Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
970/10.0TBBGC-A.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO DE RECURSO
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
LIQUIDAÇÃO DE PATRIMÓNIO
PARTILHA
SÓCIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) A dissolução e liquidação das sociedades comerciais regem-se pelo disposto nos artigos 141.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
2) As sociedades comerciais extinguem-se com o registo do encerramento da liquidação.
3) Em relação a terceiros, no entanto, a extinção só opera depois da publicação do facto, a menos que se prove que o mesmo está registado e que o terceiro tem conhecimento dele.
4) Extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social, mas só até ao montante que receberam na partilha.
5) Incumbe ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha do património da sociedade
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
RELATÓRIO
Em apreciação temos incidente de habilitação de sucessores que "R…, Lda." veio apresentar por apenso à execução nº970/10.0TBBGC que instaurou contra "G…, Lda.", pedindo a habilitação de M… e R….
A fundamentar este pedido alegou que na pendência das diligências iniciais da execução que corre termos pela ação principal a Sr. a Agente de execução veio a apurar que a executada fora dissolvida se encontrava extinta, tendo os sócios declarado que não existia ativo nem passivo, o que não corresponde à verdade.
Relativamente ao passivo, existia entre outras a dívida à requerente.
Quanto ao ativo, invocou a existência de bens e dinheiro, que os sócios receberam em partilha, pelo que devem responder nessa medida.
Os requeridos deduziram oposição, impugnando a alegação dos requerentes, pois aquando da partilha do ativo nada receberam, pelo que não podem ser responsabilizados pela dívida.
.Realizou-se audiência de julgamento, mediante a observância das formalidades
No final foi proferida decisão que julgou o incidente parcialmente procedente por provado e consequentemente habilitar os sócios M… e R… a prosseguirem na acção executiva como executados até ao montante de 12 .013,12 euros.

Os requeridos não se conformaram com esta decisão impugnando-a através do presente recurso, pretendendo vê-la revogada.
Apresentam as seguintes conclusões:
1 - A apelante vem interpor recurso da sentença de fls., que julgou o incidente parcialmente procedente por provado e, em consequência, habilitou os sócios, aqui apelantes, a prosseguirem na acção executiva como executados até ao montante de € 12.013,12. 2 - Com o devido respeito pela decisão ora em crise, os apelantes não podem conformar-se com a mesma, uma vez que foi proferida com erro na apreciação de provas e na aplicação do direito.
3 - Da resposta dada à matéria controvertida de facto, a Mma Juiz considerou indevidamente provados os factos constantes dos pontos 9 e 10 da matéria assente constante da sentença recorrida.
4 - Assim, a apelante pretende a alteração da decisão de facto, no que aos citados pontos importa, devendo os mesmos considerarem-se não provados, nos termos do artigo 712°, do Código de Processo Civil.
5 – Porém, independentemente, da alteração ou não da matéria de facto, ocorre erro de julgamento em virtude de incorrecta aplicação do direito na sentença recorrida.
6 - Com efeito, são requisitos da responsabilidade dos sócios liquidatários de sociedade comercial extinta (art. 158° do CSC), os seguintes:
a) - Dívida social pré-existente à liquidação;
b) - Culpa ao indicar falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados;
c) - Partilha dos bens da sociedade extinta;
7 - Tais requisitos constituem a causa de pedir da acção contra os liquidatários, nos termos daquele art.º 158.° do CSC, sendo que, também quanto à responsabilidade pessoal do antigo sócio, a partilha é o elemento essencial e limite de tal responsabilidade;
8- Assim sendo, a partilha, cujo montante recebido por cada antigo sócio limita a sua responsabilidade pelo passivo social, sendo este o pressuposto essencial da responsabilidade pessoal dos antigos sócios, nos termos do n. ° 1 do art. ° 163. ° do CSC;
9 - Tais requisitos são constitutivos do direito do credor social (da apelada), pelo que a sua alegação e prova (bem como da efectiva realização da partilha) a ela competia (art. 342.°, nº1 do CC);
10 - Pois bem, se quanto aos dois primeiros requisitos até poderão ter tradução na matéria dada como provada (Pontos 4 a 11), já o terceiro, ou seja, a partilha, não se provou que tivesse sido efectuada pelos sócios liquidatários;
11 - Ora, tratando-se de um requisito que constitui a causa de pedir, constitutivo do direito consignado no citado art.º 1580 do CSC, incumbindo, consequentemente, ao credor social que o pretenda invocar judicialmente, e, no caso, à apelada, o ónus de alegação na causa de pedir e prova dos respectivos fundamentos, nos termos gerais do art.º 3420 do Código Civil;
12 - Pelo que, não tendo a apelada logrado provar que a partilha efectivamente se realizou, centrando-se apenas e tão só na mera tentativa de prova da existência ou não de bens na esfera patrimonial da sociedade à data da sua dissolução e liquidação, ter-se-à, consequentemente, de valorar contra aquela a não realização da prova, cujo ónus lhe competia, julgando-se, em consequência, o incidente totalmente improcedente;
13 - A sentença recorrida fez, assim, incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 158.° e 163.º do Código das Sociedades Comerciais, bem como não observou o disposto no artigo 342°. do Código Civil.
Termos em que deve a apelação ser julgada procedente, e em consequência ser revogada a douta sentença apelada, substituindo-se por outra que julgue o incidente totalmente improcedente, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão V.Ex.as, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTiÇA.

A autora contra alegou pugnando, pela não alteração da matéria de facto e pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
As questões a resolver prendem-se com a impugnação da matéria de facto , consequências jurídicas de eventual alteração daquela e enquadramento jurídico .

Fundamentação
De facto
Na 1ª instância foram declarados provados e não provados os seguintes factos:
1.Em 18/12/2009, foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade "G…, Lda. ".
2.O requerimento executivo foi apresentado em 28/07/2010.
3. Os requeridos eram os únicos sócios da sociedade extinta.
4.Consta da ata de dissoluÇão e liquidação da sociedade que "assumiu a presidência o sócio M… que tomou a palavra e referiu que a sociedade já cessou a sua atividade a partir desta data, tendo as respetivas contas sido encerradas e aprovadas, não havendo qualquer ativo nem passivo pelo que se considera dissolvida e se procede a sua liquidação. Posta a discussão tal proposta, a mesma foi votada e aprovada por unanimidade.
5.A sociedade extinta detinha passivo pelo menos para com a requerente.
6. Consta do balanço que a Sociedade extinta detinha um ativo de valor de € 24.614,79.
7.Consta ainda do balanço que, em 31/12/2009, a sociedade extinta era titular de depósitos bancários no valor de € 308,76 e detinha em caixa a quantia de € 1.204,36.
8.O veículo automóvel marca Isuzu, com a matrícula …-0G-… encontrava-se registado a favor da requerente, com reserva de propriedade a favor de "F…", e em 09/11/2009, foi registada a aquisição a favor da sociedade "R…, Lda.", cujo sócio é R…, filho do requerido M… qual labora na mesma sede da sociedade extinta.
9.A sociedade extinta, além de andaimes e outras ferramentas necessárias à aplicação de gesso, era dona de 3 (três) máquinas de projetar gesso, de sua pertença. sendo uma marca JBL e duas de marca Putzfaster.
10.Cada uma daquelas máquinas tinha, à data, um valor comercial de, pelo menos, € 3.500,00.
11.Está registado na CRA, a favor da sociedade extinta, um veículo automóvel de marca Mazda, matrícula

Factos não provados:
1.O veículo Mazda existia no património da sociedade extinta à data da sua dissolução e liquidação.
2.Os sócios nada receberam aquando da dissolução e liquidação da sociedade extinta.
Consigna-se que os demais artigos constantes dos articulados não têm pertinência para a decisão da causa, são conclusivos ou de Direito, pelo que não foram considerados provados ou não provados.

De Direito
Os apelantes sustentam o seu recurso na impugnação da matéria de facto nos termos supra expostos na transcrição das conclusões.
Analisadas as alegações ( stricto sensu ) dos recorrentes, inquestionável é que nas mesmas revelam os apelantes a sua discordância em relação à decisão proferida pelo Tribunal a quo e relativa à matéria de facto, dizendo que os concretos pontos de facto julgados Provados sob os nº 9º e 10º deviam ser considerados não provados em razão dos depoimentos das testemunhas L… e A… os quais impunham diferente interpretação razão porque em última análise incorreu a primeira instância em erro na apreciação das provas.
Já em sede de conclusões recursórias, referem o seguinte
Da resposta dada à matéria controvertida de facto, a Mma Juiz considerou indevidamente provados os factos constantes dos pontos 9 e 10 da matéria assente constante da sentença recorrida.
4Assim, a apelante pretende a alteração da decisão de facto, no que aos citados pontos importa, devendo os mesmos considerarem-se não provados, nos termos do artigo 712°, do Código de Processo Civil.
Como se escreveu no recente acórdão proferido no processo nº 2149/12.8TBVCT.G1 datado de 13.10.2014 relatado pelo Sr Desembargador Fernando Freitas e que se subscreveu na qualidade de adjunta O art.º 662º. do C.P.C. configura a reapreciação da decisão da matéria de facto dando-lhe a configuração de um novo julgamento, tendo sido intenção do legislador, como fez constar da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto. Assim, a alteração da decisão da matéria de facto assume-se agora como um poder vinculado da Relação desde que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos referidos na alínea c), do nº. 2, do referido art.º 662.º, e sem prejuízo da possibilidade de ser ordenada a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu-se agora à Relação o poder/dever de investigação oficiosa, devendo realizar as diligências de renovação da prova e de produção de novos meios de prova, com vista ao apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
Sem embargo, e como decorre do disposto no artº. 640º., do C.P.C., a parte que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve, obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
b) c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Ainda em honra aos princípios da cooperação, da lealdade e da boa fé processuais, que enformam aquele dever, incumbe também à parte recorrente, igualmente com a cominação da imediata rejeição do recurso, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, no caso de os meios probatórios terem sido gravados, como lho impõe a alínea a) do nº. 2 daquele artº. 640º..
Como o próprio legislador reconheceu, entendeu-se que a intervenção legislativa operada no domínio dos recursos pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, “desaconselhava uma remodelação do quadro legal instituído”.
Deste modo, continuam actuais as interpretações doutrinais e jurisprudenciais sobre os deveres impostos ao recorrente que constavam do art.º 685.º-B do anterior Código, e antes da reforma introduzida por aquele Diploma Legal, no art.º 690.º-A.
E como bem observa Abrantes Geraldes, “foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-se a uma repetição do julgamento” assim como foi rejeitada a possibilidade de “recursos genéricos”, visto o legislador ter restringido o âmbito do recurso aos “concretos pontos de facto” relativamente aos quais o recorrente tenha manifestado a sua discordância, justificando-a.
O recurso deve ser rejeitado se nas conclusões não forem especificados os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados; ou se não forem especificados os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que impõem decisão diversa sobre cada um daqueles pontos de facto; ou ainda se não for indicada a decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre cada um dos pontos de facto impugnados; no caso de a discordância se basear em prova gravada, a falta da indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o dissenso é igualmente motivo bastante de rejeição do recurso.
Como refere ainda aquele Autor, estas exigências devem ser apreciadas à luz de “um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2.ª instância”. E, prossegue afirmando tratar-se “de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” (in “Recursos em Processo Civil” 3.ª edição revista e actualizada, Almedina, 2010, págs. 149-159, e “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, págs. 124 e 128-129).
Também Lebre de Freitas et al. chamam a atenção para este “ónus rigoroso” que se impõe ao recorrente, “cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso”, indicando ainda que por esta via se procurou “tornar praticável uma verdadeira reapreciação dos concretos pontos de facto controvertidos, sem custos desmedidos em termos de morosidade na apreciação dos recursos” (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 3.º, pág. 61-62).
Como resulta do próprio texto legal, se as alegações e conclusões forem omissas quanto ao cumprimento de uma daquelas obrigações, não pode o tribunal convidar o recorrente a sanar a falta.
Acresce dizer que e a despeito de prima facie não deixar de repugnar não poder conhecer-se de parte (em sede de impugnação da matéria de facto) de um recurso por o recorrente não ter cumprido os subjacentes ónus processuais, não há forma de o evitar, para tanto não se justificando enveredar por interpretações mais amplas e salvíficas, desvalorizando-se deste modo a função pedagógica da jurisprudência para quem deve alegar e concluir de harmonia com as prescrições legais impositivas da cooperação, da lealdade e da boa fé processuais. Cfr. João Aveiro Pereira, in “O ónus de concluir nas alegações de recurso em processocivil“,www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf‎.
Isto dito, vimos já que os apelantes, nas conclusões [ porque é nelas que o recorrente delimita objectivamente o recurso], não especificam quais os concretos meios de prova em que se baseiam para pedir a alteração da matéria de facto e não indicam de todo, e muito menos com exactidão ( como o exige a lei ), as passagens da gravação [ que é o mesmo que dizer, com a indicação do local e minuto/s da gravação do excerto/s do depoimento relevante ] em que se funda a respectiva impugnação, antes se limitam e de resto em sede de juízo conclusivo, a discorrer que os factos 9º e 10º devem ser considerados não provados.
Dir-se-á, assim, que a conclusão recursiva dos apelantes no sentido de ser revogada a decisão proferida pela primeira instância, com reapreciação da prova gravada e com vista a proceder-se a uma nova análise da factualidade em causa, mais não configura do que “ tão só e apenas, uma proposição genérica, destituída de qualquer especificidade que permita habilitar este Tribunal de segunda instância a efectuar uma qualquer reapreciação factual dentro dos parâmetros objectivados pelo artigo 685º-B, nº1, alíneas a) e b) do CPCivil, neste sentido ver Acórdão deste Tribunal proferido no processo nº 2149/12.8 TBVCT.G1 de 15.09.2014
Em razão do exposto e, em consequência, ao abrigo do disposto no artº 685º-B, nº2, do CPC, impondo-se a rejeição [o que se decreta] do recurso atinente à impugnação da decisão da matéria de facto.
Mas mesmo que assim não fosse, lidas as pequenas passagens dos depoimentos das testemunhas que os apelantes inseriram no corpo das suas alegações e os das mesmas testemunhas constantes das contra alegações, temos de concluir que, nunca a sua pretensão poderia ser procedente, uma vez que resulta claro que as testemunhas demonstraram conhecer a existência das ditas máquinas e do seu valor.
No demais, resulta das alegações do recorrente que a importância da prova gravada se esgota nas passagens que transcreveu, nada indiciando também que imponha a audição integral dos depoimentos testemunhais.
Todavia, ao abrigo do disposto no art.º 662º do CPC/anterior 712º e porque foi alegada a existência de partilha entre os sócios dos bens ( arts 24º e 25º da p.i corrigida) e não houve pronuncia sobre a mesma, procedemos à audição da prova produzida com o objectivo de apreciar a segunda questão colocada em sede recursória - incorrecta interpretação do disposto nos artigos 162.º e 163.º do Código das Sociedades Comerciais e podemos concluir que a decisão acerca da matéria de facto impugnada está correcta.
De facto os depoimentos das testemunhas indicadas pela autora foram claros e coincidentes no que se reporta aos factos nº 9 e 10. Ambas disseram que, as máquinas em causa existiam como propriedade da sociedade extinta e que já as viram nas instalações da sociedade de que o filho dos requeridos consta como sócio gerente. A testemunha L… foi peremptória em afirmar que eu tenho a certeza absoluta que são as mesmas máquinas. São da mesma cor. Iguais. Valiam 3 500 euros no ano de 2009. E justificou este conhecimento afirmando Eu vendo máquinas, novas e usadas. Sei como elas são . Esta é a minha área. Temo-las lá iguais. Compramos e vendemos máquinas.
Por sua vez a testemunha A… demonstrou saber o valor destas máquinas novas e usadas. Referiu assim que as máquinas em causa estavam em bom estado. O valor delas seria na ordem dos 3000 ou 3500 euros sendo que novas custariam cerca de 5000 euros.
Acresce dizer que, estes depoimentos acerca da existência das máquinas foram coincidentes com o depoimento da testemunha A… arrolada pelos requeridos, que exerce a função de técnico oficial de contas sendo que a sociedade extinta era cliente do escritório aonde trabalha. Referiu esta testemunha a existência das máquinas. Contou porém que o requerido lhe comunicou que no ano de 2009 duas delas foram furtadas e que teria apresentado queixa pelo furto. Na falta de outros elementos de prova (nomeadamente prova da queixa crime apresentada) este depoimento não convenceu até porque se limitou a contar o que lhe contaram.
Mas desta audição da prova que fizemos e da consulta dos autos, não temos qualquer prova da alegação constante dos arts 24º e 25º da petição inicial já corrigida (nos termos ordenados pela Relação do Porto em anterior decisão individual junta a fls 100 a 107 destes autos) nomeadamente de que se procedeu á partilha dos haveres sociais e os ex sócios /liquidatários M… e R… receberam os bens que pela partilha lhe couberam.
De facto, nenhuma prova foi feita nesse sentido.
Mas devia ter sido feita prova, e por parte da requerente.
Na verdade, conforme decorre do disposto nos artigos 5º e 6º do Código das Sociedades Comerciais, a sociedade é uma pessoa jurídica distinta dos seus sócios.
Dispõe, no entanto, o artigo 163º n.º 1 do citado Código que «Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha…».
Assente, nestes autos, que a requerente tinha um crédito sobre a extinta sociedade de que eram sócios os requeridos, e que esse crédito não foi satisfeito, torna-se necessário, assim, explicar como é que os débitos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados pelos antigos sócios, certo como é que a decisão de dissolução e liquidação (encerramento da liquidação) da sociedade, tomada pelos sócios, apenas é eficaz entre eles, ou seja, relativamente aos credores sociais, tal decisão é ‘res inter alios acta’ e não lhes pode ser oposta.
Parece não haver dúvida que se mantém a distinção entre o património social e os patrimónios individuais dos sócios. Juridicamente, como já vimos, a sociedade e os sócios são pessoas diversas, com patrimónios separados.
Dissolvida, liquidada e extinta a sociedade, conserva-se, no entanto, a garantia geral dos credores sobre o património desta. Ou seja, o direito de garantia sobre o activo social sobrevive à partilha e os credores sociais podem fazer valer o seu direito de preferência sobre os bens que tenham pertencido à sociedade, desde que provem que estes bens passaram para o património do sócio em execução de partilha.
Aqueles que tinham a qualidade de sócios no momento da extinção da sociedade, respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, mas a sua responsabilidade é limitada ao montante que receberam na partilha, ou, melhor dizendo, cada um destes sócios é responsável até ao montante por ele recebido na partilha do património social. Não ocorre, aqui, qualquer transmissão da dívida da sociedade para os sócios, apenas estes ficando colocados na posição daquela nos termos expostos.
Todavia, para que os sócios possam ser condenados com base no disposto no art.º 163.º é necessário que se alegue e prove que a sociedade tinha bens e que esses bens foram por eles partilhados, sendo que o ónus de alegação e prova desses factos compete ao respectivo credor, por se tratar de factos constitutivos do correspondente direito (art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil) - (cfr., neste sentido os acórdãos do STJ de 23/4/2008, proferido no processo n.º 07S4745 e de 26/6/2008, exarado no processo n.º 08B1184, e disponível em www.dgsi.pt, e decisão individual proferido neste processo pelo Tribunal da Relação do Porto ( ver fls 100 a 107).
Ainda neste sentido, foi proferido o recente acórdão do STJ de 12/3/2013, no processo n.º 7414/09.9TBVNG.P2.S1, disponível no mesmo sítio da internet, que concluiu nos seguintes termos tal como consta do respectivo sumário: “Uma vez extinta uma sociedade comercial, os antigos sócios respondem pelo passivo social, mas só até ao montante que receberam na partilha, sendo que incumbe ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha do património da sociedade”.
No caso dos autos, foi alegada a existência de bens e dinheiro e que os sócios os receberam em partilha.
Todavia apenas se provou a existência do dinheiro, depósitos e máquinas.
Se houve partilha ou não nada sabemos.
Aliás, e em bom rigor, a requerente nem nada alegou quanto ao concreto montante que os requeridos hajam, porventura, recebido em partilha,
Objectar-se-á que, tendo a sociedade bens deveriam ter sido partilhados.
Puro equívoco, porque nada há que garanta se a partilha existiu, de facto.
A ignorância absoluta do que aconteceu aos bens (referimo-nos à natureza jurídica da transferência das máquinas para outra sociedade) não permite qualificar o acto e, como tal, enquadrá-lo na disposição do referido normativo.
Em conclusão, à luz do regime do Código das Sociedades Comerciais, não são os requeridos responsáveis pela dívida ajuizada, por falta de alegação e prova de que tenham recebido em partilha bens da sociedade;
Antes devem constar dos factos não provados por falta da devida prova a seguinte factualidade: Os ex sócios /liquidatários M… e R… receberam os bens que pela partilha lhe couberam, o que se determina.
Sempre poderia dizer-se que os sócios da referida sociedade, quando a dissolveram declararam que não havia nada a liquidar, sabendo, contudo, que existia um passivo referente ao débito que tinha para com a exequente e, por isso, pretenderam, culposamente, impedir a satisfação desse crédito.
Trata-se, aqui, de responsabilidade de natureza delitual ou extracontratual por factos ilícitos, o que, nos termos do artigo 483º n.º 1 do CC exige que o sujeito tenha procedido com dolo ou mera culpa para que possa ser responsabilizado. Sendo delitual esta responsabilidade, o acto que poderá desencadeá-la terá de ser um acto voluntário, ilícito, culposo, danoso e terá de existir um nexo de causalidade entre o acto e o dano.
Conforme vem salientado no Acórdão da Relação do Porto de 31/01/2007, in CJ, ano XXXII, tomo I, pág. 173 «A responsabilidade prevista nos artigos 78º n.º 1 e 80º do CSC é, efectivamente, uma responsabilidade subjectiva e exige-se, por isso, expressamente, que haja um comportamento culposo do gestor. E uma vez que o artigo 78º n.º 1 do CSC não estabelece expressamente nenhum regime específico quanto ao ónus da prova da culpa em termos de presunção de culpa do eventual responsável, funciona aqui o regime geral previsto no artigo 487º do CC, ou seja, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão.»
Ora, neste caso, a exequente/requerente não provou que os requeridos tenham inobservado culposamente disposições legais por forma a tornar o património social da sociedade em causa insuficiente para a satisfação dos créditos dos credores e, em concreto, do seu.
E, uma vez mais nos reconduzimos ao problema da inexistência de património social e sua partilha.
Assim, e com os fundamentos acabados de expor, diversos dos alegados, terá a sentença de ser revogada, com a consequente absolvição dos réus do pedido.

Em resumo:
1) A dissolução e liquidação das sociedades comerciais regem-se pelo disposto nos artigos 141.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
1) As sociedades comerciais extinguem-se com o registo do encerramento da liquidação.
2) Em relação a terceiros, no entanto, a extinção só opera depois da publicação do facto, a menos que se prove que o mesmo está registado e que o terceiro tem conhecimento dele.
3) Extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social, mas só até ao montante que receberam na partilha.
4) Incumbe ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha do património da sociedade.

Decisão:
Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, por via disso, em julgar a acção improcedente, com a absolvição dos requeridos do pedido.
Custas em ambas as instâncias pela requerente/recorrida.
Notifique
Guimarães, 24 novembro de 2014
Purificação Carvalho
Espinheira Baltar
Henrique Andrade