Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2204/06.3TBFLG-B.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRAZO
NEGLIGÊNCIA DO EXEQUENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. Estabelecendo a nova lei um prazo mais curto para a deserção da instância (artº 281/5 do Código de Processo Civil actual e artºs. 285º e 291º nº 1 do anterior Código de Processo Civil) deve, nos termos do artº 297º nº 1 do Código Civil, aplicar-se a nova lei quando à data da sua entrada em vigor se encontrava ainda a decorrer o prazo de interrupção da instância (figura que foi afastada no novo Código de Processo Civil), iniciando-se a contagem do prazo em 1/9/2013.
II. Tendo sido nomeado um solicitador da execução do que a exequente teve conhecimento, tendo sido notificada pelo próprio solicitador da execução do termo da fase 1 da execução, e tendo o exequente acesso, através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais das diligências efectuadas pelo solicitador de execução, impunha-se que diligenciasse pelo regular andamento do processo, na ausência de iniciativa do solicitador de execução.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório
Veio o Banco…, S.A., exequente na execução que intentou contra R… e A…, interpor recurso do despacho da Mma. Juíza a quo que julgou extinta a execução por deserção.
Alega em conclusão que o despacho recorrido deve ser revogado, por violação do disposto no artigo 2º, nº 1, do disposto no artigo 152º e do nº5 do artigo 281º, todos do Código de Processo Civil.

II – Objecto do recurso
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso;

. nos recursos apreciam-se questões e não razões; e,

. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a questão a decidir é a seguinte:

. saber se deveria ter sido proferido despacho sobre o requerimento apresentado pelo exequente em 7.12.2012; e,
. se a instância se extinguiu por deserção.

III – Fundamentação
Da consulta do processo em suporte de papel e digital há que considerar os seguintes factos com interesse para a decisão:
. Em 7.12.2012 a exequente apresentou nos autos o seguinte requerimento: “Banco…, S.A., nos autos de execução à margem referenciada, em que é exequente e em que são executados R… e mulher, tendo sido notificado do despacho de fls., vem nomear como novo solicitador de execução nos presentes autos, o solicitador sr. C…, com domicílio profissional na Rua Alice Cruz, nº 7 – 1º Drt., 2675-541 Odivelas.”
. Este requerimento foi notificado ao sr. solicitador de execução nomeado pelo exequente, em 07.12.2012.
. Em 14.03.2013, o sr. solicitador de execução C… veio requerer ao Tribunal o levantamento do sigilo fiscal relativamente aos executados (fls 39).
. Por despacho de fls 40, datado de 19.03.2013, foi concedida autorização para a obtenção das informações pretendidas.
. O sr. solicitador de execução remeteu notificação para penhora de salários do executado a T…, Lda., em 14.03.2013 (fls 42 e 43).
. Na mesma data remeteu notificação para penhora de salários da executada ao Centro Nacional de Pensões.
. Em 1.04.2013 remeteu carta para notificação do executado, nos termos e para os efeitos do artº 241º do CPC.
. Em 20.05.2013, o sr. Solicitador solicitou informação sobre a existência de bens susceptíveis de penhora dos executados ao Serviço de Finanças de Vizela
. O sr. Solicitador de execução notificou o exequente para o terminus da fase 1 nos autos, conforme dispõe o nº 1 do artº 833ºB do CPC, em 14.03.2013, por fax.
.Em 26.06.2013 o sr. solicitador de execução remeteu ao serviço de finanças um cheque no montante de 13,80 para pagamento de emolumentos, conforme requerido por esse serviço.

Do Direito
Entende o exequente que a Mma. Juíza a quo deveria ter proferido despacho sobre o seu requerimento em que veio nomear o sr. solicitador Carlos Madaleno para substituir o anterior solicitador de execução, questão que veio suscitar apenas após ter sido proferida decisão a julgar extinta a instância.
Ora não se vislumbra qual o despacho que a Mma. Juíza deveria ter proferido, nem o apelante o refere. Incumbia ao apelante substituir como substituiu o solicitador de execução (artº808/6 do CPC, na redacção conferida pela Lei 226/2008, de 20.11 ao DL 329-A/95). O apelante aliás já tinha sido advertido pelo tribunal a quo, pelo despacho de fls 24, de 21.03.2012, que a substituição do solicitador era feita livremente por si, sem intervenção do Tribunal, o que o exequente fez, do que deu conhecimento ao tribunal por requerimento de 7.12.2012. Na sequência do indicado pelo apelante foi dado conhecimento ao sr. Solicitador de execução da sua nomeação, que a aceitou, iniciando e realizando diversas diligências no processo. Não ocorreu assim qualquer nulidade por omissão de um acto que a lei impusesse, geradora de nulidade dos actos subsequentemente praticados, como pretende o apelante. Mas ainda que se entendesse que o Tribunal deveria ter notificado o exequente de que tinha dado conhecimento ao solicitador da execução de que tinha sido indicado pelo exequente para substituir o anterior agente de execução, o apelante acabou por ter conhecimento dessa “nomeação” quando foi notificado pelo sr. SE do termo da fase 1 e não tendo no prazo de 10 dias arguido a nulidade que agora invoca, a mesma considera-se sanada (artº 201 nº 1 e 205º nº 1 do CPC vigente à data do cometimento da alegada nulidade).
Dispunha o artigo 265º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 466.º, n.º 1, na redacção em vigor à data em que entrou a execução e à data em que deixaram de ser praticados actos no processo que iniciada a instância, cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, providenciar pelo andamento regular e célere do processo. No mesmo sentido dispõe o actual artº 6/1 do CPC, na redacção conferida pela Lei 41/2013.
O nº 5 do artº 281º do CPC na redacção dada pela Lei 41/2013 dispõe que no processo de execução considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontrar a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
O nº 5 do artº 281º do CPC na redacção que foi conferida ao CPC pela Lei 41/2013 aplica-se às execuções pendentes, conforme dispõe o artº 6/1 do diploma que aprovou o novo CPC. No domínio da redacção anterior do Código Processo Civil, a deserção da instância ocorria quando, independentemente de qualquer decisão judicial, a instância estivesse interrompida durante dois anos (artº 291º do CC). E a instância interrompia-se quando o processo estivesse parado mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependesse o seu andamento (artº 288º do CPC).
Para que ocorresse deserção da instância no domínio da lei anterior exigia-se um prazo muito maior que o que é agora exigido no domínio da lei nova, lei esta que também deixou de prever a interrupção da instância.
A lei que estabelecer para qualquer efeito um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que estiverem em curso. Nestes casos, o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei (artº 297/1 do CC).
Embora na vigência da lei antiga, ainda não se tivesse sequer iniciado o prazo de interrupção nem consequentemente o de deserção, o certo é que se aplicam as disposições da nova lei, por força do disposto no artº6/1 do diploma preambular e do artº 297/1 do CC, ainda que o prazo de interrupção, figura que foi suprimida no actual código, ainda não tivesse ocorrido, iniciando-se a contagem do prazo de seis meses em 1.09.2013.[1]
E tendo decorrido mais de seis meses desde a entrada em vigor da nova lei, sem que nada tenha sido promovido na execução, ocorreu a deserção da instância.
Note-se que embora se tratasse de actos a serem levado a cabo pelo solicitador de execução, a parte tinha a possibilidade de saber que nenhum acto estava a ser praticado desde Maio de 2013. Com efeito, a parte sabia que o sr. solicitador de execução tinha tido conhecimento do seu pedido de nomeação e que estava a diligenciar pela penhora de bens, tendo sido inclusive notificada pelo próprio em 14/3/2013 via fax, do encerramento da fase 1. O exequente tem acesso, através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais, às informações prestadas pelo solicitador de execução e ao resultado das diligências prévias à penhora e a todas as demais diligências efectuadas pelo solicitador de execução ou sob a sua responsabilidade e do motivo da frustração da penhora (artº 14º e 42º nº 1º alíneas a) a c) da Portaria 282/2013 de 29/8, que entrou em vigor em 1.09.2013, aplicando-se aos processos de execução já pendentes, com excepção do disposto nos artºs 43º a 55º que não têm relevo para a questão em análise e antes da Portaria 282/2013, artº 10 nº 1 al. a) a c) e artº 2º al. a) da Portaria 331-B/2009), pelo que o exequente tinha a possibilidade de sindicar a actividade do agente de execução, diligenciando pelo regular andamento do processo e solicitar as diligências que entendesse por pertinentes para promover o seu andamento, na ausência de iniciativa do solicitador de execução. Como se refere no Ac. do TRL de 14.05.2013[2], se é certo que a realização e ordem de escolha das diligências a efectuar no âmbito do processo executivo são da competência do solicitador de execução, certo é também que tal facto não inibe a exequente de solicitar ao Tribunal a realização de diligências que desobstruam o andamento da acção executiva em causa, requerendo, nomeadamente, a própria substituição do solicitador nomeado.
Mantém-se assim o despacho recorrido.

Sumário:
. Estabelecendo a nova lei um prazo mais curto para a deserção da instância (artº 281/5 do Código de Processo Civil actual e artºs. 285º e 291º nº 1 do anterior Código de Processo Civil) deve, nos termos do artº 297º nº 1 do Código Civil, aplicar-se a nova lei quando à data da sua entrada em vigor se encontrava ainda a decorrer o prazo de interrupção da instância (figura que foi afastada no novo Código de Processo Civil), iniciando-se a contagem do prazo em 1/9/2013.
. Tendo sido nomeado um solicitador da execução do que a exequente teve conhecimento, tendo sido notificada pelo próprio solicitador da execução do termo da fase 1 da execução, e tendo o exequente acesso, através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais das diligências efectuadas pelo solicitador de execução, impunha-se que diligenciasse pelo regular andamento do processo, na ausência de iniciativa do solicitador de execução.

IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando o despacho recorrido.

Custas pelo apelante.
Notifique.
Guimarães, 23 de Outubro de 2014
Helena Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade
__________________________
[1] Conforme se defende no Ac. do TRL de 24.06.2014, proferido no proc. 756/11, acessível em www.dgsi.pt.
[2] Proferido no proc. 83610/05, acessível em www.dgsi.pt.