Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
998/15.4TBRG.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
EMBARGOS DE EXECUTADO
ACÇÃO DECLARATIVA
NULIDADE DO CONTRATO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Tendo sido deduzidos embargos à execução nos quais se suscitou a questão da validade ou invalidade do negócio jurídico formalizado no escrito e relativo ao contrato de locação de estabelecimento, que constitui o título executivo, sendo esta uma questão relativa ao mérito (validade ou nulidade do contrato), discutida e decidida na sentença que julgou improcedentes os embargos, tal constitui força ou autoridade de caso julgado relativamente a acção declarativa em que mais uma vez se pretende invocar a nulidade do contrato (mais propriamente de uma das suas cláusulas).
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Recorrente(s): B. e Outros (autores);
Recorrido(s): C. (réu);

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Nos presentes autos, B. e Outros vieram propor a presente acção sob a forma de processo comum contra C..

Pedido:
- que seja declarada nula a cláusula segunda, n.º 3, do contrato de locação de estabelecimento celebrado entre o R. e a sociedade “D., L.da” e que os autores assinaram como fiadores; subsidiariamente, se condene o R. a restituir aos AA. todos os valores que lhes foram retirados dos respectivos patrimónios após a entrega do estabelecimento ou, subsidiariamente ainda, ser o R. condenado a restituir aos AA. todos os valores que lhes foram retirados dos respectivos patrimónios após a data em que passou a ter novos locatários para o mesmo estabelecimento.

Causa de pedir:
Os autores assinaram, na qualidade de fiadores, um contrato de locação de estabelecimento celebrado entre o R. e a sociedade “D., L.da”; o R. instaurou acção executiva contra a dita sociedade e os referidos fiadores, para pagamento de rendas; a referida acção executiva encontra-se na fase de penhora dos vencimentos dos executados; os executados (aqui AA.) deduziram embargos de executado, que foram decididos e julgados improcedentes; a cláusula contratual que proíbe a denúncia do contrato é nula, verificando-se ainda o enriquecimento do R. à custa dos AA.

Contestou o réu, arguindo, além do mais, a excepção de caso julgado, com os fundamentos constantes da contestação.
Respondeu a A.
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Na decisão recorrida absolveu-se o réu da instância, por estar abrangida pelo caso julgado material que resulta da oposição à execução no processo n.º 2788/11.4TBGDM-A, do 3º Juízo Cível de Gondomar.


Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso os autores, pretendendo a sua revogação e em cujas alegações suscitam, em suma, as seguintes questões:
I – No caso dos autos, uma vez que a peça processual que alegadamente está repetida e que no entender do Tribunal “a quo” leva ao caso julgado é oposição à execução, ou seja, os aqui Apelantes na oposição são autores, como o são igualmente nestes autos, e assim sendo, o principio da concentração da defesa não é aqui aplicável, tanto mais que quer na oposição quer nestes autos os ora Apelantes nunca se defenderam e nunca foram sempre autores.
II - Não nos parece ser aplicável ao caso dos autos o princípio da concentração da defesa ou da preclusão, pelas razões apontadas
III - No caso dos autos, não restam dúvidas que existe identidade dos sujeitos processuais quer nos embargos decididos quer nesta acção de que se recorre.
IV - O efeito jurídico pretendido numa e noutra acção não será exactamente o mesmo, pois nos embargos pretendia-se a extinção da execução e nestes autos pretende-se a nulidade de uma cláusula constante do contrato que é o título executivo dado aos autos.
V - A grande diferença é a causa de pedir que nos embargos de executado é a exequibilidade do título e qualificação da relação subjacente, a manutenção das obrigações dos executados após a entrega do imóvel, e existência de vício na formação da vontade e as suas consequências, neste processo as questões são a nulidade pela denúncia antecipada e o enriquecimento sem causa.
VI - A Nulidade pode ser invocável a todo o tempo (artigo 286º do Código Civil), sendo igualmente de conhecimento oficioso.
VII - Relativamente à sua invocação a todo o tempo, temos que não tendo sido invocada (nem conhecida oficiosamente) na oposição à execução, a nulidade, para que possa ser invocada a todo o tempo, não pode o Tribunal “a quo” entender que precludiu o direito de a arguir, o que resultaria numa violação clara da lei substantiva.
VIII - Relativamente ao conhecimento oficioso da excepção da nulidade, temos que o mesmo não ocorreu na oposição à execução e por isso não poderá haver caso julgado com a actual invocação, senão note-se o n.º 2 in fine do artigo 573.º do actual CPC.
IX - Sendo as questões de direito de conhecimento oficioso (artigo 5.º do Código de
Processo Civil) não preclude aos Apelantes, então Autores, a possibilidade de as invocar posteriormente, não sendo aplicável, nesta situação concreta, o princípio da concentração da defesa.
X - Os Apelantes nunca foram Réus e por isso não deduziram qualquer contestação, pelo que não existe qualquer caso julgado na presente acção.
XI - Embora o Tribunal “a quo” não tenha conhecido de mais nenhuma questão após a sua decisão de procedência do caso julgado, certo é que o instituto jurídico do enriquecimento sem causa, mesmo que não se entendesse o prosseguimento dos autos pela arguição da nulidade que pode ser feita a todo o tempo e o conhecimento oficioso da mesma, não era fundamento para afastar a decisão sobre o caso julgado, era suficiente para se distinguirem as causas de pedir, nomeadamente quanto à sua impossibilidade de alegação em qualquer momento anterior, ou seja, na oposição à execução.
XII - O instituto jurídico do enriquecimento sem causa é de natureza subsidiária da
obrigação, ou seja, só poderá ser arguido quando esgotados todos os meios para ser indemnizado ou quando a lei não lhe faculte outro meio (artigo 474.º do Código Civil)
XIII - Ora no caso dos autos, ainda que articulado com a excepção da nulidade, só poderia ser arguido nestes autos e nunca nos autos de oposição à execução e por isso a evidente impossibilidade da existência do caso julgado, quer formal quer material.
XIV – O pedido de aplicabilidade do instituto do enriquecimento sem causa é um pedido novo e sobretudo uma causa de pedir única nos dois processos em confronto pelo Tribunal “a quo”. Só puderam os Apelantes socorrer-se do enriquecimento depois de esgotar todos os outros meios nomeadamente a oposição à penhora onde não o poderia ter feito.
XV – Foram violadas as seguintes normas: artigo 489.º do CPC anterior à Lei 41/2003; artigo 817.º n.º 1 do Código de Processo Civil anterior à Lei 41/2013; artigo 573.º n.º 2 in fine do Código de Processo Civil; artigo 5.º do Código de Processo Civil e artigo 474 do Código Civil.

Houve contra alegações nas quais se pugna pela bondade do julgado.


II – Delimitação do objecto do recurso; questão a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

A única questão suscitada pelos Recorrentes é a de saber se a sentença recorrida deve ser alterada, no sentido de se julgar improcedente a excepção de caso julgado material.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


III – Fundamentos;

1. De facto;

As incidências fáctico-processuais que emanam da certidão judicial extraída do processo n.º 2788/11.4TBGDM-A, do 3º Juízo Cível de Gondomar, cujo teor consta de fls. 175 a 198 dos presentes autos.


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2. De direito;


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Coloca-se, à consideração deste Tribunal, a questão de saber se ocorre a excepção dilatória do caso julgado, como decidiu o Tribunal a quo.
De acordo com o estatuído no artº 580º do CPC, a excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso.
Para que se repita, é necessário que ocorra identidade de sujeitos, pedidos e de causas de pedir, nos termos do artº 581º, nº1, do mesmo diploma.
“A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente ..., mas também a inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica ...” e a autoridade de caso julgado manifesta-se no seu efeito positivo de proibição de contradição de decisão transitada e no seu aspecto negativo de proibição repetição da decisão; traduz-se no “comando de omissão ou a proibição de acção respeitante ao impedimento subjectivo à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e ao impedimento subjectivo à contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente” (Miguel Teixeira de Sousa, em “O objecto da sentença e o caso julgado material”, no BMJ 325, págs. 325, págs. 176 e 179).
“Assim, verifica-se que o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente” (Idem, 178).
Também Lebre de Freitas (CPC Anotado, Vol 2º, 325), refere que pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito enquanto a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito.
Neste sentido, resume o douto Acórdão do STJ de 16.02.2012, processo nº 286/07.0TVLSB.L1.S1, o qual transcrevemos com a devida vénia:
“A excepção de caso julgado, excepção dilatória no regime vigente (art. 494.º, al. i), tendo como pressuposto a repetição de uma causa decidida por sentença que já não admite recurso ordinário - e repetindo-se a mesma quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (arts. 497.º, n.º 1, e 498.º, n.º 1) -exerce duas funções: a) uma função positiva; e b) uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal.
Visando tal excepção, assim, evitar que o tribunal contrarie na decisão posterior o que decidiu na primeira ou a repita; a autoridade do caso julgado é o comando da acção ou proibição de repetição.
Sendo certo que a autoridade de caso julgado e a excepção de caso julgado não são duas figuras distintas, mas antes duas faces da mesma figura – consistindo o facto jurídico “caso julgado” em existir uma sentença (um despacho) com trânsito sobre determinada matéria.

E, caso se encontrem preenchidos os pressupostos do caso julgado, pode distinguir-se entre o caso julgado formal, externo ou de simples preclusão e o caso julgado material ou interno.
Consistindo o primeiro (art. 672.º) em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, nada obstando, porém, em que a matéria da decisão seja diversamente apreciada noutro processo, pelo mesmo ou por outro Tribunal. Correspondendo o mesmo às decisões que versam apenas sobre a relação processual, não provendo sobre os bens litigados.
Consistindo o segundo (art. 671.º), geralmente designado como caso julgado “res judicata”, em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os Tribunais (e até a quaisquer outras autoridades), quando lhes seja submetida a mesma relação. Todos têm de a acatar, de modo absoluto, julgando em conformidade, sem nova discussão. Competindo o mesmo às decisões que versam sobre o fundo da causa, sobre os bens discutidos no processo, definindo a relação ou situação jurídica deduzida e discutida em Juízo.
Quando constitui uma decisão de mérito (decisão sobre a relação material controvertida) a sentença produz, também fora do processo, efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se nos planos substantivo e processual, distinguindo-se, neste, como atrás aflorado, o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado)”.

E quanto aos seus limites?
O artº 608º, nº2, do CPC, impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido á sua apreciação e nos termos do artº 621º, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
Ora, se para uns os limites objectivos do caso julgado se confinam à parte injuntiva da decisão, não constituindo caso julgado os fundamentos da mesma - Castro Mendes (DPC, III (1980), 282 e 283), Antunes Varela, (Manual de Processo Civil, 695), Manuel de Andrade (Noções Elementares (1976), 334) e Anselmo de Castro (Lições de Processo Civil, I, 1970, 363 e segs) -, para outros reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos (Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 578), pois que o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.
Em “Notas ao Código de Processo Civil”, III, pag. 200 e 201, o Conselheiro Rodrigues Bastos afirma, também, que a posição actualmente predominante é favorável a uma mitigação do referido conceito restritivo de caso julgado, no sentido de, considerando embora o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.
Veja-se os Acórdãos do STJ de 30.4.96, CJ STJ IV, 2, 48 e de 5/5/05 in dgsi.pt, além de muitos outros.
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Reportando-nos ao caso sub judice importa ter presente a problemática da estrutura e âmbito dos embargos de executado e a estrutura da excepção de caso julgado.
Ora, o cerne da questão recursiva em causa tem a ver - não com os efeitos da preclusão ou não do direito de os recorrentes virem agora suscitar o problema da nulidade de cláusula do contrato de locação de estabelecimento e da restituição do indevido por enriquecimento sem causa porque nos embargos por si deduzidos os embargantes não invocaram tais fundamentos – mas sim com os contornos da autoridade de caso julgado material que emerge da sentença proferida nos embargos de executado.
A acção executiva foi instaurada para pagamento de quantia certa baseada no título executivo relativo a um contrato de locação de estabelecimento com fiança, no qual figuravam os aqui autores/apelantes como fiadores da locatária.
A causa de pedir na acção executiva em geral consubstancia-se na obrigação exequenda, que deve constar de documento com a idoneidade de título executivo, meio de prova legal da sua existência (artº 10º, nº 5, do CPC).
Por via dela visa-se realizar o concernente direito de crédito violado, ou seja, nela se requerem as providências adequadas à sua reparação efectiva.
Na hipótese de o título executivo se consubstanciar em documento particular, como ocorre no caso vertente, o tribunal da execução, na fase declarativa dos embargos de executado, pode sindicar, sem limites específicos, a sua relevância (artº 731º do CPC).
A fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se, com efeito, como contra-execução, destinada à declaração da sua extinção, sob o fundamento de inexistência da obrigação exequenda ou do título executivo ou da ineficácia deste último.
Assim, os fundamentos dos embargos de executado podem ser de natureza substantiva, relativos à própria obrigação exequenda, ou de natureza processual concernentes à inexistência ou inexequibilidade do título executivo (artº 729º, por remissão do artº 731º, 1ª parte do CPC.
Por isso, os ali executados podiam invocar na oposição, além dos que são especificados na lei a propósito do título executivo a que se reporta o citado artº 729º, os que lhes fosse lícito deduzir como meio de defesa no processo de declaração (artº 731º, 2ª parte do CPC), como seria, adiante-se desde já, os relativos à nulidade do contrato de locação (negócio jurídico subjacente) e ao enriquecimento sem causa.
Assim, eles podiam deduzir nos embargos de executado a inexistência de título executivo ou da obrigação exequenda, ou a sua extinção por qualquer meio, por via de impugnação ou de excepção peremptória.
Na sua dinâmica, consubstanciam-se, pois, numa fase eventual da acção executiva tendente a obstar ao seu normal desenvolvimento por via da afectação negativa dos efeitos normais do título executivo, com fundamento em factos de impugnação e ou de excepção.
Daí que se entenda que a inobservância do ónus de excepcionar por via de embargos (o que não se verifica no caso em apreciação porque houve embargos), não acarreta qualquer cominação, mas tão só a preclusão de um direito processual cujo exercício seria ou podia vir a ser vantajoso.
Por isso, como refere Lebre de Freitas, in A Acção Executiva – 2ª ed., 158 e sgs., não estando o efeito preclusivo coberto pelo caso julgado emergente da sentença, como acontece na acção declarativa (na execução não há caso julgado)” nada impede a invocação duma excepção não deduzida (que não respeite à configuração da relação processual executiva ) em outro processo.
Só que, no caso em apreço, foram deduzidos embargos à execução nos quais se suscitou a questão da validade ou invalidade do negócio jurídico formalizado no escrito e relativo ao contrato de locação de estabelecimento, que constitui o título executivo, sendo esta uma questão relativa ao mérito (validade ou nulidade do contrato), discutida e decidida na sentença que julgou improcedentes os embargos, como se alcança das seguintes excertos:
“O que importa é saber se existe a obrigação de pagar as rendas, mesmo após a cessação do contrato e a entrega do locado, ou seja, saber-se se os oponentes operaram validamente a resolução do contrato e se com a entrega do locado ocorreu algum facto que impediu o vencimento das rendas posteriores, ou se pelo contrário, as mesmas se continuaram a vencer.
(…) No caso, as partes convencionaram expressamente sobre as regras da denúncia, pelo que são as supracitadas estipulações contratuais válidas e as que regem a cessação do contrato no caso dos autos.
Em suma, os locatários podiam denunciar o contrato em qualquer momento, mas ficavam obrigados a pagar as rendas vincendas até ao termo do contrato.
Em parte alguma do acordado, ou da lei, se vislumbra norma que libere ou desonere os executados de tal obrigação, que expressamente reconheceram como justa.
Sendo tal estipulação contratual permitida por lei, deve ser pontualmente cumprida – art.s 406º e 762º, do Código Civil”.
Enfim, o que os recorrentes pretendem com a presente acção declarativa, ao invocarem a nulidade do contrato (mais propriamente de uma das suas cláusulas), é mais uma vez que haja uma apreciação jurisdicional sobre a validade ou não do dito contrato.
Em suma, que se sujeite a julgado fundamento já invocado e decidido.
Porém, tal impede-o a força ou autoridade do caso julgado que emana dessa sentença de embargos, sob pena de incorrer em contradição com o já decidido.
Ademais, inovadoramente, o actual artº 732º, nº 5 do CPC, estatui que, para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado material quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda (1).
Já o seu nº 4 refere-se ao efeito sobre a execução, extinguindo-a, no caso de procedência doa embargos.

Por seu turno, a impossibilidade de invocação de tal fundamento atinente à nulidade do contrato neutraliza a faculdade de arguição do outro fundamento relativo ao enriquecimento sem causa, pois que aquele constituía premissa deste.
A restituição por enriquecimento funda-se também ela, por um lado, na invalidade do contrato e, por outro, na inexigibilidade das rendas vencidas – limites e termos estes do caso já julgado e que se impõe com autoridade, por força da sentença de embargos.
Como esgrime o recorrido, a “decisão proferida sobre o objecto prejudicial vale como autoridade de caso julgado na acção em que é apreciado o objecto dependente” – neste sentido Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 575.
Como se defende no Acórdão do TRP de 23.02.2015, proc. 4091/07.5TVPRT.P1, in www.dgsi.pt., “Já a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (relevando então primacialmente razões de certeza ou segurança jurídica)”.

Tão pouco procede o argumento de que a agora (na acção declarativa) invocação deste instituto - enriquecimento sem causa - resulta da circunstância de se terem esgotado os meios processuais de reacção dos recorrentes, ante a improcedência dos embargos.
Com efeito, a natureza subsidiária que define tal instituto tem natureza substantiva e não adjectiva como pretendem os recorrentes.

Porquanto se deixa aduzido, não procede a apelação.
Só que, no caso em apreço, foram deduzidos embargos à execução nos quais se suscitou a questão da validade ou invalidade do negócio jurídico formalizado no escrito e relativo ao contrato de locação de estabelecimento, que constitui o título executivo, sendo esta uma questão relativa ao mérito (validade ou nulidade do contrato), discutida e decidida na sentença que julgou improcedentes os embargos, como se alcança das seguintes excertos:
“O que importa é saber se existe a obrigação de pagar as rendas, mesmo após a cessação do contrato e a entrega do locado, ou seja, saber-se se os oponentes operaram validamente a resolução do contrato e se com a entrega do locado ocorreu algum facto que impediu o vencimento das rendas posteriores, ou se pelo contrário, as mesmas se continuaram a vencer.
(…) No caso, as partes convencionaram expressamente sobre as regras da denúncia, pelo que são as supracitadas estipulações contratuais válidas e as que regem a cessação do contrato no caso dos autos.
Em suma, os locatários podiam denunciar o contrato em qualquer momento, mas ficavam obrigados a pagar as rendas vincendas até ao termo do contrato.
Em parte alguma do acordado, ou da lei, se vislumbra norma que libere ou desonere os executados de tal obrigação, que expressamente reconheceram como justa.
Sendo tal estipulação contratual permitida por lei, deve ser pontualmente cumprida – art.s 406º e 762º, do Código Civil”.
Enfim, o que os recorrentes pretendem com a presente acção declarativa, ao invocarem a nulidade do contrato (mais propriamente de uma das suas cláusulas), é mais uma vez que haja uma apreciação jurisdicional sobre a validade ou não do dito contrato.
Em suma, que se sujeite a julgado fundamento já invocado e decidido.
Porém, tal impede-o a força ou autoridade do caso julgado que emana dessa sentença de embargos, sob pena de incorrer em contradição com o já decidido.


III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

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Custas da apelação pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.


Guimarães, ....06......../..10....../..2016.......,

(1) Neste sentido, veja-se José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, ed. 2016, pág. 221.