Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6113/21.8T8GMR-J.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO CONDICIONAL E INCONDICIONAL EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÕES LEGAIS
PREJUDICIALIDADE DO ACTO E MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I A ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente é uma ação de simples apreciação negativa.
II A imposição à massa insolvente do ónus da prova da verificação dos pressupostos legais de resolução de acordo com o art.º 343º, n.º 1, do C.C., tem de ser conjugada com as presunções legais relativas à má fé e à prejudicialidade – art.ºs 120º, n.º 4, n.º 3, e 121º, n.º 1, do CIRE.
III Os fundamentos invocados pelo AI na comunicação extrajudicial de resolução do ato a favor da massa delimitam o objeto da resolução, não podendo posteriormente aperfeiçoar ou complementar a mesma com novos factos e/ou, em sede de contestação à ação de impugnação da resolução, ser suprida a eventual deficiência na alegação dos fundamentos que estiveram na base da resolução em benefício da massa insolvente; ou seja, não pode invocar na contestação factos que não invocou na comunicação; mas pode alterar a qualificação jurídica dos (mesmos) factos.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I RELATÓRIO (através de consulta dos autos principais e apensos).

EMP01..., LDA., NIPC ...57, com sede na Rua ..., freguesia ... (...), concelho ..., veio intentar, no âmbito dos autos de insolvência nos quais foi declarada insolvente a sociedade EMP02... LDA., a presente ação declarativa de Impugnação da Resolução em Benefício da Massa Insolvente contra a Massa Insolvente, requerendo a sua procedência e, consequentemente, seja declarada nula, ineficaz e sem qualquer efeito a declaração de resolução extrajudicial em benefício da massa insolvente do negócio de cessão (à Autora) da posição contratual de locatária (da insolvente) no contrato de locação financeira imobiliária, em que figura como locadora o Banco 1... SA, relativo à fração autónoma designada pela letra ... do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...19 da freguesia ... (...), e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...14 da mesma freguesia, pelo preço de € 200.000,00.
Se assim não se entender, a manter-se a resolução, deve ser reconhecido como dívida da massa o valor de 200.000,00€ pago pela impugnante à insolvente e ao Banco 1..., bem como os montantes pagos ao Banco 1... desde ../../2021, até ao presente, juros desde a data da celebração do negócio, e bem assim, a condenação por todos os danos que a resolução está a causar e causa à A., a liquidar em execução de sentença.
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Citada a massa insolvente, na pessoa do Sr. Administrador de Insolvência (A.I), esta contestou, impugnando a factualidade alegada.
Refere que o negócio em causa configura uma verdadeira dação em pagamento, e que o preço da cessão foi de € 133.757,84 (€ 68.460,22 de rendas em atraso e € 65.297,82 de valores em dívida, abertos na conta corrente da Ré na contabilidade da Autora). E que, perito isento e imparcial, atribuiu à fração em causa o valor de € 386.281,25. Por isso do negócio resulta um prejuízo para a insolvente, face ao valor de mercado apresentado, de € 252.523,41. Daí que, tendo sido altamente vantajoso para a Autora, foi excessivamente oneroso para a Ré.
Igualmente se tivesse sido considerado aquele valor, o total da dívida da insolvente para com a Autora, ao invés de ter passado a ser de € 784.855,28 (depois de abatido o valor de € 133.757,84), devia ter passado a ser apenas de € 532.331,87 (se tivesse sido deduzido antes o valor de € 386.281,25).
Invoca o disposto na alínea h), do n.º 1, do art.º 121º do CIRE.
E se assim não se entender, diz que se mostram preenchidos os requisitos legais previstos no art.º 120º do CIRE, porque se tratou de ato prejudicial à massa, e face à presunção de má fé que a Autora não ilidiu.
Os credores da Ré foram prejudicados, pois existem credores privilegiados e a Autora é uma credora comum.
Diz ainda que a Ré é alheia à diferença entre os € 200.000,00 e os € 133.757,84, alegadamente pagos pela Autora ao Banco.
E pugna ainda pela falta de fundamento do restante peticionado, e pede a improcedência da ação.
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A Autora apresentou resposta, que termina dizendo que “…lhe assiste, nos termos do artigo 754º do C.C., o direito de retenção do imóvel enquanto desse valor não for ressarcida, direito este que desde já declara exercer nessas mesmas condições.”.
No exercício do contraditório a massa insolvente veio pedir que não se admita este requerimento.
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Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador que decidiu pela inexistência de nulidade resultante de falta de fundamentação da carta resolutiva, e remeteu para posterior decisão a exceção de caducidade.
Foi definido o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
Realizada audiência de julgamento, da ata respetiva e ouvido o AI ficou a constar: “Factos confessados:
- Artº 5º; e
-Artº18º, do requerimento junto aos autos pela requerente em 25.01.2023, refª ...24.”
Concluída a audiência, foi proferida sentença que decidiu julgar a ação integralmente procedente por provada, e declarou inválida e, consequentemente, sem nenhum efeito, a declaração de resolução do contrato de cessão de posição contratual celebrado entre a insolvente e a Autora, mantendo-se válida e eficaz a referida cessão.
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Inconformada, veio a massa insolvente de EMP02... LDA., interpor recurso, tendo apresentado alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

“I.- A Recorrida, Sociedade EMP01..., Lda, através da presente acção, peticionou, que fosse declarada procedente a impugnação (e consequente revogação da resolução) do contrato de 19/11/2021, celebrado entre si e a sociedade “EMP02..., Lda”, ora Recorrente, no qual esta última cedeu a sua posição de locatária no contrato de locação financeira imobiliária, celebrado com o Banco 1... S.A, pelo prazo de 120 meses, a contar do dia 08/08/2014, tendo por objecto o imóvel designado pela B do prédio urbano descrito sob o número ...19, da freguesia ... (...) da Conservatória do Registo Predial e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...14 da mesma freguesia.
II- O Tribunal a quo, julgou, na íntegra a acção procedente, considerando não estarem preenchidos todos os requisitos de que dependia a resolução deste acto, pois não se tratou de um acto prejudicial à massa e não se presume, nem foram alegados ou provados factos atinentes à má-fé da terceira nele interveniente. A Recorrente não pode conformar-se com tal decisão, por não concordar, como de seguida se logrará demonstrar, com o facto n.º 8 dado como provado, com os factos considerados como não provados (considerando que deviam ter sido considerados outros como provados) bem como, s.d.r, com a aplicação do direito aos factos.
III.- Quanto aos factos considerados como provados. A Recorrente não se conforma que tenha sido provado (no facto n.º 8 dos factos provados da douta sentença a quo) que: “Se não fosse a cessão todos os credores ficariam privados do direito à aquisição do imóvel, pela destruição do contrato por via da resolução”.
IV.- Da valoração da matéria de facto, expressa na sentença, foi referido que AA, auxiliar do A.I., que o interesse era “cumprir o contrato, pagar a dívida e vender o imóvel”. Daqui resulta que o Administrador de Insolvência da Recorrente teria optado por uma estratégia para cumprir o contrato, não optando pela sua resolução.
Assim, cumprir-se-ia o negócio.
V.- Indício de que a estratégia do Administrador de Insolvência resultaria encontra-se no facto de que a Locadora, em sede de reclamação de créditos, veio reclamar o montante das rendas vencidas (conforme junto com doc. n.º... com a contestação).
VI.- Para além desta evidência que corrobora o depoimento de AA (expressa na motivação de facto da sentença) e que contraria o dito no ponto 8 dos factos dados como provados, s.m.o., não se logrou provado o contrário, i.e., não foi, para os autos, carreada qualquer prova da qual se inferisse que não seria possível manter o negócio em curso, e da qual se concluísse que “Se não fosse a cessão todos os credores ficariam privados do direito à aquisição do imóvel, pela destruição do contrato por via da resolução”.
VII.- Assim, s.d.r., não devia o Tribunal “a quo” ter considerado como provado o facto n.º 8 da douta sentença, impondo-se, outrossim, atentos os argumentos aduzidos, que seja este facto considerado como não provado.
VIII.- Relativamente à matéria de facto não provada: 1) não tendo sido considerado na douta sentença, dever-se-ia ter dado como provado que “A Autora conhecia o estado de insolvência iminente da Ré Massa Insolvente da Sociedade EMP02..., à data da realização do negócio”. Tal facto, resulta do depoimento de BB, ilustrado na douta sentença em crise, concretamente quando refere que:
“BB, também antiga funcionária da insolvente (…)” depôs no sentido “de saber, com segurança da existência da dívida muito grande à Autora e que tentaram chegar a acordo (na altura não tinham malha e era para receber malha).” Assim  muito se requer que seja por V. Exas. considerado tal facto como provado.
IX.- 2) Ao contrário do aduzido na douta sentença, os factos 1,2 3 dos factos dados como não provados, à excepção do valor que lá é demonstrado, resultaram, em parte, provados, já que, conforme resulta da factura junta como Doc. n.º... à Petição Inicial, é notório que a Recorrente recebeu da Recorrida (seja a título de abatimento de dívida, seja a título de pagamento das rendas vencidas à massa insolvente) o valor de €133.757,84.
X.- Por outro lado, quanto a este aspecto, resulta do facto dado como provado no Art.º 22 da douta sentença que: “sic” “Desse relatório resulta que foi indicado como valor da venda imediata do imóvel, lote n.º...7, artigo matricial ...44 (aqui em discussão) um valor de mercado do imóvel devoluto de € 225.000,00 (abordagem de mercado) e de €207.000,00 (abordagem de rendimento), sendo da conclusão de que o valor de € 207.000,00, exprime nos pressupostos estabelecidos, o valor de mercado do imóvel legalizado, devoluto, livre de ónus e encargos”.
XI.- Ora, da conjugação dos dois factos IX e X resulta claramente que, pelo menos, e só sobre esta fração em causa, a massa insolvente teve um prejuízo de € 13.168,784, sem prejuízo de, caso a venda da fração fosse realizada com as restantes duas, o valor a arrecadar pela Recorrente poderia ter sido superior a € 300.000,00, o que resulta, claramente num prejuízo para a massa insolvente, ora Recorrente, sendo que, por isso desde já se requer que, em conformidade, sejam os factos 1,2 e 3 da matéria dada como não provada na douta sentença, alterados em conformidade, o que se requer a V. Exas.
XII.- Sem prejuízo da alteração da matéria de facto acima requerida, a discussão nos autos, sempre determinaria outra solução jurídica que aquela que foi considerada pelo Tribunal “a quo”.
XIII.- Em suma, considerou o Tribunal “a quo” que não se encontra preenchida a modalidade de resolução condicional destes negócios nos termos do disposto pelo Art.º 120, n.º1 do C.I.R.E.S., sendo esta a modalidade da resolução (condicional), regulada, fundamentalmente, nos termos Art.º 120º do C.I.R.E.
XIV.- Dos presentes autos, e s.m.o., não resulta que a modalidade aplicável a esta resolução seria a prevista nos termos do disposto pelo Art.º 120º do C.I.R.E, mas sim, a modalidade de resolução incondicional, prevista nos termos do disposto pela al. h) Art.º 121º do C.I.R.E.
XV.- É que, estão preenchidos os requisitos legais para aplicação da al. h) Art.º 121º do C.I.R.E: a cedência da posição contratual da Recorrente para a Recorrida originou, pelo menos, um prejuízo de € 13.168,784, montante avultado tendo em conta a situação da insolvente (a obrigação assumida pela Insolvente excede manifestamente a da Recorrida) o negócio foi celebrado dia 19.11.2021, i.e., (dentro do ano anterior à declaração de insolvência, que teve lugar no dia 26.01.2022) e: com a realização do negócio a Insolvente ficou privada de, negociando com a locadora, poder vender os três imóveis em conjunto – do qual faz parte a fração e que são apenas um armazém (por um preço mais elevado que aquele que foi efectivamente “recebido” pela cedência da posição contratual em discussão nos autos.
XVI.- Deste modo, estão preenchidos os requisitos para a resolução incondicional, mormente, aquele disposto nos termos da al. h) do n.º do Art.º 121º do C.I.R.E., solução esta que devia ser efectivamente aplicada aos presentes autos e que, dispensando o requisito da má-fé do adquirente, alteraria o sentido da decisão (ao invés da modalidade da resolução condicional que foi aplicada pelo Tribunal a quo).
XVII.- Tudo acima conjugado, alterará o sentido da decisão recorrida para aquele em que considera que o negócio em causa nos autos foi bem resolvido pelo Administrador de Insolvência da Recorrente, levando, em consequência, à improcedência da presente acção.”
Pede a revogação da sentença e sua substituição por outra que, alterando as questões de facto e de direito nesta sede alegadas e provadas, julgue improcedente a ação.
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Foram apresentadas contra-alegações de recurso pela requerente, pugnando pela manutenção do decidido, fruto da improcedência do recurso.
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Foi proferido despacho a fixar à causa o valor de € 152.000,00.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo, o que foi confirmado por este tribunal.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, 609º, n.º 1, 635º, n.º 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.
Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:
-deve ser reapreciada a matéria de facto em que assentou a 1ª instância, e, na afirmativa, se procede a versão propugnada pela recorrente;
-face à alteração ou independentemente da mesma, se não há fundamento para a impugnação da resolução do ato em benefício da massa insolvente.
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III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O Tribunal recorrido assentou na seguinte matéria:
“A – De facto:
Com interesse para a decisão da causa mostra-se assente a seguinte factualidade:
1. Em 08/08/2014, foi celebrado, por documento particular, entre a locadora, Banco 1... S.A., e a locatária, sociedade EMP02... Lda., um contrato de locação financeira imobiliária que tinha como objeto a fração autónoma designada pela letra ..., do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...19, da freguesia ... (...) e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...14 da mesma freguesia, pelo prazo de 120 meses, a contar do dia 08/08/2014.
2. Em 26/03/2020, aquela sociedade EMP02... Lda., aderiu à designada moratória do Estado, ao abrigo do regime previsto no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março (que estabelece medidas excecionais, no âmbito da pandemia da doença COVID-19).
3. Em virtude da aplicação daquela moratória, o plano contratual de pagamentos originalmente previsto foi alterado, pelo que, o contrato celebrado vigoraria até ../../2026, prorrogando-se as datas de pagamento do capital, rendas, juros, comissões e/ou outros encargos.
4. Por contrato de 19/11/2021, a sociedade EMP02... Lda., cedeu à EMP01... a sua posição contratual de locatária no contrato de locação financeira imobiliária, com todos os direitos e obrigações inerentes, pelo preço de 200.000,00€, que foi pago pela impugnante ao locador sendo 66.242,16€ a título de rendas vencidas e encargos e o restante, até perfazer os 200.000,00€ (ou seja, 133.757,84€) acertado na conta corrente.
5. Por efeito deste contrato, a EMP01... assumiu a posição de locatária, nos termos contratualmente assumidos pela sociedade EMP02... Lda.,
6. que se encontrava em incumprimento perante o Banco 1... e em vias de ver o contrato resolvido.
7. Existiam prestações em dívida à locadora, à data de 01/12/2021, no valor de 66.242,16€ (sessenta e seis mil, duzentos e quarenta e dois euros e dezasseis cêntimos).
8. Se não fosse a cessão todos os credores ficariam privados do direito à aquisição do imóvel, pela destruição do contrato por via de resolução.
9. Datada de 31/03/2022, o Sr. Administrador de Insolvência, enviou à EMP01..., que a recebeu em 01/04/2022, a carta registada com aviso de receção, onde refere, além do mais, o que segue: “(…) vem deste modo, proceder à resolução da cessão de posição do contrato em benefício da massa insolvente, uma vez que a celebração do negócio se verifica ruinosa e frusta os credores da insolvência.
Tal procedimento verifica-se altamente prejudicial à massa insolvente, (…) sucede, porém, que existe, uma avaliação à fração alvo de cedência de posição contratual efetuada a 15 de outubro de 2020 conforme documento que anexo para melhor entendimento, que avalia o imóvel em cerca de 366.000,00€, pelo que, se verifica prejuízo manifesto para a massa insolvente e credores do processo no montante de 232.242,16€; existindo a avaliação de cerca de (…) verifica-se que a massa insolvente foi lesada na operação realizada, que lhe permitia a venda do imóvel por valor bastante superior ao efetivamente realizado (…)”
10. Notificada daquela “oposição com anulação imediata do contrato de cessão”, a EMP01..., em 08/04/2022, remeteu ao Sr. Administrador Judicial comunicação, pugnando, pela declaração da inexistência de motivos de facto e de direito para a resolução operada.
11. O Sr. Administrador judicial, não obstante ter rececionado, em 11/04/2022, a comunicação remetida, pronunciou-se em 27/04/2022.
12. Por sentença proferida pelo Juiz ... do Juízo de Comércio de Guimarães, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no âmbito do Proc. de Insolvência com o n.º 6113/21...., foi, em 26.01.2022, declarada a Insolvência da Sociedade Comercial “EMP02..., Lda”.
13. A Insolvência foi requerida pela Sociedade Comercial “EMP03..., Unipessoal, Lda.”, ora Credora da Massa Insolvente de “EMP02..., Lda”, em 17.11.2021;
14. E nomeado Administrador da Insolvência CC;
15. No âmbito dos seus poderes, o A.I., tomou conhecimento, no mês Março de 2022, da cessão da posição da posição contratual feita pela ainda “Sociedade EMP02..., Lda”, a favor da Autora, em 19.11.2022.
16. Do contrato de locação financeira imobiliária celebrado entre a, ainda, Sociedade “EMP02..., Lda” e o Banco 1... S.A., a respeito da fração autónoma melhor identificada no n. º1 da Petição Inicial, então celebrado em ../../2014, por um período de 120 meses.
17. Do relatório de Avaliação feito pelo Perito DD, da Comissão de Mercados e Valores Mobiliários (CMVM), o Perito atribui à fração ora em causa o valor total de € 386.281,25;
18. Desse montante, € 36.281,25 diz respeito ao valor de terreno e € 350.0000,00 ao do edifício;
19. A Autora veio reclamar à Ré, a título de facturas vencidas e não pagas, o valor de € 784 855,28 (setecentos e oitenta e quatro mil oitocentos e cinquenta e cinco euros e vinte e oito cêntimos;
20º Valor ao qual foi abatido o montante de €133.757,84 respeitante ao negócio de cessão da posição celebrada entre Autora e Ré;
21. Foi efectuada peritagem no âmbito da liquidação desta insolvência tendo sido inserto nestes autos o mencionado relatório pericial e dado o contraditório;
22º. Desse relatório resulta que foi indicado como valor da venda imediata do imóvel, lote n.º ...7, artigo matricial ...14 (aqui em discussão) um valor de mercado do imóvel devoluto de €225.000,00 ( abordagem de mercado) e de €207.000,00 (abordagem do rendimento), sendo da conclusão de que o valor de €207.000,00, exprime nos pressupostos estabelecidos, o valor de mercado do imóvel legalizado , devoluto, livre de ónus e encargos.
Factos não provados:
1. O negócio da cessão da posição contratual celebrado entre Autora e Ré foi feito por 34,63 % do valor venal da fração;
2. É assim certo e evidente que, a cessação da posição contratual, através do contrato de dação em cumprimento, foi prejudicial para Ré;
3. Pois, face ao valor do imóvel, que, reitere-se, está avaliado em € 386.281,25, devia tê-lo sido, pelo menos, pelo valor real que este negócio apresenta.”
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IV MÉRITO DO RECURSO.

-IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
A recorrente manifesta a sua discordância contra o facto provados constante do ponto 8, e contra os factos não provados constantes dos pontos 1, 2 e 3.
Pretende impugnar essa matéria de facto.
Pretende ainda aditar um facto ao elenco dos provados: “A Autora conhecia o estado de insolvência iminente da Ré Massa Insolvente da Sociedade EMP02..., à data da realização do negócio”.
Mas mais à frente veremos melhor estas pretensões.
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Cumpre por isso começar por enunciar os requisitos de ordem formal que permitem a este Tribunal apreciar a impugnação da matéria de facto, para então se verificar se a recorrente os cumpriu, nomeadamente, e sem prejuízo do que já dissemos e identificamos, se indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; se especifica na motivação os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, se indica na motivação as passagens da gravação relevantes; apreciando criticamente os meios de prova, se expressa na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme resulta do disposto no art.º 640º, n.ºs 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, págs. 155 e 156.
Conforme Acs. do STJ, designadamente de 29/10/2015, 03/05/2016 e de 21/03/2019 (publicados em www.dgsi.pt, como todos a que nos vamos referir sem indicação de outra fonte), podemos distinguir nestas exigências um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação, e um ónus secundário tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. No primeiro caso cabem as exigências de concretização dos pontos de factos que se consideram incorretamente julgados, especificação dos concretos meios de prova que sustentam a decisão errada e/ou diversa (sendo que o Tribunal pode considerar esses e, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão, conforme art.º 607º, n.º 5 do C.P.C.), e a indicação do sentido em que se deveria ter julgado a matéria de facto, na posição do recorrente, ou da decisão a proferir (art.º 640º, n.º 1, a), b) e c)). No segundo caso cabe a exigência de indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver reapreciados (a), n.º 2, do art.º 640º). Em ambos os casos a cominação para a falta de cumprimento das exigências é a rejeição imediata do recurso (cfr. a dita disposição), sem possibilidade de prévia oportunidade de aperfeiçoamento da peça. Em ambos os casos os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade devem orientar a decisão de rejeição (já que a parte ficará prejudicada ao não ver apreciado o seu recurso por motivos de ordem formal). A “nuance” entre os dois casos decorrerá do bom senso com que se analisam as exigências, as quais antes de mais têm que ver com o facto de possibilitar à parte contrária um efetivo exercício do contraditório para além de serem decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, visando-se com elas assegurar a seriedade do próprio recurso. Se as primeiras exigências são imprescindíveis a esse exercício e orientam também o Tribunal de recurso relativamente ao que se lhe pretende sujeitar, a segunda exigência, tendo em vista a melhor orientação para esse efeito, ainda que seja cumprida de forma imprecisa, caso a parte contrária tendo apreendido convenientemente o alcance do visado, e o Tribunal esteja habilitado ao pretendido reexame, não imporá a rejeição do recurso, mas antes o seu aproveitamento. Desde modo se dará prevalência ao mérito sobre a forma, princípio enformador do atual C.P.C..
Além disso, a sanção de rejeição do recurso apenas poderá abarcar o segmento relativo à impugnação da matéria de facto e, dentro deste segmento, apenas poderá abranger os pontos relativamente aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras.
Por último, e continuando a seguir a orientação do nosso STJ, face ao que se pretende assegurar com cada um dos ónus, a especificação dos pontos concretos de facto deve constar das conclusões (arts.º 635º, n.º 4, 640º, n.º 1, a), e 639º, n.º 1, do C.P.C.). No mais (meios de prova concretos e indicação das passagens das gravações) basta que constem do corpo das alegações.
Em 17/10/2023 foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência pelo STJ (n.º 12/2023, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, págs. 44 a 65) no sentido de se interpretar a exigência da indicação do sentido pretendido prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 640º, na ótica de que o recorrente não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.
Trata-se da consagração de uma corrente do STJ apologista de um menor rigor formal exigido no cumprimento dos ónus formais impostos no art.º 640º do C.P.C., promotora da verdade material em detrimento da observação de formalidades, de menor relevância, desde que não seja postergado o exercício cabal do contraditório, bem como seja apreendida em termos claros pelo julgador a pretensão recursiva, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, instrumentais em relação a cada situação concreta.
A recorrida invoca o incumprimento dos ónus impugnatórios, defendendo a rejeição do recurso nessa vertente. Assiste-lhe parcial razão, conforme veremos.
Aplicando ao caso, já enunciamos a matéria que a recorrente pretende ver reapreciada, e aditada.
Também resulta o sentido daquela reapreciação: o 8 que passe a ser considerado não provado, e os 1 a 3 passem a provados, este último com exceção do valor mencionado, sugerindo a seguinte redação: “1.- A manutenção do negócio entre a insolvente e a locadora permitia a venda em conjunto dos três pavilhões (imóveis distintos e no qual está incluída a fração em discussão nos autos) e que constituem a sede da insolvente, a massa insolvente poderia, para si, ficar com o valor superior ao da cedência da posição contratual – no valor € 133.757,84.; 2.- O negócio foi prejudicial para a massa insolvente.”
Este sentido retira-se da leitura integral da peça recursiva, pelo que, no seguimento da posição do nosso STJ, mostra-se cumprido o dever legal por parte da recorrente.
Quanto aos meios de prova em que se sustenta, e relativamente ao ponto 8, invoca o depoimento da testemunha AA. Quanto aos 1, 2 e 3, refere o doc. ... junto com a p.i. (o que quer referir é o doc. ... junto com a comunicação de resolução) e a conjugação com o ponto 22 dos factos provados.
Por último, quanto ao pretendido aditamento, baseia-se no depoimento de BB.
Sucede que, no que respeita à prova gravada, concretamente os depoimentos das mencionadas testemunhas, a recorrente não indica as passagens da gravação em que funda o seu recurso. De facto, relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, no corpo das alegações, as passagens da gravação relevantes, e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos. Quanto a esta exigência, bem como à divisão jurisprudencial que vem suscitando o seu incumprimento, veja-se o Ac. desta Relação de 24/01/2019 (processo n.º 3113/17.6T8VCT.G1).
Ora, relativamente à impugnação do ponto 8, na verdade, apesar de invocar o impedimento ao seu conhecimento, a recorrida subsidiariamente acaba por se pronunciar, exercendo o respetivo contraditório.
No que respeita à matéria pretendida aditar, acaba por referir um óbice quanto à sua consideração: a mesma não foi alegada.
Faremos por isso uma apreciação destes dois itens, respeitando a posição da recorrida (analisando o sustento do ponto 8, e a viabilidade do aditamento nessa circunstância), situação que se afigura como a mais correta de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, e na prevalência da verdade material sobre a forma.
Antes disso, e quanto aos pontos 1, 2 e 3 não provados, segundo interpretamos e já resulta, a recorrente não apresenta como seu sustento qualquer depoimento, pelo que se impõe a aferição de erro de julgamento apenas com base no raciocínio feito pela recorrente.
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A propósito da reapreciação da matéria de facto, dispõe o art.º 662º, n.º 1, do C.P.C. que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos que resultam do n.º 5 do art.º 607º do C.P.C.. Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder à reapreciação da prova, de acordo com a própria convicção que sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material. A propósito refere também Abrantes Geraldes na mesma obra, pág. 273, "(…) a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”. E na pág. 274 (…) “a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daquelas que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.  
Porém, não está em causa proceder-se a novo e global julgamento, não sendo exigido nem permitido à Relação que de motu proprio se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo Tribunal de 1ª instância, para deles se extrair uma decisão inteiramente nova (pág. 279). Assim a Relação irá examinar a decisão da primeira instância e seus fundamentos, analisar as provas gravadas e proceder ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, pronunciando-se apenas quanto aos concretos pontos impugnados.
O Tribunal da Relação, nesta sua função de reapreciação da decisão de facto, não opera apenas em casos de erros manifestos de apreciação, mas também pode formar uma convicção diversa da 1ª instância sobre os pontos de facto impugnados, o que deve levar a nova decisão que contenha esse resultado, fundamentadamente, ou seja, com base bastante para alterar aquela que foi a convicção (errada) do juiz de 1ª instância (erro de julgamento - error in iudicando, concretamente error facti).
Partindo do princípio do dispositivo, deve o recorrente indicar os meios de prova que no seu entender deviam ter feito o Tribunal a quo trilhar caminho diverso no seu juízo probatório; contudo, o Tribunal ad quem não está limitado a essa indicação – que será seu ponto de partida e pode até ser o bastante- podendo e devendo se tal se impuser (além dos demais poderes conferidos em termos de retorno à primeira instância ou de oficiosidade) socorrer-se de todos os meios de prova produzidos nos autos para confirmar ou rebater a argumentação do recorrente.
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Voltando agora ao ponto 8, e ao depoimento de AA, pretende a recorrente que se considere não provado que “Se não fosse a cessão todos os credores ficariam privados do direito à aquisição do imóvel, pela destruição do contrato por via de resolução.”
A propósito deste depoimento, disse o Tribunal recorrido, assim motivando a sua decisão: “A testemunha AA, foi apresentada pela impugnada massa insolvente, sendo administrativa do senhor Administrador Judicial, nomeado nestes autos. Depôs revelando conhecimento directo da resolução, mas já não do negócio que resolveu. Nas suas palavras “ajudou na comunicação da resolução”. Justificou a tomada de posição do senhor A.I, “por causa de uma avaliação que tinha sido feita e havia beneficio da massa insolvente”. Não obstante admitiu que €133.757,84 foi o valor da cessão contratual, decorrente da conta corrente, desvalorizando, apesar de saber que foi o credor que pagou, o montante de €68.460,22, de rendas que se encontravam em atraso à Locatária.
Nas suas declarações, que revelaram bastante interesse na causa e dificuldade em abstrair-se delas para a discussão dos factos, “o interesse era cumprir o contrato, pagar a divida e vender o imóvel.”
Contudo parece ter olvidado que o imóvel não é propriedade da insolvente, sendo apenas uma locação financeira e que este é apenas um de três pavilhões comunicantes, onde a insolvente exercia a sua actividade.
Daí ter esta testemunha insistido que o senhor Administrador pretende vender todos juntos (relembra-se que apenas 1 dos 3 pavilhões é da insolvente e os restantes encontravam-se com contratos de locação), não obstante só a fracção principal ser propriedade plena da insolvente e existindo outra com locação financeira com a Banco 2... (a quem já terão efectuado a comunicação que pretendem continuar o negócio).
Desta forma foi notória a perspectiva do senhor A.I e da sua assessora, não tendo estes revelado qualquer conhecimento dos contornos do negócio que resolveram e que só o efectuaram atenta a proximidade com a insolvência e por o entenderem prejudicial, sem conhecerem os reais contornos.
Coloca-se a questão que não foram capazes de responder de que se a Autora não tivesse assumido o pagamento dos €68 mil euros de rendas em atraso, o banco iria ficar com o imóvel, que desta forma também não ficaria na disposição da insolvente.”
E ainda, como destaca a recorrida, “…da audição do senhor Administrador foi notória a interpretação que fez do negócio, entendendo resolvê-lo por ter sido um privilégio em relação a um dos credores. Assumiu que não ponderou alguns dos documentos enviados pela aqui Autora, na resolução porquanto os mesmos só foram enviados pela aqui Autora, na resolução porquanto os mesmos só foram enviados posteriormente e não o fizeram abalar as suas convicções. Admitiu igualmente não ter tomado em consideração que o bem não podia ser vendável, pois tratava-se de uma locação, nem o facto de as plantas não estarem corretas face ao piso ilegal construído (o que é visível no alvará).”
E frisando também o depoimento de EE que “…tendo analisado o relatório de avaliação junto pelo senhor A.I e encontrado divergências de áreas.
Efetivamente apresenta 2 pisos, mas o ... piso é clandestino, uma vez que segundo o mencionado relatório (pág.13) a capacidade construtiva se encontra esgotada.”
O que a recorrida pretende realçar é que a impossibilidade de venda do imóvel e a ausência de uma estratégia do AI para cumprir o contrato.
Basicamente, e quanto ao ponto 8 que é sobre o que para já nos debruçamos, o Tribunal dá por assente que a única via teria sido a resolução do contrato por falta de pagamento das rendas.
A nosso ver a questão da falta de prova daquele ponto não se coloca nesses termos. A testemunha (ou o AI) não sustentou a possibilidade de cumprimento do contrato nos termos perspetivados, atentas as fragilidades apontadas pelo Tribunal recorrido. Mas isso não chegará, nem será essa, a tese em causa.
A questão coloca-se antes de mais na (eventual) falta de suporte da ilação tirada pelo Tribunal. Ou seja, resta saber se, perante o seu incumprimento, a locadora iria exercer o direito de resolução, nomeadamente em face das garantias que do mesmo constam (e que no contrato de cessão foram substituídas). Porem, analisados os autos, constata-se que não temos elementos para o inferir, sendo certo que a afirmação constante do ponto 8 tem subjacente um juízo dedutivo/conclusivo.
Note-se que nos estamos a posicionar no momento hipotético anterior à declaração de insolvência, no contexto da alegação da recorrida; após a declaração de insolvência, à luz do art.º 108º, n.º 4, CIRE, o locador não pode requerer a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas respeitantes ao período anterior à data da declaração de insolvência, portanto não teria sentido essa indagação.
Tudo o que sabemos e podemos afirmar é que havia uma dívida e os termos dos contratos, nos termos dados por assentes.
Assim, entende-se que tal facto (8) deve ser passar para o elenco dos não provados, procedendo a impugnação.
Porque, a manter-se, estaria em contradição com o facto não provado, e face ao art.º 662º, n.º 2, c), C.P.C., elimina-se do ponto 6 a expressão “e em vias de ver o contrato resolvido”.
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Quanto ao facto pretendido aditar (“A Autora conhecia o estado de insolvência iminente da Ré Massa Insolvente da Sociedade EMP02..., à data da realização do negócio”), efetivamente ele não foi alegado nesses termos pela recorrente.
O que consta da contestação é: “De resto, afigura-se curioso que, à data do negócio celebrado, já sendo a Autora credora da Ré em, pelo menos, € 784.855,29, não conhecer, como afirma no Art.º 74º da Petição Inicial, que “(…) “à data da celebração do negócio, a exponente não tinha, sequer, conhecimento que a insolvente se encontrava em situação de insolvência (…)”.
E o que consta da p.i é efetivamente isso. Ou seja, foi a requerente/recorrida que alegou o contrário, e por sua vez a requerida/recorrente impugnou essa matéria, interpretando a sua expressão “afigura-se curioso”.
Independentemente do ónus da (alegação e) prova, matéria que se reporta a regras de direito probatório material que aplicaremos infra, e não se podendo nesta sede colmatar falhas que não foram invocadas por aquele a quem o facto podia aproveitar, o que pode constar é a data do requerimento de apresentação do pedido de insolvência -17/11/2021-, a data do negócio -19-11-2021, bem como o valor do crédito da recorrida à data -€ 918.613,12 (784.855,20 + 133.757,84), tudo conforme já resulta da matéria assente. Daí a irrelevância do depoimento indicado, sendo certo que a sua consideração poderia pôr em causa a violação do contraditório, já que a recorrida aqui não “ultrapassou” o facto da recorrente não ter cumprido o ónus impugnatório, falta essa já assinalada.
Acresce que o AI não invocou esse facto na comunicação extrajudicial de resolução, o que impede aqui a sua consideração, como mais à frente veremos, pelo que sempre se mostraria inútil esta apreciação – cfr. art.º. 130º do C.P.C. - que impede a prática de atos inúteis no processo, incluindo uma reapreciação de matéria de facto sem repercussão na decisão a proferir.
E ainda que assim não se entendesse, uma vez que a recorrente não cumpriu o ónus impugnatório previsto no art.º 640º, n.º1, b) e n.º 2, a), C.P.C. (-a recorrente, quanto ao depoimento da testemunha indicada como fundamento da sua pretensão, apenas remete para uma afirmação contextual de apreciação do mesmo feita na própria sentença), tal conduz de qualquer modo à sua rejeição.
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Passando para a matéria não provada, a recorrente baseia a sua impugnação num raciocínio de lógica – conjugação com o ponto 22 dos factos provados- e em prova documental – doc. ... junto com a p.i..
O ponto 22 tem a seguinte redação: “Desse relatório resulta que foi indicado como valor da venda imediata do imóvel, lote n.º ...7, artigo matricial ...14 (aqui em discussão) um valor de mercado do imóvel devoluto de €225.000,00 (abordagem de mercado) e de €207.000,00 (abordagem do rendimento), sendo da conclusão de que o valor de €207.000,00, exprime nos pressupostos estabelecidos, o valor de mercado do imóvel legalizado, devoluto, livre de ónus e encargos.”
Quando refere o doc. ... da p.i., quer referir-se ao primeiro junto com a peça, à fatura de € 133.757,84. Sucede que esse valor tem de ser conjugado (e somado) ao mencionado no ponto 7.
Os pontos 17 e 18, tal como o 22, esgotam-se na menção ao que consta dos respetivos relatórios, tal como resulta da sua redação.
O que se infere dos mesmos, como veremos, é a falta de prova da versão da massa, tal como foi levado aos pontos 1 a 3 dos factos não provados, e isso porque não se deu valor probatório positivo ao relatório mencionado em 17 e 18, no confronto com o mencionado em 22; este juízo é o que resulta da motivação.
De facto, estamos perante meios de prova e não factos, tal como o ponto 21 não é um facto a considerar, diz apenas respeito à tramitação processual. O Tribunal também não deu por assente o valor do relatório mencionado em 22, quando muito a consideração dessa avaliação serviu para abalar (conjugadamente com os outros elementos) a versão da R., que era a que se impunha provar.
O que estava alegado como fundamento era: que o preço da cessão foi de € 133.757,84 (€ 68.460,22 de rendas em atraso e € 65.297,82 de valores em dívida, abertos na conta corrente da Ré na contabilidade da Autora); que a fração em causa tem o valor de € 386.281,25 e por isso que do negócio resulta um prejuízo para a insolvente, face ao valor de mercado apresentado, de € 252.523,41. Isto não se provou e consequentemente foram levados aos factos não provados o mencionado em 1 a 3 dos mesmos.
O que a recorrente não pode é não considerar os € 200.000,00 do negócio (tendo de englobar também o pagamento das rendas ao Banco), e, “abandonando” a tese de que a fração tinha o valor de € 386.281,25, vir agora alterar a sua versão, pretendendo que passe a constar factos que não alegou, e conclusão que não se estriba em factos alegados.
Na sua peça processual, a recorrente não mencionou a intenção de venda conjunta, nem o valor de € 366.000,00 que, por isso, não foi levado aos factos (provados ou não provados).
O que foi levado à matéria não provada foram os factos, tal como alegados. E o que daí decorre é a falência da versão da R., nomeadamente no que concerte ao acerto da avaliação mencionada em 17 e 18 (nomeadamente, mas não só, pelo seu confronto com a mencionada em 21 e 22).
Não obstante, e quanto ao prejuízo, o Tribunal concluiu “Desta súmula efectuada resultou para o Tribunal os contornos do negócio, a sua não prejudicialidade e a pouca acuidade do senhor A.I, uma vez que caso operasse a resolução efectuada, teria de devolver à Autora, não só o montante de créditos que havia sido abatido, como o valor de rendas, muito elevado que foi por esta liquidado junto da locadora, sob pena de estar a massa insolvente a enriquecer sem causa.
E a massa não tem neste momento, nem teria antes de vender o único pavilhão que é propriedade da insolvente, qualquer montante para efectuar esse pagamento. Além de que este pavilhão não foi comprado pela Autora à insolvente, mas apenas cedida a posição contratual num contrato de locação, tendo agora a Autora a obrigatoriedade do pagamento das restantes rendas, até ao final do prazo. Desta forma não vemos a prejudicialidade do negócio, nem que haja sido privilegiado um credor em detrimento dos demais, porquanto não se tratou de qualquer negócio gratuito, nem sequer desproporcionado com o valor de mercado, atendendo ao valor da recente avaliação efectuada no âmbito da liquidação.”
Na sequência do que se disse, o mencionado nos pontos 17, 18, 21 e 22, devem ser eliminados, porque não são factos, o que se determina ao abrigo do art.º 607º, n.º. 3, ex vi art.º 663º, n.º 2, ambos do C.P.C..
Ao abrigo do art.º 607º, n.º 4, 2ª parte, ao ponto 9 adita-se/corrige-se a sua redação, com base na comunicação de resolução junta aos autos, matéria que não foi objeto de impugnação, nestes termos:
“9. Datada de 31/03/2022, o Sr. Administrador de Insolvência, enviou à EMP01..., que a recebeu em 01/04/2022, a carta registada com aviso de receção, onde refere, além do mais, o que segue: “1. (…) vem deste modo, proceder à Resolução da Cessão de Posição do Contrato em benefício da massa insolvente, uma vez que a celebração do negócio se verifica ruinosa e frusta os credores da insolvência.
2. Tal procedimento verifica-se altamente prejudicial à massa insolvente, uma vez que o imóvel foi cedido pelo montante de 133.757,84 €, dos quais 68.460,22 € referentes às prestações em dívida para com o Banco 1... S.A., sendo os restantes 65.297,82 € referentes a valores em conta corrente.
3. Sucede, porém, que existe, uma avaliação à fração alvo de cedência de posição contratual efetuada a 15 de outubro de 2020 conforme documento que anexo para melhor entendimento, que avalia o imóvel em cerca de 366.000,00€, pelo que, se verifica prejuízo manifesto para a massa insolvente e credores do processo no montante de 232.242,16€; 4. Existindo a avaliação de cerca de 366.000,00 €, verifica-se que a massa insolvente foi lesada na operação realizada, que lhe permitia a venda do imóvel por valor bastante superior ao efetivamente realizado;
5. O procedimento da cessão da posição contratual enquadra-se no nº 2 do artigo 120º do CIRE, dado que provoca uma diminuição significativa do valor da massa insolvente.
6. Igualmente com aquele procedimento, favorece-se o credor EMP01... Lda., violando-se o princípio PAR CONDITIO CREDITORUM, por se ter preferido pagar a um credor, em preterição dos restantes.
7. Por se verificar que o negócio praticado, diminui, os interesses dos credores, ficará a cedência de posição contratual sem efeito, devendo o imóvel reverter à massa insolvente, para venda no processo de insolvência.”
Por último, ao abrigo das mesmas disposições, acrescenta-se ao ponto 1, porque consta do documento junto aos autos:
1. Em 08/08/2014, foi celebrado, por documento particular, entre a locadora, Banco 1... S.A., e a locatária, sociedade EMP02... Lda., um contrato de locação financeira imobiliária que tinha como objeto a fração autónoma designada pela letra ..., do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...19, da freguesia ... (...) e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...14 da mesma freguesia, pelo prazo de 120 meses, a contar do dia 08/08/2014.
Das suas condições particulares, no que concerne a garantias, consta: “A locatária efetuou a subscrição de uma livrança em branco, a favor do Banco, avalizada por FF, GG e HH, cujo preenchimento o Banco está autorizado a efetuar, nos termos da respetiva autorização de preenchimento, assinada pela própria, cujo original fica em poder do Banco.”.
Nada mais há a alterar na matéria de facto, improcedendo as restantes pretensões.
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Passamos ao elenco dos factos estabilizados e renumerados:
1. Em 08/08/2014, foi celebrado, por documento particular, entre a locadora, Banco 1... S.A., e a locatária, sociedade EMP02... Lda., um contrato de locação financeira imobiliária que tinha como objeto a fração autónoma designada pela letra ..., do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...19, da freguesia ... (...) e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...14 da mesma freguesia, pelo prazo de 120 meses, a contar do dia 08/08/2014.
Das suas condições particulares, no que concerne a garantias, consta: “A locatária efetuou a subscrição de uma livrança em branco, a favor do Banco, avalizada por FF, GG e HH, cujo preenchimento o Banco está autorizado a efetuar, nos termos da respetiva autorização de preenchimento, assinada pela própria, cujo original fica em poder do Banco.”.
2. Em 26/03/2020, aquela sociedade EMP02... Lda., aderiu à designada moratória do Estado, ao abrigo do regime previsto no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março (que estabelece medidas excecionais, no âmbito da pandemia da doença COVID-19).
3. Em virtude da aplicação daquela moratória, o plano contratual de pagamentos originalmente previsto foi alterado, pelo que, o contrato celebrado vigoraria até ../../2026, prorrogando-se as datas de pagamento do capital, rendas, juros, comissões e/ou outros encargos.
4. Por contrato de 19/11/2021, a sociedade EMP02... Lda., cedeu à EMP01... a sua posição contratual de locatária no contrato de locação financeira imobiliária, com todos os direitos e obrigações inerentes, pelo preço de 200.000,00€, que foi pago pela impugnante ao locador, sendo 66.242,16€ a título de rendas vencidas e encargos e o restante, até perfazer os 200.000,00€ (ou seja, 133.757,84€), acertado na conta corrente.
5. Por efeito deste contrato, a EMP01... assumiu a posição de locatária, nos termos contratualmente assumidos pela sociedade EMP02... Lda.,
6. que se encontrava em incumprimento perante o Banco 1....
7. Existiam prestações em dívida à locadora, à data de 01/12/2021, no valor de 66.242,16€ (sessenta e seis mil, duzentos e quarenta e dois euros e dezasseis cêntimos).
8. Datada de 31/03/2022, o Sr. Administrador de Insolvência, enviou à EMP01..., que a recebeu em 01/04/2022, a carta registada com aviso de receção, onde refere, além do mais, o que segue: “1. (…) vem deste modo, proceder à Resolução da Cessão de Posição do Contrato em benefício da massa insolvente, uma vez que a celebração do negócio se verifica ruinosa e frusta os credores da insolvência.
2. Tal procedimento verifica-se altamente prejudicial à massa insolvente, uma vez que o imóvel foi cedido pelo montante de 133.757,84 €, dos quais 68.460,22 € referentes às prestações em dívida para com o Banco 1... S.A., sendo os restantes 65.297,82 € referentes a valores em conta corrente.
3. Sucede, porém, que existe, uma avaliação à fração alvo de cedência de posição contratual efetuada a 15 de outubro de 2020 conforme documento que anexo para melhor entendimento, que avalia o imóvel em cerca de 366.000,00€, pelo que, se verifica prejuízo manifesto para a massa insolvente e credores do processo no montante de 232.242,16€; 4. Existindo a avaliação de cerca de 366.000,00 €, verifica-se que a massa insolvente foi lesada na operação realizada, que lhe permitia a venda do imóvel por valor bastante superior ao efetivamente realizado;
5. O procedimento da cessão da posição contratual enquadra-se no nº 2 do artigo 120º do CIRE, dado que provoca uma diminuição significativa do valor da massa insolvente.
6. Igualmente com aquele procedimento, favorece-se o credor EMP01... Lda., violando-se o princípio PAR CONDITIO CREDITORUM, por se ter preferido pagar a um credor, em preterição dos restantes.
7. Por se verificar que o negócio praticado, diminui, os interesses dos credores, ficará a cedência de posição contratual sem efeito, devendo o imóvel reverter à massa insolvente, para venda no processo de insolvência.”
9. Notificada daquela “oposição com anulação imediata do contrato de cessão”, a EMP01..., em 08/04/2022, remeteu ao Sr. Administrador Judicial comunicação, pugnando, pela declaração da inexistência de motivos de facto e de direito para a resolução operada.
10. O Sr. Administrador judicial, não obstante ter rececionado, em 11/04/2022, a comunicação remetida, pronunciou-se em 27/04/2022.
11. Por sentença proferida pelo Juiz ... do Juízo de Comércio de Guimarães, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no âmbito do Proc. de Insolvência com o n.º 6113/21...., foi, em 26.01.2022, declarada a Insolvência da Sociedade Comercial “EMP02..., Lda”.
12. A Insolvência foi requerida pela Sociedade Comercial “EMP03..., Unipessoal, Lda.”, ora Credora da Massa Insolvente de “EMP02..., Lda”, em 17.11.2021;
13. E nomeado Administrador da Insolvência CC;
14. No âmbito dos seus poderes, o A.I., tomou conhecimento, no mês Março de 2022, da cessão da posição da posição contratual feita pela ainda “Sociedade EMP02..., Lda”, a favor da Autora, em 19.11.2022.
15. Do contrato de locação financeira imobiliária celebrado entre a, ainda, Sociedade “EMP02..., Lda” e o Banco 1... S.A., a respeito da fração autónoma melhor identificada no n. º1 da Petição Inicial, então celebrado em ../../2014, por um período de 120 meses.
16. A Autora veio reclamar à Ré, a título de facturas vencidas e não pagas, o valor de € 784 855,28 (setecentos e oitenta e quatro mil oitocentos e cinquenta e cinco euros e vinte e oito cêntimos;
17. Valor ao qual foi abatido o montante de €133.757,84 respeitante ao negócio de cessão da posição celebrada entre Autora e Ré;
Factos não provados:
1. O negócio da cessão da posição contratual celebrado entre Autora e Ré foi feito por 34,63 % do valor venal da fração;
2. É assim certo e evidente que, a cessação da posição contratual, através do contrato de dação em cumprimento, foi prejudicial para Ré;
3. Pois, face ao valor do imóvel, que, reitere-se, está avaliado em € 386.281,25, devia tê-lo sido, pelo menos, pelo valor real que este negócio apresenta.”
4. Se não fosse a cessão todos os credores ficariam privados do direito à aquisição do imóvel, pela destruição do contrato por via de resolução.
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-DECISÃO DE DIREITO.

A recorrente entende que a decisão da 1ª instância não deve subsistir, quer face á alteração da matéria de facto que propõe, quer ainda, se bem entendemos, que a mesma permaneça inalterada.
Cabe tecer alguns comentários prévios e chamar as normas aplicáveis.
O art.º 120º do CIRE dispõe, quanto aos princípios gerais a que deve obedecer a resolução em benefício da massa insolvente, o seguinte:
“1 - Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
2 - Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
3 - Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.
4 - Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.
5 - Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;
c) Do início do processo de insolvência. (…)”
O art.º 121º, a propósito e dispondo sobre a resolução incondicional, diz:
“1 - São resolúveis em benefício da massa insolvente os actos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos:
a) Partilha celebrada menos de um ano antes da data do início do processo de insolvência em que o quinhão do insolvente haja sido essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo aos co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos;
b) Actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio de herança ou legado, com excepção dos donativos conformes aos usos sociais;
c) Constituição pelo devedor de garantias reais relativas a obrigações preexistentes ou de outras que as substituam, nos seis meses anteriores à data de início do processo de insolvência;
d) Fiança, subfiança, aval e mandatos de crédito, em que o insolvente haja outorgado no período referido na alínea anterior e que não respeitem a operações negociais com real interesse para ele;
e) Constituição pelo devedor de garantias reais em simultâneo com a criação das obrigações garantidas, dentro dos 60 dias anteriores à data do início do processo de insolvência;
f) Pagamento ou outros actos de extinção de obrigações cujo vencimento fosse posterior à data do início do processo de insolvência, ocorridos nos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência, ou depois desta mas anteriormente ao vencimento;
g) Pagamento ou outra forma de extinção de obrigações efectuados dentro dos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir;
h) Actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte;
i) Reembolso de suprimentos, quando tenha lugar dentro do mesmo período referido na alínea anterior.
2 - O disposto no número anterior cede perante normas legais que excepcionalmente exijam sempre a má fé ou a verificação de outros requisitos.”
Daqui resulta que a lei estabelece dois tipos de presunções, que nos remete para a distinção das figuras da resolução condicional e da resolução incondicional (cfr. por todos Maria do Rosário Epifâneo, “Manual de Direito da Insolvência”, 7ª edição, págs. 248 e segs.):
-uma relativamente aos atos taxativamente enumerados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121º, que são resolúveis em benefício da massa, sem dependência de quaisquer outros requisitos, o que significa que se presumem prejudiciais à massa sem admissão de prova em contrário e que não é necessária a má fé do terceiro -cfr. os n.ºs 3 e 4 do art.º 120º e o corpo do n.º 1 do art.º 121º; é a figura da “resolução incondicional”, em que se dispensa o requisito da má fé e se consagra uma presunção inilidível da prejudicialidade para a massa insolvente dos atos enumerados nas alíneas do art.º 121º;
-outra relativamente aos atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data (art.º 120º, n.º 4); é a figura da “resolução condicional”, incidindo a presunção sobre a má fé do terceiro: trata-se de uma presunção juris tantum, ilidível, pois, por prova em contrário; o ónus de ilisão de tal presunção recai sobre o impugnante da resolução operada pelo Sr. Administrador de Insolvência.” -Ac. desta Relação de 30/11/2017 (processo n.º 90/14.9T8VLN-D.G2).

Face à alusão supra cabe chamar à colação o art.º 49º do CIRE que estabelece:
“1 - São exclusivamente considerados especialmente relacionados com o devedor pessoa singular:
a) O seu cônjuge e as pessoas de quem se tenha divorciado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) Os ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor ou de qualquer das pessoas referidas na alínea anterior;
c) Os cônjuges dos ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor;
d) As pessoas que tenham vivido habitualmente com o devedor em economia comum em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.
2 - São exclusivamente considerados especialmente relacionados com o devedor pessoa coletiva:
a) Os sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas, e as pessoas que tenham tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) As pessoas que, se for o caso, tenham estado com a sociedade insolvente em relação de domínio ou de grupo, nos termos do artigo 21.º do Código dos Valores Mobiliários, em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
c) Os administradores, de direito ou de facto, do devedor e aqueles que o tenham sido em algum momento nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
d) As pessoas relacionadas com alguma das mencionadas nas alíneas anteriores por qualquer das formas referidas no n.º 1.
3 - Nos casos em que a insolvência respeite apenas a um património autónomo são consideradas pessoas especialmente relacionadas os respectivos titulares e administradores, bem como as que estejam ligadas a estes por alguma das formas previstas nos números anteriores, e ainda, tratando-se de herança jacente, as ligadas ao autor da sucessão por alguma das formas previstas no n.º 1, na data da abertura da sucessão ou nos dois anos anteriores.
4 - Para os efeitos do presente artigo, não se considera administrador de facto o credor privilegiado ou garantido que indique para a administração do devedor uma pessoa singular, desde que esta não disponha de poderes especiais para dispor, por si só, de elementos do património do devedor.”
Sobre a interpretação/aplicação ao caso a fazer desta norma podemos ver o Ac. desta Rel. de 7/10/2021 (processo n.º 818/19.0T8GMR-B.G1).
Outra matéria respeita à repartição do ónus da prova: alinhamos no entendimento da corrente da jurisprudência maioritária no sentido de que a ação prevista no art.º 125º do CIRE é uma ação de simples apreciação negativa, visando a demonstração da inexistência ou a não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo A.I. na carta resolutiva, cabendo por isso à massa insolvente o ónus da prova da verificação de tais pressupostos e não ao impugnante a prova de que tais pressupostos não se verificam, por força do que dispõe o art.º 343º do C.C. (cfr., por todos, Acs. da Rel. do Porto de 12/5/2015, 27/4/2017 e de 23/1/2017, da Rel. de Coimbra de 21/05/13, Acs. da Rel. de Guimarães de 10/4/14, de 11/7/2017, de 27/4/2017 e de 13/2/2020, e Ac. do STJ de 25/2/14, e Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda na obra “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 3ª ed., pág. 514).
Sobre o tratamento desta matéria podemos ver o Ac. desta Relação de 18/11/2021, processo n.º 3045/20.0T8GMR-G.G1, assim sumariado:
“II. A acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente visa a declaração de inexistência do fundamento invocado para a resolução e, assim de ineficácia da mesma, pelo que, de entre as várias espécies de acções contempladas no art.º 10º do CPC, deve ser qualificada como acção de simples apreciação negativa.
III. Esta acção só pode ter um de dois desfechos:
a) se está perante uma resolução incondicional e a massa alegou e provou um dos actos referidos no n.º 1 do art.º 121º, a acção deve ser julgada improcedente; se não alegou ou não provou, a acção deve ser julgada procedente.
b) se está perante uma resolução condicional e a massa alegou e provou a prejudicialidade e os demais requisitos, a acção deve ser julgada improcedente; se não alegou ou não provou, a acção deve ser julgada procedente.”
Tudo passa por isso por conjugar o ónus da prova com as presunções legais já mencionadas.
A prejudicialidade ou é presumida (n.º 3) ou tem de ser provada (n.ºs 1 e 2, sempre do art.º 120º).
Em princípio, a prejudicialidade do acto necessita de ser demonstrada, nos termos do n.º 1 do apontado art.º 120º do CIRE e do art.º 342º, n.º 1 do C.C., cabendo ao Administrador da Insolvência alegar e provar, caso se imponha, a bondade do direito potestativo por si exercitado extrajudicialmente (Ac. do STJ de 27/11/2019).
E, em regra, é requisito da resolução a má fé (cfr. art. 120º e nº2, do art. 121º), sendo que a resolução prevista no nº1, do art. 121º, para determinados atos prejudiciais, não exige a verificação de má fé.
Além disso, o art.º 120º estabelece duas presunções: presunção de prejuízo patrimonial contemplada no nº3 e presunção de má fé definida nos termos do nº4. A presunção do prejuízo patrimonial, contida no nº3, não é ilidível, apenas cabendo provar a realização do ato, a presunção prevista no nº4 pode ser afastada pelo devedor ou por terceiro beneficiado com o ato, por prova em contrário (cfr. nº2, do art.º 350º, do C.C.) –cfr. Maria José Esteves e Sandra Alves Amorim, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Vida Económica, pág. 191, e Ac. da Rel. de Guimarães de 20/5/2021 (processo n.º 865/18.0T8VNF-C.G2, www.dgsi.pt: “…a lei tem o cuidado de discriminar, no art. 121.º seguinte do CIRE, actos que se presumem «prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados» (conforme n.º 3, do art. 120.º antes citado). Fala-se, então, de resolução incondicional, uma vez que, nestes casos (discriminados nas alíneas a) a i) do n.º 1 do art. 121.º citado) a resolubilidade do acto prejudicial à massa insolvente ocorre sem mais requisitos (presumida juris et de jure que está a prejudicialidade do acto, não é necessária a demonstração da má-fé do terceiro interveniente no acto objecto de resolução). Fora daquele elenco, a resolução, além de exigir a prejudicialidade à massa insolvente (demonstrada ou presumida juris et de jure, conforme respectivamente art. 120.º, n.º 2 e n.º 3 do CIRE), «pressupõe a má fé de terceiro, a qual se presume» iuris tantum «quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início da insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data» (n.º 4 do mesmo art. 120.º). A má fé de terceiro pode ser ilidida por aquele por prova em contrário, nomeadamente pela não verificação de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 5 do citado artigo 120.º, de cujo conhecimento, por parte do terceiro, decorre a existência de má fé. Fala-se, então, de resolução condicional. Logo, a lei estabeleceu dois tipos de presunções (que implicam com questões probatórias): uma inilidível (iure et de iure), de prejudicialidade para a massa insolvente dos actos taxativamente enumerados nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 121.º do CIRE (resolúveis em benefício da massa, sem dependência de quaisquer outros requisitos, nomeadamente da má-fé do terceiro), falando-se de resolução incondicional; e outra ilidível (tantum iuris), de má-fé do terceiro interveniente em actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, ou em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data (art. 120.º, n.º 4), falando-se de resolução condicional.”
Marco Carvalho Gonçalves (“Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais”, págs. 398 e 399) diz-nos: “O conceito de “ato prejudicial à massa” reveste uma natureza geral, abstrata e indeterminada que o legislador concretiza no n.º 2 dizendo que se consideram “prejudiciais à massa” os atos que “diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.” É o que sucede, por exemplo, de acordo com a lição de, com a venda de um bem imóvel, sem que a respetiva contrapartida tenha sido apreendida no âmbito do processo de insolvência e/ou representado um aumento do valor patrimonial ativo do devedor, bem como com os “contratos simulados e quaisquer outros como os negócios indiretos, celebrados com intuito defraudatório e os que o devedor, na iminência da sua insolvência, dentro dos dois anos anteriores ao início do processo, celebra com terceiro, seu credor, que a conhece, com o fito de apenas o beneficiar, abatendo logo ao passivo o declarado preço da compra e venda de um imóvel, em relação ao qual não existe, reciprocamente, qualquer intenção de transferir o direito real de propriedade.”
Para que a resolução em benefício da massa insolvente possa operar, é necessário que o administrador da insolvência demonstre a natureza prejudicial do ato objeto de impugnação, o que implica, portanto, que o ato revista natureza patrimonial.
Como vimos, no n.º 3 do art.º 120º consagra-se uma presunção inilidível (iure et de iure) quanto à prejudicialidade para a massa de qualquer ato do tipo dos elencados no art. 121º, n.º 1, ainda que o mesmo tenha sido praticado ou omitido fora dos prazos nele previstos.
Após o tratamento teórico da matéria, e enveredando pelo caminho da resolução condicional, por ser a que se afigurou ao Tribunal recorrido ser a figura que se cogita, concluiu assim: “No caso, claramente, não estamos perante um acto que haja frustrado a satisfação dos credores da insolvência, na medida em que, se por um lado fez sair da esfera jurídica da insolvente, por contrato de cessão da posição contratual, um pavilhão que a insolvente detinha em regime de locação financeira, também as rendas em atraso já ultrapassavam os €68.000,00, pelo que a entidade bancária poderia ter retomado o referido pavilhão. Nesse caso se o atraso nas rendas se tivesse mantido, nem o dinheiro dessas rendas teria sido pago e a Locadora ter-se-ia apresentado neste Tribunal a solicitar o pagamento das mesmas, sendo credora com garantia, nem a Autora teria se considerado paga de mais de €132.000,00 da sua conta corrente, pelo que o passivo da massa insolvente seria bastante superior.
Não podemos considerar que se haja tratado, de um acto que tenha provocado uma desigual distribuição do património deixando os demais credores, privilegiados e comuns sem património a repartir para satisfação dos seus créditos, na medida em que ainda existem dois pavilhões, um de propriedade plena da insolvente e outro também em regime de locação. E nesse caso não seria só a Autora a beneficiada, mas também a Locadora que havia recebido o pagamento do seu crédito, mormente as rendas em atraso.
Não temos, assim, preenchida a cláusula geral de prejudicialidade do acto, que verificar a existência dos demais pressupostos, agora passando do nº1 para o nº4 do art. 120º.
Acresce que dos autos não resulta qualquer relação especial entre a insolvente e a Autora.
De igual modo, não existe fundamento fáctico para crer que à data da celebração da cessão da posição contratual a Autora soubesse que a devedora com quem efectuou o negócio, estava em situação económica muito difícil e que viria a ser declarada insolvente.
Do exposto resulta que, efectivamente, não está alegado pelo Administrador da Insolvência qualquer facto, nem dos autos resulta a má-fé da Autora, pelo que falece um dos pressupostos necessários à resolução do negócio em benefício da massa insolvente, falecendo também pelos motivos que supra já se referiu, a prejudicialidade do negócio.
Não estão, pois, preenchidos todos os requisitos de que dependia a resolução deste acto, pois não se tratou um acto prejudicial à massa e não se presume, nem foram alegados ou provados factos atinentes à má-fé da terceira nele interveniente.
A pretensão da Autora de obstar à resolução é, assim, clara e integralmente procedente.”
A recorrente baseia a sua pretensão recursiva na verificação do circunstancialismo previsto na alínea h) do n.º 1 do art.º 121º. Esta matéria não consta da comunicação de resolução, em que se invoca sempre e apenas o prejuízo para a massa (conforme art.º 120º, n.º 2), constando, contudo, subsidiariamente da contestação apresentada nos autos; a R. enveredou pelo art.º 120º, n.º 2, por isso pela prova do prejuízo; subsidiariamente refere aquela outra disposição.
Ora, conforme vem salientado por Marco Carvalho Gonçalves (“Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais”, pág. 414, destacando jurisprudência nesse sentido), os fundamentos invocados na comunicação delimitam o objeto da resolução, ficando, por conseguinte, vedada a possibilidade de, posteriormente, a declaração ser aperfeiçoada ou complementada com novos factos e/ou, em sede de contestação à ação de impugnação da resolução, ser suprida a eventual deficiência na alegação dos fundamentos que estiveram na base da resolução em benefício da massa insolvente. Da jurisprudência citada podemos retirar que não pode invocar na contestação factos que não invocou na comunicação; mas pode alterar a qualificação jurídica dos (mesmos) factos.
Aceitamos por isso que, mantendo a mesma factualidade, esta apenas altere a qualificação jurídica.
Não obstante, em sede recursiva a recorrente, a dado passo, altera claramente o seu raciocínio e passa a mencionar o prejuízo de € 13.168,784 (?).
*
Não trataremos da questão do requisito temporal porque não foi matéria abordada nem está em causa.
Em primeiro lugar, cabe salientar que a passagem do ponto 8 dos factos para os não provados não tem qualquer influência na decisão. Não cabia à recorrida provar que o prejuízo que resultaria, caso não ocorresse o negócio, seria superior.
Em segundo lugar, não estamos perante pessoa especialmente relacionada com a devedora, nos termos em que essa noção legal prevê. Isso não foi invocado na resolução extrajudicial, nem foi cogitado em fase alguma.
Em terceiro, também não estamos perante nenhuma das situações taxativas do n.º 1 do art.º 121º, alíneas a) a g) e i). Veremos mais à frente a situação da alínea h).
Sem prejuízo do que se verá quanto a esta alínea, e começando por aquela que foi a posição expressa pelo AI na resolução operada, teria então de resultar dos factos que o negócio foi prejudicial à massa, nos termos exigidos pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 120º. Neste campo, concorda-se com a versão do Tribunal recorrido, quando diz que, se não fosse a cessão, o valor dos créditos seria superior; também quando nota que, sendo a insolvente mera locadora (posição que cedeu), e tendo rendas vencidas, não há pressupostos para ponderar a venda do imóvel. A A. beneficiou porque viu-se parcialmente paga, o Banco 1... viu as rendas em dívidas pagas, a massa saiu beneficiada porque os créditos foram reduzidos. A saída do direito que a insolvente tinha sobre a fração, que integraria o património, foi pago.
Quanto á má fé, requisito cumulativo, não se provou nenhuma das circunstâncias aludidas no n.º 5 do mesmo artigo, nomeadamente face à falência da pretensão da recorrente de ver alterada a matéria de facto, e não se podendo inferir dos dados assentes (e que já destacamos) qualquer dessas situações.
Neste caso, não vigorando nenhuma presunção, cabia ao AI a prova de ambos.
No ponto 41 do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004 de 18-03 que aprovou o CIRE diz-se: “A finalidade do processo de insolvência – o pagamento na maior medida possível, dos credores da insolvência – poderia ser facilmente frustrada através da prática pelo devedor, anteriormente ao processo ou no decurso deste, de atos de dissipação da garantia comum dos credores: o património do devedor ou, uma vez declarada a insolvência, a massa insolvente. Importa, portanto, apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham ainda na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por eles praticados ou omitidos aqueles atos, que se mostram prejudiciais para a massa.”
A esse propósito, Miguel Teixeira de Sousa (anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2014, processo n.º 1936/10, publicada in “Cadernos de Direito Privado”, n.º 50, Abril-Junho de 2015, pág. 59) diz: “A justificação para a resolução em benefício da massa insolvente encontra-se fundamentalmente na par conditio creditorum, que caracteriza o processo de insolvência: nenhum credor, seja porque goza das especiais simpatias do devedor insolvente, seja porque pode exercer sobre este alguma pressão, deve ser beneficiado por um negócio que venha a ser celebrado por esse devedor, pois que a massa insolvente não deve diminuir em benefício de um credor e prejuízo dos demais. A finalidade da resolução é manter ou recuperar, em benefício de todos os credores, um certo valor patrimonial para a massa insolvente. (...) Para se analisar se um acto é prejudicial à massa insolvente há que realizar um juízo hipotético, dado que importa comparar a situação patrimonial (real) que se verifica após a prática do acto com a situação (hipotética) que se verificaria se o acto não tivesse sido praticado. O acto realizado é resolúvel quando aquela situação real for mais desfavorável à massa do que esta situação hipotética”.
Esse raciocínio foi feito pelo Tribunal recorrido em termos que se nos afiguram corretos e que já destacamos.
Portanto, falecendo a prova da prejudicialidade do ato, necessariamente teria de proceder a ação. Acresce, contudo, a falta de prova da má fé.
Não foi dada como provada a versão da R. quanto ao valor da fração, nem outro valor, para que a alínea h) do art.º 121º, n.º 1, pudesse ser cogitada. Reitera-se que o negócio foi de cessão da posição de locatária, pelo que essa verificação teria de ser feita perante a ponderação entre o valor dessa posição no caso concreto (que inclui as rendas vencidas, não pagas e vincendas) e o valor do negócio: € 200.000,00. Essas são as contraprestações em causa e ponderáveis.
O raciocínio do AI partiu de pressupostos que não estão sustentados; a venda (dos três pavilhões) não pode ser ponderada porque o AI não veiculou para os autos quaisquer elementos nesse sentido, não deu nota da viabilidade e dos termos dessa intenção, além de não se ter provado o valor em que se baseou. Isto sem prejuízo de legalmente isso ser possível, face aos termos do disposto no art.º 108º CIRE.
Cabia ao AI a decisão sobre a manutenção ou denúncia do contrato –art.º 108º, n.º 1, CIRE. Os efeitos da denúncia constam do n.º 3; em caso de manutenção, haveria que ponderar o pagamento das rendas vincendas. Todavia, nada resulta em concreto quanto à sua intenção e à viabilidade da mesma.
Por isso também não resulta dos dados que temos que as obrigações assumidas pelo devedor excedam manifestamente as da contraparte.
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Mais acrescentaremos: a propositura de uma ação de impugnação pauliana será admissível nos casos em que, apesar da resolução ter sido efetuada, a mesma venha a ser declarada ineficaz por decisão definitiva – nesse sentido, Marco Carvalho Gonçalves, mesma obra, pág. 419. Portanto, um credor que tenha a seu favor os respetivos requisitos, pode dela lançar mão – art.ºs 127º CIRE, e 610º e segs. do C.C..
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Pelo exposto, mais não resta do que declarar a improcedência do recurso.
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V   DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso da Ré totalmente improcedente, e em consequência, negam provimento à apelação, mantendo a sentença recorrida.
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Custas a cargo da recorrente (art.º 527º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Guimarães, 4 de abril de 2024.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício
2º Adjunto: José Alberto Moreira Dias