Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1651/11.3TBBCL.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO
MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/29/2014
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - No contrato de mediação imobiliária o mediador adquire direito à comissão quando a sua actividade contribuiu para a celebração do negócio, determinando a aproximação do comitente com terceiros.
II – O mediador mantém o direito à remuneração, ainda que a venda se tenha efectuado por valor inferior ao que os réus pretendiam no contrato de mediação, pois o negócio visado era a venda das fracções autónomas, sendo o preço apenas um dos elementos do negócio, na inteira disponibilidade do vendedor.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO
B…, Lda. intentou contra J… e M… a presente acção declarativa com processo comum sob a forma sumária, pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de €6.150,00, acrescida de juros de mora legais supletivos, aplicáveis às transacções comerciais, já vencidos desde 25/03/2010 [dia seguinte ao da celebração da escritura pública de compra e venda], e vincendos até efectivo e integral pagamento, sendo os vencidos no montante de €556,70, o que, somado, perfaz a quantia total de €6.706,70.
Alega, em síntese, que a referida quantia lhe é devida a título de remuneração, pelo serviço que prestou aos réus no âmbito de um contrato de mediação imobiliária, que com eles celebrou.
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Os réus contestaram, aceitando terem celebrado com a autora o referido contrato, mas que o mesmo já não vigorava quando venderam o imóvel, sendo que o comprador, apesar de ter tido conhecimento de que o imóvel estava à venda por intermédio da autora, não se mostrou interessado no negócio, facto que a autora lhes comunicou. Só posteriormente, após a denúncia do contrato de mediação, os réus, por mero acaso, encontraram o futuro comprador e renegociaram os termos do negócio, que assim não se celebrou devido à mediação da autora, não lhe sendo devida qualquer remuneração.
Concluem pela improcedência do pedido.
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Findos os articulados e saneado o processo, cujo valor foi fixado em €6.458,02, realizou-se audiência de discussão e julgamento.
Proferiu-se sentença em que se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar os réus no pagamento à autora do montante de 3.941,17€, acrescido de IVA de 20% e de juros vencidos e vincendos, desde a data de celebração da escritura de venda (25.03.2010) até integral pagamento, sendo aplicável a taxa legal em vigor quanto aos juros comerciais.
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Inconformados os réus interpuseram o presente recurso, que instruíram com as pertinentes alegações em que formulam as seguintes conclusões:
1º - O tribunal “a quo” ao decidir que os aqui recorrentes são devedores de comissão imobiliária à recorrida, fez, salvo devido respeito por opinião em contrário, errada interpretação do DL 211/2004 de 20/08, e dos princípios a ele adjacentes, e como tal uma errada aplicação do direito aos factos dados como provados.
2º - Na verdade, recorrentes e recorrida celebraram um contrato de mediação imobiliária, em regime de não exclusividade, como resulta do ponto 4, 5, 6 e 20 dos factos provados.
3º - A recorrida não apresentou aos recorrentes qualquer interessado na compra do imóvel pelo valor de 85.000,00€ (ponto 25 do factos provados).
4º - Nem apareceu posteriormente qualquer outro interessado na compra do referido imóvel (ponto 27 dos factos provados).
5º - Tendo os recorrentes contactado a recorrida a fim de saber o resultado da visita tendo sido informados que não havia interessado no prédio (ponto 28 dos factos provados).
6º - A recorrida só devia ter direito à remuneração proveniente de mediação mobiliaria quando a sua actividade foi determinante para a conclusão do negócio, não bastam esforços nesse sentido, o que não aconteceu.
7º - O nº 1 do artigo 18 do DL 211/2004 de 20/08 diz-nos que: “A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.”.
8º - Ou seja, a remuneração devida por mediação só existe quando o negócio se conclui perfeitamente por exercício da mediação, o que não aconteceu no caso vertente, pois a recorrida apenas levou os compradores a visitar o imóvel objecto do contrato de mediação.
9º - No decurso dos meses que se seguiram a recorrida não angariou qualquer cliente para o imóvel, tendo sido os recorrentes que, por um mero acaso, tiveram contacto directo com D… e I…, negociaram o preço de venda para 67.000,00€ e efectuaram a venda nesses termos (ponto 25, 27 e 29 dos factos provados).
10º - Não tendo a recorrida qualquer papel relevante, pois o negócio ter-se-ia celebrado mesmo que a aqui recorrida não tivesse qualquer tipo de intervenção.
11º - Dos presentes autos resulta claro que estamos perante dois momentos distintos. Sendo o primeiro o momento o da apresentação do imóvel pela recorrida aos possíveis compradores. Momento este que terminou aquando da não aceitação destes do negócio proposto.
12º - A recorrida, neste primeiro momento, não conseguiu a efectivação do negócio, pelo que, no entendimento dos recorrentes, não é devida a remuneração à aqui recorrida.
13º - O segundo momento traduz-se no encontro entre os aqui recorrentes e compradores interessados, momento esse que surge de uma casualidade e que culmina na efectivação do negócio, momento esse que não teve a participação da aqui recorrida (Ponto 29 dos facto provados).
14º - Pelo que não há nexo de causalidade entre o primeiro e o segundo momento e, consequentemente, entre a mediação realizada e a conclusão do negócio – veja-se inclusive na nossa jurisprudência o Acórdão da Relação do Porto (1646/11.7TBOAZ.P1), datado de 21-01-2013, in www.dgsi.pt.
15º - A actividade da recorrida foi importante ao dar a conhecer o imóvel, mas cessou aquando da não concretização do negócio, sendo o contrato de mediação um contrato de prestação de serviços não apenas de meios, mas também de resultado: tem que haver uma relação causal entre a actuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato.
16º - Pelo que, em face do exposto, não é devida à recorrida pelos recorrentes qualquer retribuição pelo contrato de mediação imobiliária celebrado.
17º - A douta sentença recorrida aplicou erradamente o direito à matéria de facto provada, violando o disposto no artigo 2º e 18 do Decreto Lei 211/2004, e o nº nº 4 e 5 do artigo 607 do CPC, 18º - Devendo ser alterada nos termos supra preconizados, absolvendo os réus do pedido.
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Os réus contra-alegaram e interpuseram recurso subordinado em que formulam as seguintes conclusões:
1. O presente recurso é subordinado ao apresentado pelos réus, e, tal como este visa apenas a reapreciação da matéria de direito.
2. No quadro da matéria de direito, a recorrente não se conforma somente com o facto de a remuneração devida pelos réus ter sido reduzida a um montante inferior ao acordado, sem que, para tanto exista ou tenha sido invocada norma legal ou cláusula contratual habilitante.
3. A recorrente celebrou com os réus um acordo através do qual se obrigou a promover a venda de um apartamento e uma garagem de que aqueles eram donos, mediante o pagamento de uma remuneração de € 5.000,00 acrescida de IVA, devida após a concretização do negócio visado pelo exercício da mediação.
4. Da análise do conteúdo do acordo verifica-se que foi celebrado um contrato de mediação imobiliária, que é um negócio jurídico nominado e típico regulado actualmente pela Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, que, na parte pertinente nos autos, entrou em vigor no 1.º dia útil do mês seguinte ao da sua publicação (artigo 45.º, n.º 1).
5. Do cotejo com o artigo 12.º do Código Civil, conclui-se que é aplicável ao caso dos autos o revogado Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de Agosto.
6. A douta sentença a quo aplicou o direito sem censura. A recorrente apenas não se conforma com a determinação da remuneração que lhe é devida.
7. Nos termos da cláusula 5.ª, n.º 2, do contrato de mediação imobiliária, e artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de Agosto, é devida à recorrente a remuneração de € 5.000,00 acrescida de IVA.
8. A douta sentença a quo decidiu reduzir a remuneração devida à recorrente na razão proporcional entre o preço pelo qual foi vendido e o preço inicialmente pretendido pelos recorridos.
9. A recorrente não se conforma com tal entendimento. Por um lado, não existe norma jurídica que o permita; por outro lado, a remuneração da mediadora está contratualmente estabelecida de forma fixa, e não depende de alterações do preço.
10. A equidade que preconizasse tal redução é fonte mediata do direito e a situação dos autos não se subsume a qualquer das elencadas no artigo 4.º do Código Civil.
11. Porém, mesmo que assim não fosse, o comportamento negocial dos réus demonstrou falta de boa-fé; de diligência e de intencionalidade no incumprimento das obrigações a que estavam adstritos, pelo que não é admissível qualquer redução da quantia devida pela remuneração dos serviços da recorrente baseada numa aplicação do artigo 494.º do CC, no quadro da responsabilidade contratual.
12. A remuneração da mediadora foi estipulada de forma fixa: não estava sujeita às variações do preço de venda e não consistia num indexante face ao preço de venda (por exemplo, uma percentagem sobre o preço de venda). A remuneração era de € 5.000,00 acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
13. Assim, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de Agosto, e da cláusula 5.ª, n.º 2, do contrato de mediação imobiliária, a remuneração da mediadora é de € 5.000,00 acrescida de IVA, norma jurídica e cláusula contratual aquelas que foram indevidamente aplicadas pela douta sentença recorrida.
Nestes termos, a douta sentença recorrida deve ser parcialmente revogada e substituída por outra que condene os recorridos ao pagamento à recorrente da remuneração de € 5.000,00 acrescida de IVA à taxa legal em vigor, e dos juros moratórios contados desde a celebração do contrato de compra e venda dos imóveis.
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Admitidos os recursos, os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, onde foram recebidos sob a forma, modo de subida e efeito atribuídos pela 1ª instância.
Pelo relator, foi, então, exarada a seguinte decisão singular:
- « São termos em que se:
- Julga a apelação dos réus procedente, revoga-se a decisão recorrida, e julga-se a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido;
- Julga a apelação da autora improcedente.
Custas pela autora.»
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Notificada, a recorrida B…, Lda. veio requerer que o recurso seja decidido em conferência.
O processo foi aos vistos.
Por a maioria dos juízes que integram este colectivo não concordar com a decisão do relator, nos termos do artº 663º nº 3 do NCPC, o acórdão é lavrado pela 1ª adjunta.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (artº 608º nº2 do NCPC).
As questões a apreciar são as constantes das conclusões que acima reproduzimos.
III – FUNDAMENTOS DE FACTO
Factualidade assente:
1. A A. é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto social é a mediação imobiliária.
2. A A. é titular da licença n.º 4734 emitida pelo então IMOPPI, actualmente designado por INCI, IP, por força do DL 144/07, de 27.04, legalmente necessária para o exercício da actividade de imediação imobiliária.
3. Os RR. são casados entre si no regime de comunhão de adquiridos.
4. A. e RR. celebraram um acordo designado de “contrato de mediação imobiliária” (cfr. Documento de fls. 24 e ss. que aqui se dá por integralmente reproduzido), no dia 03.11.2009, válido por nove meses, renovando-se automaticamente por sucessivos e iguais períodos de tempo (cfr. Cláusula 8.º do acordo).
5. Através deste acordo a A. obrigou-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra dos prédios de que os RR. eram donos e legítimos possuidores (cfr. Cláusulas 1.ª e 2.ª). 6. A fracção autónoma designada pela letra “O” correspondente ao prédio urbano destinado a habitação, tipo T3, sito na praceta…, no lugar de Penelas, freguesia de Manhete, da cidade de Barcelos e a fracção autónoma designada pelas letras “AK” correspondente à garagem sita na referida praceta…. (cfr. Cláusula 1.ª).
7. Os prédios estão descritos na Conservatória do Registo Predial de Barcelos, respectivamente sob os n.ºs … e … da referida freguesia de Manhete, concelho de Barcelos.
8. As fracções autónomas correspondiam ao apartamento (fracção O) e à respectiva garagem (fracção AK).
9. Para cumprimento da obrigação de diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra dos prédios dos RR.. a A. obrigou-se a desenvolver acções de promoção e recolha de informações dos prédios referidos e do negócio imobiliário que os RR. pretendiam realizar.
10. O negócio imobiliário que os RR. pretendiam realizar era a venda dos prédios aqui em apreço pelo preço de 85.000,00€ - (cfr. Cláusula 2.ª, n.º 1 do acordo).
11. Como contraprestação os RR. obrigaram-se a pagar à A. a título de remuneração pelos respectivos serviços, a quantia de 5.000,00€ acrescida de IVA à taxa legal.
12. A A. colocou uma placa no apartamento dos RR. com o seguinte texto: “Vende-se”, a identificação da firma da A., n.º de telefone, sítio da internet e n.º de licença respectiva.
13. D… e I… tomaram conhecimento que o imóvel em causa se encontrava para venda através das placas colocadas na parte exterior do mesmo, tendo contactado a A. e agendado visita ao apartamento em causa com funcionário da mesma e tendo tomado conhecimento dos proprietários do imóvel e das condições do negócio, designadamente o preço através da A.
14. Em 19.11.2009 a A. enviou uma carta ao R. marido na qual conta designadamente o seguinte: Somos pela presente informar que no sentido de conseguir interessado na compra do V. imóvel objecto de mediação imobiliária com a n/agência, o mesmo foi apresentado com todas as informações disponíveis ao(s) n/cliente(s) que manifestaram interesse na compra, pelo que aguardamos decisão: Cliente comprador interessado: D…, I…; Data de apresentação: 14.11.09. – cfr. Doc. De fls. 58 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.)
15. No dia 03.03.2010 o R marido enviou uma carta à A. na qual consta designadamente o seguinte: Manhete, 2010-03-03 Assunto: Rescisão do Contrato de mediação imobiliária. Exms. Srs., Em virtude de já er conseguido comprador para a habitação objecto do contrato assinado com V.Exas. em 03.11.2009, venho por este meio informar da rescisão do contrato identificado com efeitos imediatos. Gratos pela atenção dispensada ao assunto.” – cfr. Doc. de fls 59 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
16. No dia 24.03.2010 nos Serviços da Casa Pronta da Conservatória do registo Predial de Barcelos perante a Conservadora Auxiliar Maria Vitória Gonçalves Andrade e Silva, os RR. venderam os prédios antes identificados a D… e mulher, I…, que os compraram àqueles, pelos preços declarados de 65.000,00€ e de 2.000,00€, respeitantes respectivamente às fracções “O” e “AK” –cfr. Doc. de fls. 31 e ss. dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
17. Os compradores inscreveram a sua aquisição na CRP de Barcelos sob a apresentação 1040, de 24.03.2010 – cfr. Documento de fls. 26 a 29 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
18. Em 04.08.2010 a A. enviou uma carta aos RR. solicitando o pagamento da comissão devida pelo serviço de mediação imobiliária prestado – cfr. fls. 60 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
19. No contrato de compra e venda celebrado os RR. e os compradores declararam que “As partes declaram que o negócio não foi objecto de intervenção de mediação imobiliária”.
20. O acordo celebrado entre A e RR. foi celebrado em regime de não exclusividade.
21. O imóvel em causa tinha no seu exterior duas placas, uma com o contacto telefónico dos RR. e outra da A. nos moldes supra referidos.
22. Os compradores supra mencionados ligaram primeiramente para o telefone dos RR., e não tendo estes atendido ligaram para a A. com a qual estabeleceram contacto nos moldes supra descritos.
23. Nos termos da cláusula 2.º/1 do acordo a A. obrigou-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do imóvel em causa pelo valor de 85.000,00€, desenvolvendo para o efeito acções, promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis.
24. Resulta da cláusula n.º2 /2 do referido acordo que “Qualquer alteração ao preço fixado no n.º anterior deverá ser comunicado de imediato e ser escrito à mediadora.”
25. A A. não apresentou aos RR. qualquer interessado na compra do imóvel pelo valor de 85.000,00€.
26. D… e I… visitaram o imóvel em causa acompanhados de funcionário da A. no dia 14.11.2009, estando a R. M… presente.
27. Não apareceu posteriormente qualquer outro interessado na compra do referido imóvel.
28. Os RR. contactaram a A. a fim de saber do resultado da visita tendo sido informados de que não havia interessados na compra do prédio.
29. No início do mês de Fevereiro de 2010 os RR. tiveram contacto directamente com D… e I…, tendo negociado um preço de venda do imóvel em causa de 67.000,00€, efectuando a venda nesses termos.
IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
Na sentença recorrida considerou-se que a remuneração era devida à autora porque “o negócio visado pelo exercício da mediação veio a ser concluído e a actividade mediadora foi uma das causas do resultado produzido, integrando-se assim na cadeia dos factos que deram origem ao negócio”.
Os recorrentes sustentam que não há nexo de causalidade entre a mediação realizada e a conclusão do negócio. Ou seja, o negócio de que incumbiram a recorrida era o da venda do imóvel, objecto do contrato de mediação, pelo preço de €85.000,00 (cláusula 2.ª, n.º 1 do acordo) e que tal negócio não veio a concretizar-se na vigência do contrato de mediação imobiliária, nem posteriormente. Aquele que veio a realizar-se, por valor inferior, é fruto de uma negociação entre os réus e os interessados, posterior à denúncia do contrato de mediação e sem qualquer interferência da autora, que assim não tem direito a qualquer remuneração, uma vez que o negócio não se concluiu por intermediação sua.
Estabelece o artº 18º do Decreto-Lei 211/2004, que a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
O negócio visado no caso em apreço era a venda das fracções autónomas (apartamento e garagem). O preço é um dos elementos do negócio, mas não é o negócio em si mesmo.
O STJ vem decidindo de forma praticamente uniforme, que o mediador só adquire direito à comissão quando a sua actividade tenha contribuído para a celebração do negócio, determinando a aproximação do comitente com terceiros (cfr., entre outros, o Ac. do S.T.J. de 10/10/2002, processo 02B2469, relatado pelo Cons. Moitinho de Almeida).
O caso em apreço é muito semelhante ao analisado no Ac. do STJ de 15-11-2007, proc. nº 07B3569 (“Reporta-se, assim, o nosso caso, essencialmente, à questão de saber se a actuação da autora foi causal relativamente ao negócio que veio a ser concluído. Ela angariou o cliente, este referiu-lhe já não estar interessado na compra, o réu marido denunciou o contrato e, depois, o negócio veio a ser concretizado com aquele cliente angariado, que, apesar do que declarara à autora, continuou interessado em adquirir a moradia”).
Em face dos factos provados sob os nºs 12 a 16 concluímos, tal como no aresto citado, que há nexo causal entre a actividade desenvolvida pela autora no âmbito do contrato celebrado com os réus, durante a sua vigência e o negócio que estes posteriormente celebraram.
A remuneração é devida porque o contrato previsto foi realizado (nº. 1, do artº. 18º., do Decreto-Lei nº. 211/2004).
O resultado a que a autora se obrigou (conseguir interessado na realização do negócio) foi atingido.
Os compradores D… e mulher, I… podem qualificar-se de «interessado/s», pois são o/s “terceiro/s angariado/s pela empresa de mediação, que vieram a concretizar o negócio visado pelo contrato de mediação”, nos termos da definição conceptual constante da alínea a) do nº. 4 do artº. 2º., do supra referido Dec-Lei 211/2004.
Não é exigível que os interessados formalizem proposta por escrito à mediadora. A remuneração é devida desde que a actividade desenvolvida pela mediadora, que publicitou a intenção de venda, as características do imóvel, que pôs em contacto os eventuais interessados com o imóvel, mostrando-o, tenha contribuído para o negócio que os réus celebraram.
O facto do negócio se ter celebrado por valor inferior ao que os réus pretendiam no contrato de mediação, também não obsta ao direito à remuneração – ver Acórdão do TRE de 17-03-2010 – proc nº 898/07.1TBABF.E1 (“Afinal isso é uma questão que está na livre disponibilidade do vendedor de aceitar ou não a redução de preço proposta pelo comprador, que se reporta ao contrato de compra e venda e não ao da mediação”).
Pelo exposto improcedem in totum as conclusões dos apelantes.
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A autora recorre subordinadamente por não se conformar com a sentença na parte em que reduziu a remuneração devida à recorrente na razão da proporção entre o preço da venda e o preço inicialmente pretendido pelos recorridos.
Quanto à remuneração, acordaram as partes, na cláusula 5ª, que “o segundo contratante obriga-se a pagar à mediadora a quantia de 5000 euros acrescida de IVA à taxa de 20%”.
O contrato em questão é um contrato-tipo, com cláusulas pré-elaboradas. Do texto da cláusula 5ª resulta que as partes acordaram uma remuneração fixa e não em função do valor da venda. Com efeito, do texto da mesma constava a opção de fazer variar o valor da remuneração em função do preço da venda (percentagem). Mas mesmo nessa hipótese se previa que a remuneração nunca poderia ser inferior a €5.000.
Assim, interpretado o contrato e a referida cláusula à luz do disposto no artº 236º e 238º do Código Civil, concluímos que a recorrente tem razão, sendo-lhe devida a remuneração acordada.
V - DELIBERAÇÃO
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação dos réus e procedente a apelação subordinada da autora, revogando parcialmente a sentença recorrida e, em consequência, condenando os réus a pagarem à autora a quantia de €6.150, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, como decidido na sentença recorrida, que nesta parte foi objecto do recurso.
Custas em ambas as instâncias pelos réus.
Guimarães. 29-09-2014
Eva Almeida
António Beça Pereira
Henrique Andrade - Vencido. Como primitivo relator, apresentei projeto no sentido da avocação pura e simples da decisão singular