Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8040/15.9T8GMR.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: EXCESSIVA ONEROSIDADE DA REPARAÇÃO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
PERDA TOTAL DO VEÍCULO
DÉFICE FUNCIONAL
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Demonstrando a ré que o valor venal ou valor de venda no mercado do veículo sinistrado, imediatamente antes do acidente, era idêntico ao respetivo valor de substituição, sendo possível ao autor adquirir no mercado nacional um veículo com características semelhantes às daquele que até à data do acidente utilizava diariamente como seu único meio de transporte, comprovando ainda que existe uma diferença significativa entre os valores das reparações orçamentadas (adicionados ao do «salvado») e o valor de substituição do veículo, ultrapassando aqueles, em muito, 120% deste valor, deve considerar-se excessivamente onerosa para a ré a obrigação de suportar o custo inerente à reparação do veículo, exigida pelo lesado, por se revelar economicamente inviável e manifestamente desproporcionada ao ressarcimento do dano patrimonial em causa, devendo a obrigação ser cumprida em dinheiro tendo por base o valor apurado como sendo o do custo de aquisição no mercado de um veículo com as mesmas características, que cumpra as mesmas funções que estavam destinadas ao veículo sinistrado, e não através do valor de reparação do veículo;

II- Se é certo que, na generalidade dos casos, a privação do uso impede o proprietário de dispor da coisa e de a usar como entender, poderão ocorrer situações em que o proprietário não tenha interesse em usá-la, não pretendendo dela retirar qualquer utilidade, caso em que não poderá considerar-se verificada qualquer alteração da respetiva situação decorrente da privação do uso;

III- Este dano é indemnizável mesmo em situação em que se verifica a perda total do veículo sinistrado quando se prova que o veículo não mais voltou a poder circular devido ao acidente, impedindo uma utilização diária pelo autor, sendo esse o seu único meio de transporte, pelo que, desde a data do acidente vem recorrendo a outros meios de transportes, nomeadamente públicos e emprestados, com os inerentes incómodos;

IV- Porém, na situação indicada, a quantia diária fixada a título compensatório pela privação do uso do veículo está temporalmente limitada pela data em que a ré disponibilizou ao autor a indemnização devida pela perda total do veículo, sempre que se revele adequada a qualificação como perda total e ainda que a quantia disponibilizada corresponde efetivamente ao montante indemnizatório devido, não existindo fundamento para a recusa do respetivo recebimento;

V- A valoração do dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade ou défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer assenta num critério de equidade, conforme decorre do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC devendo o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados dada a impossibilidade de se averiguar o valor exato dos danos;

VI- A equidade constitui critério de quantificação do montante a arbitrar a título de indemnização por danos não patrimoniais, devendo atender-se o que decorre da factualidade provada quanto à extensão e gravidade dos danos causados, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso que se justifique atender para encontrar a solução mais equilibrada, ponderando ainda os padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito;

VII- Revelando-se a indemnização por danos não patrimoniais conforme à equidade e não evidenciando estar em dissonância com os critérios jurisprudenciais adotados em casos comparáveis deve manter-se a indemnização fixada pela 1.ª instância uma vez que se situou dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

A. Relatório

A. R. instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra X - Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação da ré no pagamento ao autor das seguintes quantias:

a) montante não inferior a € 240.094,20, relativo a danos patrimoniais e não patrimoniais já quantificados;
b) o montante que vier a ser liquidado, relativo a danos, patrimoniais e não patrimoniais, futuros: a) decorrentes do pagamento de uma quantia mensal de € 555,40, a título de perdas de vencimento mensal ilíquido, acrescida de uma quantia anual € 505 a título de subsídio de Natal, de uma quantia anual € 505 a título de subsídio de férias e de uma quantia anual de € 505 a título de férias, quantias cujo pagamento deverá ser contabilizado desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos e até à data da futura consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor em consequência do mesmo; b) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do autor, de efetuar vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas descritas na petição inicial; c) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do autor, de acompanhamento médico periódico nas especialidades de Neurocirurgia, Ortopedia, Fisiatria, Fisioterapia, Reabilitação Funcional, Psiquiatria e Cirurgia Plástica, para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas referidas; d) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do autor, de realizar tratamento fisiátrico duas vezes por ano, sendo que cada tratamento deverá ter a duração mínima de vinte sessões, para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas referidas; e) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do autor, de ajuda medicamentosa – antidepressivos, ansiolíticos, anti-inflamatórios e analgésicos - para superar as consequências físicas das lesões e sequelas referidas; f) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do autor, de se submeter a várias intervenções cirúrgicas a plásticas, a vários internamentos hospitalares, de efetuar várias despesas hospitalares, de efetuar a vários tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas referidas; g) decorrentes de uma quantia diária a título de privação de uso do veículo de matricula UX, propriedade do autor, calculada desde o dia da ocorrência do acidente e até à efetiva e integral reparação do veículo, à razão de € 25 por dia; h) decorrentes de uma quantia diária a titulo de parqueamento/depósito do veículo de matricula UX, propriedade do autor, calculada desde o dia da ocorrência do acidente e até à efetiva e integral reparação do mesmo, à razão de € 6 por dia, acrescida de IVA à taxa legal em vigor;
c) o montante correspondente a: a) no que concerne aos danos materiais, os juros vencidos e vincendos calculados à taxa legal anual em vigor, sobre o montante oferecido pela ré ao autor no valor de € 2820, contados a partir do dia 20-02-2015 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial; b) no que concerne aos danos materiais, os juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela ré ao autor no valor de € 2820 e o montante que vier a ser fixado na decisão judicial, contados a partir do dia 20-02-2015 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial; c) no que concerne aos danos corporais, os juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa legal anual prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização que vier a ser fixado a final pelo tribunal e contados desde a data de 17-04-2015 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial ou desde a data da sua citação e até efetivo e integral pagamento; d) ou, caso assim se não entenda, os juros vencidos e vincendos a incidir sobres as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação da Ré e até efetivo e integral pagamento.

O autor formula o aludido pedido a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude de acidente de viação ocorrido a 04-02-2015, na Rua ..., freguesia ... de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula UX, propriedade do autor e por si conduzido, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula FZ, propriedade de M. V. e por esta conduzido, a cuja condutora atribui a culpa exclusiva na produção do acidente, alegando ainda que a proprietária de tal veículo tinha transferido para a ré a responsabilidade civil por danos causados a terceiros.
A ré contestou, impugnando parte da factualidade alegada pelo autor, sustentando que ambos os condutores contribuíram para a ocorrência do embate, que a reparação do veículo pertencente ao autor não é economicamente viável e que não são devidos os montantes peticionados; termina pedindo seja a ação julgada tendo em conta a contribuição de ambos os condutores para a produção do acidente.
Notificado da contestação, o autor apresentou articulado de resposta.
Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, após o que se procedeu à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, na sequência do que foram admitidos os meios de prova.
O autor apresentou articulado superveniente, no qual requereu a ampliação em € 1096,57 do pedido relativo a despesas médicas, medicamentosas e deslocações suportadas em consequência do acidente, peticionando a condenação da ré no pagamento da quantia de € 2491,46 a este título.
A ré não se opôs à admissão da ampliação do pedido, defendendo-se por impugnação e acrescentando que efetuou adiantamentos ao autor por conta da indemnização final.
Por despacho de 17-10-2017, foi admitida a requerida ampliação do pedido e foram aditados temas da prova.
O autor apresentou novo articulado superveniente, no qual alega factualidade relativa a lesão que sustenta ter sido entretanto verificada.
Notificada do articulado apresentado, a ré impugnou a factualidade alegada.
Por despacho de 21-03-2018, foi admitido o articulado superveniente e aditados temas da prova.

O autor apresentou ainda um articulado superveniente, na sequência da conclusão da perícia médico-legal, requerendo a ampliação do pedido para os montantes seguintes:

«1) 70.000,00€ (Setenta Mil Euros) a título de “dano biológico” em consequência da perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade FísicoPsíquica de 20 pontos;
2) 250.000,00€ (Duzentos e Cinquenta Mil Euros) a título de “perda de capacidade de ganhos” na medida em que em termos de repercussão permanente da atividade profissional, as sequelas de que o autor é atualmente portador em consequência do acidente de viação descrito nos autos são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual (IPATH);
3) 2.491,46€ (Dois Mil Quatrocentos e Noventa e Um Euros e Quarenta e Seis Cêntimos) a título de despesas médicas, medicamentosas e deslocações;
4) 28.469,38€ (Vinte e Oito Mil Quatrocentos e Sessenta e Nove Euros e Trinta e Oito Cêntimos) a título de perdas salariais sofridas pelo Autor entre a data da ocorrência do acidente de viação (04022015) e até à data da consolidação medico legal das lesões (08/08/2018), num total de 1.282 dias, a titulo de perdas de vencimento mensal ilíquido (vencimento base mensal acrescido do subsidio mensal de alimentação), de Subsidio de Natal, de Subsidio de Férias e de Férias;
5) 22.650,47€ (Vinte e Dois Mil Seiscentos e Cinquenta Euros e Quarenta e Sete Cêntimos) a titulo de reparação do veículo matricula UX;
6) 7.775,00€ (Sete Mil Setecentos e Setenta e Cinco Euros) a titulo de privação de uso e fruição do veículo matricula UX;
7) 500,00€ (Quinhentos Euros) a titulo de desvalorização comercial do veículo matricula UX;
8) 1.866,00€ (Mil Oitocentos e Sessenta e Seis Euros) a titulo de parqueamento/depósito do veículo matricula UX;
9) 200.000,00€ (Duzentos Mil Euros) a titulo de “danos não patrimoniais” sofridos pelo Autor em virtude das lesões, queixas e sequelas que lhe advieram em consequência do acidente de viação descrito nos autos;
10) acrescido ainda, de uma quantia cuja total e integral quantificação se relega para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P.Civil) ou execução de sentença a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros:
a) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de efetuar vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas supra melhor descritas;
b) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Neurocirurgia, Ortopedia, Fisiatria, Fisioterapia, Reabilitação Funcional, Psiquiatria e Cirurgia Plástica para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
c) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de realizar tratamento fisiátrico 2 (duas) vezes por ano, sendo que cada tratamento deverá ter a duração mínima de 20 sessões, para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
d) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de ajuda medicamentosa – antidepressivos, ansiolíticos, antiinflamatórios e analgésicos em SOS e medicação psicofarmacologica para superar as consequências físicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
e) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de se submeter a várias intervenções cirúrgicas a nível da anca (colocação de próteses em numero indeterminado a nível da anca) e plásticas em numero indeterminado, a vários internamentos hospitalares, de efetuar várias despesas hospitalares, de efetuar a vários tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas (canadianas e viatura com caixa automática, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas melhor descritas;
f) decorrentes de uma quantia diária a titulo de privação de uso do veículo propriedade do Autor matricula UX, calculada desde o dia da ocorrência do acidente (04/02/2015) e até à efetiva e integral reparação do mesmo veículo matricula UX, à razão da modesta quantia diária que equitativamente se fixa em 25,00€ (Vinte e Cinco Euros), montante esse, atualmente impossível de concretizar, mas cuja total e integral concretização e quantificação se relega para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P.Civil) ou execução de sentença a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros, e
g) decorrentes de uma quantia diária a titulo de parqueamento/depósito do veículo propriedade do Autor matricula UX, calculada desde o dia da ocorrência do acidente (04/02/2015) e até à efetiva e integral reparação do mesmo veículo matricula UX, calculada à razão de 6,00€ (Seis Euros) acrescida do IVA à taxa legal em vigor, montante esse, atualmente impossível de concretizar, mas cuja total e integral concretização e quantificação se relega para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P.Civil) ou execução de sentença a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros;
11) acrescido ainda, no que concerne aos danos corporais, do pagamento por parte da Ré ao Autor, dos juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa legal anual prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização que vier a ser fixado a final pelo tribunal e contados desde a data de 17042015 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial ou desde a data da sua citação e até efetivo e integral pagamento;
12) acrescido ainda no que concerne aos danos materiais, do pagamento por parte da Ré ao Autor, dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido (2.820,00€) e o montante que vier a ser fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas (no caso dos autos desde 20022015) e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial.»

Notificada do articulado apresentado, a ré impugnou a factualidade alegada e pronunciou-se do sentido da inadmissibilidade da ampliação do pedido nos termos requeridos.
Por despacho de 08-02-2019, foi admitida a ampliação do pedido e foram aditados temas da prova.
Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, que, não obstante ter fixado em € 79.984,30 o valor total da indemnização por danos patrimoniais, atendeu ao valor de € 30.000,00 já liquidados pela ré por conta da indemnização final, concluindo então ser de € 49.984,30 o montante a pagar ao autor a esse título. Em consequência, decidiu o seguinte:

«Por tudo o exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré X – Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao Autor:

a). a quantia de € 41.250,00 (quarenta e um mil e duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, contados desde a data da presente sentença e até integral pagamento;
b). a quantia de € 49.984,30 (quarenta e nove mil, novecentos e oitenta e quatro euros e trinta cêntimos), acrescida de juros moratórios sobre a quantia de € 47.164,30 (quarenta e sete mil, cento e sessenta e quatro euros e trinta cêntimos), às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, desde 15 de Dezembro de 2015 e até integral pagamento;
c). na quantia indemnizatória, na proporção de 75%, que se vier a liquidar em incidente póstumo relativamente: i). ao futuro agravamento do défice funcional permanente da integridade física; ii). aos futuros dispêndios com intervenção cirúrgica para colocação de prótese total da anaca definitiva e eventual artroscopia ao joelho esquerdo e respectivos tratamentos médicos e clínicos, internamentos e despesas hospitalares para optimização da situação da anca e desse joelho; iii). aos futuros dispêndios com a ajuda medicamentosa de analgésicos em SOS para tratamento das consequências do embate; iv). aos futuros dispêndios com consultas e tratamentos de fisioterapia, com regularidade e tipologia a fixar pelo médico assistente; iv). aos futuros dispêndios com canadianas e veículos automóveis com caixa automática, absolvendo a Ré no mais que vinha peticionado.
Custas a cargo de Autor e Ré na proporção dos respectivos decaimentos e sem prejuízo do apoio judiciário de que goza o Autor.»

Inconformado, veio o autor interpor recurso da sentença proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. O Autor/Recorrente, não concorda e dessa forma impugna a decisão proferida relativamente à matéria de facto dada como:
a) provada e constante dos itens n.ºs 31 e 97 dos factos dados como provados na Douta Sentença;
b) não provada e constante dos itens n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 , 18, 19, 28, 30, 32 dos factos dados como não provados na Douta Sentença.
2. O Autor/Recorrente não concorda com a repartição de culpas na proporção de 25% para o Autor e de 75% para a condutora do veículo segurado na Ré matricula FZ, entendendo pelo contrário, que a condutora do veículo segurado na Ré matricula FZ (M. V.) deve ser considerada como única e exclusiva culpada pela produção do acidente de viação descrito nos presentes autos.
3. O Autor/Recorrente não concorda com a absolvição e a não condenação da Ré em indemnizar o Autor a titulo de perdas salariais registadas desde 04/02/2015 (dia da ocorrência do acidente dos autos) e até ao dia 08/08/2018 (dia da consolidação médica das lesões) num total de 1.282 dias.
4. O Autor/Recorrente não concorda com a absolvição da Ré e a não condenação da Ré em pagar ao Autor uma quantia diária a título de privação de uso do seu veículo ligeiro de passageiros matricula UX desde o dia 04/02/2015 (dia da ocorrência do acidente dos autos) e até à data em que a Ré colocar à disposição do Autor o dinheiro correspondente à indemnização devida a titulo de custo de reparação da mesma viatura matricula UX, montante esse cuja total e integral concretização e quantificação se deverá relegar para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P. Civil).
5. O Autor/Recorrente não concorda com a absolvição da Ré e a não condenação da Ré em pagar ao Autor uma quantia a título de parqueamento/depósito diário do seu veículo ligeiro de passageiros matricula UX desde o dia 04/02/2015 (dia da ocorrência do acidente dos autos) e até à data em que a Ré colocar à disposição do Autor o dinheiro correspondente à indemnização devida a titulo de custo de reparação da mesma viatura matricula UX, montante esse cuja total e integral concretização e quantificação se deverá relegar para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P. Civil);
6. O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de custo de reparação da sua viatura matricula UX;
7. O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos futuros pela “perda da capacidade de ganho”, na medida em que em termos de repercussão permanente da atividade profissional, o défice funcional de que ficou padecer em virtude das lesões e sequelas sofridas, é incompatível e impeditivo do exercício da actividade profissional “operador agrícola” e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e sentadas.
8. O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de “dano biológico” em consequência da perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 16 pontos que lhe foi fixado.
9. O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos não patrimoniais.
10. O Autor/Recorrente, não concorda com a absolvição e a não condenação da Ré em pagar ao Autor juros de mora no dobro da taxa legal prevista sobre as indemnizações concedidas ao Autor a titulo de danos patrimoniais e danos não patrimoniais, nem concorda com o momento a partir do qual são devidos juros de mora em dobro da taxa legal prevista sobre as indemnizações concedidas ao Autor a titulo de danos patrimoniais e danos não patrimoniais.
11. A Douta Sentença recorrida, padece de erro notório na apreciação e valoração da prova constante dos autos, ao dar como provados os factos constante do item n.º 31, bem como ao dar como provada a redação do item n.º 97 a qual deveria ser mais completa e exemplificativa, bem como ao dar como não provados os factos constante dos itens n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 , 18, 19, 28, 30 e 32.
12. O Autor/Recorrente, não concorda e dessa forma impugna a decisão proferida relativamente à matéria de facto, mais concretamente relativamente ao teor da matéria de facto dada como provada constante dos item n.º 31, bem como ao teor item n.º 97 o qual deveria ser mais completa e exemplificativa, bem como ao teor da matéria dada como não provada constante dos itens n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 18, 19, 28, 30 e 32.
13. Entende o Autor, que a matéria de facto dada como provada e constante do ponto n.º 31, deveria ter sido dada como não provada na Douta Sentença.
14. Entende o Autor, que a matéria de facto dada como provada e constante do ponto n.ºs 97, deveria ter uma redação mais completa e exemplificativa.
15. Entende o Autor, que a matéria de facto dada como não provada e constante dos ponto n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 , 18, 19, 28, 30 e 32, deveria ter sido dada como provada na Douta Sentença.
16. O Mº Juiz de Direito “a quo” quanto à matéria de facto constante no ponto n.º 31 dos factos dados como provados e quanto à matéria de facto constante pontos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 dos factos dados como não provados, deveria fundamentar a sua convicção e respetiva resposta negativa (ao ponto n.º 37) e positiva (ao pontos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7) a dar aos mesmos, nos seguintes meios de prova:
a) Nas declarações de parte prestadas pelo Autor A. R. mais concretamente: do minuto 00:01:01 ao minuto 00:02:12, do minuto 00:03:32 ao minuto 00:04:03, do minuto 00:05:14 ao minuto 00:06:32, do minuto 00:17:15 ao minuto 00:18:27, do minuto 00:18:27 ao minuto 00:20:04, do minuto 00:21:00 ao minuto 00:22:07, do minuto 00:22:07 ao minuto 00:23:06, do minuto 00:51:00 ao minuto 00:53:17 e do minuto 00:57:02 ao minuto 00:58:16;
b) No depoimento da testemunha V. M. mais concretamente: do minuto 00:02:00 ao minuto 00:09:00.
17. As declarações de parte do Autor A. R., ficaram gravadas através de gravação efetuada através do sistema integrado de gravação digital "Habilus Media Studio", tendo as suas declarações ficado gravadas: início das declarações de parte: CD n.º 1, tempo – 00:00:00 e termo das declarações de parte: CD n.º 1, tempo – 01:19:50, conforme consta da própria acta de audiência de discussão e julgamento datada de 11-04-2019, referência CITIUS 163028671.
18. Quanto às declarações de parte do Autor A. R., o mesmo foi perentório em afirmar o seguinte:
1) O veículo UX por si conduzido circulava a uma velocidade calculada entre os 40/50 km/horários.
2) Pela (hemi-faixa) de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha.
3) O Autor acendeu o sinal luminoso de mudança de direcção do lado esquerdo, vulgo “pisca pisca”.
4) À frente do UX circulava o FZ segurado na Ré.
5) O Autor depois de ter verificado que não circulava nenhum veículo automóvel, em sentido contrário ao seu, e porque pretendia iniciar a manobra de ultrapassagem ao FZ, aproximou-se do eixo da via.
6) Flectiu o veículo por si conduzido de matrícula UX à sua esquerda, atento o seu sentido de marcha, passando a circular pela metade da meia faixa de rodagem esquerda e começando aí a ultrapassar o FZ.
7) A condutora do FZ guinou à esquerda quando o UX estava prestes a terminar a ultrapassagem ao UX.
19. O depoimento da testemunha V. M., ficou gravado através de gravação efetuada através do sistema integrado de gravação digital "Habilus Media Studio", tendo as suas declarações ficado gravadas: Início do depoimento: CD n.º 1, tempo – 00:00:00 e termo do depoimento: CD n.º 1, tempo – 00:39:08, conforme consta da própria acta de audiência de discussão e julgamento datada de 11-04-2019, referência CITIUS 163028671.
20. Quanto ao depoimento da testemunha V. M., o mesmo foi perentório em afirmar o seguinte:
1) O veículo UX conduzido circulava a uma velocidade calculada entre os 40/50 km/horários.
2) Pela (hemi-faixa) de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha.
3) O Autor acendeu o sinal luminoso de mudança de direcção do lado esquerdo, vulgo “pisca pisca”.
4) À frente do UX circulava o FZ segurado na Ré.
5) O Autor depois de ter verificado que não circulava nenhum veículo automóvel, em sentido contrário ao seu, e porque pretendia iniciar a manobra de ultrapassagem ao FZ, aproximou-se do eixo da via.
6) Flectiu o veículo por si conduzido de matrícula UX à sua esquerda, atento o seu sentido de marcha, passando a circular pela metade da meia faixa de rodagem esquerda e começando aí a ultrapassar o FZ.
7) A condutora do FZ guinou à esquerda quando o UX estava prestes a terminar a ultrapassagem ao UX
21. Perante o teor das declarações de parte do A. R. e do depoimento da testemunha V. M., é claro, certo e evidente que o veículo conduzido pelo Autor UX circulava a uma velocidade calculada entre os 40/50 km/horários, pela (hemi-faixa) de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha, que o Autor acendeu o sinal luminoso de mudança de direcção do lado esquerdo, vulgo “pisca pisca”, à frente do UX circulava o FZ segurado na Ré, que Autor depois de ter verificado que não circulava nenhum veículo automóvel, em sentido contrário ao seu, e porque pretendia iniciar a manobra de ultrapassagem ao FZ, aproximou-se do eixo da via, flectindo o veículo por si conduzido matrícula UX à sua esquerda, atento o seu sentido de marcha, passando a circular pela metade da meia faixa de rodagem esquerda e começando aí a ultrapassar o FZ e a condutora do FZ guinou à esquerda quando o UX estava prestes a terminar a ultrapassagem ao UX.
22. O Mº Juiz de Direito “a quo” quanto à matéria de facto constante no ponto n.º 97 dos factos dados como provados deveria ter dado uma resposta mais completa e exemplificativa com o seguinte teor:
97. Desde a data do embate, o Autor tem recorrido a táxis, a transportes públicos e a empréstimos de outros veículos para realizar a sua vida normal designadamente para passear, ir ao banco, ir ao café, ir a futebol, ir às compras, ir ao hospital com os inerentes incómodos.
23. Para tal resposta deveria fundamentar a sua convicção e respetiva resposta mais completa e exemplificativa, nos seguintes meios de prova:
a) Nas declarações de parte prestadas pelo Autor A. R. mais concretamente: do minuto 00:40:00 ao minuto 00:44:03:
b) No depoimento da testemunha C. M. mais concretamente: do minuto 00:15:00 ao minuto 00:19:00.
24. As declarações de parte do Autor A. R., ficaram gravadas através de gravação efetuada através do sistema integrado de gravação digital "Habilus Media Studio", tendo as suas declarações ficado gravadas: início das declarações de parte: CD n.º 1, tempo – 00:00:00 e termo das declarações de parte: CD n.º 1, tempo – 01:19:50, conforme consta da própria acta de audiência de discussão e julgamento datada de 11-04-2019, referência CITIUS 163028671.
25. Quanto às declarações de parte do Autor A. R., o mesmo foi perentório em afirmar o seguinte:
1) Desde a data do embate, o Autor tem recorrido a táxis, a transportes públicos e a empréstimos de outros veículos para realizar a sua vida normal designadamente para passear, ir ao banco, ir ao café, ir a futebol, com os inerentes incómodos.
26. O depoimento da testemunha C. M., ficou gravado através de gravação efetuada através do sistema integrado de gravação digital "Habilus Media Studio", tendo as suas declarações ficado gravadas: Início do depoimento: CD n.º 1, tempo – 00:00:00 e termo do depoimento: CD n.º 1, tempo – 00:38:38., conforme consta da própria acta de audiência de discussão e julgamento datada de 11-04-2019, referência CITIUS 163028671.
27. Quanto ao depoimento da testemunha C. M., a mesma foi perentório em afirmar o seguinte:
1) Desde a data do embate, o Autor tem recorrido a táxis, a transportes públicos e a empréstimos de outros veículos para realizar a sua vida normal designadamente para passear, ir ao banco, ir ao café, ir a futebol, ir às compras, ir ao hospital com os inerentes incómodos.
28. Perante o teor das declarações de parte do A. R. e do depoimento da testemunha sua irmã C. M., é claro, certo e evidente que desde a data do embate, o Autor tem recorrido a táxis, a transportes públicos e a empréstimos de outros veículos para realizar a sua vida normal designadamente para passear, ir ao banco, ir ao café, ir a futebol, ir às compras, ir ao hospital com os inerentes incómodos.
29. O Mº Juiz de Direito “a quo” quanto à matéria de facto constante nos pontos 18, 19 e 30 dos factos dados como não provados, deveria fundamentar a sua convicção e respetiva resposta positiva a dar aos mesmos, nos seguintes meios de prova:
a) Nas declarações de parte prestadas pelo Autor A. R. mais concretamente: do minuto 00:10:09 ao minuto 00:14:21, do minuto 00:29:00 ao minuto 00:38:03 e do minuto 00:39:08 ao minuto 00:40:00;
b) No depoimento da testemunha C. M. mais concretamente: do minuto 00:05:00 ao minuto 00:07:00;
c) No depoimento da testemunha A. J. mais concretamente: do minuto 00:01:00 ao minuto 00:08:00, do minuto 00:11:00 ao minuto 00:15:00, do minuto 00:24:00 ao minuto 00:30:00]
30. As declarações de parte do Autor A. R., ficaram gravadas através de gravação efetuada através do sistema integrado de gravação digital "Habilus Media Studio", tendo as suas declarações ficado gravadas: início das declarações de parte: CD n.º 1, tempo – 00:00:00 e termo das declarações de parte: CD n.º 1, tempo – 01:19:50, conforme consta da própria acta de audiência de discussão e julgamento datada de 11-04-2019, referência CITIUS 163028671.
31. Quanto às declarações de parte do Autor A. R., o mesmo foi perentório em afirmar o seguinte:
1) Previamente ao acidente em discussão nos autos já trabalhava há cerca de dois anos com o operador agrícola, recebendo à hora cerca de 4 euros, e em alguns meses chegava a ganhar mais que o salario mínimo nacional (cerca de mil/mil e duzentos euros)
2) Que solicitou à sua entidade patronal para formalizar o contrato de trabalho com os respetivos descontos na segurança social;
3) Que o seu patrão ia-se recusando e adiando a formalização do mesmo e respetivos descontos para a segurança social;
4) Que trabalhava na parte de terrenos agrícolas, que era uma área de quarenta hectares, e como também trabalhava na parte da exploração leiteira onde dava ração aos animais
5) Confirmou o teor e a assinatura do documento n.º 23 junto com a PI assinado por Senhor A. J..
6) Documento esse que que foi emitido pela sua entidade patronal após muito sua insistência da sua parte
7) Não pediu esse documento mais cedo com medo de que o seu patrão não o readmitisse ao trabalho
8) O seu patrão não emitiu esse documento mais cedo com receio das finanças e da segurança social?
9) O seu patrão a partir de 9 de fevereiro iria formalizar o contrato de trabalho com os inerentes descontos.
10) Que desde a data do acidente e até à presente data, nem o seu Patrão, nem a Segurança Social lhe pagaram qualquer quantia a titulo de perdas salariais.
32. O depoimento da testemunha C. M., ficou gravado através de gravação efetuada através do sistema integrado de gravação digital "Habilus Media Studio", tendo as suas declarações ficado gravadas: Início do depoimento: CD n.º 1, tempo – 00:00:00 e termo do depoimento: CD n.º 1, tempo – 00:38:38., conforme consta da própria acta de audiência de discussão e julgamento datada de 11-04-2019, referência CITIUS 163028671.
33. Quanto ao depoimento da testemunha C. M., a mesma foi perentório em afirmar o seguinte:
1) Que o autor seu irmão à data do acidente já trabalhava às horas numa quinta;
2) Que o mesmo trabalhava com tratores, lavrava campos;
3) Que tem conhecimento pessoal da situação laboral do seu irmão porque também chegou a vindimar na mesma quinta em que o seu irmão trabalhava;
4) Que o seu irmão ganhava por mês cerca de oitocentos, dependendo das horas de trabalho.
34. O depoimento da testemunha (Entidade Patronal) A. J., ficou gravada através de gravação efetuada através do sistema integrado de gravação digital "Habilus Media Studio", tendo as suas declarações ficado gravadas: início do depoimento: CD n.º 1, tempo – 00:00:00 e termo do depoimento: CD n.º 1, tempo – 00:32:03., conforme consta da própria acta de audiência de discussão e julgamento datada de 11-04-2019, referência CITIUS 163028671.
35. Quanto ao depoimento da testemunha A. J., a mesma foi perentório em afirmar o seguinte:
1) Previamente ao acidente em discussão nos autos o Autor já trabalhava para si de forma sazonal, nomeadamente nas colheitas e nas lavouras, no mínimo seis meses por ano como operador agrícola (Lavrar, gradar, dar de comer aos animais);
2) Que lhe pagava cerca de quatro euros à hora;
3) Nas épocas de mais trabalho podia chegar aos seiscentos/setecentos euros mensais;
4) Que esses valores não era declarados às finanças ou à segurança social;
5) Chegou conjuntamente com o Autor a equacionar em formalizar um contrato de trabalho com o Autor pelo qual lhe iria pagar mensalmente 650 euros, vezes 14 meses, acrescidos de cercas de 100 euros a titulo de subsidio de alimentação vezes 11 meses, ou seja um salario bruto mensal de cerca de 750,00euros;
6) Nessa medida confirmou a veracidade do teor e a assinatura do documento n.º 23 junto com a PI assinado por si e a pedido do autor
7) Que desde o acidente e até à presente data não lhe pagou qualquer quantia a titulo de perdas salariais
36. Perante o teor das declarações de parte do A. R., do depoimento da testemunha sua irmã C. M. e do depoimento da testemunha seu patrão A. J. é claro, certo e evidente que previamente ao acidente em discussão nos autos (há cerca de 2 anos) o Autor já trabalhava como operador agrícola (lavrar, gradar, dar de comer aos animais) no mínimo seis meses por ano, auferindo 4 euros por hora, chegando em alguns meses a ganhar mais que o salario mínimo nacional (entre os oitocentos e os mil euros), que esses valores não eram declarados às finanças ou à segurança social, que corresponde à verdade o teor e a assinatura do documento n.º 23 junto com a PI assinado pela sua entidade patronal A. J., que o seu patrão a partir de 9 de fevereiro iria formalizar um contrato de trabalho entre o mesmo e o Autor pelo qual o Autor iria auferir mensalmente cerca 650 euros, vezes 14 meses, acrescidos de cercas de 100 euros a titulo de subsidio de alimentação vezes 11 meses, ou seja um salario bruto mensal de cerca de 750,00euros e que desde o dia da ocorrência do acidente em discussão nos presentes autos e até à presente data, nem o seu Patrão, nem a Segurança Social pagaram ao Autor qualquer quantia a titulo de perdas salariais.
37. A matéria de facto dada como não provada e constante do n.º 28 da matéria de facto dada como não provada, deveria ter sido dada como provada na Douta Sentença, com o seguinte teor:
28. Em virtude das lesões e sequelas sofridas, o Autor ficou a padecer de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) fixável no mínimo em 20% sendo de perspectivar a existência de dano futuro.
38. O Mº Juiz de Direito “a quo” quanto à matéria de facto constante no ponto 28 dos factos dados como não provados, deveria fundamentar a sua convicção e respetiva resposta positiva a dar ao mesmo, no seguinte meio de prova:
a) Nos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito Medico Dr. F. D. em desse de audiência de discussão e julgamento mais concretamente: do minuto 00:08:21 ao minuto 00:11:13.
39. Os esclarecimentos do Sr. Perito Medico Dr. F. D., ficaram gravadas através de gravação efetuada através do sistema integrado de gravação digital "Habilus Media Studio", tendo as suas declarações ficado gravadas: Início dos esclarecimentos por videoconferência através do Gabinete Médico Legal do Ave: CD n.º 1, tempo – 00:00:00 e termo dos esclarecimentos por videoconferência através do Gabinete Médico Legal do Ave: CD n.º 1, tempo – 00:25:59, conforme consta da própria acta de audiência de discussão e julgamento datada de 28-03-2019, referência CITIUS 162798104.
40. Quanto aos esclarecimentos do Sr. Perito Medico Dr. F. D., o mesmo foi perentório em afirmar o seguinte:
1) Em virtude das lesões e sequelas sofridas, o Autor ficou a padecer de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) fixável no mínimo em 20% sendo de perspectivar a existência de dano futuro.
41. Perante o teor dos esclarecimentos do Sr. Perito Medico Dr. F. D., é claro, certo e evidente que em virtude das lesões e sequelas sofridas, o Autor ficou a padecer de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) fixável no mínimo em 20% sendo de perspectivar a existência de dano futuro.
42. O Mº Juiz de Direito “a quo” quanto ao ponto n.º 32 da matéria de facto dada como não provada, deveria fundamentar a sua convicção e respetiva resposta positiva a dar aos mesmos, nos seguintes meios de prova:
a) No depoimento da testemunha J. D. mais concretamente: do minuto 00:01:51 ao minuto 00:05:07.
43. O depoimento da testemunha J. D., ficou gravado através de gravação efetuada através do sistema integrado de gravação digital "Habilus Media Studio", tendo as suas declarações ficado gravadas: Início do depoimento: CD n.º 1, tempo – 00:00:00 e termo do depoimento: CD n.º 1, tempo – 00:17:39, conforme consta da própria acta de audiência de discussão e julgamento datada de 11-04-2019, referência CITIUS 163028671.
44. Quanto ao depoimento da testemunha J. D., a mesma foi perentória em afirmar o seguinte:
1) Desde a data do embate que o veículo propriedade do Autor matrícula UX, se encontra na oficina propriedade de J. D..
2) O Autor terá que pagar à oficina propriedade de J. D. a título de parqueamento uma quantia diária de 6,00€ (seis euros) acrescida do IVA à taxa legal.
45. Perante o teor do depoimento da testemunha J. D., é claro, certo e evidente que encontrando-se o veículo propriedade do Autor matricula UX, depositado nas instalações oficina reparadora de J. D., desde o dia do acidente (04/02/2015) e que o Autor terá que pagar à referida oficina reparadora a titulo de parqueamento pelo seu veículo o montante diário de €6,00 acrescido de iva à taxa legal em vigor.
46. A manobra causal do acidente de viação foi descrito nos presentes autos, foi a manobra imprudente e inadvertida levada a efeito pela condutora do veículo segurado da Ré/Recorrida matricula FZ em clara e manifesta violação do preceituado nos artigos 3º/2, 13º/1, 35º, 38º/1, 2 a), c) e d) e 39º . do Código da Estrada.
47. A condutora do veículo segurado da Ré matricula FZ iniciou a manobra de ultrapassagem sem sinalizar previamente a sua intenção e sem se certificar de que o poderia fazer em segurança e sem se certificar que não circulava qualquer outro veículo na sua traseira ou paralelamente e já em ultrapassagem, flectindo à esquerda e invadindo a hemi-faixa de rodagem contrária esquerda, atento o seu sentido de marcha, e por onde já circulava o UX em ultrapassagem vindo de trás, quando UX estava já prestes a passar pelo FZ, Embatendo com a sua parte lateral esquerda da frente na parte lateral direita traseira do UX.
48. É inequívoco que a manobra causal do embate, foi a manobra efetuada pela condutora do veículo segurado da Ré matricula FZ, a qual antes de iniciar tal manobra de ultrapassagem, não se certificou de que não estava a ser já ultrapassada, nem sinalizou tal manobra, invadindo a metade esquerda da faixa de rodagem no momento em que o UX estava a passar por si.
49. A condutora do veículo segurado na Ré matricula FZ é claramente a manobra causal do embate, pois que, em último momento e caso se tivesse certificado da presença do veiculo conduzido pelo Autor matricula UX já ao seu lado, poderia ter evitado o embate.
50. Tendo em linha de conta a matéria de facto constante dos itens n.ºs 18, 19 e 30 dos factos dados como não provados na Douta Sentença, a qual atenta a procedência da supra referida Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deverá ser dada como provada e dessa forma passar a elencar a lista dos pontos constantes dos Factos dados como Provados da Douta Sentença, bem como a matéria de facto constante do ponto n.º 76 dos factos dados como provados, deverá ser a Ré condenada a pagar ao Autor uma quantia monetária que o indemnize pelas suas perdas salariais registadas desde 04/02/2015 (dia da ocorrência do acidente dos autos) e até ao dia 08/08/2018 (dia da consolidação médica das lesões) num total de 1.282 dias.
51. Período temporal esse, durante o qual o Autor não teve condições para retomar a sua atividade profissional habitual de “Operador agrícola” bem como de eventualmente procurar outras profissões dentro da área da sua preparação técnico profissional.
52. A quantia a arbitrar ao Autor a titulo de perdas de vencimento mensal ilíquido (vencimento base mensal acrescido do subsidio mensal de alimentação), de Subsidio de Natal, de Subsidio de Férias e de Férias durante esses 1.282 dias, computa-se no valor de €28.469,38 (Vinte e Oito Mil Quatrocentos e Sessenta e Nove Euros e Trinta e Oito cêntimos) calculada da seguinte forma:
a) Ano de 2015: de 04/02/2015 a 31/12/2015: €7.624,40 (505,00€ X 14 meses + 50,40€ X 11 meses) (retribuição anual do Autor): 365dias: €20,88 (retribuição diária) x 331 dias = €6.914,18;
b) Ano de 2016: de 01/01/2016 a 31/12/2016: €7.974,40 (530,00€ X 14 meses + 50,40€ X 11 meses) (retribuição anual do Autor): 365dias: €21,84 (retribuição diária) x 365dias =€7.974,40;
c) Ano de 2017: de 01/01/2017 a 31/12/2017: €8.352,40 (557,00€ X 14 meses + 50,40€ X 11 meses) (retribuição anual do Autor): 365dias: €22,88 (retribuição diária) x 365dias €8.352,40;
d) Ano de 2018: de 01/01/2018 a 08/08/2018: €8.674,40 (580,00€ X 14 meses + 50,40€ X 11 meses) (retribuição anual do Autor): 365dias: €23,76 (retribuição diária) x 220dias €5.228,40;
e) Total: €28.469,38
53. Atenta à matéria de facto dada como provada nos pontos n.ºs 12, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100 e 101 da Sentença, deverá a Ré ser condenada a pagar ao Autor, uma quantia diária a título de privação de uso do seu veículo ligeiro de passageiros matricula UX desde o dia 04/02/2015 (dia da ocorrência do acidente dos autos) e até à data em que a Ré colocar à disposição do Autor o dinheiro correspondente à indemnização devida a titulo de custo de reparação da mesma viatura matricula UX, montante esse cuja total e integral concretização e quantificação se deverá relegar para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P. Civil).
54. Indemnização essa que o Autor calcula e peticiona da Ré à razão da quantia diária de €25,00, a qual à presente data (24/05/2019) orça em €39.275,00 (04/02/2015 a 24/05/2017 = 1.571 dias x €25,00 = €39.275,00), quantia diária essa cujo pagamento o Autor desde já peticiona da Ré até à data em que a Ré colocar à disposição do Autor o dinheiro correspondente à indemnização devida a titulo de custo de reparação da mesma viatura matricula UX, montante esse cuja total e integral concretização e quantificação se deverá relegar para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P. Civil).
55. Indemnização essa o que tem como fundamento a seguinte matéria de facto dada como provada:
1) O Autor/Recorrente, esteve - e está - ininterruptamente privado do uso e fruição do seu veiculo matricula UX desde o dia 04/02/2015 (dia da ocorrência do acidente dos autos) e até à data em que a Ré colocar à disposição do Autor o dinheiro correspondente à indemnização devida a titulo de custo de reparação da mesma viatura matricula UX.
2) É possível reparar o veículo UX de modo a poder circular na via pública.
3) Em 20-02-2015, por conta dos estragados causados no UX e após peritagem deste, a Ré através do seu gestor de processo apresentou ao Autor uma proposta consolidada e final de €2.820,00, já deduzido o valor do salvado que ficaria na posse do Autor.
4) A reparação do UX recorrendo a peças de concorrência, a peças usadas e aproveitando as peças estragadas orça a quantia de cerca de €10.000,00, acrescida do IVA à taxa legal.
5) As dificuldades económicas do Autor impossibilitam-no de proceder e pagar de imediato a reparação do UX.
6) Desde a data do embate que o UX não pode circular na via pública.
7) O veículo UX era o único e diário meio de transporte do Autor.
8) Desde a data do embate, o Autor tem recorrido a táxis, a transportes públicos e a empréstimos de outros veículos para realizar a sua vida normal designadamente para passear, ir ao banco, ir ao café, ir a futebol, ir às compras, ir ao hospital com os inerentes incómodos.
9) Desde a data do embate que o UX se encontra na oficina propriedade de J. D..
10) O valor de venda no mercado do UX era, imediatamente antes do embate, de pelo menos, €4.275,00 e nunca mais de €4.500,00.
11) O salvado do UX valia, à data do sinistro, €555,00.
12) Com o valor oferecido ela Ré de €2.820,00€, acrescidos do produto da venda do salvado (€555,00), não era e é possível ao Autor adquirir no mercado nacional um veículo com características semelhantes às do UX.
56. Tendo em linha de conta a matéria de facto constante dos item n.º 32 dos factos dados como não provados na Douta Sentença, a qual atenta a procedência da supra referida Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deverá ser dada como provada e dessa forma passar a elencar a lista dos pontos constantes dos Factos dados como Provados da Douta Sentença, bem como ainda a matéria de facto constante do ponto n.º 98 dos factos dados como provados, deverá ser a Ré condenada a pagar ao Autor, uma quantia a título de parqueamento/depósito diário do seu veículo ligeiro de passageiros matricula UX desde o dia 04/02/2015 (dia da ocorrência do acidente dos autos) e até à data em que a Ré colocar à disposição do Autor o dinheiro correspondente à indemnização devida a titulo de custo de reparação da mesma viatura matricula UX, montante esse cuja total e integral concretização e quantificação se deverá relegar para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P. Civil).
57. Indemnização essa que o Autor calcula e peticiona da Ré à razão da quantia diária de €6,00 (acrescida do IVA à taxa legal em vigor), a qual à presente data (24/05/2019) orça em €9.426,00 (acrescida do IVA à taxa legal) (04/02/2015 a 24/05/2017 = 1.571 dias x €6,00 = €9.426,00), quantia diária essa cujo pagamento o Autor desde já peticiona da Ré até à data em que a Ré colocar à disposição do Autor o dinheiro correspondente à indemnização devida a titulo de custo de reparação da mesma viatura matricula UX, montante esse cuja total e integral concretização e quantificação se deverá relegar para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P. Civil).
58. Desde a data do embate que o veículo propriedade do Autor matrícula UX se encontra depositado na oficina propriedade de J. D. e por tal depósito o Autor terá que pagar à referida oficina reparadora a titulo de parqueamento pelo seu veículo o montante diário de€6,00 (acrescida do IVA à taxa legal em vigor).
59. Atenta à matéria de facto dada como provada nos pontos n.ºs 9, 93, 94, 99, 100 e 101 da Sentença, deverá a Ré ser condenada a pagar ao Autor, a quantia de €18.415,02 acrescida do IVA à taxa legal a titulo de reparação do veículo propriedade do Autor de matrícula UX, em consequência dos danos causados pelo acidente de viação melhor descrito nos presentes autos, recorrendo a peças novas e originais da marca, ou a quantia de €10.000,00 acrescida do IVA à taxa legal a titulo de reparação do veículo propriedade do Autor, de matrícula UX, em consequência dos danos causados pelo acidente de viação melhor descrito nos presentes autos, recorrendo a peças usadas e aproveitando as peças estragadas.
60. Indemnização essa o que tem como fundamento a seguinte matéria de facto dada como provada:
1) Em 20-02-2015, por conta dos estragados causados no UX e após peritagem deste, a Ré através do seu gestor de processo apresentou ao Autor uma proposta consolidada e final de €2.820,00, já deduzido o valor do salvado que ficaria na posse do Autor .
2) É possível reparar o veículo UX de modo a poder circular na via pública pelo valor de €18.415,02 acrescida do IVA à taxa legal recorrendo a peças novas e originais da marca, ou pelo valor de €10.000,00 acrescida do IVA à taxa legal recorrendo a peças usadas e aproveitando as peças estragadas .
3) As dificuldades económicas do Autor impossibilitam-no de proceder e pagar de imediato a reparação do UX.
4) O valor de venda no mercado do UX era, imediatamente antes do embate, de pelo menos, €4.275,00 e nunca mais de €4.500,00.
5) O salvado do UX valia, à data do sinistro, €555,00.
6) Com o valor oferecido ela Ré de €2.820,00€, acrescidos do produto da venda do salvado (€555,00), não era e é possível ao Autor adquirir no mercado nacional um veículo com características semelhantes às do UX.
61. Tendo em linha de conta a matéria de facto constante dos itens n.ºs 18 e 19 dos factos dados como não provados na Douta Sentença, a qual atenta a procedência da supra referida Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deverá ser dada como provada e dessa forma passar a elencar a lista dos pontos constantes dos Factos dados como Provados da Douta Sentença, bem como a matéria de facto constante dos pontos n.ºs 1, 51, 54, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72 e 73 dos factos dados como provados, deverá a Ré ser condenada a pagar ao Autor a titulo de indemnização pela “perda da capacidade de ganho”, na medida em que em termos de repercussão permanente da atividade profissional, o défice funcional de que ficou padecer em virtude das lesões e sequelas sofridas, é incompatível e impeditivo do exercício da actividade profissional “operador agrícola” e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e sentadas, uma quantia nunca inferior a €200.000,00 (Duzentos Mil Euros).
62. Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores:
1) O Autor à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos, tinha 33 (trinta e três) anos de idade, já que nasceu em --01-1981,
2) O Autor, para se locomover, tem que recorrer à ajuda de muletas/canadianas.
3) O Autor passou a locomover-se e mantém com espaçador da anca (provisória).
4) Actualmente, o Autor encontra-se incapacitado para a profissão de “operador agrícola”.
5) Em consequência do embate, o Autor ficou com as seguintes sequelas no membro inferior esquerdo: apresenta cicatriz irregular, nacarada com zonas rosadas, medindo 26 cm por 1 cm de maiores dimensões, que se estende desde face lateral do terço proximal da coxa até à nádega esquerda; cicatriz transversal com 3,5 cm por 1cm na face anterior do joelho; usa palmilha compensadora no sapato por dismetria de membros (membro inferior esquerdo mais curto que o direito de cerca de 2 cm); atrofia da coxa de 3 cm (53,5 cm vs 56,5 cm à direita); atrofia da perna de 3 cm (38,5 cm vs 41,5 cm à direita); rigidez marcada da anca com flexão a 60°-70°, com perda das rotações, adução / abdução e extensão limitadas); articulação do joelho com mobilidades conservadas notando-se crepitação articular à mobilização e ligeira laxidez lateral; tibiotársica (tornozelo) com mobilidades conservadas e simétricas.
6) E ficou a padecer de limitação de movimentos e mobilidade a nível do membro inferior esquerdo e da anca, com impossibilidade de se agachar, de se ajoelhar, de correr, de exercer força ou sustentar-se sob a perna esquerda e anca, de efectuar qualquer movimento brusco ou que exija potência, de saltar, de subir andaimes.
7) De subir e descer caminhos desnivelados sem canadianas.
8) O Autor claudica na marcha.
9) O Autor necessita e necessitará de ajuda medicamentosa com analgésicos em SOS para superar as consequências e sequelas supra descritas, com a regularidade e tipologia a ser definida pelo médico assistente.
10) O Autor tem dificuldades acrescidas na condução de viaturas ligeiras com caixa manual.
11) O Autor tem necessidade, como ajuda técnica, de recorrer à condução de viaturas com caixa automática.
12) Em virtude das lesões e sequelas sofridas, o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 16 (dezasseis pontos), sendo de perspectivar a existência de dano futuro.
13) E previsível agravamento desse défice, durante toda a sua vida, tornando mais penoso o desempenho das suas tarefas diárias, sejam actividades domésticas, laborais, recreativas, sociais ou sentimentais e dificultando a sua produtividade.
14) Tal défice funcional, é incompatível e impeditivo do exercício da actividade profissional “operador agrícola” e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e sentadas.
15) O Autor necessita diariamente de descansar por vários períodos de tempo já que não consegue manter-se muito tempo de pé.
16) No início do ano de 2015 e antes do embate, o A. apresentou-se para uma entrevista de trabalho junto da firma propriedade de A. J., que manifestou interesse na contratação dos seus serviços, solicitando a sua comparência na sua sede com a finalidade de formalizar contrato de trabalho, o qual teria início em Fevereiro de 2015.
17) Onde iria desempenhar as funções de “Operador agrícola”, mediante a remuneração base mensal de 505,00€ (quinhentos e cinco euros), acrescida da quantia mensal de 50,40€ (cinquenta euros e quarenta cêntimos) a título de subsídio de alimentação.
63. O lesado afectado de sequelas impeditivas do exercício da actividade profissional habitual encontra-se em posição de desvantagem em relação a outro que, afectado da mesma incapacidade parcial, não ficou impedido de exercer a sua profissão habitual.
64. Esta posição de desvantagem é agravada pela circunstância da taxa de desemprego do cidadão deficiente ser especialmente elevada (pelo menos o dobro da restante população), porquanto os empregadores partem do pressuposto da sua inadaptação ao desempenho profissional.
65. Acresce que os elementos estatísticos demonstram que a taxa de pobreza das pessoas com deficiência é 70% superior à média, em parte devido a limitações no acesso ao emprego.
66. Tendo a vítima ficado impedida de exercer a sua actividade profissional habitual, face às graves sequelas físicas sofridas, prejudicando substancialmente as suas oportunidades de obter novo emprego, justifica-se a elevação do resultado obtido através das tabelas financeiras em cerca de 10%.
67. Tendo em conta a matéria de facto constante dos itens n.ºs 18 e 19 dos factos dados como não provados na Douta Sentença, a qual atenta a procedência da supra referida Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deverá ser dada como provada e dessa forma passar a elencar a lista dos pontos constantes dos Factos dados como Provados da Douta Sentença, bem como a matéria de facto constante dos pontos n.ºs 1, 51, 54, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72 e 73 dos factos dados como provados deverá a Ré ser condenada a pagar ao Autor a titulo de indemnização pelo “dano biológico” decorrente da perda ou diminuição de capacidades funcionais em consequência do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 16 pontos, uma quantia nunca inferior a €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros).
68. Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores:
1) O Autor à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos, tinha 33 (trinta e três) anos de idade, já que nasceu em ..-01-1981,
2) O Autor, para se locomover, tem que recorrer à ajuda de muletas/canadianas.
3) O Autor passou a locomover-se e mantém com espaçador da anca (provisória).
4) Actualmente, o Autor encontra-se incapacitado para a profissão de “operador agrícola”.
5) Em consequência do embate, o Autor ficou com as seguintes sequelas no membro inferior esquerdo: apresenta cicatriz irregular, nacarada com zonas rosadas, medindo 26 cm por 1 cm de maiores dimensões, que se estende desde face lateral do terço proximal da coxa até à nádega esquerda; cicatriz transversal com 3,5 cm por 1cm na face anterior do joelho; usa palmilha compensadora no sapato por dismetria de membros (membro inferior esquerdo mais curto que o direito de cerca de 2 cm); atrofia da coxa de 3 cm (53,5 cm vs 56,5 cm à direita); atrofia da perna de 3 cm (38,5 cm vs 41,5 cm à direita); rigidez marcada da anca com flexão a 60°-70°, com perda das rotações, adução / abdução e extensão limitadas); articulação do joelho com mobilidades conservadas notando-se crepitação articular à mobilização e ligeira laxidez lateral; tibiotársica (tornozelo) com mobilidades conservadas e simétricas.
6) E ficou a padecer de limitação de movimentos e mobilidade a nível do membro inferior esquerdo e da anca, com impossibilidade de se agachar, de se ajoelhar, de correr, de exercer força ou sustentar-se sob a perna esquerda e anca, de efectuar qualquer movimento brusco ou que exija potência, de saltar, de subir andaimes.
7) De subir e descer caminhos desnivelados sem canadianas.
8) O Autor claudica na marcha.
9) O Autor necessita e necessitará de ajuda medicamentosa com analgésicos em SOS para superar as consequências e sequelas supra descritas, com a regularidade e tipologia a ser definida pelo médico assistente.
10) O Autor tem dificuldades acrescidas na condução de viaturas ligeiras com caixa manual.
11) O Autor tem necessidade, como ajuda técnica, de recorrer à condução de viaturas com caixa automática.
12) Em virtude das lesões e sequelas sofridas, o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 16 (dezasseis pontos), sendo de perspectivar a existência de dano futuro.
13) E previsível agravamento desse défice, durante toda a sua vida, tornando mais penoso o desempenho das suas tarefas diárias, sejam actividades domésticas, laborais, recreativas, sociais ou sentimentais e dificultando a sua produtividade.
14) Tal défice funcional, é incompatível e impeditivo do exercício da actividade profissional “operador agrícola” e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e sentadas.
15) O Autor necessita diariamente de descansar por vários períodos de tempo já que não consegue manter-se muito tempo de pé.
16) No início do ano de 2015 e antes do embate, o A. apresentou-se para uma entrevista de trabalho junto da firma propriedade de A. J., que manifestou interesse na contratação dos seus serviços, solicitando a sua comparência na sua sede com a finalidade de formalizar contrato de trabalho, o qual teria início em Fevereiro de 2015.
17) Onde iria desempenhar as funções de “Operador agrícola”, mediante a remuneração base mensal de 505,00€ (quinhentos e cinco euros), acrescida da quantia mensal de 50,40€ (cinquenta euros e quarenta cêntimos) a título de subsídio de alimentação.
69. Atendendo à matéria de facto dada como provada, mais concretamente nos itens n.ºs 41 a 92 e com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir à Autora/Recorrente a titulo de danos não patrimoniais, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a €200.000,00 (Duzentos Mil Euros).
70. Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores:
1) Em consequência do supra descrito o Autor deu entrada no serviço de urgências do Centro Hospitalar do Médio Ave, E.P.E. no dia 04/02/2015, pelas 17h31m, onde foi examinado, com o diagnóstico de politraumatizado, apresentando múltiplas lesões traumáticas do foro ortopédico, designadamente: 1. Traumatismo do MIE, 2. Fractura - luxação da anca esquerda, com fractura cominutiva da parede posterior do acetábulo esquerdo e com ascensão posterior da cabeça femural.
2) Teve alta hospitalar nesse mesmo dia 04/02/2015.
3) No dia 16/02/2015, por persistência das queixas dolorosas em consequência do embate, descrito nos presentes autos, deu entrada e foi observado no Serviço de Urgências do Centro Hospitalar do Alto Ave, E.P.E.
4) O Autor, no dia 18/02/2015, por persistência das queixas dolorosas em consequência do embate, recorreu foi novamente àquele serviço de urgência, tendo ficado internado no Centro Hospitalar do Médio Ave, E.P.E., onde foi submetido às seguintes intervenções cirúrgicas e tratamentos: 1. Redução e colocação de tracção esquelética a 20/02/2015; 2. Redução cruenta e osteossíntese do acetabulo esquerdo com parafuso de 3,5mm e placa de reconstrução de 10 furos a 27/02/15, com extracção de fragmento ósseo intra-articular.
5) Foi submetido a exérese do fragmento ósseo e a osteossíntese da fractura do acetabulo a 27/02/2015.
6) Após cirurgia apresentou sinais inflamatórios da sutura com drenagem abundante, foi identificado micro-organismo e iniciou antibioterapia, e iniciou drenagem da ferida operatória com 7 dias P.O.
7) O Autor teve alta hospitalar no dia 27/03/2015.
8) Após o que começou a ser acompanhado em consulta externa na especialidade de Ortopedia no Centro Hospitalar do Médio Ave, E.P.E..
9) Em 2/04/2015 foi observado, a mando da Ré, no Hospital ..., no Porto, sito na Rua …, no Porto, tendo-lhe sido atribuída incapacidade temporária absoluta pelo período de 120 dias – cfr. documento de fls.76 e 76 verso do apenso A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10) O Autor, tem indicação para tratamento fisiátrico de reabilitação funcional e desde Maio de 2015 e até à presente data, tendo realizado a expensas suas várias sessões de fisioterapia.
11) O Autor, para se locomover, tem que recorrer à ajuda de muletas/canadianas.
12) O Autor encontra-se actualmente a realizar sua recuperação funcional e fisioterapia, tratamentos esses que terão a duração indeterminada.
13) Findos esses tratamentos e em consequência do embate, o Autor foi submetido às seguintes intervenções: a) em 09/11/2016, extracção de placa a parafusos do acetabulo; PTA não-cimentada esquerda (BlOMET); b) em 10/12/2016 foi internado por drenagem purulenta da ferida operatória com 8 dias de evolução - isolado MRSA, tendo havido má resposta a vancomicina, que esteve sempre em níveis subterapeuticos; c) em 21/12/2016, efectuou uma lavagem articular com troca de componentes móveis; d) perante nova drenavem purulenta foi decidido em RS propor extracção de PTA e colocação de espaçador, tendo sido isolado enterococcus e medicado com gentantina ev.; e) em 11/01/2017 foi submetido a extracção de PTA e colocação de espaçador Biomet, tendo sido medicado 3-4 semanas com linezolide para MRSA e ciprofloxacina para enterococcus; f). em 30/01/2017 efectuou drenagem na porção distal da ferida cirúrgica, hoje em escassa quantidade.
14) O Autor passou a locomover-se e mantém com espaçador da anca (provisória).
15) O Autor ficou a aguardar e aguarda por colocação de PTA (Prótese Total da Anca) definitiva que se prevê seja colocada.
16) E, eventualmente, por intervenção artroscópica ao joelho esquerdo.
17) E terá que ser submetido, aos respectivos internamentos hospitalares.
18) Terá de efectuar as correspondentes despesas hospitalares.
19) Terá de efectuar a vários tratamentos médicos e clínicos para tratamento e optimização da situação do joelho esquerdo e da anca.
20) Terá necessidade de ajudas técnicas, nomeadamente, canadianas.
21) O Autor tem e terá que ser, novamente e de forma periódica, avaliado em consultas de fisioterapia e terá de efectuar tratamentos de fisioterapia de manutenção, com a regularidade e tipologia a fixar pelo médico assistente.
22) Actualmente, o Autor encontra-se incapacitado para a profissão de “operador agrícola”.
23) Em consequência do embate, o Autor ficou com as seguintes sequelas no membro inferior esquerdo: apresenta cicatriz irregular, nacarada com zonas rosadas, medindo 26 cm por 1 cm de maiores dimensões, que se estende desde face lateral do terço proximal da coxa até à nádega esquerda; cicatriz transversal com 3,5 cm por 1cm na face anterior do joelho; usa palmilha compensadora no sapato por dismetria de membros (membro inferior esquerdo mais curto que o direito de cerca de 2 cm); atrofia da coxa de 3 cm (53,5 cm vs 56,5 cm à direita); atrofia da perna de 3 cm (38,5 cm vs 41,5 cm à direita); rigidez marcada da anca com flexão a 60°-70°, com perda das rotações, adução / abdução e extensão limitadas); articulação do joelho com mobilidades conservadas notando-se crepitação articular à mobilização e ligeira laxidez lateral; tibiotársica (tornozelo) com mobilidades conservadas e simétricas.
24) E ficou a padecer de limitação de movimentos e mobilidade a nível do membro inferior esquerdo e da anca, com impossibilidade de se agachar, de se ajoelhar, de correr, de exercer força ou sustentar-se sob a perna esquerda e anca, de efectuar qualquer movimento brusco ou que exija potência, de saltar, de subir andaimes.
25) De subir e descer caminhos desnivelados sem canadianas.
26) O Autor claudica na marcha.
27) O Autor necessita e necessitará de ajuda medicamentosa com analgésicos em SOS para superar as consequências e sequelas supra descritas, com a regularidade e tipologia a ser definida pelo médico assistente.
28) O Autor tem dificuldades acrescidas na condução de viaturas ligeiras com caixa manual.
29) O Autor tem necessidade, como ajuda técnica, de recorrer à condução de viaturas com caixa automática.
30) Em virtude das lesões e sequelas sofridas, o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 16 (dezasseis pontos), sendo de perspectivar a existência de dano futuro.
31) É previsível agravamento desse défice, durante toda a sua vida, tornando mais penoso o desempenho das suas tarefas diárias, sejam actividades domésticas, laborais, recreativas, sociais ou sentimentais e dificultando a sua produtividade.
32) Tal défice funcional, é incompatível e impeditivo do exercício da actividade profissional “operador agrícola” e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e sentadas.
33) O Autor necessita diariamente de descansar por vários períodos de tempo já que não consegue manter-se muito tempo de pé.
34) O Autor sofreu 125 dias de défice funcional temporário total.
35) O Autor sofreu 1157 dias de défice funcional temporário parcial.
36) Decorreram 1282 dias de repercussão temporária na actividade profissional total do Autor desde a data do sinistro até à data de consolidação médico-legal das lesões em 8 de Agosto de 2018.
37) O Autor sofreu dores aquando do embate, dos internamentos e tratamentos hospitalares e do período de convalescença.
38) De grau 6 numa escala crescente de 1 a 7.
39) As quais se exacerbam e agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços.
40) As quais o Autor não sentia antes do embate.
41) O Autor, por vezes, tem dificuldades em dormir com as dores a nível da anca e do membro inferior esquerdo.
42) À data do embate, o Autor era uma pessoa sem qualquer incapacidade física ou estética que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional.
43) Era uma pessoa saudável, dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora, alegre, confiante, cheia de projectos para o futuro, cheia de vida, com vontade e alegria de viver.
44) Calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.
45) Em consequência do embate, o Autor tornou-se uma pessoa triste, introvertida, angustiada, sofredora, triste, infeliz, desgostosa, insegura, nervosa, inibida e diminuída fisicamente e esteticamente, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.
46) As cicatrizes referidas em I.63 causam ao Autor desgosto e inibição e desfavorecem-no esteticamente.
47) Em grau 5 numa escala crescente de 1 a 7.
48) Em consequência das referidas lesões e sequelas, o Autor sofre desconforto e dor na adopção de certas posições durante o acto sexual.
49) Com uma repercussão permanente na actividade sexual de grau 3 numa escala crescente de 1 a 7.
50) Em consequência do embate, o Autor não pode e não poderá praticar qualquer actividade desportiva que implique esforços e caminhada prolongada, designadamente a prática de futebol, bicicleta e corrida.
51) O que confere ao Autor uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 numa escala crescente de 1 a 7.
71. Na situação vertente, a Ré em 20/02/2015 comunicou a assunção da responsabilidade (pelo menos em 75%) pelos danos decorrentes do sinistro e em 02/04/2015 sujeitou o Autor a avaliação de dano corporal (pontos n.º 10 e 49 dos factos provados).
72. Todavia, tendo o Autor tido alta clínica da Ré seguradora em 02.04.2015 (cfr. documento de fls.76 e 76 verso do apenso A.), com indicação das lesões sofridas no acidente, da situação previsível à data da alta com eventuais sequelas, do período de défice funcional temporário total, do período de repercussão temporária total na profissão, do quantum doloris (grau 4), da afectação da integridade físico psíquica (10 pontos), dos esforços acrescidos e sem intervenções cirúrgicas (ponto 49 dos factos provados), e decorridos 15 dias após a data da alta clinica atribuída pela Ré em 02/04/2015 nunca a Ré seguradora apresentou qualquer proposta indemnizatória ao Autor (ponto 11 dos factos provados).
73. Assim, responde a Ré (que assumiu a culpa do condutor do veículo nela seguro na produção do embate em pelo menos 75% – ponto 10 dos factos provados), pelos juros em dobro (ou seja, 8% - Portaria n.º 291/2003, de 8/4), desde 18/04/2015 - 15 dias a contar da data do conhecimento pela empresa de seguros do relatório de alta clínica -, nos termos do artigo 39º/2, do Decreto-Lei n.º 2917/2007.
74. Pelo exposto a Ré deve ser condenada a pagar ao Autor os juros de mora no dobro da taxa legal prevista aplicável ao caso, sobre os montantes que virem a ser fixados ao Autor na decisão judicial final a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais e contados desde 18.04.2015 (15 dias a contar da data do conhecimento pela empresa de seguros do relatório de alta clínica), nos termos do artigo 39º/2, do Decreto-Lei n.º 2917/2007.
75. A Douta Sentença, violou, entre outros que V. Exas mui doutamente suprirão, as seguintes disposições legais:
a) os artigos 483º, 496º, 562º, 563º, 564º, nº1 n.º 2, 566.º, n.ºs1, 2, 3 todos Código Civil,
b) os artigos 36.°, n.°s 1 e) e 5, 37, n.º 1 alínea c), n.º 2, alínea a), 38º, n.º 3 e 4 e 39º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto,
c) artigos 805º, nº 3 e 806º todos Código Civil,
d) Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 09/05/2002, e
e) o princípio da igualdade inscrito no art. 13.º n.º 1 da Constituição (implicando o dever de tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente), pelo qual se justifica a utilização da regra que o direito do trabalho aplica ao cálculo da pensão para os sinistrados em acidente de trabalho afectados de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), a qual é fixada entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível – art. 48.º n.º 3 al. b) da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.»
A ré apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

B. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto da presente apelação circunscreve-se às seguintes questões:

i) impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
ii) verificação dos pressupostos da responsabilidade civil da recorrida em decorrência de acidente de viação;
iii) da obrigação de indemnizar;
iv) juros de mora.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

C. Fundamentação

1. Os factos

I. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em A), supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:

1. O Autor nasceu em - de janeiro de 1981 - cfr. documento junto a fls.29 verso (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
2. No passado dia 04 de fevereiro de 2015, cerca das 16 horas e 30 minutos, na Rua ..., freguesia ... ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, distrito de Braga, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro, de passageiros, de serviço particular, com a matrícula FZ, de propriedade e conduzido por M. V., e o veículo ligeiro, de mercadorias com a matrícula UX, de propriedade e conduzido pelo Autor.
3. Entre aquela M. V., nas qualidades de proprietária e/ou condutora habitual do veículo com a matrícula FZ e a Ré seguradora existia, à data do embate, um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, válido e eficaz, titulado pela apólice nº 9000654434, mediante o qual a primeira transferiu para aquela seguradora a respectiva responsabilidade civil automóvel emergente da circulação rodoviária daquele FZ – cfr. documento junto a fls.65, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4. A Ré, com a matrícula e NIPC …, alterou a sua denominação social de Y - Companhia de Seguros, SA para X - Companhia de Seguros, SA, com efeitos a partir de 20 de Janeiro de 2015, data da publicação oficial dessa alteração, conforme An. 1 - 20150120 à inscrição n.º 28 (apresentação n.º 154/20150108).
5. No dia, hora e local acima mencionados, ambos os veículos circulavam na referida Rua ... no sentido de marcha .../Vila Nova de Famalicão.
6. À data e no local onde ocorreu o embate, a estrada tinha uma faixa de rodagem, que em toda a sua largura media cerca de 7,40 metros, dispondo assim cada hemi faixa de rodagem de uma largura de 3,70 metros.
7. O piso betuminoso da via encontrava-se regular, em bom estado de conservação e seco em face das boas condições climatéricas que se faziam sentir na altura (tempo limpo, seco e com sol).
8. Em consequência do embate resultaram estragos no UX, nomeadamente em toda a sua parte lateral direita traseira e parte frontal esquerda, com inutilização, nomeadamente, das seguintes peças: para choques frente, grelhas do para choques da frente, frisos do para choques da frente, spoiler frente, grelha radiador, capôt, dobradiças, amortecedores capota, borrachas, faróis, piscas, guarda lamas, cober cava de rodas, travessas, chapa frontal, cave de roda para brisas, deposito limpeza, portas, vidros das portas, elevadores dos vidros das portas, fechos batentes, frisos, forros, retrovisores, airbags, tablier, braços de suspensão, amortecedores, manga de eixo, caixa de direcção, volante, sensor airbag, radiador, suporte condensador, grelha, caixa velocidades eixo traseiro, cablagem ventoinha, bateria, fusíveis, sistema eléctrico, conforme relatório de peritagem realizado em 10-02-2015 pelos serviços técnicos da Ré – cfr. documentos juntos a fls.49 verso e a fls.84 e seg. do apenso A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. A reparação do veículo propriedade do Autor, de matrícula UX, em consequência dos danos causados pelo acidente de viação melhor descrito nos presentes autos, recorrendo a peças novas e originais da marca, orçou a quantia de 18.415,02€ (dezoito mil quatrocentos e quinze euros e dois cêntimos) acrescida do IVA à taxa legal cfr. documentos juntos a fls.49 verso e a fls.84 e seg. do apenso A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10. A Ré, através do seu gestor de processo de nome A. C., expressamente assumiu e reconheceu por escrito perante o Autor, a responsabilidade e culpa da condutora do veículo FZ na produção do embate na proporção de 75% (setenta e cinco por cento) - cfr. documento junto a fls. 50, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11. A Ré, por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram para o Autor em consequência do embate, desde essa data de 02/04/2015 até à presente data, ainda não apresentou ao Autor qualquer proposta de indemnização para além da referida em 12.
12. Em 20-02-2015, por conta dos estragados causados no UX e após peritagem deste, a Ré através do seu gestor de processo apresentou ao Autor uma proposta consolidada e final de 2.820,00 € (dois mil oitocentos e vinte euros), já deduzido o valor do salvado que ficaria na posse do Autor - cfr. documento junto a fls.51 e seg., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13. O Autor recebeu da Ré a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) por conta da indemnização devida a final e no âmbito de transacção homologada aos 12 de Novembro de 2015 nos autos de providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, que com o nº 8368/15.8T8VNF, correram termos pelo Tribuna da Comarca de Braga - V. N. Famalicão - Instância Local- Secção Cível - J3 (actualmente correspondente ao apenso A) – cfr. fls.120 desse apenso A.
14. Nessa transacção a Ré declarou que “o pagamento ora acordado não significa uma assunção total e exclusiva da responsabilidade da condutora do veículo seguro, com a matrícula FZ, na produção do acidente, antes entendendo haver uma contribuição de ambos os condutores para a eclosão do sinistro” – cfr. o teor da transacção a fls.116 verso do apenso A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
15. Em 30 de Janeiro de 2017, o Autor recebeu da Ré nova quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) por conta da indemnização devida a final – cfr. documento de fls.281 e 281 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
16. O Autor recebeu da Ré nova quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) por conta da indemnização devida a final e no âmbito de transacção homologada aos 16 de Janeiro de 2018 nos autos de providência cautelar de arbitramento de reparação provisória que correram termos no apenso B – cfr. fls.24 desse apenso.
17. Nessa transacção a Ré declarou que “o pagamento ora acordado não significa uma assunção total e exclusiva da responsabilidade da condutora do veículo seguro, com a matrícula FZ, na produção do acidente, antes entendendo haver uma contribuição de ambos os condutores para a eclosão do sinistro” – cfr. o teor da transacção a fls.20 verso do apenso B., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
18. No local do acidente, a Rua do … descreve uma recta com pelo menos 230 (duzentos e trinta) metros de extensão, com inclinação descendente no sentido ... – Famalicão.
19. É ladeada por passeios, muros e montados.
20. Atento o sentido ... – Vila Nova de Famalicão, e antes do local do acidente existe a seguinte sinalização de trânsito: a) Sinais verticais A16A (aproximação de passagem para peões), A18 (curva à esquerda) e M20 (bandas cromáticas).
21. Atento o sentido ... – Vila Nova de Famalicão, e depois do local do acidente existe a seguinte sinalização de trânsito: Marcas M11 (passagem para peões) e H7 (passagem para peões)
22. Antes do local do embate, ainda de acordo com o mesmo sentido de marcha, existe uma lomba.
23. O FZ seguia numa fila compacta de veículos, encabeçada por um tractor, cuja marcha, por si imposta ao restante tráfego, era à volta de 20 km/h.
24. O FZ constituía o quarto veículo da fila, existindo dois veículos entre si e o tractor.
25. A condutora do FZ decidiu colocar-se à frente do tractor.
26. Iniciando a manobra de ultrapassagem a um outro veículo automóvel que circulava à sua frente na hemi-faixa de rodagem direita e no mesmo sentido de marcha.
27. Sem sinalizar previamente a sua presença e essa manobra
28. Sem verificar que não circulava nenhum veículo, no mesmo sentido, quer na sua traseira, quer paralelamente.
29. Flectindo à esquerda e invadindo a hemi-faixa de rodagem contrária esquerda, atento o seu sentido de marcha, e por onde já circulava o UX em ultrapassagem.
30. Vindo de trás.
31. E a velocidade superior a 70 km/h.
32. Quando UX estava já prestes a passar pelo FZ.
33. Embatendo com a sua parte lateral esquerda da frente na parte lateral direita traseira do UX.
34. Que, em consequência, foi projectado para a sua esquerda, acabando por invadir a berma esquerda, atento o seu sentido de marcha, onde embateu contra um muro e se imobilizou.
35. O Autor ainda se desviou para a sua esquerda e travou, deixando marcados no pavimento rastos de travagem com uma extensão de 13,50 mts., no que concerne ao rodado direito, e de 15,20 mts., no que respeita ao rodado esquerdo.
36. Esses rastos de travagem iniciam-se antes da passagem para peões e terminam depois da mesma.
37. A extensão dos rastos de travagem seria superior não tivesse a marcha do veículo sido interrompida pelo muro.
38. No local onde o UX embateu o muro apresentava uma face virada para ..., na perpendicular em relação ao eixo da via, cortando o passeio até aí existente.
39. A condutora do FZ não conseguiu evitar a colisão contra o referido muro, mas fê-lo mais à frente, a 11,50 metros do UX, com a lateral esquerda, e numa zona em que o muro é paralelo à estrada.
40. A condutora do FZ apenas conseguiu imobilizar a sua marcha a cerca de 25 (vinte e cinco) metros de distância do local onde ocorreu o embate.
41. Em consequência do supra descrito o Autor deu entrada no serviço de urgências do Centro Hospitalar do Médio Ave, E.P.E. no dia 04/02/2015, pelas 17h31m, onde foi examinado, com o diagnóstico de politraumatizado, apresentando múltiplas lesões traumáticas do foro ortopédico, designadamente: 1. Traumatismo do MIE, 2. Fractura - luxação da anca esquerda, com fractura cominutiva da parede posterior do acetábulo esquerdo e com ascensão posterior da cabeça femural.
42. Teve alta hospitalar nesse mesmo dia 04/02/2015.
43. No dia 16/02/2015, por persistência das queixas dolorosas em consequência do embate, descrito nos presentes autos, deu entrada e foi observado no Serviço de Urgências do Centro Hospitalar do Alto Ave, E.P.E.
44. O Autor, no dia 18/02/2015, por persistência das queixas dolorosas em consequência do embate, recorreu foi novamente àquele serviço de urgência, tendo ficado internado no Centro Hospitalar do Médio Ave, E.P.E., onde foi submetido às seguintes intervenções cirúrgicas e tratamentos: 1. Redução e colocação de tracção esquelética a 20/02/2015; 2. Redução cruenta e osteossíntese do acetabulo esquerdo com parafuso de 3,5mm e placa de reconstrução de 10 furos a 27/02/15, com extracção de fragmento ósseo intra-articular.
45. Foi submetido a exérese do fragmento ósseo e a osteossíntese da fractura do acetabulo a 27/02/2015.
46. Após cirurgia apresentou sinais inflamatórios da sutura com drenagem abundante, foi identificado micro-organismo e iniciou antibioterapia, e iniciou drenagem da ferida operatória com 7 dias P.O.
47. O Autor teve alta hospitalar no dia 27/03/2015.
48. Após o que começou a ser acompanhado em consulta externa na especialidade de Ortopedia no Centro Hospitalar do Médio Ave, E.P.E..
49. Em 2/04/2015 foi observado, a mando da Ré, no Hospital ..., no Porto, sito na Rua de …, no Porto, tendo-lhe sido atribuída incapacidade temporária absoluta pelo período de 120 dias - cfr. documento de fls. 76 e 76 verso do apenso A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
50. O Autor, tem indicação para tratamento fisiátrico de reabilitação funcional e desde Maio de 2015 e até à presente data, tendo realizado a expensas suas várias sessões de fisioterapia.
51. O Autor, para se locomover, tem que recorrer à ajuda de muletas/canadianas.
52. O Autor encontra-se actualmente a realizar sua recuperação funcional e fisioterapia, tratamentos esses que terão a duração indeterminada.
53. Findos esses tratamentos e em consequência do embate, o Autor foi submetido às seguintes intervenções: a) em 09/11/2016, extracção de placa a parafusos do acetabulo; PTA nãocimentada esquerda (BlOMET); b) em 10/12/2016 foi internado por drenagem purulenta da ferida operatória com 8 dias de evolução isolado MRSA, tendo havido má resposta a vancomicina, que esteve sempre em níveis subterapeuticos; c) em 21/12/2016, efectuou uma lavagem articular com troca de componentes móveis; d) perante nova drenavem purulenta foi decidido em RS propor extracção de PTA e colocação de espaçador, tendo sido isolado enterococcus e medicado com gentantina ev.; e) em 11/01/2017 foi submetido a extracção de PTA e colocação de espaçador Biomet, tendo sido medicado 34 semanas com linezolide para MRSA e ciprofloxacina para enterococcus; f). em 30/01/2017 efectuou drenagem na porção distal da ferida cirúrgica, hoje em escassa quantidade.
54. O Autor passou a locomoverse e mantém com espaçador da anca (provisória).
55. O Autor ficou a aguardar e aguarda por colocação de PTA (Prótese Total da Anca) definitiva que se prevê seja colocada.
56. E, eventualmente, por intervenção artroscópica ao joelho esquerdo.
57. E terá que ser submetido, aos respectivos internamentos hospitalares.
58. Terá de efectuar as correspondentes despesas hospitalares.
59. Terá de efectuar a vários tratamentos médicos e clínicos para tratamento e optimização da situação do joelho esquerdo e da anca.
60. Terá necessidade de ajudas técnicas, nomeadamente, canadianas.
61. O Autor tem e terá que ser, novamente e de forma periódica, avaliado em consultas de fisioterapia e terá de efectuar tratamentos de fisioterapia de manutenção, com a regularidade e tipologia a fixar pelo médico assistente.
62. Actualmente, o Autor encontra-se incapacitado para a profissão de “operador agrícola”.
63. Em consequência do embate, o Autor ficou com as seguintes sequelas no membro inferior esquerdo: apresenta cicatriz irregular, nacarada com zonas rosadas, medindo 26 cm por 1 cm de maiores dimensões, que se estende desde face lateral do terço proximal da coxa até à nádega esquerda; cicatriz transversal com 3,5 cm por 1cm na face anterior do joelho; usa palmilha compensadora no sapato por dismetria de membros (membro inferior esquerdo mais curto que o direito de cerca de 2 cm); atrofia da coxa de 3 cm (53,5 cm vs 56,5 cm à direita); atrofia da perna de 3 cm (38,5 cm vs 41,5 cm à direita); rigidez marcada da anca com flexão a 60°70°, com perda das rotações, adução / abdução e extensão limitadas); articulação do joelho com mobilidades conservadas notandose crepitação articular à mobilização e ligeira laxidez lateral; tibiotársica (tornozelo) com mobilidades conservadas e simétricas.
64. E ficou a padecer de limitação de movimentos e mobilidade a nível do membro inferior esquerdo e da anca, com impossibilidade de se agachar, de se ajoelhar, de correr, de exercer força ou sustentar-se sob a perna esquerda e anca, de efectuar qualquer movimento brusco ou que exija potência, de saltar, de subir andaimes.
65. De subir e descer caminhos desnivelados sem canadianas.
66. O Autor claudica na marcha.
67. O Autor necessita e necessitará de ajuda medicamentosa com analgésicos em SOS para superar as consequências e sequelas supra descritas, com a regularidade e tipologia a ser definida pelo médico assistente.
68. O Autor tem dificuldades acrescidas na condução de viaturas ligeiras com caixa manual.
69. O Autor tem necessidade, como ajuda técnica, de recorrer à condução de viaturas com caixa automática.
70. Em virtude das lesões e sequelas sofridas, o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade FísicoPsíquica fixável em 16 (dezasseis pontos), sendo de perspectivar a existência de dano futuro.
71. E previsível agravamento desse défice, durante toda a sua vida, tornando mais penoso o desempenho das suas tarefas diárias, sejam actividades domésticas, laborais, recreativas, sociais ou sentimentais e dificultando a sua produtividade.
72. Tal défice funcional, é incompatível e impeditivo do exercício da actividade profissional “operador agrícola” e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e sentadas.
73. O Autor necessita diariamente de descansar por vários períodos de tempo já que não consegue manter-se muito tempo de pé.
74. O Autor sofreu 125 dias de défice funcional temporário total.
75. O Autor sofreu 1157 dias de défice funcional temporário parcial.
76. Decorreram 1282 dias de repercussão temporária na actividade profissional total do Autor desde a data do sinistro até à data de consolidação médico-legal das lesões em 8 de agosto de 2018.
77. Em consequência do embate, o Autor teve de ser submetido a vários tratamentos, internamentos hospitalares, de recorrer a consultas médicas, de ajuda medicamentosa, exames clínicos, de efectuar várias deslocações em transporte publico e de táxi a hospitais e a clínicas, no que despendeu as quantias de € 2.491,46 (dois mil quatrocentos e noventa e um euros e quarenta e seis cêntimos).
78. O Autor sofreu dores aquando do embate, dos internamentos e tratamentos hospitalares e do período de convalescença.
79. De grau 6 numa escala crescente de 1 a 7.
80. As quais se exacerbam e agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços.
81. As quais o Autor não sentia antes do embate.
82. O Autor, por vezes, tem dificuldades em dormir com as dores a nível da anca e do membro inferior esquerdo.
83. À data do embate, o Autor era uma pessoa sem qualquer incapacidade física ou estética que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional.
84. Era uma pessoa saudável, dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora, alegre, confiante, cheia de projectos para o futuro, cheia de vida, com vontade e alegria de viver.
85. Calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.
86. Em consequência do embate, o Autor tornou-se uma pessoa triste, introvertida, angustiada, sofredora, triste, infeliz, desgostosa, insegura, nervosa, inibida e diminuída fisicamente e esteticamente, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.
87. As cicatrizes referidas em I.63 causam ao Autor desgosto e inibição e desfavorecem-no esteticamente.
88. Em grau 5 numa escala crescente de 1 a 7.
89. Em consequência das referidas lesões e sequelas, o Autor sofre desconforto e dor na adopção de certas posições durante o acto sexual.
90. Com uma repercussão permanente na actividade sexual de grau 3 numa escala crescente de 1 a 7.
91. Em consequência do embate, o Autor não pode e não poderá praticar qualquer actividade desportiva que implique esforços e caminhada prolongada, designadamente a prática de futebol, bicicleta e corrida.
92. O que confere ao Autor uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 numa escala crescente de 1 a 7.
93. A reparação do UX recorrendo a peças de concorrência, a peças usadas e aproveitando as peças estragadas orça a quantia de cerca de 10.000,00 € (dez mil euros) acrescida do IVA à taxa legal.
94. As dificuldades económicas do Autor impossibilitam-no de proceder e pagar de imediato a reparação do UX.
95. Desde a data do embate que o UX não pode circular na via pública.
96. O UX era o único e diário meio de transporte do Autor.
97. Desde a data do embate, o Autor tem recorrido a táxis, a transportes públicos e a empréstimos de outros veículos, com os inerentes incómodos.
98. Desde a data do embate que o UX se encontra na oficina propriedade de J. D..
99. O valor de venda no mercado do UX era, imediatamente antes do embate, de pelo menos, € 4.275,00 e nunca mais de € 4.500,00.
100. O salvado do UX valia, à data do sinistro, € 555,00.
101. Com € 3.945,00, acrescidos do produto da venda do salvado (€ 555,00), era e é possível ao Autor adquirir no mercado nacional um veículo com características semelhantes às do UX.
102. A Ré não liquidou ao Autor os 75% da perda total porque o Autor não os aceitou.
103. O Autor não aceitou a regularização com repartição de responsabilidades, imputando-lhe 25% de culpa, nem facultou à Ré a documentação necessária para que esta avançasse com o pagamento de 75% da indemnização.
104. Os valores referidos em I.9 e I.93 poderão aumentar aquando da desmontagem do UX, devido a prováveis danos ocultos.

II. Factos considerados não provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:

1. O UX circulava a 40 km/horários.
2. Pela (hemi-faixa) de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha.
3. O Autor acendeu o sinal luminoso de mudança de direcção do lado esquerdo, vulgo “pisca pisca”.
4. À frente do UX circulava o FZ.
5. O Autor, depois de ter verificado que não circulava nenhum veículo automóvel, em sentido contrário ao seu, e porque pretendia iniciar a manobra de ultrapassagem ao FZ, aproximou-se do eixo da via.
6. Flectiu o veículo por si conduzido de matrícula UX à sua esquerda, atento o seu sentido de marcha, passando a circular pela metade da meia faixa de rodagem esquerda e começando aí a ultrapassar o FZ.
7. A condutora do FZ guinou à esquerda quando o UX estava prestes a terminar a ultrapassagem ao UX.
8. Atento o sentido ... – Vila Nova de Famalicão, e antes do local do acidente existe a seguinte sinalização de trânsito: B7 (aproximação de rotunda).
9. A condutora do FZ accionou o pisca da esquerda e certificou-se de que nenhum veículo que atrás de si circulasse, tivesse manifestado a intenção de ultrapassar.
10. A condutora do FZ não se apercebeu desse veículo devido à lomba referida em I.22.
11. A condutora do FZ não se apercebeu desse veículo devido à velocidade referida em I.31.
12. Na altura do embate, o Autor sofreu angústia de poder a vir a falecer.
13. O Autor passou a ser acompanhado a mando, por conta e a expensas da Ré, no Hospital ..., no Porto, sito na Rua …, no Porto.
14. O Autor, findas essas novas intervenções cirúrgicas, terá que ser novamente e de forma periódica, avaliado em novas consultas de várias especialidades médicas.
15. Designadamente Ortopedia, Psiquiatria, Neurocirurgia, Medicina Física, Reabilitação Funcional, Cirurgia Plásticas, cuja duração será de duração superior a um/dois anos.
16. Actualmente, o Autor encontra-se com Incapacidade Temporária Absoluta (I.T.A) para todo e qualquer tipo de trabalho.
17. E para o exercício da sua profissão habitual.
18. No início do ano de 2015 e antes do embate, o A. apresentou-se para uma entrevista de trabalho junto da firma propriedade de A. J., que manifestou interesse na contratação dos seus serviços, solicitando a sua comparência na sua sede com a finalidade de formalizar contrato de trabalho, o qual teria início em Fevereiro de 2015.
19. Onde iria desempenhar as funções de “Operador agrícola”, mediante a remuneração base mensal de 505,00€ (quinhentos e cinco euros), acrescida da quantia mensal de 50,40€ (cinquenta euros e quarenta cêntimos) a título de subsídio de alimentação.
20. Em consequência do embate, o Autor ficou com as seguintes sequelas no períneo: cicatriz cirúrgica rosada com 9 cm por 0,5 cm localizada na região perineal à esquerda.
21. O Autor necessita de ajuda externa de terceira pessoa para se calçar.
22. No plano psíquico, o Autor ficou a padecer de síndrome pós stress-traumático: a) mantém recordações recorrentes do acidente; b) dificuldades de concentração; c) sintomatologia fóbica relativamente à problemática rodoviária; d) insónias com o sono agitado; e) alteração da qualidade de sono com sonhos recorrentes acerca do acidente (pesadelos); f) dificuldade de relacionamento com colegas e familiares; g) alterações afectivas; h) sintomatologia depressiva e caracterial com irritabilidade fácil; i) perturbações de pânico; j) modificações de humor, do carácter e vivência mais tristonha; k) síndrome depressivo prolongado; l) ansiedade relativamente à sua situação clínica actual e futura; m) maior irritabilidade e nervosismo; n) maior ansiedade; o) labilidade emocional; p) sentimentos de revolta; q) transtorno de ansiedade com manifestações fóbicas em personalidade evitante; r) o acidente sofrido exacerbou medos e inibições, aumentando a dificuldade para lidar com a situações da vida corrente que constituíam um desafio à sua confiança e autonomia; s) determinando esta plêiade de sintomas uma menor qualidade da sua vivência, intra e interpessoal.
23. O Autor padece de alterações de humor, do sono e alterações afectivas.
24. Em consequência do embate, o Autor tornou-se uma pessoa deprimida e abalada psiquicamente.
25. Em consequência das referidas lesões e sequelas, o Autor ficou a padecer de diminuição da libido.
26. O Autor necessita e necessitará de antidepressivos, ansiolíticos, anti-inflamatórios e medicação psicofarmológica para superar as consequências e sequelas supra descritas.
27. Em virtude das lesões e sequelas sofridas, o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade FísicoPsíquica fixável em 20 (vinte pontos).
28. Em virtude das lesões e sequelas sofridas, o Autor ficou a padecer de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) fixável em 54% (cinquenta e quatro por cento).
29. O défice referido em I.70 poderá reduzir sucessivamente o período de vida activa do Autor.
30. O Autor deixou de auferir a quantia total de € 28.469,38 (vinte e oito mil, quatrocentos e sessenta e nove euros e trinta e oito cêntimos), a título de salários e subsídios de alimentação, férias e natal.
31. Em consequência do embate, o UX sofreu uma redução do seu valor comercial nunca inferior a €500 (quinhentos euros).
32. O J. D. exige ao Autor, a título de parqueamento uma quantia diária de €6 (seis euros) acrescida do IVA à taxa legal.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

I. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

Na presente apelação o autor impugna a decisão sobre a matéria de facto incluída na sentença recorrida.
Tal como resulta da análise conjugada do preceituado nos artigos 639.º e 640.º CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
A impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências, cujo incumprimento pode determinar a respetiva rejeição, pelo que deverá a questão do cumprimento dos ónus impostos ao recorrente ser apreciada em momento prévio à reapreciação da decisão proferida.

Enunciando os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º CPC o seguinte:

«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

No caso vertente, o apelante defende a modificação decisão sobre a matéria de facto incluída na sentença recorrida, nos termos seguintes:

i) a exclusão da matéria provada do facto constante do ponto I.31;
ii) a alteração da redação dada ao ponto I.97 da matéria provada, no sentido de passar a ter o seguinte teor: «[d]esde a data do embate, o Autor tem recorrido a táxis, a transportes públicos e a empréstimos de outros veículos para realizar a sua vida normal designadamente para passear, ir ao banco, ir ao café, ir a futebol, ir às compras, ir ao hospital com os inerentes incómodos»;
iii) o aditamento à matéria provada dos factos constantes dos pontos II.1, II.2, II.3, II.4, II.5, II.6, II.7, II.18, II.19, II.28, II.30 e II.32 da matéria não provada.

Por outro lado, verifica-se que o recorrente especifica os meios probatórios que entende impor as pretendidas alterações, com indicação das respetivas passagens da gravação no que respeita aos meios de prova gravados, disponibilizando os elementos que permitem minimamente a sua identificação pelo que se considera suficientemente cumprido o ónus imposto pelo artigo 640.º do CPC.

Resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, com a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Tal como ressalta deste preceito, a reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado em 1.ª instância, dispondo para tal a Relação de autonomia decisória de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição.

A este propósito, refere Abrantes Geraldes(1) que «(…) sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos à livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência».
Cumpre, assim, proceder à reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância relativamente à factualidade impugnada pelo recorrente.

Relativamente à versão fáctica acolhida na sentença recorrida, atinentes à dinâmica do acidente, sustenta o apelante:

- a exclusão da matéria provada do facto constante do ponto I.31, com a redação seguinte: «31. E a velocidade superior a 70 km/h».
- o aditamento à matéria provada dos factos considerados não provados sob os pontos II.1, II.2, II.3, II.4, II.5, II.6 e II.7, com a redação seguinte: «1. O UX circulava a 40 km/horários»; «2. Pela (hemi-faixa) de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha»; «3. O Autor acendeu o sinal luminoso de mudança de direcção do lado esquerdo, vulgo “pisca pisca”»; «4. À frente do UX circulava o FZ»;«5. O Autor, depois de ter verificado que não circulava nenhum veículo automóvel, em sentido contrário ao seu, e porque pretendia iniciar a manobra de ultrapassagem ao FZ, aproximou-se do eixo da via»; «6. Flectiu o veículo por si conduzido de matrícula UX à sua esquerda, atento o seu sentido de marcha, passando a circular pela metade da meia faixa de rodagem esquerda e começando aí a ultrapassar o FZ»;«7. A condutora do FZ guinou à esquerda quando o UX estava prestes a terminar a ultrapassagem ao UX».

Para o efeito, requer o apelante se proceda à reapreciação das declarações de parte prestadas pelo autor e do depoimento prestado pela testemunha V. M..

Analisada a motivação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, verifica-se que não foi tido em conta o depoimento prestado pela testemunha V. M., pelos motivos seguintes:

«Note-se, por outro lado, que não foram indicadas quaisquer testemunhas pelos condutores intervenientes no sinistro, seja à GNR no dia do acidente (nem em dias subsequentes), seja às próprias entidades que fizeram a averiguação do sinistro, o que se extrai inequivocamente do relatório junto a fls.43 e seg. do apenso A., subscrito por O. O., e do relatório de fls.95 e seg., da W, Lda., e cujo teor foi confirmado em audiência pelo seu subscritor. Aliás, no suporte de recolha de depoimento para a K, S.A., a fls.65 do apenso A. e com data de 16 de Fevereiro de 2015, consta que o Autor declarou que “não consegui recolher entidades testemunhas”, sendo que tal documento está assinado pelo Autor.
Esta evidência é indispensável vista a desconsideração do depoimento da testemunha V. M., primo do Autor e que disse seguir num outro veículo atrás da viatura conduzida pelo Autor.
Contudo, para além não ter sido referenciada a existência de tal testemunha (mesmo pelo Autor) em data próxima do sinistro, o seu depoimento mostrou-se de tal modo impreciso que nele não se pode ancorar qualquer convicção segura. Efectivamente, tal testemunha não mostrou, em boa parte do seu depoimento, segurança e assertividade e entrou em contradição quando referiu já não ter lembrança se o primo foi para o hospital antes da GNR chegar ao local, não conseguiu dizer se telefonou, ou não, para o 112 e referiu que o acidente se deu “de manhã” quando não existe qualquer dúvida que o sinistro ocorreu da parte da tarde».

Ora, reapreciado atentamente o depoimento prestado pela aludida testemunha, primo do autor, também nós consideramos que tal depoimento não é idóneo nem suficiente para permitir consubstanciar uma qualquer versão alternativa, credível e verosímil quanto ao modo como se concretizou o sinistro. Assim, verifica-se que afirma ter assistido ao embate em causa nos presentes autos, acrescentando que circulava na ocasião pela mesma via e no mesmo sentido de marcha que os dois veículos intervenientes no acidente, imediatamente atrás do veículo conduzido pelo autor. O depoimento prestado denota, efetivamente, a falta de consistência detetada pelo Tribunal a quo, não logrando convencer desde logo quanto à razão de ciência invocada, não corroborada pelo desconhecimento revelado pela testemunha no que respeita a factos relativos à cronologia dos acontecimentos ou à respetiva relação espácio-temporal. Acresce que efetivamente inexiste qualquer elemento probatório que indicie a presença daquela testemunha no local aquando da ocorrência do acidente, sendo certo que, tratando-se de um parente do autor, o normal seria que o lesado tivesse tomado conhecimento, na ocasião ou em data próxima, da presença de seu primo no local aquando do sinistro, quando se verifica que o mesmo informou o contrário, não identificando quaisquer testemunhas no decurso das averiguações levadas a cabo pela GNR e pela companhia de seguros, conforme considerou o Tribunal a quo.

Deste modo, mostra-se acertada a decisão tomada, no sentido de desatender ao indicado meio de prova, a qual se decide manter.

Decorre da motivação da sentença recorrida que a decisão relativa aos indicados pontos de facto se baseou no seguinte:

«Quanto à factualidade constante em I.23 a I.34 dos factos provados e II.1 a II.11 dos factos não provados (e relativos à dinâmica do embate), a convicção do julgador estribou-se no teor da participação de acidente junta a fls.67 e seg. do apenso A., no teor dos registos fotográficos do local do acidente e dos veículos intervenientes, em conjugação com as declarações de parte do Autor, com os depoimentos das testemunhas D. P. (que elaborou aquela), M. V., condutora do FZ e P. M., perito averiguador que elaborou o relatório da W, Lda., junto a fls.95 e seg. do apenso A. (…), tendo ainda, sido consideradas as versões que os condutores deram, em data mais próxima aos factos, à GNR e aos peritos averiguadores.
(…)
Posto isso, temos apenas a versão dos condutores que, como é habitual neste tipo de situações, não é coincidente.
O que nos remente para os elementos objectivos que os autos oferecem, nomeadamente, a localização dos estragos evidenciados em cada um dos veículos (retratados nos vastos registos fotográficos juntos aos autos) e, bem assim, nos elementos recolhidos pela força policial que tomou conta da ocorrência.

Neste particular, é de sublinhar que o UX deixou impresso no pavimento um rasto de travagem de cerca de quinze metros a indiciar sempre velocidade superior a 50 quilómetros horários, sendo certo que, em face dos tragos evidenciados na frente do UX (claramente visíveis nas fotografias de fls.82, 102 verso e 103 do apenso A.) e do facto de o Autor ter ficado encarcerado dentro do veículo, se pode concluir, com segurança, que o UX seguia a velocidade superior a 70 km/h e que só o muro deteve tal veículo (pois que os rastos de travagem aí terminam precisamente) e em momento em que ainda seguia animado de velocidade significativa e já depois de quinze metros em travagem a fundo. Tal conclusão é fortemente reforçada pelo facto de, como referido nas considerações introdutórias do relatório pericial de fls.167 e seg., o UX ter ficado “com a caixa de velocidades partida e com os apoios do motor também partidos”, tudo a comprovar um embate a produzir grandes forças em resultado da solidez do muro, mas também, necessariamente, da velocidade imprimida ao UX.
Aliás, só com tal velocidade e visto o relativamente curto comprimento da recta, seria possível ao UX ultrapassar o FZ, os dois veículos que seguiam à frente deste (veja-se que a condutora do FZ logo mencionou essa circunstância em declarações à GNR no próprio dia) e o tractor, isto se se considerar a curva à esquerda que depois existe, no sentido de marcha de ambos os veículos.
É certo que o Autor referiu que apenas pretendia ultrapassar o FZ e seguia apenas a cerca de 50 km/h.
Contudo, tal é desmentido pelo que atrás se referiu e, bem assim, pela inverosimilhança da descrição feita pelo Autor relativamente à intenção de ultrapassagem individual de cada um dos veículos que o precedia, nomeadamente, se se tomar em consideração que, em situações de circulação em baixa velocidade, os veículos circulam tendencialmente muito próximos, em fila compacta, impossibilitando esse tipo de ultrapassagem. De resto, só essa ultrapassagem a todos esses veículos é consentânea com a “alguma pressa” que o Autor referiu ter quando prestou declarações na averiguação feita pela W, Lda. (cfr. fls.110 verso), porquanto só assim o Autor lograria vencer definitivamente o obstáculo que o impedia de circular em parâmetros conformes a tal premência.
Esta linha de raciocínio encontra, aliás, arrimo nas demais declarações que o Autor prestou em sede de averiguação da W, Lda., (cfr. fls.110 verso) pois que aí declarou que estava posicionado “em quarto lugar de uma fila de trânsito que seguia na retaguarda de um tractor” e que pretendia “proceder a ultrapassagem dos veículos que seguiam na fila” (e não do veículo que seguia à sua frente). Também no depoimento prestado à K (cfr. documento de fls.65 do apenso A., datado de 16 de Fevereiro de 2015) o Autor refere que iniciou a “ultrapassagem à referida fila”.
Por outro lado, não é de crer que o Autor seguisse imediatamente atrás do FZ e também em marcha lenta posto que, considerada também a forma como se deu o embate lateral entre ambos os veículos (bem retratado nas fotos juntas aos autos), não se afigura possível que o UX saindo da traseira daquele FZ conseguisse em tão poucos metros alcançar aquele índice de velocidade (ademais quando não estamos perante uma viatura com motor muito potente – cfr. relatório do salvado da AT. a fls.93 do apenso A. onde consta que o motor do UX, embora de 1900 cc de cilindrada, tinha apenas 80 cavalos de potência).
Aliás, a condutora do FZ, nas declarações que prestou em sede de averiguação da W, Lda., referiu que imediatamente atrás do seu veículo “seguia uma viatura com duas senhoras” (cfr. fls.110), pelo que tudo indica que o UX já viria em ultrapassagem, pela metade esquerda da faixa de rodagem, a outros veículos, o que explica a velocidade em que já circulava aquando do embate e imediatamente antes deste se dar.
Ademais, o comprimento dos rastos de travagem e a direcção dos mesmos faz também crer, de modo muito sólido, que o UX já vinha em ultrapassagem a toda a fila de veículos, não sendo tais vestígios compatíveis com uma saída da traseira do FZ, não sendo, em consequência e em face de tudo o que supra se expôs, possível concluir conforme o vertido em II.1, II.2 e II.4 a II.7.
Acresce que apenas os condutores dos veículos confirmaram a sinalização das respectivas manobras, mas sem que nada de sólido o corrobore, sendo que a própria ocorrência do embate vai no sentido contrário dessa sinalização, o que determinou a não prova do constante em II.3 e na primeira parte do constante em II.9.
De resto e em face do exposto, o acidente só pode ter ocorrido conforme o vertido em I.23 a I.34 dos factos provados, não sendo concebível que a condutora do FZ se tenha efectivamente certificado de que não circulava qualquer outro veículo na sua traseira, na faixa de rodagem do lado esquerdo, ou paralelamente, o que se conclui com segurança em face da forma como se dá o embate lateral e já na metade posterior do UX.
De facto e apesar da velocidade de que vinha animado o UX, seria sempre diferente a reacção da condutora caso se tivesse verdadeiramente certificado do modo como se processava o trânsito na sua retaguarda e ao seu lado esquerdo, pois que, embora eventualmente não conseguisse evitar o embate, sempre teria de avistar o UX antes de se dar o embate (o que não aconteceu, como confirmado pela própria condutora em audiência) e, por consequência, protagonizar, em termos de normalidade, uma tentativa de evitar o embate (sendo que os indícios disponíveis depõem no sentido de que tal não aconteceu) com a imediata de retoma da metade direita da faixa de rodagem ou com a execução de uma travagem, tudo o que levou às decisões constantes em II.9 (segunda parte) e II.11.
Por fim, há que assinalar que o embate entre os dois veículos se dá com as respectivas laterais, nos termos retratados pelas fotos, sendo o lado esquerdo, parte da frente, do FX que vai embater na lateral direita, da metade traseira, do UX, mais especificamente na zona da roda e sempre depois do pilar central, como se evidencia claramente das fotos de fls.101 verso e seg. do apenso A. e como confirmado, de modo objectivo, breve e bastante assertivo, pela testemunha P. M., o qual, por ter realizado a averiguação plasmada no relatório de fls.95 e seg., pôde também confirmar as respectivas conclusões, mais tendo afirmado, também com base na sua experiência de ex-sargento chefe da GNR, que não houve arrastamento de nenhum dos veículos em consequência do embate lateral e que, em caso e embate traseiro do UX no FZ, nunca os veículos poderiam sair “espirrados” numa linha oblíqua contra o muro.
Tais afirmações afiguram-se totalmente certeiras, ademais quando a pequena amolgadela que é visível no canto da traseira esquerda do FZ (cfr. fotografias de fls.67 e 67 verso dos autos e de fls.99 verso e 100 do apenso A) é já resultado do embate no muro como explicado de forma consistente pelo referido P. M., vistos também todos os demais vestígios existentes na zona da viatura e que indiciam uma raspagem no muro. Nem se poderia concluir de outro modo, dado que, em face da velocidade do UX, sempre um embate traseiro no FZ teria de causar estragos bem mais significativos e numa zona de impacto bem mais alargada, tendo, necessariamente, que ser diferente a posição final de imobilização dos veículos.
Em suma e em face de tudo o que se expôs, não podiam ser outra a decisão sobre a matéria de facto atinente ao embate».
Analisadas as declarações de parte prestadas pelo autor, não se vislumbra que tal elemento probatório imponha, por si só, a alteração de qualquer dos pontos de facto em apreciação, designadamente se confrontado com os demais elementos probatórios tidos em conta pela 1.ª instância, sendo certo que a apreciação deles efetuada se mostra muito precisa e rigorosa, mostrando-se coerentes as ilações tiradas dos factos instrumentais indicados.
Assim, no que respeita à determinação da velocidade a que circulava o veículo de matrícula UX antes da ocorrência do embate, há que ter em conta determinados factos conhecidos e analisá-los à luz das regras de experiência comum, conjugadas com princípios da lógica e com juízos de probabilidade, o que configura prova por presunção judicial.
As presunções são, conforme as define o artigo 349.º do Código Civil (CC), «as ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido», sendo que não estão em causa, no caso presente, presunções legais, mas sim presunções judiciais.
A prova de um facto por presunção judicial assenta no raciocínio do juiz, baseado em regras de experiência comum, conjugadas com princípios da lógica e com juízos de probabilidade. Explicam Pires de Lima/Antunes Varela (2) que as presunções judiciais, “simples ou de experiência”, “assentam no simples raciocínio de quem julga”, inspirando-se “nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana”. A propósito, esclarece Luís Filipe Pires de Sousa (3) que «a presunção pode definir-se como um raciocínio em virtude do qual, partindo de um facto que está provado (facto-base/facto indiciário), chega-se à consequência da existência de outro facto (facto presumido), que é o pressuposto fáctico de uma norma, atendendo ao nexo lógico existente entre os dois factos».

No caso presente, e no que respeita à determinação da velocidade a que circulava o veículo de matrícula UX, conduzido pelo autor, há que ter em conta os factos constantes dos pontos I.5, I.6, I.7, I.8, I.18, I.19, I.22, I.23, I.24, I.25, I.26, I.27, I.28, I.29, I.30, I.32, I.33, I.34, I.35 e I.37, julgados provados e não impugnados, dos quais decorre o seguinte:

- ambos os veículos seguiam no mesmo sentido de marcha, numa via constituída por duas hemi-faixas de rodagem com a largura de 3,70 m cada uma, com piso betuminoso em bom estado de conservação e seco, a qual descreve uma reta com pelo menos 230 m de extensão e inclinação descendente no sentido da marcha daqueles veículos, ladeada por passeios, muros e montados, existindo uma lomba antes do local do embate, atento o mesmo sentido de marcha;
- o veículo FZ seguia pela metade direita da faixa de rodagem, numa fila compacta de veículos encabeçada por um trator que circulava a cerca de 20 km/h, existindo dois veículos entre o FZ e o trator, tendo a condutora do FZ dado início a uma manobra de ultrapassagem ao veículo que seguia à sua frente, sem sinalizar a manobra e sem verificar se a podia executar, invadindo a metade esquerda da faixa de rodagem numa ocasião em que por aí circulava o veículo UX, conduzido pelo autor, que executava uma manobra de ultrapassagem e se encontrava prestes a passar pelo FZ;
- o veículo FZ embateu com a parte lateral esquerda da frente na parte lateral direita traseira do UX, o qual foi projetado para a sua esquerda, invadindo a berma esquerda, onde embateu contra um muro e se imobilizou;
- o autor ainda desviou o veículo para a sua esquerda e travou, deixando marcados no pavimento rastos de travagem com uma extensão de 13,50 m., no que concerne ao rodado direito, e de 15,20 m, no que respeita ao rodado esquerdo, extensão esta que seria superior caso não tivesse a marcha do veículo sido interrompida pelo muro;
- em consequência do embate, o veículo UX sofreu estragos, nomeadamente em toda a sua parte lateral direita traseira e parte frontal esquerda, com inutilização, nomeadamente, das seguintes peças: para choques frente, grelhas do para-choques da frente, frisos do para choques da frente, spoiler frente, grelha radiador, capôt, dobradiças, amortecedores capota, borrachas, faróis, piscas, guarda lamas, cober cava de rodas, travessas, chapa frontal, cave de roda para brisas, deposito limpeza, portas, vidros das portas, elevadores dos vidros das portas, fechos batentes, frisos, forros, retrovisores, airbags, tablier, braços de suspensão, amortecedores, manga de eixo, caixa de direção, volante, sensor airbag, radiador, suporte condensador, grelha, caixa velocidades eixo traseiro, cablagem ventoinha, bateria, fusíveis, sistema elétrico.

No contexto antes descrito, estando em causa circulação em piso betuminoso em bom estado de conservação e seco, o rasto de travagem de cerca de 15 m deixado pelo veículo UX até se imobilizar indicia, efetivamente, que o veículo seguiria a velocidade seguramente superior a 50 km/hora. Acresce que, tendo em consideração a forma como ocorreu a respetiva imobilização, não apenas em resultado da desaceleração decorrente da travagem, mas também por força de embate contra um muro, encontrando-se assente que a extensão do rasto de travagem seria seguramente superior caso não tivesse a marcha do veículo sido interrompida pelo muro (I.37), tal evidencia uma velocidade bastante superior à evidenciada pelos rastos de travagem.

O Tribunal a quo considerou que os estragos ocorridos na parte da frente do veículo, supra indicados, conjugados com o facto de ter o autor ficado encarcerado no interior do automóvel, permitem concluir que a velocidade seria seguramente superior a 70 km/hora, o que se mostra acertado, sendo certo que não decorre do depoimento prestado pelo autor qualquer elemento que ponha em causa esta apreciação.

Nestes termos, cumpre julgar improcedente a impugnação deduzida, no que respeita ao ponto I.31, julgado provado, e ao ponto II.1, considerado não provado.

No que respeita agora aos factos constantes dos pontos II.2, II.3, II.4, II.5, II.6 e II.7 da matéria não provada, relativos à circulação do veículo automóvel conduzido pelo autor antes da ocorrência do embate, não se vislumbra que as declarações de parte prestadas, por si sós, desapoiadas de quaisquer outros elementos probatórios que as corroborem, permitam considerá-los assentes. Na verdade, não podemos deixar de ter presente que o interesse do autor no desfecho da lide é manifesto, sendo certo que as respetivas declarações se mostram inverosímeis quando confrontados com determinados factos julgados provados.

Encontra-se assente que o veículo FZ seguia pela metade direita da faixa de rodagem, numa fila compacta de veículos encabeçada por um trator que circulava a cerca de 20 km/h, existindo dois veículos entre o trator e o FZ, tendo o embate ocorrido quando este veículo, em execução de manobra de ultrapassagem, invadiu a metade esquerda da via quando por aí circulava o veículo UX, que igualmente executava uma manobra de ultrapassagem, seguindo a velocidade superior a 70 km/h. Ora, estando em causa uma fila compacta de veículos cuja circulação se encontrava limitada à velocidade de 20 km/h a que seguia o trator que a encabeçava, não se mostra verosímil que o veículo UX seguisse imediatamente atrás do veículo FZ, necessariamente àquela velocidade, e lograsse atingir velocidade superior a 70 km/hora sem dispor de distância que permitisse a aceleração necessária àquela variação de velocidade. A matéria de facto provada, designadamente os indicados pontos, tornam inverosímil que o veículo UX circulasse imediatamente atrás do veículo FZ e tivesse dado início à manobra de ultrapassagem nos termos expostos nos pontos de facto em apreciação.
Em consequência, improcede a impugnação deduzida pelo autor, nesta parte.

Sustenta o apelante que o facto constante do ponto I - 97 - com a redação: «Desde a data do embate, o Autor tem recorrido a táxis, a transportes públicos e a empréstimos de outros veículos, com os inerentes incómodos» - deverá ser alterado, sendo-lhe dada uma redação mais completa e explicativa, designadamente a seguinte: «Desde a data do embate, o Autor tem recorrido a táxis, a transportes públicos e a empréstimos de outros veículos para realizar a sua vida normal designadamente para passear, ir ao banco, ir ao café, ir a futebol, ir às compras, ir ao hospital com os inerentes incómodos».

Requer o apelante, para o efeito, que se proceda à reapreciação das declarações de parte que prestou em audiência final e do depoimento prestado pela testemunha C. M., irmã do autor A. R..

Nas contra-alegações apresentadas, defende a apelada que o aditamento pretendido pelo apelante não assume relevância, dado configurar a exemplificação da utilização dada ao veículo no dia-a-dia, sendo que lhe assiste razão. Efetivamente, decorre da matéria assente que o autor, desde a data do embate, tem vindo a recorrer a táxis, transportes públicos e ao empréstimo de outros veículos para as suas deslocações, com os inerentes incómodos, conforme consta do facto julgado provado, o que dispensa a concretização das deslocações efetuadas com recurso a tais meios de transporte.

Porém, sempre se dirá que, reapreciadas as declarações de parte prestadas pelo autor e o depoimento prestado pela testemunha C. M., irmã daquele, a qual tem acompanhado o quotidiano do mesmo, não se vislumbra que decorra de tais meios de prova, de forma segura, a concreta especificação das deslocações habitualmente efetuadas pelo autor posteriormente ao acidente de viação, mostrando-se ambos os depoimentos muito genéricos nesta parte, o que não permite considerar assente a exemplificação defendida pelo apelante.

O recorrente sustenta, ainda, que deverão ser julgados provados os factos, considerados não provados, que constam dos pontos II.18, II.19 e II.30, com a redação seguinte: «18. No início do ano de 2015 e antes do embate, o A. apresentou-se para uma entrevista de trabalho junto da firma propriedade de A. J., que manifestou interesse na contratação dos seus serviços, solicitando a sua comparência na sua sede com a finalidade de formalizar contrato de trabalho, o qual teria início em Fevereiro de 2015»; «19. Onde iria desempenhar as funções de “Operador agrícola”, mediante a remuneração base mensal de 505,00€ (quinhentos e cinco euros), acrescida da quantia mensal de 50,40€ (cinquenta euros e quarenta cêntimos) a título de subsídio de alimentação»; «30. O Autor deixou de auferir a quantia total de € 28.469,38 (vinte e oito mil, quatrocentos e sessenta e nove euros e trinta e oito cêntimos), a título de salários e subsídios de alimentação, férias e natal».

Extrai-se da sentença recorrida que os indicados pontos de facto foram julgados não provados pelos motivos seguintes:

«A convicção do julgador no que se refere às decisões vertidas em II.18, II.19 e II.30 dos factos não provados assentou, desde logo, no teor da informação da Segurança Social de fls.139, da qual consta que o Autor não apresenta registos de remunerações desde Novembro de 2006.

Ademais, foram considerados variadíssimos elementos documentais, produzidos em data próxima ao sinistro (e alguns subscritos pelo próprio Autor, onde este declara estar desempregado) dos quais consta que o Autor se encontrava desempregado: - relatório de averiguação junto a fls.43 e seg. do apenso A., subscrito por O. O. onde consta tal situação de desemprego; - participação de acidente, subscrita pelo Autor, em impresso de declaração amigável e onde este fez constar como profissão “desempregado”, sem qualquer menção à actividade de operador agrícola, a fls.59 do apenso A. e com data de 5 de Fevereiro de 2015; - suporte de recolha de depoimento para a K, S.A., a fls.65 do apenso A. e com data de 16 de Fevereiro de 2015, onde consta como profissão “desempregado”, sem qualquer menção à actividade, presente, passada ou futura de operador agrícola; - relatório de averiguação da W, Lda., junto a fls.95 e seg. do apenso A., subscrito por P. M. e datado de 19 de Fevereiro de 2015 (e cujo teor esta testemunha confirmou em audiência de julgamento), onde também consta tal situação de desemprego (cfr., mais precisamente fls.98 do apenso A); - suporte de recolha de depoimento na averiguação da W, Lda., a fls.110 verso do apenso A. e com data de 4 de Fevereiro de 2015, onde consta “desempregado”, subscrito pelo Autor.

Todos estes elementos documentais convergem na apontada situação de desemprego, sendo que não se afigura plausível que o Autor exercesse então qualquer actividade remunerada, ainda que em part-time, porquanto se a tivesse na realidade, decerto o Autor não deixaria de comunicar essa específica situação profissional a todos quantos recolheram as suas declarações e não deixaria de fazer constá-la de tais documentos (todos eles, feitos ou subscritos pelo Autor ou elaborados com base em declarações recolhidas junto do próprio Autor) ademais quando na sua versão chegaria a auferir € 1.200,00 por mês, mas também porque tal sempre seria do seu interesse.

Nessa medida, tiveram-se por desmentidos todos os depoimentos daqueles que, ao arrepio da própria versão adiantada em sede de petição inicial (que nunca menciona que o Autor exercesse qualquer actividade profissional, ainda que temporária e no sector agrícola, em data anterior ao sinistro), referiram que, já antes do acidente, o Autor trabalhava à jorna, ou às horas, como operador agrícola.

De resto, o próprio Autor evidenciou dificuldades em explicar em que consistia o concreto conteúdo das suas funções, algo que até o próprio Sr. Perito Médico do GML não deixou de referir logo na parte inicial dos esclarecimentos presenciais que prestou.

No círculo de depoimentos desmentidos por aquela documentação inclui-se também o depoimento algo errático e inseguro da testemunha A. J..

Com efeito, este começou por referir que o Autor ía à sua quinta “pontualmente” ajudar nas tarefas agrícolas, para depois dizer que o Autor aí trabalhava, antes do acidente e pelo menos há cerca de dois ou três anos, seis dias por semana, chegando a ganhar € 600,00 mensais nas épocas de mais trabalho, sempre sem descontos legais.

Contudo, tais afirmações entram em flagrante contradição com as declarações de parte do Autor e com a própria versão trazida a juízo na douta petição inicial, além se não serem compatibilizáveis com as suas próprias declarações de que o Autor ainda estava a trabalhar numa fábrica em Viana do Castelo aquando da elaboração da declaração de fls.40, datada de 30 de Janeiro de 2015 e que foi por isso que, nessa data, não entrou logo ao serviço com horário fixo, nem formalizaram o contrato.

De resto, não ficaram suficientemente esclarecidos os motivos pelos quais foi elaborada aquela declaração de fls.40, nem tão pouco por que razão, na versão daquela testemunha A. J., havia necessidade de o Autor passar a ter contrato de trabalho quando, afinal, já lá trabalhava seis dias por semana e, inclusivamente até auferia valor significativamente superior ao vertido naquela declaração!

Em face do expendido, tal depoimento não mereceu a credibilidade do julgador, sendo que certos detalhes da própria declaração e fls.40 acabam por ser desmentidos pelas declarações de parte do autor e da testemunha A. J.. Efectivamente, cabe perguntar que sentido tem fazer constar da referida declaração a menção “após análise do seu curriculum” se o Autor já trabalhava para a empresa do A. J. e se este já o conhecia. Que lógica existe em dizer-se “solicito que se apresente na empresa conjuntamente com os seus documentos” quando foi o Autor quem se apresentou pessoalmente junto do A. J. para que este assinasse a declaração já previamente elaborada? Se fosse verdade que o Autor ía ser integrado no quadro de pessoal da empresa, o que teria sentido é que fosse logo formalizado o contrato de trabalho, ainda que com efeitos a partir de 9 de Fevereiro de 2015…

Ou seja, a existência de tal inusitada declaração só encontra explicação na necessidade de criar a aparência documental de uma determinada situação à medida das pretensões indemnizatórias do Autor vertidas nesta acção judicial, tanto mais que foi pré-elaborada por este (assinada por outrem, mas a seu mando), apesar de dela constar que lhe é dirigida!!

Cabe, por fim, dizer que se fosse verdadeiro o teor dessa declaração e a situação nela exposta, certamente que o Autor não a deixaria de referenciar junto dos peritos averiguadores e nos depoimentos escrito que lhes prestou, pois que isso seria o comportamento normal de qualquer trabalhador, vista a normalidade do acontecer e as regras da experiência, ademais quando tal declaração havia sido formalizada em data bastante próxima daquelas averiguações».

Nas alegações da apelação, sustenta o recorrente que as declarações de parte prestadas pelo autor e o depoimento prestado pelas testemunhas C. M. e A. J. impõem se considerem provados os aludidos factos.

Está em causa a prova da matéria alegada nos artigos 54.º, 55.º e 56.º da petição inicial, cumprindo averiguar se decorre dos indicados meios de prova o seguinte:

- «no início de 2015, antes do acidente ocorrido a 04-02-2015, o autor apresentou-se a uma entrevista de trabalho junto da firma pertencente a A. J.»;
- «esta firma manifestou interesse na contratação do autor, solicitando a sua comparência na respetiva sede para formalizar contrato de trabalho»;
- «o contrato de trabalho teria início em fevereiro de 2015 e destinava-se ao exercício pelo autor das funções de operador agrícola, mediante a remuneração mensal de € 505, acrescida da quantia mensal de € 50,40 a título de subsídio de alimentação».

Aquando da alegação destes factos, o apelante apresentou o documento n.º 23 junto com a petição inicial (fls. 40), o qual configura uma carta dirigida ao autor, datada de 30-01-2015, subscrita pela testemunha A. J., da qual consta o seguinte:

“Após análise do seu curriculum, venho por este meio informar que a minha empresa está interessada nos vossos serviços.

Assim sendo, solicito que se apresente na empresa conjuntamente com os seus documentos pessoais a fim de formalizarmos o contrato de trabalho, que terá início previsto em 2015/02/09, onde irá desempenhar as funções de operador agrícola, com a remuneração mensal de 505,00€”.

O teor deste documento foi detalhadamente analisado pela 1.ª instância, que o confrontou com outros meios probatórios e lhe não atribuiu qualquer relevo probatório, pelos motivos supra expostos, o que não vem posto em causa na apelação, na qual não é requerida a respetiva reapreciação, mas apenas das declarações de parte do autor e do depoimento das duas indicadas testemunhas. Porém, os elementos probatórios invocados não permitem considerar provados os indicados pontos de facto, de nenhum deles se extraindo, designadamente, a comparência do autor, no mês que antecedeu o acidente, a entrevista de emprego em firma pertencente à testemunha A. J., nem que esta tenha acordado com o autor na celebração de contrato de trabalho com início em fevereiro de 2015, nas condições indicadas, ou que tenha sido solicitada a comparência do autor na sede da firma para a formalização do contrato. Considerando que o que está em causa nesta parte da impugnação deduzida é a realização da aludida entrevista de emprego e o concreto acordo quanto à futura celebração de contrato de trabalho nas indicadas condições, e não a eventual prestação anterior de serviços por parte do autor à aludida testemunha, não se extrai dos indicados meios de probatórios qualquer elemento que sustente aquela factualidade.

Nestes termos, resta concluir que os meios probatórios indicados pelo apelante não impõem se considerem provados os pontos de facto em apreciação, pelo que improcede esta parte da impugnação deduzida.

O apelante defende ainda se considere provado o facto, julgado não provado, com a redação seguinte: «Em virtude das lesões e sequelas sofridas, o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico‐Psíquica fixável em 20 (vinte pontos)».

Analisando o ponto em apreciação, verificamos que tal facto corresponde ao ponto II.27 e não ao ponto II.28, indicado pelo recorrente, certamente por lapso, nas alegações da apelação.

Sustenta o apelante que a prova deste ponto de facto decorre dos esclarecimentos prestados na audiência final pelo perito médico, Dr. F. D., cuja reapreciação requer.

Tal matéria foi também analisada de forma detalhada pelo Mmo. Juiz a quo, que não deixou de valorar o teor do relatório pericial de fls. 39 e seguintes, e respetivos esclarecimentos do Sr. Perito médico, prestados em audiência de julgamento, confrontando-os criticamente com os restantes meios probatórios relevantes juntos ao processo, designadamente com o teor do resultado da perícia de especialidade junto a fls. 296 e seguintes, por melhor qualificada para distinguir e diagnosticar verdadeiras patologias psiquiátricas e face aos elementos objetivos e sindicáveis que fundamentaram as respetivas conclusões, valoração que se afigura rigorosa e absolutamente adequada à prova produzida.

Porém, estando em causa, no ponto de facto impugnado, a determinação do défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer em resultado das sequelas das lesões causadas pelo acidente, há que atender ao facto constante do ponto I.70, julgado provado e não impugnado, com a redação seguinte: «Em virtude das lesões e sequelas sofridas, o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico‐Psíquica fixável em 16 (dezasseis pontos), sendo de perspectivar a existência de dano futuro».

Ora, tendo a sentença recorrida considerado provado o facto constante do ponto I.70, no qual resulta que o défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer é fixável em 16 pontos e que é de perspetivar a existência de dano futuro, e não tendo este facto sido impugnado na apelação, tal impõe a improcedência da impugnação deduzida ao facto constante do ponto II.27 dos “Factos não provados”, no qual consta que aquele défice é fixável em 20 pontos, uma vez que da respetiva procedência resultaria uma evidente contradição entre dois factos julgados provados.

Como tal, assente que o défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer é fixável em 16 pontos e que é de perspetivar a existência de dano futuro, improcede a pretensão deduzida quanto ao facto constante do ponto II.27 dos “Factos não provados”.
Resta apreciar a impugnação deduzida pelo apelante ao facto constante do ponto II.32 da matéria de facto não provada, que tem a seguinte redação: «O J. D. exige ao Autor, a título de parqueamento uma quantia diária de 6,00€ (seis euros) acrescida do IVA à taxa legal.
Sustenta o recorrente que tal facto deverá ser aditado à matéria provada, requerendo, para o efeito, a reapreciação do depoimento prestado pela testemunha J. D..
Encontra-se pacificamente assente nos autos que desde a data do embate que o UX se encontra na oficina propriedade de J. D., conforme decorre do ponto I.98, julgado provado e não impugnado na apelação. Ora, está em causa apreciar se o dono da oficina exige ao autor o pagamento da quantia diária de € 6, acrescida de IVA, pelo parqueamento da viatura.

Neste domínio, o Tribunal a quo fundou no depoimento prestado pela testemunha J. D. a decisão de considerar não provado o facto ora impugnado, nos termos seguintes:

«De resto, tal testemunha revelou alguma tibieza nas suas afirmações quanto à cobrança da quantia de € 6,00 por mês por parqueamento da viatura no exterior das instalações da oficina. Com efeito, do depoimento de testemunha extraem-se uma série de procedimentos que se mostram incompatíveis com a alegada cobrança dessa quantia, desde logo porque não demonstram uma constância de comportamento que permita, em termos objectivos, firmar uma segura convicção.

Começou tal testemunha por referir que não cobra parqueamento quando é por pouco tempo e que só tira factura “se for para pagar”. Ora, se a não emissão de factura ainda pode ter explicação na intenção de não ter de adiantar o respectivo IVA ao Estado, já se afigura incompreensível que a testemunha não tenha feita a emissão de notas de débito correspondente a tais valores, não tenha noção sequer aproximada do valor que alegadamente está em dívida por esse parqueamento, não tenha um valor fixo tabelado para o efeito (pois que, embora primeiramente tenha referido os mencionados € 6,00 por dia, também disse que pode fazer um desconto caso a viatura seja reparada na sua oficina, pelo que se fica sem saber qual o preço que efectivamente é habitualmente debitado em situações semelhantes) e não tenha sequer interpelado (sem qualquer justificação válida e convincente) o proprietário do UX (ou a seguradora Ré) para liquidar qualquer quantia a esse título, isto não obstante terem já decorrido quatro anos desde a data do sinistro e a testemunha ter conhecimento das dificuldades económicas do Autor e do facto de o mesmo não ter qualquer remuneração.

Acresce que a normalidade do acontecer e as regras da experiência vêm-nos ensinando que as oficinas normalmente não cobram o parqueamento de viaturas sinistradas quando estas se encontram depositadas no exterior e facilmente acessíveis a qualquer pessoa, como é o caso. Efectivamente, não se poderá olvidar que, conforme explicado pela testemunha J. D., o UX encontra-se no logradouro exterior às instalações da oficina, em terreno de propriedade privada, mas não vedado e acessível a qualquer pessoa através da via pública».

Nas alegações da apelação não é apresentada qualquer argumentação destinada a afastar a cuidada e rigorosa apreciação efetuada pela 1.ª instância quanto à força probatória do depoimento prestado pela testemunha J. D. relativamente à matéria do custo do parqueamento do veículo. Neste particular, limita-se o recorrente a afirmar que se extrai daquele depoimento que o autor terá de pagar à oficina pertencente àquela testemunha, a título de parqueamento, a quantia diária de € 6, acrescida de IVA à taxa legal, não demonstrando ter em conta a fundamentação constante da decisão recorrida e não indicando os motivos pelos quais dela discorda.

Reapreciado o depoimento prestado pela testemunha J. D. não se vislumbra que imponha decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, concordando-se com a fundamentação a este respeito exposta na decisão recorrida. Efetivamente, não se extrai do depoimento em causa qualquer acordo no sentido do pagamento da mencionada contrapartida pecuniária, nem sequer que esta tenha sido cobrada ou comunicada ao recorrente ou à seguradora/recorrida, não permitindo este meio de prova, por si só, considerar provado o facto em apreciação.

Em consequência, decide-se julgar improcedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto deduzida pelo apelante/autor, mantendo-se as respostas que foram dadas pelo Tribunal a quo.

II. Pressupostos da responsabilidade extracontratual

Atenta a improcedência da impugnação da matéria de facto, resulta evidente que os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados sob o ponto 1.I supra.

A decisão recorrida apreciou o pedido de indemnização formulado pelo autor nos presentes autos, por danos sofridos em virtude de acidente de viação, tendo considerado preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar previstos no artigo 483.º, n.º 1, do CC, o que não vem posto em causa na apelação.

No caso, está em causa a responsabilidade civil decorrente de acidente de viação ocorrido no dia 04-02-2015, pelas 16h30m, na Rua ..., freguesia ... ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula UX, propriedade do autor e por si conduzido, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula FZ - relativamente ao qual se encontrava transferida para a ré/recorrida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros -, propriedade de M. V. e por esta conduzido.

O princípio geral em matéria de responsabilidade por factos ilícitos encontra-se plasmado no referenciado artigo 483.º, n.º 1, do CC, norma que impõe a quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

São, assim, vários os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto voluntário do agente, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Relativamente à ilicitude, enquanto requisito necessário para que o ato seja gerador de responsabilidade civil extracontratual, a mesma tanto pode consubstanciar a violação de direitos subjetivos - os quais podem ser absolutos (direitos de personalidade, direitos reais), mas também direitos familiares, de conteúdo patrimonial ou, mesmo, pessoal - como a de uma norma protetora de um interesse alheio.

Já a culpa pondera o lado subjectivo do comportamento do agente do facto, pressupondo um juízo de censura ou de reprovação da conduta, podendo surgir fundamentalmente na modalidade de mera culpa (culpa em sentido estrito ou negligência), nos casos em que o agente não previu o resultado ilícito ou, tendo-o previsto, confiou temerariamente na sua não ocorrência, ou de dolo, quando o agente, tendo previsto o resultado, o aceitou como possível, isto é, não deixou de atuar em razão dessa possibilidade (4).

Nos termos do artigo 487.º, n.º 2, do CC, a culpa é sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada situação. Por outro lado, resulta do disposto no artigo 487.º, n.º1, do CC a regra geral de que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, na linha, aliás do preceituado no artigo 342.º do CC, sem prejuízo das presunções de culpa que a lei consagra.

Mas o facto ilícito culposo só implica responsabilidade civil caso ocorra um dano ou prejuízo a ressarcir, consubstanciado este de forma genérica como toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica (5).

Por último, além do facto e do dano, exige-se o nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que o facto constitua causa do dano, requisito que desempenha a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar (6).

O enquadramento antes traçado implica, no âmbito do caso em apreciação, que deva atender-se às concretas circunstâncias em que ocorreu o acidente por referência a um condutor normalmente diligente, certo como é que, em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, as regras ou as cautelas que, nos termos da lei, disciplinam a circulação rodoviária, configuram deveres de diligência cuja violação pode servir de base à negligência (7).

Neste domínio, «a violação de uma norma que regula a circulação rodoviária faz presumir, como é jurisprudência pacífica, negligência do infractor e consequentemente culpa na produção do acidente que venha a ocorrer em consequência dessa conduta desconforme com a lei» (8). E, tal como refere o Ac. STJ de 8-09-2011 (relator: Oliveira Vasconcelos) (9), «Tem sido predominantemente entendido, na doutrina e na jurisprudência que a prova de inobservância de leis ou regulamentos faz presumir culpa na produção dos danos dela decorrentes, dispensando a correcta comprovação de falta de diligência.

Porque se trata de normas legais de protecção de perigo abstracto, a conduta infractora que as infringe, traduzindo a inexistência do necessário cuidado exterior, só não responsabilizará o agente se este demonstrar ter tido o necessário cuidado interior.

Assim, em matéria de responsabilidade civil resultante de acidente de viação existe uma presunção "iuris tantum", por negligência, contra o autor de uma contra-ordenação».

Do exposto resulta, em conclusão, que «a prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir, perante a chamada prova de primeira aparência, relacionada com princípios de experiência geral que a tornam muito verosímil, a culpa na produção do acidente e das suas consequências, cabendo ao autor daquela inobservância o ónus da respectiva contraprova» (10).

No caso em apreciação, o Tribunal a quo analisou a matéria de facto que resultou provada, atinente à dinâmica do acidente, tendo entendido - e bem - que ambos os condutores infringiram normas rodoviárias.
Quanto ao autor e condutor do UX, considerou-se que seguia em velocidade superior à legalmente permitida para a circulação em localidades e que é de 50km/h. Por outro lado, entendeu-se que violou o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, 35.º, 38.º, n.º 2, al. b), e 41.º, n.º 1, al. d), do Código da Estrada, ao executar e prosseguir uma manobra de ultrapassagem, imediatamente antes de uma passagem para peões, devidamente assinalada, a uma fila compacta de veículos, do que se concluiu que sempre haveria perigo para os demais veículos que circulavam pela metade direita da faixa de rodagem caso o UX necessitasse de retomar essa metade direita da faixa de rodagem.
Relativamente à condutora do FX, tendo em conta que também antes da referida passagem de peões, devidamente assinalada, iniciou uma manobra de ultrapassagem sem sinalizar previamente a sua intenção e sem se certificar de que o poderia fazer em segurança e sem se certificar que não circulava qualquer outro veículo na sua traseira ou paralelamente e já em ultrapassagem, considerou-se que violou o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, 35.º, 38.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e c), e 40.º, n.º 1, al. d), do Código da Estrada.
Mais considerou demonstrada a concorrência de culpas dos condutores de ambos os veículos para verificação do embate, tendo graduado a contribuição da respetiva culpa em 75% para a condutora do veículo FZ e 25% para o autor/recorrente.
Ora, ponderando o que decorre da matéria de facto assente, quanto às concretas circunstâncias em que ocorreu o acidente em apreciação, entendemos que se impõe, neste domínio, um juízo de total concordância quanto à fundamentação enunciada na sentença recorrida. Assim, tal como circunstanciada e corretamente ponderou o Tribunal a quo - cuja fundamentação subscrevemos por inteiro - ambos os condutores contribuíram para a ocorrência do embate: «(…) ambos executaram manobras de ultrapassagem em local proibido, dando causa ao embate: o condutor do UX porque efectuava tal ultrapassagem a uma fila compacta de veículos e, dada a velocidade excessiva, ganhou a dianteira do veículo seguro na Ré (tirando, assim, vantagem dessa infracção e potenciando fortemente o risco de embate) e a condutor do FZ porque, antes de iniciar tal manobra de ultrapassagem, não se certificou de que não estava a ser já ultrapassada, nem sinalizou tal manobra, invadindo a metade esquerda da faixa de rodagem no momento em que o UX estava a passar por si.
Ou seja, se a manobra da condutora do FZ é claramente causadora do embate, a manobra do condutor do UX também para ele contribuiu e foi causa de estragos acrescidos no veículo que, a velocidade mais reduzida, decerto não ocorreriam.
Com efeito, o condutor do UX devia se ter abstido de encetar a ultrapassagem a uma fila de trânsito compacta em local proibido (tal como a condutora do FZ) e devia também ter-se abstido de circular a velocidade superior à legalmente permitida ademais num local assinalado como sendo destinado à passagem de peões, tudo o que, como é fácil de ver, poderia ter evitar o infeliz embate e, por isso, tem de se concluir ser causal da colisão e dos danos provocados.
Sendo inequívoca a concorrência de culpas dos intervenientes, o conflito decorrente daí decorrente há medir-se segundo um critério temporal, a ser resolvido a favor do condutor que, primeiramente, iniciou a manobra proibida, sendo que a era a condutora do FZ a que, em último momento e caso se tivesse certificado da presença do UX já ao seu lado, poderia ter evitado o embate.
(…) Nessa medida e beneficiando inequivocamente o Autor do facto de ter iniciado a manobra em momento anterior ao início da manobra da condutora do veículo seguro na Ré, não se afigura desproporcionada, nem excessiva, antes justa e conforme à gravidade do comportamento de cada um dos condutores e ao seu contributo para os danos causados, a repartição de responsabilidade de, respectivamente, 25% e 75% (…)».
Discordando deste entendimento, o apelante imputa à condutora do veículo FZ a responsabilidade exclusiva pela eclosão do embate, sustentando que apenas esta condutora infringiu normas rodoviárias e que o embate resultou da manobra por esta efetuada em violação de tais normas. Porém, a solução que o recorrente defende para o litígio assenta em matéria de facto não provada, no que respeita à respetiva atuação na condução do veículo UX., com base na qual sustenta que apenas a condutora do FZ infringiu normas rodoviárias e que o embate resultou da manobra por esta efetuada em violação de tais normas, afastando a infração que igualmente lhe é imputada na decisão recorrida, bem como a contribuição de tal conduta ilícita para a eclosão do embate.
Ora, mostrando-se acertada a análise empreendida pelo Tribunal a quo, posto que se verifica uma adequação causal entre as condutas levadas a cabo por ambos os condutores envolvidos no sinistro e a ocorrência do mesmo, nem se afigurando desproporcionada a repartição de responsabilidade fixada, é evidente que a improcedência da impugnação da decisão de facto, com a rejeição da pretendida exclusão da matéria provada do facto constante do ponto I.31 e do subsequente aditamento à matéria provada dos factos considerados não provados sob os pontos II.1, II.2, II.3, II.4, II.5, II.6 e II.7, leva à confirmação da sentença recorrida neste domínio.
Por conseguinte, baseando o recorrente a solução que defende, ao imputar à condutora do FZ a culpa exclusiva pela ocorrência do embate, em factualidade não provada, cumpre manter o decidido pela 1.ª instância, ao considerar a ré seguradora responsável por 75% da indemnização devida ao autor.

Improcedem, assim, neste ponto, as conclusões do autor/apelante.

III. Obrigação de indemnizar

O autor veio peticionar o pagamento das seguintes quantias:

i) € 2.491,46 a título de despesas médicas, medicamentosas e deslocações;
ii) €500,00 a título de desvalorização comercial do veículo matrícula UX;
iii) € 28.469,38 a título de perdas salariais sofridas entre a data da ocorrência do acidente de viação (04022015) e até à data da consolidação medico legal das lesões (08-08-2018), num total de 1.282 dias, a titulo de perdas de vencimento mensal ilíquido (vencimento base mensal acrescido do subsídio mensal de alimentação), de subsídio de natal, de subsídio de férias e férias;
iv) quantia a relegar para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do CPC) ou execução de sentença a titulo de indemnização pelos danos futuros previsíveis;
v) € 1.866,00 a título de parqueamento/depósito do veículo matrícula UX;
vi) € 22.650,47 a título de reparação do veículo matrícula UX;
vii) € 7.775,00 a título de privação de uso e fruição do veículo matrícula UX;
viii) € 70.000,00 em consequência da perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do défice funcional permanente da integridade físicopsíquica de 20 pontos e € 250.000,00 a título de perda de capacidade de ganho, em termos de repercussão permanente da atividade profissional das sequelas de que o autor é atualmente portador em consequência do acidente de viação descrito nos autos (são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual (IPATH);
ix) € 200.000,00 a título de danos não patrimoniais em virtude das lesões, queixas e sequelas que lhe advieram em consequência do acidente de viação descrito nos autos.

No que concerne ao segmento do pedido enunciado em i), a 1.ª instância considerou que é de ressarcir o autor pelo valor indemnizatório de € 1.868,60 correspondente a 75% da quantia de € 2.491,46 por si gasta em tratamentos, internamentos, consultas e exames clínicos e deslocações, valor que não vem posto em causa no âmbito do presente recurso e deve ser mantido face à repartição de responsabilidades que já foi considerada justa e adequada em II.

Impõe-se idêntica conclusão relativamente à pretensão enunciada em iv), posto que não vem posta em causa na apelação a condenação da ré/recorrida no que se vier a liquidar em incidente próprio relativamente aos danos enunciados em c) do segmento decisório da mesma e, bem assim, quanto à reclamada indemnização por agravamento do défice funcional, salvo no que concerne à parte relativa à repartição das responsabilidades e que também ficou a constar de tal segmento da decisão, questão que já foi devidamente apreciada em II supra.

Relativamente ao segmento do pedido enunciado em ii), entendeu o Tribunal a quo que o autor não demonstrou, como era seu ónus, que a sua viatura de matrícula UX sofreu, em consequência do embate, uma desvalorização de € 500,00 - cfr. ponto II.31 -, em consequência do que considerou improcedente a correspondente pretensão do autor. Ora, analisando o objeto da apelação apresentada pelo autor, delimitada pelas conclusões das alegações apresentadas, observa-se que o recorrente também não contesta, neste aspeto, a decisão recorrida, pelo que nada cumpre apreciar a propósito.

No que concerne ao segmento do pedido enunciado em iii), atinente ao valor de € 28.469,38 reclamado a título de perdas salariais sofridas entre a data da ocorrência do acidente de viação (04‐02‐2015) e até à data da consolidação medico legal das lesões (08-08-2018), num total de 1 282 dias, a titulo de perdas de vencimento mensal ilíquido (vencimento base mensal acrescido do subsídio mensal de alimentação), de subsídio de natal, de subsídio de férias e férias, considerou a 1.ª instância que o autor não demonstrou a factualidade que fundamentava tal pretensão, tal como resulta dos pontos II.18, II.19 e II.30 dos factos não provados -, em consequência do que considerou improcedente a correspondente pretensão do autor.

Quanto a este ponto, decorre das conclusões 3, 50, 51, e 52 das correspondentes alegações que a solução que o apelante defende para o litígio assenta exclusivamente no peticionado aditamento de tais factos à matéria provada, não defendendo qualquer alteração da matéria de direito a apreciar na hipótese da manutenção da factualidade provada.

Baseando-se a posição defendida pelo autor na apelação no peticionado aditamento à matéria provada dos factos supra indicados, o que foi rejeitado, mostra-se prejudicada a apreciação da solução jurídica defendida com base nesses factos, devendo, por isso, confirmar-se o decidido na sentença recorrida quanto à improcedência da pretensão de ressarcimento desse dano ou prejuízo.

Improcedem, assim, nesta parte, as conclusões da apelação.

Está em causa no segmento do pedido enunciado em v) a pretensão respeitante ao valor de € 1.866,00 que vem reclamado pelo autor/recorrente a título de parqueamento/depósito do veículo matrícula UX.

Também relativamente a esta matéria resulta da decisão recorrida que o Tribunal a quo entendeu que o autor não logrou fazer a prova de que a oficina onde se encontra parqueado tal veículo exija ao autor a quantia diária de €6 acrescida de IVA, nos termos enunciados em II.32 dos factos não provados. Em consequência, julgou improcedentes as correspondentes pretensões do autor, por falta de fundamento factual.

Ora, conforme resulta das conclusões 5, 56, 57 e 58 das correspondentes alegações, a solução que o recorrente defende para o litígio assenta exclusivamente no peticionado aditamento de tal facto à matéria provada, não defendendo qualquer alteração da matéria de direito a apreciar na hipótese da manutenção da factualidade provada.

Como tal, baseando-se a posição defendida pelo autor na apelação no peticionado aditamento à matéria provada do facto supra indicado, o que foi rejeitado, mostra-se prejudicada a apreciação da solução jurídica defendida com base no mesmo, restando confirmar o decidido na sentença recorrida quanto à improcedência da pretensão de ressarcimento desse dano ou prejuízo.

Improcedem, pois, nesta parte, as conclusões da apelação.

Insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida na parte em que apreciou e decidiu o segmento do pedido atinente à quantia de € 22.650,47 correspondente ao montante necessário para proceder à reparação do veículo com a matrícula UX. Defende para o efeito, em síntese, que lhe assiste tal direito, atenta a matéria de facto dada como provada nos pontos n.ºs 9, 93, 94, 99, 100 e 101 da sentença recorrida, devendo a ré ser condenada a pagar-lhe a quantia de €18.415,02 acrescida do IVA à taxa legal a titulo de reparação do veículo de sua propriedade (de matrícula UX), em consequência dos danos causados pelo acidente de viação melhor descrito nos presentes autos, recorrendo a peças novas e originais da marca, ou a quantia de €10.000,00 acrescida do IVA à taxa legal a titulo de reparação do veículo propriedade do autor, recorrendo a peças de concorrência, a peças usadas e aproveitando as peças estragadas.

A recorrida, por seu turno, defende que os valores necessários para a reparação do veículo ultrapassam tais valores, tratando-se de uma perda total, apenas lhe cabendo indemnizar o autor/recorrente pelo valor do veículo à data do sinistro.

A questão a apreciar consiste então em saber se no caso em apreciação se justifica a reparação do veículo sinistrado pelos custos orçamentados que constam dos autos, isto é, a reconstituição natural, tal como pretende o apelante, ou se atento o valor do veículo e o custo daquela reparação, deve esta considerar-se excessivamente onerosa para a ré/recorrida, tal como concluiu a decisão recorrida.

O Tribunal a quo entendeu que se impunha neste domínio concluir pela excessiva onerosidade na imposição à ré da obrigação de suportar o custo de reparação do UX, em face do concreto valor do mesmo, não se afigurando que lhe seja exigível facultar ao autor a reparação do UX ainda que com peças não originais e que não são novas, por um valor que é mais do dobro do valor venal do veículo em causa, à data do sinistro. Mais considerou ser evidente tal conclusão porquanto a ré logrou demonstrar no processo que, com a quantia total de € 4.500,00 é possível ao autor adquirir um veículo de características similares ao UX, não fazendo sentido reparar tal veículo ou recorrer à forma de indemnização por equivalente, quando é possível encontrar veículos semelhantes, por um valor inferior ao custo da reparação.

Analisando mais de perto os fundamentos enunciados na sentença recorrida para decidir a questão enunciada, observa-se que o Tribunal a quo fez, em nosso entender, uma correta avaliação da mesma, não deixando de alicerçar o entendimento sufragado nos critérios legais aplicáveis e seguindo a interpretação vertida em diversos arestos dos nossos tribunais superiores.

Assim, independentemente dos critérios enunciados no artigo 41.º, n.º 1 do DL 291/2007, de 21-08 (11) que, tal como vem sendo defendido maioritariamente na jurisprudência e é reconhecido na decisão recorrida, não derroga as normas gerais indemnizatórias previstas nos artigos 562.º a 566.º do CC, a aferição da excessiva onerosidade a que se refere o artigo 566.º, n.º1 do CC há-de resultar de uma ponderação casuística na qual, todavia, não podemos ignorar as linhas que emanam daquele diploma legal (12).

O artigo 562.º do CC prevê como princípio geral que, «[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».

E, tratando-se de danos patrimoniais, a natureza material da lesão sofrida permite a efetiva indemnização do lesado mediante a remoção da alteração causada no respetivo património, sendo que a reconstituição natural (ou a indemnização específica) prevalece sobre o pagamento de uma quantia monetária a título de indemnização por equivalente. Com efeito, tal como prescreve o artigo 566.º, n.º 1 do CC, «[a] indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor». Nestes casos, prevê ainda o n.º 2 do citado artigo 566.º do CC que, «[s]em prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos». Por último, conforme prescreve o n.º3 do artigo 566.º do CC, «[s]e não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados».

Em termos gerais, deve entender-se que ocorrerá uma situação de excessiva onerosidade da reconstituição natural sempre que houver uma manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável (13). Tal como salienta o Ac. do STJ de 31-05-2016 (relator: Helder Roque) (14), «[a] existência da excessividade da restauração natural resulta da verificação cumulativa de dois requisitos, sendo o primeiro o do benefício para o credor, consequente à reconstituição, e o segundo o de que esta se revele iníqua e abusiva, por contrária aos princípios da boa-fé, pelo que a reconstituição natural será, excessivamente, onerosa para o devedor e, portanto, de excluir, por inadequada, apenas, quando se apresente como um sacrifício, manifestamente, desproporcionado para o lesante, quando confrontado com o interesse do lesado na integridade do seu património»; neste pressuposto, «[s]endo a regra geral da restauração natural imposta, no interesse de ambas as partes, como modo primário de indemnização, se o credor reclama a restauração natural é ao devedor que pretenda contrapor-lhe a indemnização pecuniária, enquanto réu, que cabe o ónus de alegação e de prova da excessiva onerosidade da mesma, enquanto facto excetivo, justificativo da possibilidade da restituição por equivalente, ou seja, a prova da excepção, isto é, que a restauração natural é, excessivamente, onerosa para si».

Daí que no domínio da questão em apreciação no presente recurso, quer para efeitos de se apurar se a reparação de um veículo exigida pelo lesado é ou não excessiva, quer para efeitos do cálculo da indemnização através do pagamento de uma quantia monetária destinada a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a consolidar o entendimento de que o valor a ter em conta não é o valor comercial ou de mercado do veículo (no sentido do seu valor de venda), mas sim aquilo que a jurisprudência apelida de valor patrimonial, correspondendo este ao valor que o veículo representa dentro do património do lesado e que se traduz no valor necessário para o lesado adquirir um veículo com as características do veículo sinistrado, adequado a satisfazer as mesmas necessidades e interesses (15). Aderindo a esta posição, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 4-12-2007 (relator: Pires da Rosa) (16), cujo sumário se transcreve:

“1 - Em matéria da obrigação de indemnização por danos o princípio, a regra, é a restauração natural; a excepção é a indemnização por equivalente.
2 - Aplicando à situação as regras básicas do ónus da prova, ao Autor cabe a prova do princípio, à Ré cabe a prova da excepção.
3 - Ao autor, que viu o seu automóvel danificado em acidente de viação, cabe a prova do em quanto importa a sua reparação, restaurando in natura o veículo danificado; à Ré seguradora, que acha essa reparação excessivamente onerosa, cabe a prova disso mesmo - que a reparação é não apenas onerosa, mas excessivamente onerosa.
4 - Um dos pólos da determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação; o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado.
5 - Se a ré seguradora quer beneficiar da excepção não lhe basta «encostar-se» ao valor venal; antes precisa de alegar e provar que o autor podia adquirir no mercado, e por que preço, um outro veículo que igualmente lhe satisfizesse as suas necessidades «danificadas»”.

Densificando estes critérios, em termos que julgamos adequados na sequência dos parâmetros legais e dos entendimentos jurisprudenciais antes enunciados, refere o Ac. TRL de 15-12-2016 (relator Pedro Martins) (17), «a excessiva onerosidade comprova-se com a comparação entre o valor da reparação e o valor de substituição que é o valor que o lesado teria de pagar para comprar um veículo que fizesse as vezes do seu, estragado pelo acidente, ou seja, o valor que terá de pagar para comprar um veículo da mesma marca, modelo, ano de construção, equipamento, estado de conservação e quilometragem.

Se houver uma diferença significativa (e para a concretização deste conceito pode-se utilizar o critério do art. 41 do DL 291/2007) - como por exemplo se o valor da reparação (adicionado ao do salvado) for superior a 20% ao valor de substituição - entende-se, em princípio, que a reparação é excessivamente onerosa.
(…)
Registe-se que se trata, assim, do valor de substituição, que não é igual ao valor venal, entendido este como valor comercial, ou valor de mercado, ou valor de venda do veículo» (18).

No que concerne à questão em apreciação, verificamos que a decisão recorrida atendeu adequadamente aos critérios legais antes enunciados, tendo por base as posições jurisprudenciais antes referenciadas e que entendemos de sufragar. Assim, ponderou - e bem - que «… o Autor logrou demonstrar ser tecnicamente possível a reparação do UX pelo valor de € 10.000,00 + IVA com o recurso a peças usadas, da concorrência e às peças usadas devidamente recondicionadas, ou pelo valor de € 18.415,02 + IVA com o recurso a peças originais e da marca, não se podendo olvidar, contudo, que tais valores poderão ser superiores aquando da desmontagem face a prováveis danos ocultos. (cfr. pontos I.9, I.93 e I.104 dos factos provados). Sabemos, por outro lado, que o valor de venda no mercado do UX era, imediatamente antes do embate, de pelo menos, € 4.275,00 e nunca mais de € 4.500,00 (ponto I.99 dos factos provados), e que o salvado do UX valia, à data do sinistro, € 555,00 (ponto I.100 dos factos provados). Está também provado que com € 3.945,00, acrescidos do produto da venda do salvado (€ 555,00), era e é possível ao autor adquirir no mercado nacional um veículo com características semelhantes às do UX (ponto I.101 dos factos provados).
Tanto basta para se conclua, como o fez a sentença recorrida, que «a ré logrou provar, como era seu ónus, que o UX tinha um valor inferior a 120% do valor orçamentado para a sua reparação e que, com um total de € 4.500,00, era (e ainda é) possível ao Autor adquirir um veículo com semelhantes características ao que ficou danificado».
Do que decorre que a ré logrou comprovar que o valor venal, ou valor de venda no mercado, do UX, imediatamente antes do embate (€4.275 e nunca mais de €4.500), era idêntico ao valor de substituição, já que com € 3.945,00, acrescidos do produto da venda do salvado (€ 555,00), era e é possível ao autor adquirir no mercado nacional um veículo com características semelhantes às do UX (ponto I.101). Mais se demonstrou que existe uma diferença significativa entre os valores das reparações orçamentadas (adicionados ao do «salvado») e o valor de substituição, sendo aqueles muito superiores, ultrapassando em muito 120% do valor de substituição do veículo no momento anterior ao do acidente.
Resta, assim, concluir que a reparação do veículo matrícula UX mostra-se economicamente inviável e manifestamente desproporcionada ao ressarcimento do dano patrimonial em causa, sendo excessivamente onerosa para a devedora/ré a obrigação de suportar o custo inerente à reparação de tal veículo, tal como entendeu a decisão recorrida.
Como tal, resta considerar o veículo matrícula UX em situação de perda total, devendo a obrigação ser cumprida em dinheiro, tendo por base o valor apurado como sendo o do custo de aquisição no mercado de um veículo com as mesmas características, que cumpra as mesmas funções que estavam destinadas ao veículo sinistrado, e não através do valor de reparação do veículo.
Sendo assim, deve atender-se ao valor de indemnização fixado na sentença recorrida, do que decorre que o recorrente tem direito, a este título, à quantia de € 2.958,70 pela perda total do seu veículo, correspondente a 75% do valor de € 3.945,00 (= € 4.500,00 - € 555,00), conforme se decidiu na sentença recorrida.
Improcedem, assim, também nesta parte, as conclusões da apelação.
Suscita ainda o recorrente a reapreciação do valor arbitrado pela privação do uso do veículo, sustentando não concordar com a absolvição da ré em pagar-lhe uma quantia diária a título de privação de uso do seu veículo ligeiro de passageiros matrícula UX desde o dia 04-02-2015 (dia da ocorrência do acidente dos autos) e até à data em que a ré colocar à disposição do autor o dinheiro correspondente à indemnização devida a título de custo de reparação da mesma viatura matrícula UX, montante esse cuja total e integral concretização e quantificação defende se deverá relegar para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do CPC). Sustenta, em síntese, que lhe assiste tal direito, atenta a matéria de facto dada como provada pontos n.ºs 12, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100 e 101 da sentença recorrida, indemnização essa que o recorrente calcula e reclama da recorrida à razão da quantia diária de €25 a qual em 24-05-2019 orça em €39.275,00 (04/02/2015 a 24/05/2017 = 1.571 dias x €25 = €39.275,00), quantia diária essa cujo pagamento peticiona até à data em que a recorrida colocar à disposição do autor/recorrente o dinheiro correspondente à indemnização devida a titulo de custo de reparação da mesma viatura matrícula UX, montante esse cuja total e integral concretização e quantificação se deverá relegar para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do CPC).
A questão a apreciar consiste então em saber se o entendimento que foi sustentado na decisão recorrida - de que o autor/recorrente apenas tem direito ao valor de substituição da viatura sinistrada - e que já foi confirmado neste recurso, condiciona, e em que termos, o pedido de indemnização pela privação do veículo UX.
Em qualquer caso, está ainda em causa o valor arbitrado pela privação do uso do veículo, visto o recorrente reclamar a quantia de € 25/dia em vez dos € 10/dia que constam da sentença recorrida.
Encontra-se assente nos autos que, em 20-02-2015, por conta dos estragos causados no UX e após peritagem deste, a ré através do seu gestor de processo apresentou ao autor uma proposta consolidada e final de €2.820,00 já deduzido o valor do «salvado» que ficaria na posse do autor - cfr. documento junto a fls.51 e seg., cujo teor se dá por integralmente reproduzido (ponto I.12 dos factos provados) -, a qual não foi aceite pelo autor/recorrente, tal como também resulta dos factos enunciados em I.102 e I.103 dos factos provados. Mais se verifica pela análise dos pontos I.99, I.100 e I.101 dos factos provados, que o valor disponibilizado pela recorrida ao recorrente, em 20-02-2015, acrescido do valor do «salvado» em poder do autor, corresponde ao necessário à aquisição de uma viatura de características semelhantes que poderia substituir o uso do UX após ponderação da repartição de responsabilidades correspondente a 75% para a ré/recorrida. Como tal, cumpre apreciar as consequências da recusa do autor/recorrente em aceitar a quantia que lhe foi disponibilizada a este título pela ré/recorrente, no âmbito do direito, que invoca, à indemnização pela privação do uso do veículo.
O Tribunal a quo, ponderando o regime previsto no artigo 42.º do DL 291/2007, de 21-08 (19), em particular o seu n.º 2, e a concreta factualidade apurada nos autos, entendeu que a quantia diária fixada a título compensatório pela privação do uso do veículo está temporalmente limitada pela data em que a ré disponibilizou ao autor a indemnização devida pela perda total do veículo, pelo que decidiu que tal valor era apenas devido até ao dia seguinte ao dia 23 de fevereiro de 2015 (data em que se pode presumir o recebimento daquela missiva, por recurso subsidiário ao disposto no artigo 249.º, n.º 1 do CPC. Em consequência, arbitrou ao autor quantia de (€ 7,50 x 21 dias =) € 157,50 a título de privação do uso do veículo UX atendendo à redução determinada pela percentagem de responsabilidade da ré (75%).
Analisando o regime previsto no referenciado artigo 42.º do DL 291/2007, de 21-08, salienta Laurinda Guerreiro Gemas (20), a propósito do n.º 1 do citado preceito, que o mesmo «aponta no sentido da ressarcibilidade do dano da privação do uso do veículo, na medida em que impõe à seguradora a obrigação de compensar o lesado pela imobilização do seu veículo, compensação que deverá consistir na reparação natural do prejuízo em causa.
(…) em face da redacção do seu n.º1, coloca-se a questão de saber se são ressarcíveis os danos referentes ao período de tempo que antecede a assunção da responsabilidade por parte da seguradora. A resposta não poderá deixar de ser afirmativa: embora nessas situações não esteja prevista a atribuição de veículo de substituição, não fica afastada a indemnização em dinheiro». E esclarecendo o alcance do estatuído no n.º 2 do preceito em análise, refere ainda a mesma Autora (21), que a cessação da obrigação de colocar ao dispor do lesado um veículo de substituição no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização «não afasta a obrigação de indemnizar (em dinheiro) se o lesado, justificadamente, discordar da qualificação como perda total ou do montante da indemnização proposta».
Como se viu, no caso em apreciação encontra-se assente a situação de perda total do veículo, verificando-se ainda que a ré seguradora colocou à disposição do autor, ora recorrente, o montante devido pela perda do veículo, proposta que foi recusada pelo autor.
Deste modo, considerando que a quantia disponibilizada pela ré/recorrida ao autor/recorrente corresponde efetivamente ao montante indemnizatório devido ao recorrente, não existe fundamento para a recusa do respetivo recebimento.

Tal como refere o Ac. TRP de 19-02-2015 (relator: Pedro Martins), antes referenciado, a propósito de situação idêntica, atinente à aferição do dano da privação do uso do veículo, «[n]ão se justificando a recusa do autor em aceitar o valor proposto para a indemnização, o período de privação de uso do veículo não deve ir para além da data da proposta respectiva, 28/06/2013. E isto independentemente de não se ter provado o facto que a ré queria que fosse aditado a estes autos, ou seja, a colocação do dinheiro na disponibilidade do autor a partir dessa data. É que, fazendo-se a proposta de um valor indemnizatório, sem referência à data em que se cumpriria a obrigação assumida, ficava-se perante uma obrigação pura, cujo cumprimento poderia ser exigido a qualquer momento, e por isso no próprio momento da aceitação, ficando a seguradora em mora se não a pagasse no momento em que lhe fosse exigida: arts. 777/1 e 805/1, ambos do CC.

Assim, o valor da privação do veículo, que foi fixado em 10€ por dia, deve ser de apenas 490€ (= 12/05/2013 a 29/06/2013 = 49 dias x 10€)».

Em sentido idêntico, encontramos ainda o Ac. TRG de 25-05-2017 (relatora: Maria Amália Santos), também já referenciado, cujo sumário se transcreve:

«I- A reparação do veículo só deve ser feita se não for excessivamente onerosa para o devedor, avaliando-se essa onerosidade pela diferença entre o valor da reparação e o valor patrimonial da viatura na esfera patrimonial do lesado.
II – Haverá que atender, outrossim, à possibilidade do lesado adquirir, com o valor de substituição, uma viatura equivalente à sua.
III – O dano da privação do uso só é de indemnizar se a não reparação da viatura for imputável à ré
IV – Já não será indemnizável tal dano se o lesado não aceitou receber da ré o valor de substituição da viatura sinistrada, persistindo na sua reparação».

Tal como se refere ainda no aresto agora citado, «(…) pretendendo-se ressarcir – com a indemnização pela paralisação da viatura – os danos decorrentes da mora da ré na reparação da mesma, neste caso a mora da ré não ocorreu, por que foi o A. que não aceitou receber da ré a quantia que ela lhe ofereceu para reparar o prejuízo por ele sofrido com o acidente».

Como tal, perante a matéria dada como provada, resta concluir que se mostra injustificada a recusa do lesado, ora recorrente, em aceitar a indemnização em dinheiro oferecida pela ré, o que afasta a responsabilidade da recorrida relativamente ao período de imobilização do veículo subsequente ao momento em que colocou à disposição do autor o pagamento da indemnização em causa.

Em consequência, bem andou o Tribunal a quo também nesta questão, ao decidir que a quantia diária fixada a título compensatório pela privação do uso do veículo está temporalmente limitada pela data em que a ré disponibilizou ao autor a indemnização devida pela perda total do veículo. Sendo assim, o referido valor apenas é devido até ao dia seguinte ao dia 23 de fevereiro de 2015 (data em que se pode presumir o recebimento daquela missiva, por recurso subsidiário ao disposto no artigo 249.º, n.º 1 do CPC, ou seja, pelo período de 21 dias, tal como bem se decidiu na sentença recorrida.

Importa ainda reapreciar o valor arbitrado pela privação do uso do veículo, visto o recorrente reclamar a quantia de € 25/dia em vez dos € 10/dia que constam da sentença recorrida.

Mostra-se controvertida na jurisprudência a questão de saber se a indemnização pela privação do uso de determinado bem depende da prova do dano concreto (22) ou se a simples privação do uso constitui, só por si, um dano indemnizável (23).

Neste domínio, existe consenso quanto à consideração da privação do uso de determinado bem, em si mesma, como um dano, o qual assume autonomia relativamente a outras consequências decorrentes do evento lesivo, isto é, a outros danos. Porém, se é certo que na generalidade dos casos a privação do uso impede o proprietário de dispor da coisa e de a usar como entender, situações poderão ocorrer em que o proprietário não tenha interesse em usá-la, não pretendendo dela retirar qualquer utilidade, caso em que não poderá considerar-se verificada qualquer alteração da respetiva situação decorrente da privação do uso, assim não existindo dano. Neste contexto, encontramos ainda uma corrente intermédia, que se afigura como maioritária na jurisprudência, que vem entendendo que a privação do uso de um veículo automóvel constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o artigo 1305.º do Código Civil lhe confere de modo pleno e exclusivo, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava (24).

No âmbito desta última posição, que entendemos de sufragar, refere o Ac. do STJ de 15-11-2011 (relator: Moreira Alves) (25): «(…) não haverá dúvidas sérias de que a privação injustificada do uso de uma coisa, pelo respectivo proprietário, pode constituir um ilícito susceptível de gerar obrigação de indemnizar, uma vez que, na normalidade dos casos, impedirá o seu proprietário do exercício dos direitos inerentes ao domínio, isto é, impede-o de usar a coisa, de fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria, enfim, impede-o de dela dispor como melhor lhe aprouver, violando o seu direito de propriedade.

Podem, porém, configurar-se situações da vida real em que o titular não tenha qualquer interesse em usar a coisa, não pretende retirar dela as utilidades ou vantagens que a coisa lhe podia proporcionar (o que até constitui uma faculdade inerente ao direito real de propriedade), ou pura e simplesmente, não usa a coisa.

Em situações como estas, se o titular se não aproveita das utilidades que o uso normal da coisa lhe proporciona, também não poderá falar-se de prejuízo ou dano decorrente da privação ilícita do uso, visto que, na circunstância, não existe uso, e, não havendo dano, não há, evidentemente, obrigação de indemnizar.

Por isso, competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver indemnizado, não chega alegar e provar a privação da coisa, mostrando-se ainda necessário alegar e provar que usava normalmente a coisa, isto é, que dela retirava as utilidades (ou algumas delas) que lhe são próprios e que deixou de poder usá-la, em virtude da privação ilícita.

E, tal exigência, não se nos afigura exorbitante.

Apresenta-se, tão só, na sequência lógica da realidade das coisas, como pressuposto mínimo da existência do dano e como índice seguro para que o tribunal possa arbitrar a indemnização pretendida com base na utilidade ou utilidades que o titular usufruía, e não pode continuar a usufruir, por estar privado da coisa por acto culposo de outrem.

Aliás, a prova de tal circunstancialismo de facto (isto é, do uso normal da coisa), em muitos casos concretos poderá advir de simples presunções naturais ou judiciais a retirar pelas instâncias da factualidade envolvente.

Por exemplo, quando a privação do uso recaia sobre um veículo automóvel danificado num acidente, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usava e usaria normalmente (o que, na generalidade das situações concretas, constituirá facto notório ou resultará de presunções naturais a retirar da factualidade provada), para que possa exigir-se do lesante uma indemnização autónoma a esse título, sem necessidade de provar directa e concretamente prejuízos quantificados, como, por exemplo, que deixou de fazer esta ou aquela viagem de negócios ou de lazer, que teve de utilizar outros meios de transporte (táxi, transportes públicos, automóvel alugado, emprestado... etc.), com o custo correspondente.

Portanto, se puder ter-se por provado que o proprietário lesado utilizava, na sua vida corrente e normal, o veículo sinistrado, ficando privado desse uso ordinário em consequência dos danos sofridos pela viatura, provado está o dano indemnizável durante o período de privação, ou, tratando-se de inutilização total (perda total), enquanto não for indemnizado da sua perda, nos termos gerais.

É neste contexto que dizemos que a privação do uso, constitui, por si, um dano indemnizável».

No caso presente, e como bem sublinhou a sentença recorrida, «o autor logrou demonstrar que fazia do UX uma utilização diária, sendo esse o seu único meio de transporte, pelo que, desde a data do acidente vem recorrendo a outros meios de transportes, nomeadamente públicos e emprestados, com os inerentes incómodos - cfr. pontos I.96 e I.97 dos factos provados.

Do que decorre demonstrada a perda da concreta utilidade da utilização daquele veículo na esfera do Autor, o que, associado ao preenchimento dos demais pressupostos da responsabilidade civil, basta para conferir ao Autor a respectiva indemnização».

Extrai-se efetivamente destes elementos que a privação do uso do veículo causou ao autor transtornos, constrangimentos e privações daí decorrentes, encontrando-se, como tal, demonstrada a existência de prejuízos diretamente decorrentes da não utilização do bem, tal como concluiu a decisão recorrida.

Este dano é indemnizável, devendo o cálculo da correspondente indemnização ser efetuado com base na equidade, considerando que não pode ser averiguado o valor exato dos danos, tal como dispõe o artigo 566.º, n.º 3, do CC, implicando que o Tribunal deva decidir dentro dos limites que tiver por provados - cfr. a propósito, entre outros, o Ac. do STJ de 05-08-2013 (relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) (26).

Por conseguinte, impõe-se encontrar a solução mais equilibrada, tendo em conta o que decorre da factualidade provada e atendendo aos padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes, uma vez que a quantificação do montante indemnizatório em causa é efetuada com recurso à equidade, nos termos que decorrem do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do CC, ao prever que, nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

Neste domínio, verifica-se que o Tribunal de 1.ª instância entendeu adequado fixar em €10/dia o montante da compensação pela perda de utilidades concretas derivadas da utilização do veículo sinistrado, reduzido a € 7,50 atenta a percentagem de responsabilidade da ré.

Já o autor/recorrente entende que tal indemnização deve ascender ao valor de € 25/dia.

Ora, recorrendo ao método comparativo ao nível dos critérios utilizados na determinação da indemnização pela privação do uso de veículo, e a título meramente exemplificativo, encontramos diversas decisões, ao nível da jurisprudência dos tribunais superiores, que entendemos adequado ponderar atendendo aos respetivos contornos:

- no Ac. do STJ de 13-07-2017 (relatora: Maria da Graça Trigo) (27), reportado a acidente ocorrido em 14-12-2012, em que, para efeitos de cálculo da indemnização pelo dano de privação de uso, com recurso à equidade, se entendeu não ser excessivo o valor diário de € 30,00 quando corresponde exatamente ao valor previsto no contrato de seguro dos autos para a hipótese de ser impossível à seguradora facultar um veículo de substituição;
- no Ac. do STJ de 10-05-2011 (relator: João Camilo) (28), em que se considerou que devendo o valor dessa privação ser calculado de acordo com a equidade, cumpre ver, além do mais, as importâncias que para este efeito têm sido fixadas no STJ, que orçam a € 25 diários, para veículos automóveis.
- no Ac. do STJ de 28-04-2009 (relator: Mário Cruz) (29), em que se considerou que durante 2 meses e 4 dias, o autor e o seu agregado familiar esteve privado de viatura própria nas deslocações pessoais diárias e de fins-de-semana, tendo necessitado de se socorrer de transportes públicos ou de usar um veículo cedido gratuitamente por um familiar, sofrendo, para além de incómodos, uma situação de desconforto ou desgosto, e que o custo do aluguer de um veículo com as características do sinistrado ascenderia a quantia não inferior a 25€/dia, entendeu-se deve a ré ser condenada a pagar-lhe, a título de privação de uso de veículo, a quantia de €1.600;
- no Ac. TRL de 27-10-2015 (relatora: Maria Adelaide Domingos) (30), em que se condenou o responsável no pagamento de indemnização pela privação de uso de veículo (motociclo), correspondente ao montante diário de €36,50 tendo por base a equidade;
- no Ac. TRL de 17-12-2014 (relator: José Maria Sousa Pinto) (31), em que se condenou o responsável no pagamento de indemnização pela privação de uso de veículo, correspondente ao montante diário de €28,30 tendo por base a equidade.

Considerando então o período em que o autor não dispôs do veículo para as suas deslocações, vendo-se impedido de o utilizar, cuja duração não foi posta em causa pela recorrida, temporalmente limitado, conforme se concluiu já, pela data em que a ré disponibilizou ao autor a indemnização devida pela perda total do veículo, bem como a concreta destinação a que o autor afetava o veículo UX, à circunstância de se ter apurado que tal viatura era o único e diário meio de transporte do autor, que desde a data do embate tem recorrido a táxis, a transportes públicos e a empréstimos de outros veículos, com os inerentes incómodos, mostra-se conforme à equidade fixar em € 25 o quantitativo diário da indemnização devida pela privação do uso do veículo, reduzido a €18,75 atenta a percentagem de responsabilidade da ré/recorrida, o que, reportando-se a um período de 21 dias, já anteriormente definido, importa numa indemnização global a este título no montante de € 393,75 a qual se mostra adequada e equitativa para compensar o autor pela privação do uso do veículo que sofreu.
Procedem, assim, nesta parte, ainda que parcialmente, as conclusões do autor/apelante.
Tal como resulta das conclusões 61 a 66 e 67 a 68 das alegações de recurso, vem o recorrente pôr em causa o montante indemnizatório que foi arbitrado em 1.ª instância a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, decorrente do défice funcional permanente de que ficou a padecer em decorrência do acidente de viação em causa nos presentes autos. Tal compensação foi fixada pelo Tribunal a quo na quantia global de €100.000,00 (cem mil euros), ainda que consubstanciada na indemnização de €75.000,00 por corresponder à responsabilidade fixada para a ré.
Analisando o objeto da presente apelação, delimitado pelas conclusões antes enunciadas, observa-se que o recorrente pretende autonomizar o valor fixado pelo Tribunal a quo a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, decorrente do défice funcional permanente, em duas vertentes compensatórias distintas, defendendo que deverá a ré ser condenada a pagar ao autor a título de indemnização pela “perda da capacidade de ganho”, em quantia nunca inferior a €200.000,00 e que a tal valor deverá ainda acrescer um montante compensatório a indemnizatório, a título de indemnização por “dano biológico” que considera decorrer da perda ou diminuição de capacidades funcionais em consequência do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 16 pontos, em valor nunca inferior a €50.000,00.
Alicerça ambas as pretensões na matéria de facto constante dos pontos 18 e 19 dos factos dados como não provados na sentença recorrida, tomando como pressuposto a procedência da impugnação deduzida relativamente à decisão proferida sobre a matéria de facto, no sentido de dever ser dada como provada tal matéria e dessa forma passar a elencar a lista dos pontos constantes dos Factos dados como Provados da referida sentença, aludindo ainda à matéria de facto constante dos pontos n.ºs 1, 51, 54, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72 e 73 dos factos dados como provados. Relativamente à perda da capacidade de ganho, e tendo por base a matéria de facto enunciada, sustenta tal pretensão essencialmente nos seguintes factores: - o lesado afectado de sequelas impeditivas do exercício da atividade profissional habitual encontra-se em posição de desvantagem em relação a outro que, afetado da mesma incapacidade parcial, não ficou impedido de exercer a sua profissão habitual; - esta posição de desvantagem é agravada pela circunstância da taxa de desemprego do cidadão deficiente ser especialmente elevada (pelo menos o dobro da restante população), porquanto os empregadores partem do pressuposto da sua inadaptação ao desempenho profissional; os elementos estatísticos demonstram que a taxa de pobreza das pessoas com deficiência é 70% superior à média, em parte devido a limitações no acesso ao emprego; - tendo a vítima ficado impedida de exercer a sua atividade profissional habitual, face às graves sequelas físicas sofridas, prejudicando substancialmente as suas oportunidades de obter novo emprego, justifica-se a elevação do resultado obtido através das tabelas financeiras em cerca de 10%.

Neste domínio, constata-se que o Tribunal a quo entendeu, no essencial, que ao autor assiste o direito a ser indemnizado considerando o défice funcional de 16 (dezasseis) pontos de que ficou a padecer em consequência do acidente sofrido, porquanto tal défice e a necessidade de imprimir esforços suplementares na execução das mais variadas tarefas afeta, naturalmente, o corpo e a saúde do autor e prejudica a sua capacidade de trabalho, ademais que o autor ficou impossibilitado de exercer a profissão de operador agrícola e qualquer outra profissão que exija boa mobilidade, resistência e velocidade dos membros inferiores e que sejam efetuadas predominantemente de pé e sentadas, concluindo ainda não haver dúvidas de que o autor fica em dificuldades no confronto com os demais trabalhadores e que a sua saúde sofreu, sem dúvida, um dano, que tem de ser juridicamente protegido e quantificado, mais enfatizando o seguinte: «Em termos de normalidade, o que se vai operar no Autor é uma diminuição de condição física, resistência e capacidade de esforços, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro, além da situação de desigualdade em relação aos demais trabalhadores.

E é precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros».

Analisando mais de perto os fundamentos enunciados na sentença recorrida para decidir a questão enunciada, observa-se que o Tribunal a quo fez, em nosso entender, uma adequada avaliação da mesma, não deixando de alicerçar o entendimento sufragado nos critérios legais aplicáveis e seguindo a interpretação vertida em diversos arestos dos nossos tribunais superiores.

Neste contexto, deve entender-se que os danos patrimoniais futuros decorrentes de uma lesão física não se reduzem à redução da capacidade de trabalho, já que, antes de mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e integridade física, pelo que não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (32).

Assim, independentemente de tal défice funcional permanente da integridade físico-psíquica se repercutir ou não imediatamente na capacidade de ganho do lesado, o mesmo tem relevância patrimonial, dado constituir uma lesão ou diminuição da aptidão física que importa perda da capacidade funcional, traduzindo-se, como tal, numa fonte de possíveis danos patrimoniais. E tratando-se de privação de outras oportunidades pessoais ou profissionais decorrentes do défice físico-psíquico, tal dano não pode deixar de ser considerado no âmbito do ressarcimento a título de danos patrimoniais futuros, «influenciando e majorando, portanto, no cálculo equitativo do seu quantum, mas não constituindo, pois, um dano a valorar em uma outra quantia, autónoma ou separada do quantum indemnizatório a fixar em sede de danos patrimoniais futuros, sob pena de constituir, como bem se adverte, entre outros, no Ac. STJ de 17.12.2009, uma “duplicação indemnizatória (…) violadora da lei e dos princípios da equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa”» (33).

Daí que o legislador esclareça, no preâmbulo do DL n.º 352/2007, de 23-10 (34), «[a] avaliação médico-legal do dano corporal, isto é, de alterações na integridade psico-física, constitui matéria de particular importância, mas também de assinalável complexidade. Complexidade que decorre de factores diversos, designadamente da dificuldade que pode existir na interpretação de sequelas, da subjectividade que envolve alguns dos danos a avaliar, da óbvia impossibilidade de submeter os sinistrados a determinados exames complementares, de inevitáveis reacções psicológicas aos traumatismos, de situação de simulação ou dissimulação, entre outros. Complexidade que resulta também da circunstância de serem necessariamente diferentes os parâmetros de dano a avaliar consoante o domínio do direito em que essa avaliação se processa, face aos distintos princípios jurídicos que os caracterizam. Assim sucede nomeadamente em termos das incapacidades a avaliar e valorizar. No direito laboral, por exemplo, está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto que no âmbito do direito civil, e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valorizar percentualmente a incapacidade permanente em geral, isto é, a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da actividade profissional específica do examinando».

Justifica-se, deste modo, que se tenha concluído na sentença recorrida que qualquer pretensão de ver a indemnização calculada com base na IPP definida em termos laborais, ou pela mera perda da capacidade de ganho, não pode ser atendida por contrariar a lei aplicável. Acresce que, tal como bem analisou a sentença recorrida, as sequelas de que ficou a padecer o autor são compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional que não a de operador agrícola que, de todo o modo, nem sequer ficou provado que fosse praticada pelo autor, tal como decorre da matéria vertida no ponto I.72 dos factos provados e considerando a restante matéria que consta dos factos não provados. Como tal, também não se vislumbra qualquer fundamento para considerar que a ponderação efetuada pelo Tribunal a quo, tendo por base os critérios legais aplicáveis da indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer, seja atentatória dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados e da disposição da lei fundamental invocada pelo recorrente, concretamente do princípio da Igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

Por conseguinte, justifica-se plenamente que o Tribunal a quo tenha englobado no cômputo da indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer em decorrência do acidente de viação em causa nos presentes autos, quer a vertente laboral quer a vertente pessoal indemnizatória resultante das sequelas sofridas em resultado do acidente em apreço.
Improcedem, assim, as conclusões da apelação na parte em que preconiza a utilização da regra que o direito do trabalho aplica ao cálculo da pensão para os sinistrados em acidente de trabalho afetados de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual bem como a autonomização do valor fixado pelo Tribunal a quo a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, decorrente do défice funcional permanente, em duas vertentes compensatórias distintas (pela “perda da capacidade de ganho”, em quantia nunca inferior a €200.000,00 e que a tal valor deva ainda acrescer um montante compensatório a indemnizatório, a título de indemnização pelo alegado “dano biológico” que considera decorrer da perda ou diminuição de capacidades funcionais em consequência do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 16 pontos, em valor nunca inferior a €50.000,00).

Resta, então, aferir da adequação do montante arbitrado pelo Tribunal a quo pelo dano futuro, na vertente patrimonial, pela perda de capacidade de trabalho decorrente da incapacidade de que padece o autor, em conjunto com as incapacidades funcionais resultantes do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica sofrido, fixado em 16 pontos.

As circunstâncias enunciadas traduzem uma diminuição da capacidade, constituindo um dano futuro previsível e indemnizável nos termos do artigo 564.º, n.º 2, do CC.

Tal como se refere no Ac. do STJ de 13-07-2017 (relator: Tomé Gomes) (35) «Em caso de défice funcional permanente que não seja impeditivo de exercício da atividade profissional do lesado, mas que implique ainda assim um maior esforço no desempenho dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual, não se mostra viável, em regra, estabelecer o quantum indemnizatório com base em cálculo aritmético de rendimentos específicos, devendo recorrer-se à equidade dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função do tipo de gravidade das sequelas sofridas».

Conclui-se, assim, que a valoração destes danos patrimoniais futuros, decorrentes da incapacidade ou défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer, assenta num critério de equidade, conforme decorre do disposto no artigo 566.º, n.º 3 do CC, devendo o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, dada a impossibilidade de se averiguar o valor exato dos danos, tal como, aliás, concluiu, e bem, a decisão recorrida.

Perante a dificuldade de cálculo da indemnização do dano patrimonial futuro resultante da perda da capacidade de ganho, ponderada em conjunto com as incapacidades funcionais resultantes do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica sofrido, a jurisprudência, com vista a reduzir a margem de discricionariedade do julgador, tem vindo a enunciar critérios de apreciação e de cálculo. Neste domínio, e conforme se refere no Ac. do STJ de 5-08-2012 (relator: Nuno Cameira) (36): «Assentou-se de forma bastante generalizada nas seguintes ideias a) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; b) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; c) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade; d) Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastará consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que vale tanto no caso de incapacidade permanente total como parcial; e) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia; f) Deve ter-se em conta, não exactamente a esperança média de vida activa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 78 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres ultrapassou a barreira dos oitenta anos)». A este propósito, sublinha ainda o Ac. do STJ de 12-04-2007 (relator: Mário Cruz) (37): «(…) a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o minus indemnizatório, o qual, terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa.

Em termos de danos futuros previsíveis, a equidade terá a palavra decisiva, correctora, ponderando todos os factores atrás enunciados.- art. 566.º-3 do CC.

Ao fazer intervir a equidade, não poderá ainda o Juiz de deixar de atender à natureza da responsabilidade (se ela é objectiva, se fundada na mera culpa, na culpa grave ou no dolo), à eventual concorrência de culpas, à situação económica do lesante e do lesado, e, por fim, às indemnizações jurisprudencialmente atribuídas em casos semelhantes».

Deste modo, tendo como pressuposto essencial que as tabelas por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero caráter orientador, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade, utilizar-se-á como meio auxiliar o método de cálculo do dano patrimonial futuro utilizado na decisão recorrida, porquanto estamos perante a aferição de um dano de natureza patrimonial e considerando que o recurso à referida fórmula não vem posto em causa por qualquer das partes.

Verifica-se, contudo, que o apelante vem sustentar justificar-se a elevação do resultado obtido através das tabelas financeiras em cerca de 10%, considerando que a vítima ficou impedida de exercer a sua atividade profissional habitual, face às graves sequelas físicas sofridas, prejudicando substancialmente as suas oportunidades de obter novo emprego. Porém, tal como resulta do teor das conclusões 61 a 66 das correspondentes alegações, a diferente solução que o recorrente defende para o litígio assenta exclusivamente no peticionado aditamento da matéria de facto contida nos pontos 18 e 19 dos factos dados como não provados. Baseando-se a posição defendida pelo recorrente no peticionado aditamento à matéria provada dos factos em referência, o que foi rejeitado, torna-se evidente que não pode proceder a elevação do resultado obtido, nos termos pretendidos pelo apelante. Com efeito, tal como salientou a decisão recorrida, as sequelas de que ficou a padecer o autor são compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional que não a de operador agrícola que, de todo o modo, nem sequer era praticada pelo autor, conforme decorre da matéria vertida no ponto I.72 dos factos provados e atendendo à restante matéria que consta dos factos não provados.

Para efeitos do cálculo do dano patrimonial aqui em causa importa considerar também a contribuição do autor para a eclosão do acidente, já fixada em 25%.

Relevante se mostra, ainda, a seguinte factualidade que consta da matéria de facto provada:

- o autor nasceu em - de janeiro de 1981 (tinha 34 anos à data do acidente em apreciação); - o autor, para se locomover, tem que recorrer à ajuda de muletas/canadianas; - o autor passou a locomoverse e mantém com espaçador da anca (provisória); - atualmente, o autor encontra-se incapacitado para a profissão de “operador agrícola”; - em consequência do embate, o autor ficou com as seguintes sequelas no membro inferior esquerdo: apresenta cicatriz irregular, nacarada com zonas rosadas, medindo 26 cm por 1 cm de maiores dimensões, que se estende desde face lateral do terço proximal da coxa até à nádega esquerda; cicatriz transversal com 3,5 cm por 1cm na face anterior do joelho; usa palmilha compensadora no sapato por dismetria de membros (membro inferior esquerdo mais curto que o direito de cerca de 2 cm); atrofia da coxa de 3 cm (53,5 cm vs 56,5 cm à direita); atrofia da perna de 3 cm (38,5 cm vs 41,5 cm à direita); rigidez marcada da anca com flexão a 60°70°, com perda das rotações, adução/abdução e extensão limitadas); articulação do joelho com mobilidades conservadas notandose crepitação articular à mobilização e ligeira laxidez lateral; tibiotársica (tornozelo) com mobilidades conservadas e simétricas; - e ficou a padecer de limitação de movimentos e mobilidade a nível do membro inferior esquerdo e da anca, com impossibilidade de se agachar, de se ajoelhar, de correr, de exercer força ou sustentar-se sob a perna esquerda e anca, de efectuar qualquer movimento brusco ou que exija potência, de saltar, de subir andaimes; - de subir e descer caminhos desnivelados sem canadianas; - o autor claudica na marcha; - o autor necessita e necessitará de ajuda medicamentosa com analgésicos em SOS para superar as consequências e sequelas supra descritas, com a regularidade e tipologia a ser definida pelo médico assistente; - o autor tem dificuldades acrescidas na condução de viaturas ligeiras com caixa manual; - em virtude das lesões e sequelas sofridas, o autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade FísicoPsíquica fixável em 16 (dezasseis pontos), sendo de perspectivar a existência de dano futuro; - e previsível agravamento desse défice, durante toda a sua vida, tornando mais penoso o desempenho das suas tarefas diárias, sejam actividades domésticas, laborais, recreativas, sociais ou sentimentais e dificultando a sua produtividade; - tal défice funcional, é incompatível e impeditivo do exercício da actividade profissional “operador agrícola” e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e sentadas; - o autor necessita diariamente de descansar por vários períodos de tempo já que não consegue manter-se muito tempo de pé.

No caso vertente, constata-se que a sentença recorrida considerou que o autor tinha uma esperança de vida de cerca de 44 anos, uma vez que o mesmo tinha 34 anos à data do evento danoso, tomando por referência que, em 2015, a esperança média de vida para as mulheres portuguesas era de 84,3 anos e, para os homens, de 78,1 anos, ponderando ainda a circunstância de o autor, à data do embate, se encontrar desempregado. Mais valorou a incompatibilidade das sequelas sofridas com o exercício de profissões que exijam boa mobilidade, força e resistência ao esforço e velocidade dos membros inferiores, sem deixar de atender que tais circunstâncias logo limitam substancialmente as possibilidades do autor de encontrar trabalho num contexto de cada vez maior exigência laboral e face também às suas parcas habilitações, pois que nem o 9º ano de escolaridade completou. Por último, teve ainda em consideração a existência previsível de futuras limitações.

Sendo assim, impõe-se confirmar nesta sede os critérios que foram observados na sentença recorrida para a determinação do valor base da indemnização para o cálculo do dano patrimonial futuro, por se revelarem adequados em face dos elementos objetivos que constam dos autos.

Além dos já enunciados elementos objetivos, importa ainda atender aos padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes uma vez que a quantificação do montante indemnizatório em causa é efetuada com recurso à equidade, prevendo o artigo 8.º, n.º 3, do CC que, nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

Assim, recorrendo ao método comparativo ao nível da indemnização pelo dano patrimonial futuro emergente de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica parcial, e a título meramente exemplificativo, encontramos diversas decisões, ao nível da jurisprudência dos tribunais superiores, que entendemos de ponderar:

- Ac. do STJ de 7-03-2019 (relator: Tomé Gomes) (38): 19% (défice da integridade físico-psíquica), sinistrada com 35 anos à data do acidente, considerando o valor da remuneração mensal base auferida de €475, foi atribuída uma indemnização no montante de € 40.000,00;
- Ac. do STJ de 06-12-2018 (relatora: Maria do Rosário Morgado) (39): 10% (com possível agravamento com o decorrer do tempo), sinistrada com 40 anos de idade à data do acidente, considerando o valor da remuneração mensal de €1.500,00, foi atribuída uma indemnização no montante de € 60.000,00;
- Ac. do STJ de 10-11-2016 (relator: Lopes do Rego) (40): 31,20% com possibilidade de agravamento futuro, envolvendo impossibilidade absoluta para o exercício da actividade profissional habitual e de todas as que envolvam componente significativa de esforço físico (e que eram as imediata e efectivamente acessíveis às capacidades naturais e habilitações da lesada antes do acidente), sinistrada com 18 anos à data do acidente, foi atribuída uma indemnização no montante de € 100.000,00;
- Ac. do STJ de 21-02-2013 (relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) (41): 10%, sinistrada com 30 anos à data do acidente, considerando o valor do salário mínimo ao tempo do acidente, foi atribuída uma indemnização no montante de € 17.500,00;
- Ac. do STJ de 31-01-2013 (relator: Marques Pereira) (42): 19%, que se agravará no futuro em 3%, sinistrado com 45 anos à data do acidente, considerando que auferia um rendimento mensal de cerca de € 500,00, foi atribuída uma indemnização no montante de € 65.000,00;
- Ac. do STJ de 29-11-2012 (relator: Serra Baptista) (43): 16%, sinistrado com 24 anos de idade à data do acidente, considerando que auferia um rendimento líquido anual de € 13.365,80, foi atribuída uma indemnização no montante de € 45.000,00;
- Ac. do STJ de 10-10-2012 (relator: Nuno Cameira) (44): 17%, sinistrada com 31 anos de idade à data do acidente, considerando que auferia o salário de € 429,70 mensais, considerou-se ajustada a quantia de € 29.988,20;
- Ac. do STJ de 24-05-2012 (relator: Tavares de Paiva) (45): 15%, sinistrado com 42 anos de idade à data do acidente, considerando que auferia o rendimento de € 7.805,00 por ano, considerou-se ajustada a quantia de € 30.000,00.
- Ac. do STJ de 15-03-2012 (relator: Salreta Pereira) (46): 15%, impeditivo do exercício da sua profissão habitual de cortador de carnes verdes, tendo-se constatado a falta de habilitação específica para o exercício de atividades que não exijam esforço físico e sem apuramento em concreto do rendimento da atividade profissional do autor, que se encontrava desempregado à data do acidente, considerou-se equitativo fixar em € 50.000,00 o valor indemnizatório dos danos patrimoniais futuros;
- Ac. do STJ de 31-01-2011 (relator: Nuno Cameira) (47): 15 %, sinistrada com 52 anos à data do acidente, considerando o rendimento à peça de €5,2 por toalha, produzindo 5 toalhas dia, foi atribuída uma indemnização no montante de € 14.000,00;
- Ac. do STJ de 27-10-2009 (relator: Sebastião Póvoas) (48): 8%, sinistrada com 19 anos à data do acidente, sem exercer atividade profissional à data do acidente, foi atribuída uma indemnização no montante de € 10.000,00.

Ponderando então as circunstâncias do caso concreto em apreciação, sem deixar de considerar os padrões de indemnização adotados em decisões jurisprudenciais recentes, entendemos que o juízo prudencial e casuístico efetuado na sentença recorrida mostra-se conforme à equidade, afigurando-se-nos não ser de alterar o valor global de €100.000,00 ali fixado a título de indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da afetação da integridade física e psíquica sofrida pelo autor em consequência do acidente a que aludem os autos, ainda que consubstanciada na indemnização de €75.000,00 por corresponder à responsabilidade fixada para a ré.

Por conseguinte, deve a sentença recorrida ser confirmada nesta parte, improcedendo as correspondentes conclusões do apelante.

Discorda ainda o apelante do montante arbitrado pelo Tribunal a quo a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, sustentando que tais danos deverão ser fixados no montante de €200.000,00.

Relativamente à pretensão indemnizatória formulada pelo autor a título de compensação dos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente em apreciação verifica-se que a sentença recorrida entendeu ajustado fixar uma indemnização no montante de € 55.000,00 já atualizada à data da sentença, atento o tempo decorrido de quatro anos desde a data do embate, a inflação e as variações monetárias. Em consequência, fixou o valor da indemnização devida a este título em € 41.250,00 (quarenta e um mil, duzentos e cinquenta euros) correspondente a 75% do valor arbitrado - já devidamente atualizada à data da sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal, mas contados desde a data da sentença e até integral pagamento, nos termos conjugados da Portaria n.º 291/03, de 8-04, artigos 804.º, 805.º, n.º 3, e 806.º, do CC, e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09-05-2002 - publicado no Diário da República, Série I-A, n.º 146, de 27-06-2002.

A ré/recorrida, por seu turno, considera que o valor atribuído a título de danos de natureza não patrimonial é adequado e equitativo.

No âmbito da responsabilidade por factos ilícitos, o artigo 496.º, n.º 1, do CC prevê que na fixação da indemnização se atenda aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

No caso em apreciação, e tal como resulta dos factos provados, não está em causa que o autor, ora recorrente sofreu efetivamente afetação do seu bem-estar e das suas capacidades físicas, com efeitos relevantes ao nível pessoal, pelo que cumpre concluir pela ressarcibilidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, tal como entendeu a decisão recorrida.

Tal como sublinha o Ac. do STJ de 28-01-2016 (relatora: Maria da Graça Trigo), «[a] compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, nº 1, do CC), não pode - por definição - ser feita através da fórmula da diferença. Deve antes ser decidida pelo tribunal segundo um juízo de equidade (art. 496º, nº 4, primeira parte, do CC), tendo em conta as circunstâncias previstas na parte final do art. 494º, do CC».

Neste domínio, refere ainda o citado Ac. do STJ de 13-07-2017, «no critério a adotar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC.

Para tal efeito, são relevantes, além do mais: a natureza, multiplicidade e diversidade das lesões sofridas; as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado teve de se submeter; os dias de internamento e o período de doença; a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético, se o houver».

Assim, a equidade constitui critério de quantificação do montante a arbitrar a título de indemnização por danos não patrimoniais, devendo atender-se à extensão e gravidade dos danos causados, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso que se justifique atender, tal como decorre do disposto no artigo 496.º, n.º 4 do CC.

Deste modo, impõe-se encontrar a solução mais equilibrada, tendo em conta o que decorre da factualidade provada e atendendo aos padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes, nos termos que decorrem do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do CC, ao prever que, nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

Neste domínio, referem ainda Pires de Lima e Antunes Varela (49), «[o] Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos», cabendo assim ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica. A este propósito, enunciam ainda os autores antes citados algumas situações possivelmente relevantes, como a dor física, a dor psíquica resultante de deformações sofridas, a ofensa à honra ou reputação do indivíduo ou à sua liberdade pessoal, o desgosto pelo atraso na conclusão dum curso ou duma carreira, sublinhando ainda a propósito, que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais, citando para o efeito vários acórdãos do STJ.

Trata-se de indemnização que visa compensar o lesado pela dor ou sofrimento, de ordem física ou psicológica, ou outras consequências de natureza não patrimonial, através do recebimento de uma quantia pecuniária que possa mitigar os efeitos do ato lesivo. Assim, tal como refere o Ac. do STJ de 13-07-2017 (relator: Manuel Tomé Soares Gomes) (50), «ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir para sancionar a conduta do agente».

No caso vertente, verificamos que a sentença recorrida ponderou a este título de forma precisa e pertinente os elementos objetivos constantes dos autos, consubstanciados nos factos que resultam provados e que permitem alicerçar o juízo equitativo subjacente à compensação dos danos não patrimoniais. Assim, e reportando-nos ao decidido na 1.ª instância, que subscrevemos porque relevante para o efeito, foram devidamente ponderadas as circunstâncias do caso concreto, referindo-se a propósito «o facto de o Autor ter sido sujeito a cinco intervenções cirúrgicas, o longo período que teve de suportar até à consolidação das lesões (cerca de três anos e seis meses), as lesões sofridas, as graves sequelas de que ficou a padecer (com caracter permanente, visível e limitativo), o quantum doloris extremamente elevado (de grau 6 numa escala crescente de 1 a 7), o dano estético de grau 5 e a claudicação da marcha de que ficou afectado, a repercussão na actividade sexual e nas actividade desportivas (graduadas no plano 3, também na dita escala crescente de 1 a 7), a idade da vítima e os demais danos sofridos».

Por outro lado, o Tribunal a quo atendeu de forma adequada aos critérios legais antes enunciados, ponderando efetivamente os valores habitualmente atribuídos pela jurisprudência dos tribunais superiores, em especial a do Supremo Tribunal de Justiça, recorrendo ao método comparativo ao nível dos critérios utilizados na determinação da indemnização por danos não patrimoniais em situações próximas da ora em apreço. Para o efeito convocou inúmeras decisões jurisprudenciais, o que fez de forma que se nos afigura exaustiva e exemplar, tornando desnecessário considerar ainda outras decisões pertinentes para o efeito.

Tudo considerado, mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado e tendo em conta as lesões, as dores, as angústias, as ansiedades, os desgostos sofridos, ponderando ainda as sequelas permanentes e graves de que ficou a padecer o autor (com caracter permanente, visível e limitativo), o quantum doloris extremamente elevado (de grau 6 numa escala crescente de 1 a 7), o dano estético de grau 5 e a claudicação da marcha de que ficou afectado, a repercussão na actividade sexual e nas actividade desportivas (graduadas no plano 3, também na dita escala crescente de 1 a 7), a idade da vítima e as demais afeções sofridas, à luz do que decorre dos factos provados, entendemos que o valor fixado na decisão recorrida é adequado e equitativo à reparação dos danos não patrimoniais sofridos.

Por outro lado, o valor fixado revela-se em consonância com os critérios habitualmente adotados em casos análogos pelo que deve manter-se a ponderação efetuada pelo Tribunal a quo, já que se situou na margem de discricionariedade que lhe é consentida (51).

Daí que não mereça censura a decisão recorrida, improcedendo também este fundamento da apelação.

O recorrente sustenta, por último, dever a ré ser condenada a pagar ao autor os juros de mora no dobro da taxa legal prevista aplicável ao caso, sobre os montantes que vierem a ser fixados ao autor na decisão judicial final, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados desde 18-04-2015 (15 dias a contar da data do conhecimento pela empresa de seguros do que entende o recorrente ser o relatório de alta clínica), referenciando para o efeito o artigo 39.º, n.º 2 do DL 291/2007 de 21-08. Alega que na situação vertente a ré em 20-02-2015 comunicou a assunção da responsabilidade (pelo menos em 75%) pelos danos decorrentes do sinistro e em 02-04-2015 sujeitou o autor a avaliação de dano corporal (pontos n.º 10 e 49 dos factos provados). Defende, todavia, que o autor teve alta clínica da ré seguradora em 02-04-2015 aludindo para o efeito ao teor do documento de fls.76 e 76 verso do apenso A), com indicação das lesões sofridas no acidente, da situação previsível à data da alta com eventuais sequelas, do período de défice funcional temporário total, do período de repercussão temporária total na profissão, do quantum doloris (grau 4), da afetação da integridade físico psíquica (10 pontos), dos esforços acrescidos e sem intervenções cirúrgicas (ponto 49 dos factos provados), e decorridos 15 dias após a data da alta clinica atribuída pela ré em 02-04-2015 nunca a ré seguradora apresentou qualquer proposta indemnizatória ao autor (ponto 11 dos factos provados).

Analisando mais de perto os fundamentos enunciados na sentença recorrida para decidir a questão agora novamente suscitada pelo autor em sede de recurso observa-se que o Tribunal a quo fez, em nosso entender, uma correta ponderação da mesma, não deixando de alicerçar o entendimento sufragado nos critérios legais aplicáveis e seguindo a interpretação vertida em diversos arestos dos nossos tribunais superiores.

No caso vertente, está em causa a regularização de sinistro envolvendo danos corporais. O referenciado artigo 39.º, n.º2 do DL 291/2007, de 21-08 (52), sob a epígrafe «[p]roposta razoável para regularização dos sinistros que envolvam danos corporais», remete, por via do n.º 1 do mesmo preceito, para a violação dos deveres fixados na alínea c) do n.º1 e na alínea b), do n.º 2, estes do artigo 37.º do mesmo diploma legal.

O artigo 37.º, n.º 1, al. c), do DL 291/2007, de 21-08, impõe às seguradoras, sempre que lhes seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro e que envolva danos corporais, a obrigação de comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 45 dias, a contar da data do pedido de indemnização, caso tenha entretanto sido emitido o relatório de alta clínica e o dano seja totalmente quantificável, informando daquele facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico, esclarecendo o n.º 2, do mesmo preceito, o seguinte:

«2 - Sempre que, no prazo previsto na alínea c) do número anterior, não seja emitido o relatório de alta clínica ou o dano não seja totalmente quantificável:

a) A assunção da responsabilidade aí prevista assume a forma de «proposta provisória», em que nomeia especificamente os montantes relativos a despesas já havidas e ao prejuízo resultante de períodos de incapacidade temporária já decorridos;
b) se a proposta prevista na alínea anterior tiver sido aceite, a empresa de seguros deve efectuar a assunção da responsabilidade consolidada no prazo de 15 dias a contar da data do conhecimento pela empresa de seguros do relatório de alta clínica, ou da data a partir da qual o dano deva considerar-se como totalmente quantificável, se posterior».

Tal como decorre de forma clara dos enunciados preceitos, o agravamento para que remete o artigo 39.º, n.º 2 do DL 291/2007, de 21-08, com referência à sanção prevista no artigo 38.º, n.º 2 do mesmo diploma, pressupõe a violação dos deveres fixados na alínea c) do n.º 1 e na alínea b), do n.º 2, estes do artigo 37.º do mesmo diploma legal, sendo que, como se viu, a derrogação do primeiro pressupõe a emissão do relatório de alta clínica e que o dano seja totalmente quantificável, enquanto a violação do segundo pressupõe a aceitação pelo lesado da “proposta provisória” apresentada pela seguradora, no caso de o relatório da alta clínica não ter sido apresentado no prazo de 45 dias a que se refere a al. c) do n.º 1 do mesmo preceito ou que o dano não seja totalmente quantificável.

Vem o recorrente defender ter tido alta clínica da ré seguradora em 02-04-2015, remetendo a propósito para o teor do documento de fls.76 e 76 verso do apenso A), sustentando que do mesmo decorre ter havido indicação das lesões sofridas no acidente, da situação previsível à data da alta com eventuais sequelas, do período de défice funcional temporário total, do período de repercussão temporária total na profissão, do quantum doloris (grau 4), da afetação da integridade físico psíquica (10 pontos), dos esforços acrescidos e sem intervenções cirúrgicas.

Sucede que a solução que o recorrente defende neste domínio não resulta consubstanciada na matéria de facto vertida nos autos. Na verdade, percorrendo os factos provados, e designadamente a matéria que consta do ponto I. 49, não se vislumbra que a mesma permita configurar a existência da alegada “alta clínica”. O que tal ponto da matéria de facto permite revelar é apenas que o autor «[e]m 2/04/2015 foi observado, a mando da Ré, no Hospital ..., no Porto, sito na Rua …, no Porto, tendo-lhe sido atribuída incapacidade temporária absoluta pelo período de 120 dias». É esta a matéria essencial que integra o âmbito do facto que se mostra concretizado no aludido ponto da matéria de facto, nada permitindo retirar a conclusão retirada pelo recorrente a propósito da invocada “alta clínica”, ainda que por confronto com o teor do documento para o qual remete o aludido ponto da matéria de facto (documento de fls. 76 e 76 verso do apenso A.), posto que do mesmo também não é possível extrair o juízo conclusivo formulado pelo recorrente, por ausência de qualquer concretização fáctica nesse sentido. De resto, tal como pertinentemente observa a recorrida na resposta apresentada à alegação do recorrente, «[c]omo se extrai da penúltima pág. do doc. 4 junto com a providência cautelar apensa, havia a hipótese a ré acompanhar a evolução clínica do autor, tendo-se referido em "OBS.", o seguinte:

"O sinistrado não tem nova marcação porque veio "apenas p/ consulta de avaliação". Se for para continuar, deve iniciar fisioterapia e voltar dentro de 4 semanas (agendei 07-05-2015 = data fictícia). Fica a aguardar o V/ contacto», mais constando de tal documento, além do mais, a referência: «avaliação inicial».

Acresce que, como se viu, a al. c) do n.º 1 do artigo 37.º do DL 291/2007 prevê diversos requisitos que são cumulativos, ou seja, para além da referenciada “alta clínica”, torna-se necessário que o dano seja totalmente quantificável, sendo ainda indispensável que tal ocorra no prazo de 45 dias a contar da data do pedido de indemnização, o que, manifestamente, também não decorre da matéria de facto provada. Com efeito, decorre efetivamente da matéria de facto vertida no ponto I. 76 que a consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 8 de agosto de 2018, ou seja, muito para além do aludido prazo.

Deste modo, não decorre dos autos que tenha ocorrido a “alta clínica” no decurso do prazo de 45 dias previsto na al. c) do n.º 1 do artigo 37.º do DL 291/2007 nem muito menos que no referido prazo o dano fosse totalmente quantificável, tal como exige o referido preceito, sendo certo ainda que se desconhece a data do pedido de indemnização formulado.

Não se mostrando verificados os pressupostos da aplicação da al. c) do n.º 1 do artigo 37.º do DL 291/2007, resulta evidente que o agravamento para que remete o artigo 39.º, n.º 2 do DL 291/2007, de 21-08, com referência ao previsto no artigo 38.º, n.º 2 do mesmo diploma, apenas pode ser equacionado à luz da derrogação da violação dos deveres fixados na alínea b), do n.º 2, do artigo 37.º do mesmo diploma.

Na verdade, sempre que, no prazo previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 37.º do DL 291/2007, não seja emitido o relatório de alta clínica ou o dano não seja totalmente quantificável, a assunção da responsabilidade aí prevista assume a forma de «proposta provisória», em que nomeia especificamente os montantes relativos a despesas já havidas e ao prejuízo resultante de períodos de incapacidade temporária já decorridos (artigo 37.º, n.º 2, al. a) do DL 291/2007), sendo que a derrogação dos deveres fixados na al. b), do n.º 2 do referido artigo 37.º sempre pressupõe a aceitação pelo lesado da “proposta provisória” apresentada pela seguradora. Porém, tal como resulta dos autos, a ré, através do seu gestor de processo de nome A. C., expressamente assumiu e reconheceu por escrito perante o autor, a responsabilidade e culpa da condutora do veículo FZ na produção do embate na proporção de 75% (setenta e cinco por cento) - ponto I.10 - o que, conforme resulta do confronto com o teor do documento para o qual remete o aludido ponto da matéria de facto (documento de fls. 50) sucedeu a 20-02-2015, resultando por outro lado do ponto I. 103 que o «[o] Autor não aceitou a regularização com repartição de responsabilidades, imputando-lhe 25% de culpa, nem facultou à Ré a documentação necessária para que esta avançasse com o pagamento de 75% da indemnização», resultando desta forma evidente que não houve aceitação pelo autor da proposta de assunção parcial de responsabilidades apresentada inicialmente pela ré.

Nestes termos, só nos resta sufragar o entendimento adotado na decisão recorrida, quando refere: «(…) nas missivas juntas fls. 50 e 51 dos autos a Ré informou detalhadamente o Autor sobre os motivos da assunção de responsabilidades em 75% – sendo que tal posição acabou por ser acolhida judicialmente - pelo que não pode a Ré ser condenada em qualquer acréscimo, ademais quando, ao menos no que tange aos danos corporais, não existia ainda consolidação definitiva, os mesmos não eram quantificáveis em termos definitivos (nem o foram até à data da propositura da acção) e o Autor não forneceu à Ré a documentação necessária para a respectiva regularização (cfr. ponto I.103 dos factos provados).

O mesmo se diga relativamente aos danos materiais e aqui com ainda maior propriedade, porquanto a proposta de indemnização concretamente apresentada não diverge da que foi judicialmente reconhecida nesta decisão judicial e não pode ter-se como insuficiente e muito menos como “manifestamente insuficiente” a reclamar a reclamada punição com indemnização moratória acrescida.

Note-se, aliás, que neste particular a mora é exclusivamente do Autor posto que não aceitou a indemnização proposta e que, a final, é a realmente devida».

Por conseguinte, resulta evidente que não se verificam os pressupostos para o agravamento juros moratórios previsto no artigo 38.º, n.º 2 do DL 291/2007, de 21-08, para que remete o artigo 39.º, n.º 2 do mesmo diploma, tanto mais que, como prevê o n.º 1 do citado artigo 39.º, a posição prevista na alínea c) do n.º 1 ou na alínea b) do n.º 2 do artigo 37.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, o que no caso não se verificou.

Pelo exposto, improcedem as conclusões da apelação relativas à questão em análise, sendo devidos juros moratórios, à singela taxa legal, sobre a indemnização devida e fixada, nos exatos termos que constam da sentença recorrida.

Como tal, resta confirmar nesta parte a sentença recorrida.

Síntese conclusiva:

I - Demonstrando a ré que o valor venal ou valor de venda no mercado do veículo sinistrado, imediatamente antes do acidente, era idêntico ao respetivo valor de substituição, sendo possível ao autor adquirir no mercado nacional um veículo com características semelhantes às daquele que até à data do acidente utilizava diariamente como seu único meio de transporte, comprovando ainda que existe uma diferença significativa entre os valores das reparações orçamentadas (adicionados ao do «salvado») e o valor de substituição do veículo, ultrapassando aqueles, em muito, 120% deste valor, deve considerar-se excessivamente onerosa para a ré a obrigação de suportar o custo inerente à reparação do veículo, exigida pelo lesado, por se revelar economicamente inviável e manifestamente desproporcionada ao ressarcimento do dano patrimonial em causa, devendo a obrigação ser cumprida em dinheiro tendo por base o valor apurado como sendo o do custo de aquisição no mercado de um veículo com as mesmas características, que cumpra as mesmas funções que estavam destinadas ao veículo sinistrado, e não através do valor de reparação do veículo;
II - Se é certo que, na generalidade dos casos, a privação do uso impede o proprietário de dispor da coisa e de a usar como entender, poderão ocorrer situações em que o proprietário não tenha interesse em usá-la, não pretendendo dela retirar qualquer utilidade, caso em que não poderá considerar-se verificada qualquer alteração da respetiva situação decorrente da privação do uso;
III - Este dano é indemnizável mesmo em situação em que se verifica a perda total do veículo sinistrado quando se prova que o veículo não mais voltou a poder circular devido ao acidente, impedindo uma utilização diária pelo autor, sendo esse o seu único meio de transporte, pelo que, desde a data do acidente vem recorrendo a outros meios de transportes, nomeadamente públicos e emprestados, com os inerentes incómodos;
IV - Porém, na situação indicada, a quantia diária fixada a título compensatório pela privação do uso do veículo está temporalmente limitada pela data em que a ré disponibilizou ao autor a indemnização devida pela perda total do veículo, sempre que se revele adequada a qualificação como perda total e ainda que a quantia disponibilizada corresponde efetivamente ao montante indemnizatório devido, não existindo fundamento para a recusa do respetivo recebimento;
V - A valoração do dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade ou défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer assenta num critério de equidade, conforme decorre do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC devendo o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados dada a impossibilidade de se averiguar o valor exato dos danos;
VI - A equidade constitui critério de quantificação do montante a arbitrar a título de indemnização por danos não patrimoniais, devendo atender-se o que decorre da factualidade provada quanto à extensão e gravidade dos danos causados, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso que se justifique atender para encontrar a solução mais equilibrada, ponderando ainda os padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito;
VII - Revelando-se a indemnização por danos não patrimoniais conforme à equidade e não evidenciando estar em dissonância com os critérios jurisprudenciais adotados em casos comparáveis deve manter-se a indemnização fixada pela 1.ª instância uma vez que se situou dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida.
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação apresentada e, em consequência:

a) alterar parcialmente a decisão recorrida, no que concerne ao montante indemnizatório referente ao dano patrimonial sofrido pelo autor pela privação do uso de veículo, condenando-se a ré a pagar a este título ao autor o valor de € 393,75 em vez da quantia de €157,50 atribuída na sentença recorrida;
b) confirmar, no mais, a sentença recorrida.
Custas na proporção do decaimento.
Guimarães, 27 de fevereiro de 2020
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)




1. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 224.
2. Cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 312.
3. Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2013, 2.ª edição, p. 29-30.
4. Cfr., Ana Prata, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 627-628
5. Cfr., Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 591
6. Cfr., Mário Júlio de Almeida Costa, ob. cit., p. 605
7. Cfr., neste sentido, por todos, o Ac. TRP de 11-06-2012 (relator: Caimoto Jácome), p. 2395/06.3TJVNF.P1 disponível em www.dgsi.pt
8. Cfr. o Ac. STJ de 14-07-2009 (relator: Cardoso de Albuquerque) Revista n.º 1842/04.3TBSTS.S1 - 6.ª Secção - sumariado em www.stj.pt.
9. Proferido na Revista n.º 2336/04.2TVLSB.L1.S1 - 2.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt
10. Cfr. o Ac. STJ de 24-11-2009 (relator: Silva Salazar) Revista n.º 1409/06.1TBPDL.S1 - 6.ª Secção - sumariado em www.stj.pt.
11. Preceito que prevê que: «1. Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses: a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total; b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança; c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100 % ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos. 2 - O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente. 3 - O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização».
12. Cfr. Ac. TRG de 26-10-2017 (relator: José Cravo), p. 1199/16.0T8BCL.G1; acessível em www.dgsi.pt; em idêntico sentido, cfr., ainda o Ac. TRP de 19-02-2015 (relator: Pedro Martins) p. 1306/13.4TBMCN.P1, também acessível em www.dgsi.pt no qual se salienta, além do mais, o seguinte: «[q]uanto à forma de concretizar o que se deverá considerar a excessiva onerosidade nas regras gerais da obrigação de indemnização, o regime actual das propostas razoáveis (…) pode servir de ponto de comparação pois que não se vê que, da forma como o faz actualmente, continue a merecer as críticas antigas (…). Dito de outro modo, a previsão da possibilidade de o lesado exigir o custo das reparações caso estas não ultrapassem em mais de 20% o valor de substituição do veículo já assegura suficientemente, em princípio (e com isto está-se a admitir que as circunstâncias do caso concreto aconselhem uma percentagem um pouco superior), o interesse na integridade do seu património (nesta última parte parafraseou-se a anotação de Júlio Gomes, quando se refere à jurisprudência alemã e os 30% aplicados por ela)».
13. Cfr., Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora Limitada, 1987, p. 582
14. P. 741/03.0TBMMN.E1.S1 – 1.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt
15. Neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. TRG de 26-10-2017 (relator: José Cravo) p. 1199/16.0T8BCL.G1; de 25-05-2017 (relatora: Maria Amália Santos) p. 1428/16.0T8VRL.G1; Ac. TRC de 9-01-2012 (relator: Carlos Querido) p. 153/11.2TJCBR.C1; todos acessíveis em www.dgsi.pt.
16. P. 06B4219, acessível em www.dgsi.pt
17. P. 67/15.7T8TVD.L1-.2, acessível em www.dgsi.pt
18. No mesmo sentido, cfr., ainda o Ac. TRP de 19-02-2015 (relator: Pedro Martins), antes referenciado
19. Preceito que prevê: «1 - Verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, nos termos previstos nos artigos anteriores. 2 - No caso de perda total do veículo imobilizado, nos termos e condições do artigo anterior, a obrigação mencionada no número anterior cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização. 3 - A empresa de seguros responsável comunica ao lesado a identificação do local onde o veículo de substituição deve ser levantado e a descrição das condições da sua utilização. 4 - O veículo de substituição deve estar coberto por um seguro de cobertura igual ao seguro existente para o veículo imobilizado, cujo custo fica a cargo da empresa de seguros responsável. 5 - O disposto neste artigo não prejudica o direito de o lesado ser indemnizado, nos termos gerais, no excesso de despesas em que incorreu com transporte em consequência da imobilização do veículo durante o período em que não dispôs do veículo de substituição. 6 - Sempre que a reparação seja efectuada em oficina indicada pelo lesado, a empresa de seguros disponibiliza o veículo de substituição pelo período estritamente necessário à reparação, tal como indicado no relatório da peritagem.».
20. Cfr., Laurinda Guerreiro Gemas, A Indemnização dos Danos Causados por Acidentes de Viação – Algumas Questões Controversas, revista Julgar n.º 8 - Maio/Agosto 2009, Edição da ASJP, Coimbra Editora, pg. 47
21. Ob. cit., pg. 49
22. Neste sentido, cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 12-01-2012 (relator: Fernando Bento), p. 1875/06.5TBVNO.C1.S1; de 28-10-2010 (relator: Lopes do Rego) – p. 272/06.7TBMTR.P1.S1 - 7.ª Secção; ambos acessíveis em www.dgsi.pt
23. Neste sentido, cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 12-01-2010 (relator: Paulo Sá), p. 314/06.6TBCSC.S1 - 1.ª Secção; de 08-10-2009 (relator: Oliveira Rocha), p. n.º 1362/06.1TBVCD.S1 - 2.ª Secção; ambos acessíveis em www.dgsi.pt
24. Neste sentido, cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 14-12-2016 (relatora: Fernanda Isabel Pereira), p. 2604/13.2TBBCL.G1.S1; de 10-01-2012 (relator: Nuno Cameira) p. 189/04.0TBMAI.P1.S1 - 6.ª Secção; ambos acessíveis em www.dgsi.pt
25. Proferido na Revista n.º 6472/06.2TBSTB.E1.S1 - 1.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt
26. Proferido na Revista n.º 3036/04.9TBVLG.P1.S1disponível em www.dgsi.pt
27. Proferido na Revista n.º 188/14.3T8PBL.C1.S1 - 2.ª Secção - disponível www.stj.pt
28. Proferido na Revista n.º 1253/07.9TBVFR.P1.S1 - 6.ª Secção - com o sumário disponível www.stj.pt
29. Proferido na Revista n.º 789/04.8TBCTX.S1 -1.ª Secção - com o sumário disponível www.stj.pt
30. Proferido na Revista n.º 1253/07.9TBVFR.P1.S1 - 6.ª Secção - com o sumário disponível www.stj.pt
31. Proferido na Revista n.º 1253/07.9TBVFR.P1.S1 - 6.ª Secção - com o sumário disponível www.stj.pt
32. cfr. Ac. do STJ de 4-06-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), p. 1166/10.7TBVCD.P1.S1 - 7.ª Secção; acessível em www.dgsi.pt
33. Cfr. Ac. TRG de 2-11-2017 (relator: António Barroca Penha) p. 1315/14.6TJVNF.G1; acessível em www.dgsi.pt.
34. Diploma que aprova a nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, revogando o Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro, e aprova a Tabela Indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil
35. Proferido na Revista n.º 3214/11.4TBVIS.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt
36. Proferido na revista n.º 3492/07.3TBVFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt
37. Proferido na Revista n.º 07A3836, disponível em www.dgsi.pt
38. Revista n.º 203/14.0T2AVR.P1.S1 - disponível em www.dgsi.pt
39. Revista n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2.- com o sumário disponível www.stj.pt
40. Revista n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1 - disponível em www.dgsi.pt
41. Revista n.º 2044/06.0TJVNF.P1.S1 - disponível em www.dgsi.pt
42. Revista n.º 284/04.5TBCHV.P1.S1.- com o sumário disponível www.stj.pt
43. Revista n.º 3714/03.0TBVLG.P1.S1 - com o sumário disponível www.stj.pt
44. Revista n.º 338/08.9TCGMR.G1.S1 - com o sumário disponível www.stj.pt
45. Revista n.º 73/07.6TBCHV.P1.S1 - com o sumário disponível www.stj.pt
46. Revista n.º 2258/04.7TBVLG.P1.S1 - com o sumário disponível www.stj.pt
47. Revista n.º 3177/07.0TBBRG.G1.S1 - 6.ª Secção - com o sumário disponível www.stj.pt
48. Revista n.º 560/09.0YFLSB, disponível em www.dgsi.pt
49. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pg. 499.
50. Proferido na Revista n.º 3214/11.4TBVIS.C1.S1 - 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
51. Neste sentido, cfr. o Ac. TRG de 15-02-2018 (relatora: Eugénia Cunha), p. 3037/15.1T8VCT.G1, disponível em www.dgsi.pt, referindo, a propósito, o seguinte: «[f]ixada a indemnização com base na equidade, o Tribunal superior só deve intervir quando os montantes fixados se revelem, de modo patente, em colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm a ser adotados, para assegurar a igualdade. Não ocorrendo oposição, a ponderação casuística das circunstâncias do caso deve ser mantida, já que o julgador se situou na margem de discricionariedade que lhe é consentida».
52. Preceito que prevê: « Proposta razoável para regularização dos sinistros que envolvam danos corporais 1 - A posição prevista na alínea c) do n.º 1 ou na alínea b) do n.º 2 do artigo 37.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte. 2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, é aplicável o previsto nos n.os 2 e 3 do artigo anterior. 3 - Todavia, quando a proposta da empresa de seguros tiver sido efectuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, os juros nos termos do número anterior são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos. 4 - Relativamente aos prejuízos futuros, a proposta prevista no n.º 1 pode ser limitada ao prejuízo mais provável para os três meses seguintes à data de apresentação dessa proposta, excepto se já for conhecido o quadro médico e clínico do lesado, e sem prejuízo da sua futura adaptação razoável. 5 - Para os efeitos previstos no n.º 3, na ausência, na Tabela nele mencionada, dos critérios e valores de determinação do montante da indemnização correspectiva a cada lesão nela prevista, são aplicáveis os critérios e valores orientadores constantes de portaria aprovada pelos Ministros das Finanças e da Justiça, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal. 6 - É aplicável ao presente artigo o disposto no n.º 4 do artigo anterior.».