo de prova, desde logo porque lhe faltam os pressupostos cumulativos a que a jurisprudência faz alusão, nomeadamente por não provirem daquele a quem são opostos”.

A recorrente não pode igualmente esquecer a força probatória plena desses documentos em face do disposto nos artºs 373º a 376º do CC.

No que concerne aos autos de ocorrência como princípio de prova igualmente nada obsta a que assim seja, sem se olvidar que sendo produzidos por autoridade têm força probatória plena dos factos que “referem como praticados pela autoridade ou oficial publico respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora” (artº 371º, nº 1 do CC).

Sendo isso sim também correcto que o tribunal a quo tenha tomado as declarações do representante legal da recorrida como sustentadoras desse começo de prova não sendo de afirmar que o tribunal considerou essas mesmas declarações como principio de prova para o efeito.

E tudo isto sem se “perder de vista o critério de proporcionalidade, necessidade e de princípio de prova documental que o regem".

Por isso, sempre se dirá que a produção de prova oral que se produziu em torno da questão da simulação introduzida por este principio de prova, sem esquecer ainda outro elemento importantíssimo dos autos ao qual se pode atribuir o mesmo efeito de começo de prova, a certidão da matricula da recorrida, foi devidamente enquadrada e contextualizada por esse principio de prova e dele foi complementador.

Acresce, a recorrente também refere, quanto à dita proibição, que “a jurisprudência tem vindo a admitir que não é uma proibição de carácter absoluto considerando que são admitidas excepções”.

Valerá a pena revisitar o acórdão do STJ de 03.07.2018, (procº 3057/11.5TBPVZ-C.P1.S3, www.dgsi.pt):

“O que se aplica ao caso, isso sim, é o nº 2 do art. 394º, que estabelece que é inadmissível a prova por testemunhas do acordo simulatório e do negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores (quer entre si, quer relação a terceiros: v. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5ª ed., p. 316). Compreende-se o objetivo da lei: afastar os perigos que a prova testemunhal seria suscetível de originar, pois, não fora assim, quando uma das partes quisesse infirmar ou frustrar os efeitos do negócio, poderia socorrer-se de testemunhas para demonstrar que o negócio foi simulado, destruindo desse modo, mediante uma prova extremamente insegura, a eficácia do documento (v. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, anotação ao artigo 394). Nesta medida, quando os simuladores pretendam invocar a simulação, só lhes está facultada, sem restrições, a prova por confissão, a prova documental e a prova pericial.

A verdade, porém, é que se tem vindo a entender (pode considerar-se atualmente o entendimento largamente dominante na jurisprudência e na doutrina: assim, de entre uma vasta produção doutrinária e jurisprudencial, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª ed., p. 533; Mota Pinto e Pinto Monteiro, Col. Jur, 1985, III, pp. 12 e 13; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. I, tomo I, p. 851; Carvalho Fernandes, ob. cit., p.318; acórdão do STJ de 2.11.2011, processo nº 758/06.3TBCBR-B.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) que, em casos particulares, é admitido o recurso à prova testemunhal, em complemento da prova documental. Um desses casos será aquele em que exista um começo ou princípio de prova por escrito.

Sobre isto, diz-nos Carvalho Fernandes (ob. cit., p. 318):

“… as limitações do art. 394º não se fundam na força probatória do documento (…).
Não se trata, também, de sancionar os simuladores (…).

A razão de ser da proibição do art. 394º (…) reside na necessidade de afastar os riscos próprios da fiabilidade e fragilidade da prova testemunhal, que poderia conduzir à prova de uma simulação efetivamente não existente, contra a prova documental mais segura.

Por outro lado, importa também ter presente que, na generalidade dos casos, um entendimento muito rigoroso do art. 394º pode deixar um dos simuladores nas mãos do outro, facilitando o aproveitamento iníquo da aparência criada pela simulação.

Feito o balanço destes pontos, e não podendo ser ignorado o texto da lei, deve ter-se como afastada a possibilidade de recurso a testemunhas e a presunções judiciais, como meios probatórios exclusivos da simulação, mas já não se eles funcionarem apenas como meios complementares de prova da simulação, primariamente fundada em documentos. (…)

[P]ode ir-se um pouco mais longe, atribuindo à prova testemunhal uma função complementar da simulação, contribuindo então para permitir ao juiz formar uma convicção da existência da simulação, quando a prova documental apenas permitir tê-la como plausível ou provável.”

Não vemos razão - como não viram as instâncias - para não seguir o ponto de vista que vem descrito.

Ora, o pronunciamento do acórdão recorrido sobre os factos interessantes ao preço real da venda (maxime o facto do ponto g)) e seu pagamento aos vendedores, não se fundou exclusivamente na prova testemunhal. Ao invés, esse pronunciamento teve por base diversos documentos - a começar pelo contrato-promessa celebrado pelas partes e donde constava como preço da venda os falados €175.000,00 e por uma declaração dos vendedores da qual constava que haviam recebido €110.000,00 -, funcionando a prova testemunhal apenas como meio complementar de prova. Perante um princípio de prova assim tão eloquente quanto à realidade de um preço de €175.000,00 e à irrealidade de um preço de €65.000,00, era legítimo ao tribunal recorrido admitir a prova testemunhal nos termos em que o fez.

Donde, nenhuma ilegalidade foi cometida pelo acórdão recorrido.”

Inexiste, pois, qualquer erro de julgamento, não sendo de admitir a alteração da matéria fáctica sugerida pela recorrente a este título.

Improcede mais uma vez esta parte do recurso e da respectiva impugnação.

Depois
Apesar disso reitera-se o propósito de considerar assentes a matéria das ditas alªs a) a f) e do ponto 3.4 com a dita alteração.

No que concerne a este já apontamos a inapropriação do teor sugerido.

Em detrimento do depoimento do legal representante da recorrida, a recorrente tece considerações de vária ordem sobre três excertos do mesmo a cuja audição procedemos.

Para o que pretende, aqueles comentários extrapolam o conteúdo destes e certo é que o cerne da matéria desse ponto não é susceptível de ser desvalorizado só por si pela forma como o depoente refere o tema, que decorre, apesar de tudo, através de uma explicação lógica para a celebração do acordo, mantendo verosímil a tese da simulação tendo em vista o seu fim dado como assente.

Chama à colação o depoimento da sua mãe, Maria, contudo nada concretiza especificamente do seu depoimento quanto a este tema, pelo que não deve ser aqui atendido (artº 640º, nºs 1, alª b) e 2 do CPC).

Ainda que não se atenda assim, também dos trechos do seu depoimento referidos no recurso para a outra matéria de facto não se poderá concluir de imediato que sejam excluidores da versão adoptada pelo tribunal a quo.

Acresce, a recorrente não atende ao detalhe de que a convicção do tribunal funda-se igualmente em outros elementos de prova oral e documental, nesta parte ignorando-os. Elementos, esses, que até já foram relevados aqui em sentido contrário da sua tese. Fica por isso aquém de todo o processo lógico que o tribunal a quo utilizou. E sem dúvida a conclusão imediata a tomar é que esta parte da impugnação é inconsistente sendo improcedente.

Como se salienta no douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/04, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, a impugnação da decisão em matéria de facto “(...) terá de assentar na violação dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria a inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão (...)”.
O que se compreende porquanto é o juiz a quo quem procede ao julgamento da causa e acerca dos factos nele aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção e não o Tribunal de recurso, cujo poder de intervenção se circunscreve a reapreciar pontos concretos da decisão da matéria de facto especificados nas conclusões do recurso com vista a reparar erros de julgamento ali cometidos.

No caso, pois, a recorrente não depreciando a decisão do tribunal a quo sobre a matéria que impugna segundo o seu juízo crítico e lógico alheia-se necessariamente da fundamentação da convicção que esteve na base dessa decisão.

Nestes termos, só por isto também, a censura que a recorrente exerce sobre o juízo desse tribunal ficou irremediavelmente prejudicada.

Pretende também a recorrente que se de como provado a matéria das ditas alíneas.

Para o efeito aponta o depoimento da citada mãe da recorrente e do aludido legal representante da recorrida, bem como do militar da GNR P. M., de um dos citados autos de ocorrência que compareceu no local (14.12.2016).

Traz ainda à liça o depoimento do representante legal da recorrida contudo, igualmente, sem concretizar qualquer pormenor. Apelando-se ao disposto no citado artº 640º do CPC, tal carece de eficácia.

E se pretende aludir aos excertos já referidos não se pode aceitar sem mais a conclusão de que entre eles e os da mãe “estão em quase total sintonia em vários aspectos com exclusão da questão que respeita às funções da Autora desde a constituição da sociedade e mesmo após a outorga do aditamento”.

Já antes tínhamos referido a impossibilidade de, só por si, o documento do acordo, ainda que não fosse revelada matéria atinente a simulação, fundamentar a prova de tal factualidade.

Conectado agora com os excertos da prova oral agora invocada mantemos a constatação da mesma impossibilidade.

Auditado o excerto do depoimento do militar da GNR este em nada mais esclarece sobre o que efectivamente ocorreu em tal dia e no dia anterior.

Também não os do depoimento da mãe sobre a actividade da recorrente até aí no seio da recorrida, envolvendo inclusive pretenso despedimento.

Efectivamente são susceptíveis de serem tomados como depoimento ambivalente atento ao posicionamento pessoal da depoente relativamente ao trama familiar que vivenciou com a adopção subjectiva da realidade em detrimento de um dos filhos e a favor de outro, sem se olvidar o seu interesse pessoal e do seu marido relativo à sorte da sociedade.

São por isso incapazes de excluírem por si a tese da recorrida nessa teia complexa de circunstancias que dizem respeito à recorrente já que, igualmente, nem sempre ajustou o seu discurso a fundamentos inequívocos nas conclusões que retirava da realidade que podia ter testemunhado.

Sublinhando o que acabamos de referir atente-se nesta pequena passagem do depoimento da testemunha susceptível de se extrair, inclusivamente, uma certa divisão de tarefas qualitativamente de comando entre os filhos: “A C. R. era controle de qualidade, que era aquilo que ela fazia. (…) Das peças que saiam para o cliente, tudo quanto era amostras, tudo que fosse de produção e pré-produção também era enviada, toda essa parte estava pela C. R. assim como qualquer coisa que fizesse falta ir ver a uma máquina a ver se estava tudo a produzir bem, a C. R. assistia a isso tudo.”. Ou seja, aborda questões relacionadas com o que se pode entender como de gestão da recorrida, pelo que ao pronunciar-se através de certo laconismo não permite, segundo as regras de experiencia comum, a não adesão ao possível papel de administrabilidade de uma sociedade.

Reciprocamente não aborda a eventual conduta normal da recorrente enquanto trabalhadora por conta de outrem, sujeita a ordens, autoridade e fiscalização da recorrida na vertente unicamente de gestão do seu irmão.

Por seu turno o confiar “totalmente no trabalho que o irmão desempenhava” como menciona, em nada esclarece a verdadeira actividade da recorrente na organização empresarial.

E o alegado na petição inicial, “Por conseguinte, desde aquela data - 10.08.2016 - que as funções da A. passaram, sem concorrência de quaisquer outras, a ser em exclusivo as correspondentes à categoria profissional de Controladora de Qualidade, correspondendo-lhe, como sempre foi o caso e ali apenas vem reforçado, um horário de trabalho de 40 horas semanais, de segunda a sexta-feira das 08h10m até às 18h00m, com intervalo para refeição das 12h00 às 13h30m”, reforça a ideia que, de todo, a recorrente não era alheia a qualquer outra actividade condicente com a gestão da sociedade.

A partir daqui fica afastada desde logo dos aludidos episódios com intervenção policial qualquer panorama factual que possa reflectir um despedimento como igualmente a recorrente pugna.

Deste modo, a averiguação das circunstâncias relacionadas com a eventual violência física incidentes na recorrente e de toda as questões daí advenientes bem como das sequelas de anterior conduta da recorrida fica ainda prejudicada para a determinação da sorte da lide.

Ainda assim, também não se logra encontrar nos excertos do depoimento desta testemunha, apesar de a referir quanto ao segundo dia, matéria objectivável que consiga retractar uma agressão física à recorrente uma vez que o depoimento decorre sem qualquer enquadramento que a torne inevitável e é prejudicado pela revelação caricatural que efectua da situação.

O mesmo acontece com as ditas sequelas de forma a tornar irrefutável o preenchimento das categorias abstractas invocadas na última alínea da matéria que se pretende dar como provada

A acrescer, como também nesta parte a recorrente não depreciou a decisão do tribunal a quo segundo o seu juízo crítico e lógico, alheando-se, portanto, da fundamentação da convicção que esteve na base dessa decisão que acolheu outra prova. Daí que o acima referido sobre a inconsistência da impugnação é também aplicável nesta oportunidade levando à inevitável improcedência.

Por último, diremos, exige-se para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que os elementos de prova que se invoquem tenham a virtualidade de imporem a modificação da decisão de facto como se reclama nos artºs 640º, nº 1, alª b), e 662º, nº 1, do CPC (“…que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida” ou “… impuserem decisão diversa”).

Efectivamente, é apodíctico, para estes normativos convém especificar não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas, antes, que imponham decisão diversa da impugnada.

E toda a apreciação da prova pelo tribunal a quo tem ainda a seu favor o importante princípio da imediação que não pode ser descurado no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaiu a mesma, segundo o princípio da liberdade de julgamento.

No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.

O julgador deverá avaliar o depoimento em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência (Miguel Teixeira de Sousa, A Livre Apreciação da Prova em Processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII, 1984, 115 e seg).

Devendo-se concluir assim que a factualidade posta em crise pela recorrente não se revelando grosseiramente apreciada pela primeira instância sempre é de confirmar.

Improcedendo deste modo o recurso quanto à matéria de facto esta mantém-se incólume.

E, nestes termos, fica prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas directa ou indirectamente no recurso as quais apenas faria sentido analisá-las se tivesse havido alteração com relevo da decisão sobre a matéria de facto para permitir a revogação da decisão de mérito, como, de resto, também o entende a recorrente face tanto à economia do alegado no recurso como o expressamente alegado nesse sentido.

Por tudo isto, deverá ser julgado improcedente o recurso.

Sumário, da única responsabilidade do relator

1- Em processo laboral as nulidades da sentença devem ser arguidas no requerimento de interposição do recurso como é imposto pelo artº 77º do CPT.
2- No julgamento da matéria de facto os poderes da 2ª instância estão delimitados pelo nº 1 do artº 662º do CPC (artº 640º, nº 1, alª b) do CPC), pelo que a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
3- Por isso devem ser especificados não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas que imponham antes decisão diversa da impugnada.
4- Pese embora o disposto no artº 394º, nº 2 do CC tem vindo a entender-se de forma largamente dominante pela jurisprudência e doutrina que em casos particulares em que exista começo ou princípio de prova por escrito, é admitido o recurso à prova testemunhal, em complemento da prova documental.
5- Recibos assinados pelo credor e os autos de ocorrência levantados pelas autoridades, nas circunstâncias destes autos são susceptíveis de serem utilizados como princípio de prova.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença.
Custas pela recorrente.
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O acórdão compõe-se de 25 folhas, com os versos não impressos.
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07.02.2019