Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4225/13.0EAPRT.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: ILÍCITO DE CONTRAORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
COMPETÊNCIA PARA A INSTRUÇÃO DA ASAE
ARTºS 9º
Nº 2
31º
A)
10
NºS 1 E 2
AL. C) DO DL 306/2007
58º
DO RGCO
374º
Nº 2
DO CPP
18º DA CRP E 4º
AL. F)
DO RCP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Não são todas as diligências de prova que têm o mérito de interromper o prazo de prescrição ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 28º do RGCO, e muito menos diligências perfeitamente irrelevantes, injustificadas e sem qualquer utilidade para o apuramento da responsabilidade contraordenacional do agente.

II) Pertence à ASAE a competência para a instrução do processo e para a aplicação das sanções relativas às contraordenações previstas nas disposições conjugadas dos arts. 9º, n.º 2, e 31º, n.º 1, al. a) (não sujeição da água distribuída a um processo de desinfeção), bem como dos arts. 10º, n.ºs 1 e 2, e 31º, n.º 2, al. c) (não realização do controlo da qualidade da água destinada a consumo humano - incumprimento dos valores paramétricos), todos do DL n.º 306/2007.

III) Pese embora a lei não defina qual o âmbito ou rigor da fundamentação imposta pelo art. 58º do RGCO, tem-se entendido que não se exige aqui uma fundamentação com o rigor e a exigência que o art. 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal impõe para a sentença penal.

IV) Para que se respeite o princípio do contraditório, basta que as provas documentais existam no processo com pleno conhecimento dos sujeitos processuais, que, assim, podem inteirar-se da sua natureza, importância, conteúdo e valor probatório, para que possam requerer o que se lhes afigurar pertinente sobre elas, bem como examiná-las, contraditá-las e realçarem o que, do seu ponto de vista, valem em termos probatórios.

V) O Tribunal Constitucional tem reconhecido ao legislador ordinário uma livre margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar, desde que respeitados os limites fixados pelo regime geral do ilícito contraordenacional e que as sanções aplicadas sejam “efetivas”, “proporcionadas” e “dissuasoras”, de modo a garantir o efeito preventivo daquelas, sob pena de os destinatários das normas não se sentirem compelidos a cumpri-las.

VI) No caso dos autos, tendo em conta a natureza da conduta sancionada (distribuição de água para consumo humano sem a submeter a um processo de desinfeção), pela relevância dos valores que são postos em causa (saúde), não é merecedor de qualquer juízo de censura, com fundamento na violação do princípio da proporcionalidade ínsito no art. 18º da Constituição, a opção legislativa de estabelecer uma coima de € 750 a € 3.740, quando os factos sejam praticados por pessoa singular, e de € 2.500 a € 44.890, quando praticados por pessoa coletiva, por tais valores não serem manifesta e claramente desadequados, excessivos ou inadmissíveis, face à gravidade do comportamento sancionado.

VII) Apesar de a arguida se enquadrar na categoria de pessoa coletiva privada sem fim lucrativo, não beneficia da isenção de custas prevista na al. f) do n.º 1 do art. 4º do RCP, uma vez que o processo respeita à impugnação judicial da decisão administrativa que a condenou por condutas contraordenacionais que não se inserem na decorrência natural da atuação na prossecução da suas atribuições e/ou interesse, nem numa atuação necessária a essa prossecução.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo de contraordenação com o NUI/CO 004225/13.0EAPRT, foi proferida decisão administrativa pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), com data de 11-12-2017, a condenar a arguida, "F. C. V.”, pessoa coletiva com o NIPC 501…, nas seguintes coimas:

- € 2.600,00, pela prática da contraordenação de não sujeição da água distribuída a um processo de desinfeção, prevista e punida (p. e p.) pelas disposições conjugadas dos artigos 9º, n.º 2, e 31º, n.º 1, al. a), do DL n.º 306/2007, de 27/08;
- € 1.500,00, pela prática da contraordenação de não realização do controlo da qualidade da água destinada a consumo humano (incumprimento dos valores paramétricos), p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 10º, n.ºs 1 e 2, e 31º, n.º 2, al. c), do DL n.º 306/2007, de 27/08;
- € 5.000,00, pela prática da contraordenação de falta de condições técnicas de segurança, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14º, n.º 2, 23º, al. a), e 24º, n.º 1, do DL n.º 141/2009, de 16/06, e 17º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 10/2001, de 07/06;
- E, em cúmulo jurídico, na coima única de € 7.500,00.

2. Não se conformando com essa decisão administrativa, a arguida impugnou-a judicialmente, tendo sido proferida sentença, datada e depositada 23-03-2018, com o seguinte dispositivo (transcrição [1]):

«Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência, decide-se:

a) Absolver a arguida F. C. V. da prática da contraordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14º, nº 2, 23º, alínea a) e 24º, nº 1, do DL 141/2009, de 16/06 e 17º, nº 2, do Decreto Regulamentar 10/2001, de 07/06, por que vinha condenada, revogando a decisão administrativa nessa parte.
b) Manter a decisão administrativa que condenou a arguida F. C. V., pela prática das contraordenações p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 9º, nº 2 e 31º, nº 1, alínea a), do DL 306/2007, de 27/08€ 2.600,00 e artigos 10º, nº 1 e 2 e 31º, nº 2, alínea c), do DL 306/2007, de 27/08, nas coimas de € 2.600,00 e € 1.500,00, respetivamente.
c) Condenar a arguida F. C. V. na coima única de € 3.200,00 (três mil e duzentos euros).
d) Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC - artigo 8º nº 3 e Tabela III, do RCP.»
3. Mais uma vez inconformada, a arguida interpôs recurso dessa sentença, formulando conclusões que, pela sua excessiva extensão, se afastam claramente do que é legalmente previsto e desejável (um resumo das razões do pedido), mas que, ainda assim, se opta por transcrever integralmente:

«CONCLUSÕES:

1ª - O procedimento pelas contraordenações em causa encontra-se prescrito, nos termos do disposto no art.º 27.º, al. b) do DL. n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redação introduzida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
– Com efeito, tendo em atenção que a arguida foi notificada para o exercício do direito de defesa a 27-11-2013 (cfr. fls. 23 e 26) e não se tendo verificado até à decisão final, notificada a 15-12-2017 (fls. 54), qualquer motivo de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição, temos como prescrito o processo de contra - ordenação em 27-11-2016, razão pela qual deve merecer provimento o presente recurso, e os autos serem arquivados.
- Com o devido respeito, no caso, não deve prevalecer o entendimento perfilhado na douta sentença recorrida, quando considera que a inquirição das testemunhas apresentadas pela arguida nos dias 03-02-2015 e 21-01-2015 (fls. 43 e 44) constituem factos interruptivos do prazo de prescrição.
- Na verdade, tendo os factos ocorrido a 16-10-2013 e tendo a arguida sido notificada para o exercício do direito de defesa a 27-11-2013 (fls. 23 e 26), a notificação para a inquirição das testemunhas apresentadas pela arguida apenas para os dias 03-02-2015 e 21-01-2015 (fls. 43 e 44) – isto é, mais de um ano após a apresentação da Defesa Escrita pela arguida - constitui um expediente abusivo da autoridade administrativa com vista a obstar ao decurso do prazo de prescrição do procedimento e, por isso, não pode ser tida como apta a interromper o prazo de prescrição.
- A autoridade administrativa ASAE não invoca nem dá a conhecer à arguida qualquer razão para o facto de o processo ter estado “parado” mais de um ano sem qualquer diligência. Situação diferente seria naturalmente se a autoridade administrativa estivesse a aguardar uma perícia ou peritagem, o que não é manifestamente o presente caso.
- Com efeito, a figura de prescrição haverá de ser enquadrada numa preocupação mais vasta que o legislador assumiu de obter, num prazo razoável, a certeza e segurança jurídica junto daqueles que ela beneficia.
- A pendência processual, sem um fim temporal fixado pelo legislador, significaria a possibilidade de manter indefinidamente uma incerteza quanto à culpabilidade e responsabilidade do agente, o que não é compatível com um Estado de Direito Democrático e que colide frontalmente com os direitos, liberdades e garantias assegurados aos seus cidadãos.
- A figura da prescrição apresenta-se pois como garantia de certeza, segurança e previsibilidade do sistema jurídico e de efetivação do poder punitivo do Estado em tempo útil e sem inércia injustificada, atribuindo ao decurso do tempo sobre a prática de um facto razão suficiente para que o direito penal (ou contraordenacional) se abstenha de intervir ou de punir.
- No caso, entendeu o legislador, para acautelar os interesses do Estado com vista à reposição da norma violada, através da punição contraordenacional, que a realização das diligências de prova necessárias para a instrução dos autos tivessem efeito interruptivo do prazo prescricional, o que se compreende atenta as diversas especialidades de contraordenações e a complexidade que poderá revestir, face à matéria dos autos, o apuramento da responsabilidade do agente infrator.
10ª - A relevância e necessidade da diligência de prova, no âmbito da instrução dos autos, surge assim como fundamento da interrupção do prazo de prescrição.
11ª - Essa relevância surge assinalada pelo legislador com a especificação da realização de “exames e buscas”, o que nos permite concluir que, não são todas as diligências de prova que têm o mérito de interromper o prazo em curso, e muito menos diligências de prova marcadas para mais de um ano após a apresentação da Defesa Escrita pela arguida, como sucede no caso.
12ª - A inquirição de testemunhas apresentadas pela arguida mais de um ano depois da apresentação da Defesa Escrita, estando o processo totalmente “parado” nesse período sem qualquer justificação, resulta inequivocamente e sem quaisquer dúvidas como um expediente abusivo por parte da ASAE para obstar ao decurso do prazo de prescrição.
13ª - A referência a “exames e buscas” na alínea b) do artigo 28º do RGCO transmite a ideia de necessidade de realização de diligências de prova (que sejam estritamente necessárias) que revelem alguma complexidade e morosidade ou que, requeridas pela defesa, atrasem relevantemente o decurso do processo.
14ª - O que se não pode permitir é que a simples inquirição de duas testemunhas um ano depois da sua apresentação seja usada como uma medida de “gestão” das interrupções do prazo prescricional.
15ª - Esse é um uso abusivo que a al. b) do nº 1 do artigo 28º do RGCO não permite. O direito à decisão em prazo razoável também é operante em processo contraordenacional, não podendo a entidade administrativa “gerir” os momentos adequados à interrupção do prazo prescricional.
16ª - Assim, a inquirição de duas testemunhas para um ano depois da sua apresentação em Defesa Escrita, sem qualquer justificação para tal, não tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional, pois que se impõe uma leitura restritiva da al. b) do nº 1 do artigo 28º do RGCO: a referência a “exames e buscas” transmite a ideia de necessidade de realização de diligências de prova estritamente necessárias e que revelem alguma complexidade e/ou morosidade.
17ª - Por isso, a inquirição de duas testemunhas apresentadas pela arguida para um ano depois da apresentação na Defesa Escrita, sem qualquer justificação da ASAE, não pode ser tida como apta a interromper o prazo de prescrição, pois se assim fosse estaria encontrada a fórmula para resolver, aparentemente com cobertura legal, os atrasos de instrução processual.

SEM PRESCINDIR:
18ª - A decisão ora impugnada enferma de um vício de incompetência absoluta da entidade emissora da mesma, neste caso, a ASAE, por ingerência nas competências legais que foram conferidas a outras entidades, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 3º do DL Nº 306/2007 de 27 de Agosto; nº 2 do artigo 33º do referido Decreto-Lei e nº 2 do artigo 28º do Decreto-Lei 141/2009 de 16/06.
19ª - A decisão impugnada está, pois, ferida de incompetência que é absoluta por se tratar da preterição de atribuições respeitantes a pessoas coletivas públicas diferentes: a ERSAR, IP; a CACMEP e a Câmara Municipal, nos termos das disposições legais enunciadas na conclusão anterior, sendo, como tal, nula (artigo 133.º, n.º 2, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo).
20ª - A decisão administrativa é nula por violação do artigo 18º, nº 1 do RGCO e por falta de fundamentação.
21ª - A arguida não perfilha o entendimento plasmado na sentença recorrida, segundo o qual a decisão administrativa da ASAE ponderou todos os elementos constantes no artigo 18º, nº 1 do RGCO.
22ª - Com efeito, segundo este artigo 18.º, n.º 1, do RGCO, «a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra - ordenação».
23ª - No caso vertente, a decisão administrativa ignorou a situação económica da arguida, omitindo qualquer referência aos factos alegados na Defesa Escrita (cfr. artigos 1º e 2º), nomeadamente de que estava a ser objeto dum processo especial de revitalização (PER) pendente neste Tribunal, juntando, inclusive, o anúncio publicado no portal CITIUS.
24ª - Ora, como resulta do artigo 17º-A, 1, do DL 53/2004 de 18/03, o processo especial de revitalização (PER) destina-se a permitir ao devedor que, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência eminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.
25ª - Resulta pois que ao apresentar um PER em Tribunal, a arguida, ora recorrente, demonstra a sua situação económica, reconhecendo que se encontrava em situação económica difícil ou em situação de insolvência eminente.
26ª - Facto este que foi totalmente ignorado pela autoridade administrativa na fixação das coimas, apesar de alegado na Defesa Escrita.
27ª - Por outro lado, a decisão administrativa da ASAE omitiu também os factos alegados nos artigos 20º e 21º da Defesa Escrita, nomeadamente de que é uma associação de utilidade pública, sem fins lucrativos, não visa o lucro e que atua exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições desportivas, na defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto, tendo anexado àquela a Declaração de Instituição de Utilidade Pública, publicada no Diário da República Nº 187, de 13-08-1988, II Série.
28ª - Tais omissões assacam à decisão administrativa a sua nulidade e o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, em conformidade com o disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, aplicável na situação vertente por força do preceituado no referido artigo 41.º, n.º 1, do RGCO.
29ª - Com efeito, como tem sido enfatizado, o dever de fundamentação das decisões suscetíveis de afetarem direitos e interesses relevantes dos cidadãos/entidades, além de constituir uma das fontes de legitimidade em geral, constitui um direito e garantia fundamental do cidadão contra a arbitrariedade no exercício do poder público.
30ª - Daí que em processo penal se entenda que se verifica nulidade da sentença (artigo 379º nº 1, alínea a) Código de Processo Penal) sempre que, em consequência de uma omissão ou deficiência na fundamentação, fique afetada a plena compreensão do processo lógico e racional que conduziu à decisão.
31ª - No âmbito do processo contraordenacional, a jurisprudência tem sido unânime ao inscrever no campo restrito das referências essenciais a descrição dos factos imputados, das provas obtidas e das normas aplicadas na fundamentação da decisão.
32ª - Na fase de recurso, valendo a apresentação dos autos ao juiz pelo Ministério Público como acusação (art. 62.°, n.º 1, do RGCO), torna-se necessário, no que toca aos elementos imprescindíveis reportados, o recurso ao art. 283.°, n.º 3, al. b), do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo das contraordenações (art. 41.º, n.º 1, do mesmo diploma legal).
33ª - E segundo este dispositivo, a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada” (in www.dgsi.pt, processo 06P3201, Rodrigues da Costa).
34ª - Ora, como se disse, além de desatender à situação económica difícil da arguida, nos fundamentos da decisão da autoridade administrativa lê-se que a recorrente: “… agiu com dolo eventual…, dizendo-se, nomeadamente, que:

É do conhecimento comum, entre os empresários deste ramo de atividade as obrigatoriedades de, nas respetivas instalações desportivas, sujeitar a água destinada ao consumo humano a um processo de desinfeção, devendo realizar igualmente um controlo de qualidade da água, de forma a assegurar o cumprimento das condições técnicas e de segurança exigíveis para a prossecução das atividades”.
35ª - Tal fundamentação só pode ser «copy and paste» de outra decisão, retirada de um processo de contraordenação aplicável a uma empresa ou comerciante com fins lucrativos.
36ª - De facto, em momento algum da instrução do processo – quer posteriormente dos factos provados constantes na sentença recorrida – ficou demonstrado que os diretores do clube recorrente são “empresários” e/ou que eram conhecedores das imputadas obrigatoriedades.
37ª - Resulta pois que a decisão administrativa não permite pois compreender satisfatoriamente o raciocínio que conduziu à mesma, designadamente sobre a ponderação da gravidade da infração e o juízo de censura (dolo eventual).
38ª - Tal decisão devia ser ainda concretizada e pormenorizada na indicação dos elementos reais da situação económica do agente e na determinação detalhada do benefício - que não houve - retirado da prática da infração.
39ª - A omissão desses elementos afetou assim as garantias de defesa, e dificultou o exercício do direito de impugnação judicial, por forma a alcançar a aplicação de uma medida e a fixação de uma coima justa e equitativa.
40ª - A decisão administrativa não continha pois os elementos imprescindíveis para a caracterização daquelas circunstâncias e para permitir o exercício do direito de recurso da arguida/recorrente.
41ª - Pelo exposto, andou mal o tribunal da 1ª instância ao não decretar a anulação da decisão administrativa.

SEM PRESCINDIR:

42ª - Não estão preenchidos os elementos objetivos e subjetivo das duas contraordenações aplicadas à arguida, ora recorrente.
43ª - A recorrente não praticou qualquer facto suscetível de integrar as infrações contraordenacionais que lhe são imputadas. Desde logo, ficou provado no ponto 5 dos factos provados na sentença recorrida que “A água para beber e consumida no Estádio era engarrafada”.
44ª - Por outro lado, a água utilizada nos serviços de bebidas prestados nas duas dependências do Estádio é da exclusiva responsabilidade dos seus exploradores, que não o recorrente – facto este totalmente desconsiderado pela sentença recorrida, que nem sequer o aprecia.
45ª - Acresce que, conforme alegado na Defesa Escrita, quer na instrução do processo administrativo quer na fase judicial, não foi dado a conhecer à recorrente os resultados das análises à água (cfr. fls. 5/13), desconhece qualquer análise microbiológica à água, não lhe sendo dado conhecimento nem possibilidade de requerer a contra-análise, violando o princípio do contraditório.
46ª - Aliás, resulta dos autos, nomeadamente da Defesa Escrita, que a arguida nunca se conformou com o resultado apresentado, tendo procedido à instalação de água da rede pública, assinando contrato com a empresa municipal de abastecimento de água, para levantar a interdição do Estádio e garantir aos seus atletas a prática desportiva.
47ª - Não se verifica assim no caso, qualquer comportamento do recorrente que preencha os tipos de ilícitos contraordenacionais que lhe são imputados no presente processo, não resultando da sentença recorrida a fundamentação para se concluir pelo dolo eventual da arguida, meramente invocado.

AINDA SEM PRESCINDIR:

48ª - Ainda que assim se não entenda - o que igualmente não se concede, mas apenas por hipótese de trabalho se acautela – sempre se diz que a sentença recorrida viola o princípio da proporcionalidade.
49ª - Nos termos do disposto no art. 18º do RGCO, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra - ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício que este retirou da prática da contra ordenação.
50ª - Desde logo, os responsáveis do clube recorrente jamais imaginaram que este estaria a cometer os atos ilícitos acusados, puníveis com coimas, pois o Estádio e respetivas instalações estão devidamente licenciados pelas entidades públicas, nomeadamente pela Câmara Municipal e Liga Portuguesa de Futebol Profissional – cfr., a este propósito, a declaração de conformidade emitida pela Câmara Municipal em 18-09-2008, entregue na Liga Portuguesa de Futebol Profissional em 23-09-2008, ratificada pela mesma Câmara em 12-07-2016, junta aos autos e tal como se deu por provado no ponto 7) dos factos provados.
51ª - Tal declaração emitida em 18-09-2008 e mantida em 12-07-2016, atesta que o “Estádio do recorrente foi submetido a uma série de vistorias por parte Liga Portuguesa de Futebol Profissional, do qual foram executados uma série de adaptações para que o clube em si cumpra todas as exigências impostas pela LPFP, Decretos-Lei e regulamentos em vigor, assim como dotar o complexo de condições de salubridade e correto funcionamento para a prática desportiva”.
52ª - De qualquer modo, como se disse, logo que foram advertidos para a situação participada, para evitar dúvidas e levantar a interdição do Estádio, os dirigentes do clube recorrente procederam à instalação de água da rede pública no dia seguinte à visita inspetiva (cfr. fls. 18).
53ª - Refira-se que a visita inspetiva da ASAE ocorreu em 16-10-2013 com a medida cautelar da suspensão da atividade no Estádio do recorrente, e, dois dias depois, em 18-10-2013, foi levantada tal suspensão.
54ª - Por outro lado, além do supra exposto, há uma série de circunstâncias que são suscetíveis de diminuir largamente a culpa da recorrente, não atendidas pela sentença recorrida, pois está dado como provado que:

“8) A arguida é uma associação desportiva fundada em 1 de Janeiro de 1939, tendo como fim social desenvolver a educação física e o desporto promovendo a sua prática e expansão, especialmente entre os associados proporcionando-lhes igualmente meios de cultura e distração.
9) A arguida vivia financeiramente das quotas dos sócios, de donativos de sócios beneméritos e algumas empresas e de subsídios para a formação de jovens atletas;
10) A arguida foi sendo vítima da crise económico-financeira que atravessou o país, consubstanciada numa forte redução dos sócios pagantes, redução dos donativos particulares e das empresas e até eliminação dos subsídios.
11) Por causa da redução das receitas, teve a arguida que apresentar um PER em tribunal, em 18-07-2013, face à sua situação económica difícil e de insolvência eminente.
12) De acordo com o Relatório de Contas do ano da prática dos factos (2013), o passivo da arguida era de € 1.073.061,21.”
- O clube recorrente é primário, não tem antecedentes contraordenacionais, não retirou qualquer proveito económico com a prática das invocadas contraordenações; - A legalidade entendida pela ASAE, foi «reposta» logo no dia seguinte à visita inspetiva; - O Estádio do recorrente está licenciado pelas autoridades, conforme as declarações supra citadas.
55ª - Verifica-se pois que a coima única aplicada à recorrente é desproporcional, sendo a sentença recorrida inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18º da Constituição da República Portuguesa.
56ª - Invoca-se, assim, para os devidos efeitos, a inconstitucionalidade das normas dos artigos 9º, nº 2 e 31º, nº 1, da alínea a) do DL Nº 306/2007 de 27/08 e nº 1 do artigo 24º do DL 141/2009 de 16/06, por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18º da Constituição da República Portuguesa.
57ª - Impugna-se e contesta-se a medida das coimas fixadas, por excessivas face às circunstâncias do caso, atrás relatadas, pugnando para que seja aplicada a pena de Admoestação.
58ª - A aqui recorrente, em sede de impugnação judicial, requereu nos artigos 70º e 71º das Alegações e nas Conclusões 34º e 35º, com vista a apreciação aquando da determinação da sanção, a aplicação de Admoestação e, não sendo esta aplicável, a atenuação especial da coima, questões que o Tribunal a quo não cuidou de apreciar corretamente.
58ª - Com efeito, resulta do quadro factológico provado que a conduta da aqui recorrente se resumiu a omissão do dever de cuidado, pelo que a conduta da aqui recorrente apenas se poderá compaginar como negligente, na modalidade de negligência inconsciente, pois a recorrente não representou, como podia e devia, a produção de evento ilícito, tendo condições e possibilidade de o fazer.
59ª - Mais, do quadro factológico provado não constam quaisquer factos que evidenciem a integração da conduta da aqui recorrente como gravemente culposa, nem que da mesma tenham resultado, em concreto danos, assim como não se apurou que a recorrente, à data da infração que tivesse retirado qualquer benefício económico e, nesta conformidade e coligidos os elementos e pressuposto do art.º 18º do RGCO, concluímos que, ressalvado o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo aquando da determinação da sanção aplicável, optando pela aplicação de uma coima ao invés de uma sanção de Admoestação - art.º 51° do RGCO.
60ª - O que, em termos práticos perante o quadro factológico provado nos encaminha do sentido de uma infração de reduzida gravidade, o que deverá ser determinante independentemente da qualificação jurídica da infração, motivos pelos quais, importaria ponderar, ao invés da aplicação de uma coima, a determinação de uma sanção de admoestação, tanto mais que, no caso concreto não se encontra demonstrado nem quantificado qualquer benefício económico, pelo que, resulta evidenciado do circunstancialismo descrito que a aplicação de uma Admoestação se apresenta como adequada, satisfazendo os fins de prevenção especial e geral, violando a sentença recorrida de fls... o preceituado nos arts. 18º e 51º do RGCO.
61º - Com efeito, dos factos provados, resulta que a arguida é uma instituição que não visa o lucro, é uma associação desportiva fundada em 1 de Janeiro de 1939, tendo como fim social desenvolver a educação física e o desporto promovendo a sua prática e expansão, especialmente entre os associados proporcionando-lhes igualmente meios de cultura e distração; vivia financeiramente das quotas dos sócios, de donativos de sócios beneméritos e algumas empresas e de subsídios para a formação de jovens atletas; foi sendo vítima da crise económico-financeira que atravessou o país, consubstanciada numa forte redução dos sócios pagantes, redução dos donativos particulares e das empresas e até eliminação dos subsídios; por causa da redução das receitas, teve a arguida que apresentar um PER em tribunal, em 18-07-2013, face à sua situação económica difícil e de insolvência eminente.
62ª - Está também dado como provado que no ano da prática dos factos (2013), o passivo da arguida era de € 1.073.061,21. Não tem antecedentes contraordenacionais e a situação de legalidade foi reposta no dia seguinte à inspeção da ASAE (cfr. folhas 18).
Verificam-se assim os requisitos previstos no artigo 51º do RGCO.
63ª - Das Custas:
64ª - A arguida/recorrente requereu a isenção do pagamento das custas processuais, por se tratar de uma pessoa coletiva de utilidade pública, sem fins lucrativos, que atua exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições, na defesa dos interesses que lhe estão especialmente confiados pelo respetivo Estatuto (cfr. Declaração publicada no Diário da República Nº 187, de 13-08-1988, II Série, junta como doc. 8 ao recurso) invocando o disposto no artigo 4º, nº 1, alínea f) do DL 34/2008 (Regulamento das Custas Processuais).
65ª - A sentença recorrida entendeu, porém, condenar a recorrente nas custas, com o fundamento de que “não se podendo concluir que, in casu, a arguida esteja a atuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto – artigo 4º, nº 1, alínea f) do RCP”.
A recorrente não se conforma também com esta decisão.
66º - Com efeito, como se alcança da declaração publicada no Diário da República Nº 187, de 13-08-1988, II Série, junta aos autos, a recorrente é uma pessoa coletiva de utilidade pública, sem fins lucrativos, que atua exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições, na defesa dos interesses que lhe estão especialmente confiados pelo respetivo Estatuto.
67ª - A recorrente é pois uma pessoa coletiva que não tem por fim a obtenção de lucros para distribuir pelos seus sócios, pelo que exerce uma atividade de interesse público, pois, de outro modo, não tinha sido reconhecida como tal pelo Governo da República.
68ª - O conceito de utilidade pública, especialmente no futebol, implica graus elevados nos seguintes parâmetros: elevada importância económica e dimensão social da competição; elevada importância da mesma no contexto desportivo nacional e elevado nível técnico da competição.
69ª - Como escreve um estudioso da problemática do Direito Desportivo, “a existência e atividade dos clubes são valores socialmente úteis, existindo um momento de identidade entre as aspirações particulares dos próprios associados e os interesses da comunidade em geral. São entidades vocacionadas para serem declaradas de utilidade pública. Por outro lado, objetivo interessado que as pessoas coletivas de utilidade pública visam prosseguir não tem natureza económica, traduzindo-se, no que aos clubes desportivos se refere, na promoção e desenvolvimento da prática desportiva” (Cfr. José Manuel Meirim, Clubes desportivos e sociedades com fins desportivos, Lisboa, 1995, pág. 39).
70ª - O interesse público impõe à Administração como que uma diretiva positiva, e é um princípio fundamental que serve de justificação à realização de um interesse comum.
71ª - No caso dos autos, embora o objeto do processo não corresponda imediatamente à prossecução dos fins institucionais, encontra-se com estes numa relação de instrumentalidade, uma vez que a eventual responsabilidade da recorrente advêm do desenvolvimento do seu escopo social, como seja, o fomento e a prática do desporto, que, por estatuto lhe incumbe.
72ª - Aliás, está em causa nos autos a apreciação de uma «legalidade» no Estádio onde a recorrente destina ao seu fim estatutário, correlacionado com os fins institucionais da pessoa coletiva.
73ª - Assim sendo, os presentes autos não são estranhos àqueles fins, quer legais, quer estatutários, pelo que as condições consignadas na al. f) do n.° 1 do art° 4° do RCP se verificam, e a isenção aplica-se.
74ª - Aliás, a nossa jurisprudência, na sua maioria, sufraga a posição defendida de isenção de custas, pelo que, não sendo exaustivo, é o caso dos seguintes: Acórdão já transitado em julgado proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, processo n.° 856/12.4TTGMR.P1, relator António José Ascensão Ramos de 07-04-2014, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de Janeiro de 2012, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2013, Processos 536/11.8TTPRT, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25 de Julho de 2013, Processo 3104/11.OTBBCLL1, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Julho de 2013, Processo n.° 1093/06.2TVLSB.L1, Acórdãos do Tribunal desta Relação de Guimarães, processos números 204/14.9TTVERLG1, relator Antero Veiga de 04-05-2015 e 192/14.1TTVRL-A.G1, relator Antero Veiga de
23.10.2015.
Pelo que, a sentença recorrida violou a al. f) do n.° 1 do art.,° 4º do Regulamento das Custas Processuais.

Termos em que, deve ser admitido o presente recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo e, consequentemente, na medida das articuladas conclusões e pelo douto suprimento, revogada a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.»

4. A Exma. Magistrada do Ministério Público na primeira instância, em resposta à motivação da recorrente, pronunciou-se no sentido da integral confirmação da sentença recorrida, defendendo, em suma, o seguinte:

- No que respeita à prescrição do procedimento contraordenacional, que não se encontra o mesmo prescrito, pois, tendo em conta o período de suspensão do prazo prescricional, é evidente que não decorreu o prazo normal de prescrição acrescido de metade (3 anos + 1 ano e meio).
- Quanto à alegada incompetência da ASAE para proferir a decisão, que também neste ponto não assiste qualquer razão à recorrente, pelos fundamentos invocados na decisão recorrida, que transcreve na parte relevante.
- Em relação à nulidade da decisão por violação do art. 18º, n.º 1, do RGCO, que é igualmente de acompanhar na íntegra a argumentação expendida na sentença recorrida, que igualmente transcreve, acrescentando-lhe, no entanto, com citação jurisprudencial, que apesar de a lei não definir qual o âmbito da fundamentação que aqui se impõe, tem-se entendido que não se exige uma fundamentação com o rigor que decorre do art. 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal, porquanto, por um lado, trata-se de uma decisão administrativa e, por outro, tal decisão, quando impugnada, converte-se em acusação, passando o processo a assumir natureza judicial, não fazendo, assim, sentido que a decisão administrativa tenha de obedecer a um rigorismo de fundamentação semelhante ao da sentença penal.
- No que concerne à alegada falta de elementos (objetivos e subjetivos) das duas contraordenações, que é de remeter para a decisão proferida, que igualmente transcreve.
- Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, que pelos objetivos visados e tendo em conta as molduras das coimas abstratamente aplicadas, não enferma a decisão de qualquer inconstitucionalidade, designadamente não ofendendo o invocado princípio, limitando-se ao necessário e sendo perfeitamente adequado e proporcional à importância dos objetivos visados pelos normativos em causa.
- Relativamente à medida das coimas, que não se verificam os requisitos de que depende a aplicação da admoestação no processo de contraordenação, pelos fundamentos invocados na sentença recorrida, que igualmente transcreve.
- Por fim, quanto às custas, que é de remeter na íntegra para a decisão recorrida, com o que concorda totalmente.
5. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso, por considerar que as questões suscitadas pela recorrente vêm suficiente e adequadamente debatidas na resposta do Ministério Público junto da 1ª instância e na sentença recorrida, sufragando por inteiro as considerações e entendimentos ali expendidos, dispensando-se, por desnecessário e redundante, um impertinente aditamento de mais desenvolvida argumentação em defesa da improcedência do recurso, apenas aditando as seguintes notas complementares:

- A propósito da invocada inconstitucionalidade dos referidos arts. 9º, n.º 2, e 31º, n.º 2, al. a), por violação do princípio da proporcionalidade, chamando a atenção para o facto de o Tribunal Constitucional ter várias vezes salientado que o legislador dispõe de uma ampla margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar, sendo certo que os montantes das coimas em causa nos autos não são arbitrários, tendo antes subjacente um critério legal assente na gravidade da infração e no grau da culpa e que o montante da coima fixado não se revela inadmissível ou manifestamente excessivo.
- Em relação à contestada condenação em custas, sustentando que estando aqui em causa uma atuação ilícita da arguida que a fez incorrer em responsabilidade contraordenacional, o presente processo nada tem a ver com as especiais atribuições da recorrente enquanto clube desportivo abrangido pela isenção de custas em causa, tal como nada tem a ver com a defesa dos interesses conferidos pelo respetivo estatuto ou pela própria lei, pelo que não merce censura a condenação em custas.
6. No âmbito do disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a recorrente não respondeu a esse parecer.
7. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do Código de Processo Penal.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Em processo de contraordenação, o regime de recurso interposto para o tribunal da relação de decisões proferidas em primeira instância obedece às regras referidas nos arts. 73º a 75º do Regime Geral das Contraordenações – doravante designado abreviadamente por RGCO e aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de outubro, que instituiu o ilícito de mera ordenação social e respetivo processo - seguindo, em tudo o mais, a tramitação do recurso em processo penal (art. 74º, n.º 4), por força da subsidiariedade genericamente enunciada no art. 41º, n.º 1.

De acordo com o disposto no art. 75º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma, o tribunal da relação apenas conhece, em regra, da matéria de direito, sem prejuízo de poder alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação temática aos termos e ao sentido da decisão recorrida, anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido.
Por fim, em conformidade com o disposto no art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação pelo recorrente, não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso [2].

Posto isto, no caso vertente constituem questões a apreciar:

a) – A prescrição do procedimento contraordenacional, o que passa por aferir se a inquirição das testemunhas arrolada pela arguida, ocorrida mais de um ano após a apresentação da defesa escrita, sem qualquer justificação por parte da autoridade administrativa, teve a virtualidade de interromper do prazo de prescrição (conclusões 1ª a 17ª).
b) – A incompetência da autoridade administrativa (ASAE) para proferir a decisão impugnada judicialmente (conclusões 18ª e 19ª).
c) – A nulidade da decisão administrativa por violação do art. 18º, n.º 1, do RGCO e por falta de fundamentação (conclusões 20ª a 41ª).
d) – O não preenchimento dos elementos típicos das contraordenações pelas quais a arguida foi condenada e a violação do princípio do contraditório (conclusões 42ª a 47ª).
e) – A violação, pela sentença recorrida, do princípio da proporcionalidade quanto ao montante da coima única aplicada (conclusões 48ª a 56ª).
f) – A não aplicação da sanção de admoestação (conclusões 57ª a 62ª).
g) – A condenação da arguida em custas (conclusões 63ª a 74ª).

2. DA SENTENÇA RECORRIDA

2.1 – O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):

«Da decisão administrativa:

1) No dia 16 de Outubro de 2013, pelas 11h00, na instalação desportiva denominada “Estádio do F. C. V.”, sito na Rua do …, em …, explorada pela arguida, e em plena laboração, aquando de uma fiscalização realizada por parte de uma brigada da ASAE, foi verificado que: a) o Estádio encontrava-se a ser suprido exclusivamente por água proveniente de captações próprias/particulares, em concreto de uma nascente, dois furos e um poço; b) aquela água não era sujeita a qualquer tipo de tratamento e controlo, que visasse garantir e assegurar a sua potabilidade, pese embora se destinar ao consumo humano, nomeadamente à higiene pessoal dos praticantes desportivos ou outros.
2) Efetuadas análises microbiológicas da responsabilidade do ACES do Alto Ave, Unidade de Saúde Pública, cujo resultado foi conhecido a 27 de Outubro de 2013, verificou-se que a referida água não cumpria os parâmetros legalmente estatuídos, tendo sido avaliada e classificada como imprópria para consumo humano, constituindo um risco para a saúde humana.
3) A arguida sabia ser seu dever garantir a minimização dos riscos para a saúde pública, designadamente no que concerne a sujeitar a água destinada ao consumo humano a um processo de desinfeção, devendo realizar igualmente um controlo de qualidade da água, de forma a assegurar o cumprimento das condições técnicas e de segurança exigíveis para a prossecução de atividades em instalações desportivas, situações que não acautelou, desrespeitando a obrigação do especial dever de cuidado da proteção dos utilizadores e a que estava obrigada.
4) A arguida sabia estar obrigada a sujeitar a água destinada ao consumo humano a um processo de desinfeção, devendo realizar igualmente um controlo de qualidade da água, de forma a assegurar o cumprimento das condições técnicas de segurança exigíveis para a prossecução da sua atividade, o que não fez nem acautelou, tendo previsto, e aceitado tais factos, bem sabendo que tal incumprimento era punida por lei.

Da impugnação:

5) A água para beber e consumida no Estádio era engarrafada.
6) No dia seguinte à visita inspetiva, 17-10-2013, à arguida procedeu à instalação de água da rede pública, assinando contrato com a empresa municipal de abastecimento de água.
7) Em 18-10-2018, o Município de V. emitiu uma Declaração de Conformidade na qual consta o seguinte: “O Estádio do F. C. V. situado na Freguesia de …, no concelho de …, foi construído na década de 80, com a subida do F.C. V. à Divisão de Honra (atual liga Vitális), o estádio foi submetido a uma série de vistorias por parte da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, do qual fora executados uma série de adaptações para que o clube em si cumpra todas as exigências impostas pela LPFP, Decretos-Lei e regulamentos em vigor, assim como dotar o complexo de condições de salubridade e correto funcionamento para a prática desportiva. Assim sendo, o estádio reúne todas as condições para a realização da prática desportiva.”
8) A arguida é uma associação desportiva fundada em 1 de Janeiro de 1939, tendo como fim social desenvolver a educação física e o desporto promovendo a sua prática e expansão, especialmente entre os associados, proporcionando-lhes igualmente meios de cultura e distração.
9) A arguida vivia financeiramente das quotas dos sócios, de donativos de sócios beneméritos e algumas empresas e de subsídios para a formação de jovens atletas.
10) A arguida foi sendo vítima da crise económico-financeira que atravessou o país, consubstanciada numa forte redução dos sócios pagantes, redução dos donativos particulares e das empresas e até eliminação dos subsídios.
11) Por causa da redução das receitas, teve a arguida que apresentar um PER em tribunal, em 18-07-2013, face à sua situação económica difícil e de insolvência eminente.
12) De acordo com o Relatório de Contas do ano da prática dos factos (2013), o passivo da arguida era de € 1.073.061,21.»

2.2 – Na sentença recorrida foram considerados não provados os seguintes factos (transcrição):

«Da impugnação:

A) A água captada nos termos referidos em 1), apenas era utilizada para a rega dos campos de futebol e limpeza das instalações desportivas.
B) A arguida, na pessoa dos seus legais representantes, não tinha consciência da ilicitude dos factos supra referidos.»

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1 - Da prescrição do procedimento contra-ordenacional

Tendo esta questão sido já suscitada no requerimento de impugnação judicial da decisão administrativa, foi a mesma julgada improcedente na sentença recorrida.
Para tanto, o Mm.º Juiz, verificando que a cada uma das contraordenações em apreço é aplicável uma coima abstrata de montante igual ou superior a € 2.493,99 e inferior a € 49.879,79, considerou que lhes corresponde um prazo prescricional de três anos, nos termos do art. 27º, al. b), do RGCO.
Mais considerou que tendo os factos ocorrido a 16-10-2013, verificaram-se as seguintes causas interruptivas da prescrição, começando a correr novo prazo depois de cada interrupção:

- em 27-11-2013, com a notificação da arguida para o exercício do direito de defesa [art. 28º, n.º 1, al. c];
- em 21-01-2015 e 03-02-2015, com a inquirição das testemunhas apresentadas pela arguida [art. 28º, n.º 1, al. b];
- em 11-12-2017, com a prolação da decisão administrativa [art. 28º, n.º 1, al. d];
- em 15-12-2017, com a notificação da mesma à arguida [art. 28º, n.º 1, al. a];
- em 02-02-2018, com a notificação à arguida do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso de impugnação judicial (art. 28º, n.º 1, al. a].
Este último facto constitui igualmente causa de suspensão da prescrição do procedimento, até à decisão final do recurso, não podendo, porém, a suspensão ultrapassar seis meses [art. 27º-A, n.ºs 1, al c), e 2].

Perante a sucessão dos referidos factos interruptivos e a mencionada suspensão do prazo de prescrição, concluiu o Mm.º Juiz ser manifesto não ter ainda decorrido, desde a prática dos factos, o prazo normal de prescrição do procedimento contraordenacional, acrescido de metade (3 anos + 1 ano e meio), situação que, a verificar-se, implicaria a prescrição do procedimento nos termos previstos no art. 28º, n.º 3, termos em que julgou improcedente tal questão.

Como resulta da leitura das conclusões 1ª a 17ª, a discordância da recorrente quanto a esse segmento da decisão recorrida prende-se apenas com a circunstância de o Mmº. Juiz, ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 28º do RGCO, ter atribuído efeito interruptivo da prescrição ao ato processual de inquirição das testemunhas por si indicadas, defendendo, ao invés, o entendimento de que a realização dessa diligência, porque levada a cabo mais de um ano depois da apresentação da defesa escrita em que indicou tais testemunhas, sem qualquer justificação por parte da autoridade administrativa para essa demora, não tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional, impondo-se uma leitura restritiva da citada alínea, no sentido da exigência de que as diligências de prova sejam estritamente necessárias, relevantes e que revelem alguma complexidade e/ou morosidade.
A reconhecer-se razão à recorrente, com a consequente negação de eficácia interruptiva da prescrição à diligência processual de inquirição das testemunhas por si arroladas, impor-se-á a conclusão de que o procedimento contraordenacional se encontra prescrito.

Com efeito, sendo efetivamente de três anos o prazo de prescrição aplicável ao presente procedimento contraordenacional, e iniciando-se tal prazo na data dos factos suscetíveis de integrar a prática das contraordenações imputadas à arguida, ou seja, em 16-10-2013, temos que, não ocorrendo qualquer motivo de interrupção ou de suspensão, o prazo de prescrição perfetibilizar-se-ia em 16-10-2016.

A única causa de suspensão que se verificou, traduzida na pendência do procedimento a partir da notificação do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa, até à decisão final do recurso, com o limite de seis meses (art. 27º-A, n.º 1, al. c), e n.º 2, do RGCO), ocorreu para lá desses três anos, porquanto tal despacho, proferido a 29-01-2018, foi notificado à arguida em 02-02-2018 (cf. prova de receção junta a fs. 102) e, na mesma data, ao seu Exmo. mandatário (cf. fls. 100).

Porém, antes do dia 16-10-2016, ocorreram várias causas de interrupção da prescrição, com a consequente inutilização do tempo já corrido desde que se iniciou a contagem do respetivo prazo, até à verificação de cada um dos factos interruptivos, iniciando-se novamente, a partir de cada um deles, a contagem do prazo de prescrição, não se aproveitando o tempo anteriormente decorrido (art. 121º, n.º 2, do Código Penal).

Em primeiro lugar, verificou-se a causa de interrupção prevista na al. c) do n.º 1 do art. 28º do RGCO, traduzida na notificação à arguida para exercício do direito de audição, o que sucedeu em 27-11-2013 (conforme resulta do aviso de receção junto da fls. 26), data a partir da qual se iniciou, de novo, o prazo de prescrição, o qual se perfetibilizou em 27-11-2016.

Somente em 11-12-2017 e 15-12-2017 é que ocorreram as causas de interrupção da prescrição previstas no art. 28º, n.º 1, als. d) e a), traduzidas, respetivamente, na prolação da decisão administrativa e na motivação da mesma à arguida (cf. fls. 46 a 51 e aviso de receção junto a fls. 54).

Assim, a não ter ocorrido qualquer outra causa de interrupção, o procedimento contraordenacional teria efetivamente prescrito em 27-11-2016, conforme sustenta a recorrente.

Porém, antes dessa data, concretamente em 21-01-2015 e 03-02-2015, teve lugar a inquirição das testemunhas arroladas pela arguida no seu requerimento de defesa, diligências essas que, na decisão recorrida, foram consideradas como causa de interrupção da prescrição prevista na al. b) do n.º 1 do art. 28º do RGCO, segundo a qual a prescrição do procedimento por contraordenação se interrompe "com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedidos de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa".

É aqui que reside a discordância da recorrente face à decisão recorrida, sustentando que, ao invés do entendido pelo Mmº. Juiz a quo, tais diligências de prova jamais poderiam ter a virtualidade de fazer interromper o prazo prescricional, por terem tido lugar mais de um ano após a apresentação da defesa escrita pela arguida, sem qualquer razão para essa demora, pelo que constituíram um expediente abusivo da autoridade administrativa como vista a obstar ao decurso do prazo de prescrição.

Esta questão é debatida na jurisprudência e na doutrina.

Para uma corrente jurisprudencial [3], a relevância e a necessidade da diligência de prova, no âmbito da instrução dos autos, surge como fundamento da interrupção do prazo de prescrição ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 28º do RGCO, uma vez que o instituto da prescrição deve ser enquadrado numa preocupação legislativa mais vasta de se obter, num prazo razoável, a certeza e a segurança jurídica junto daqueles que ela beneficia, bem como que a pendência processual, sem um fim temporal fixado, significaria a possibilidade de manter indefinidamente uma incerteza quanto à culpabilidade e responsabilidade do agente, o que é incompatível com um Estado de direito democrático e colide frontalmente com os direitos, liberdades e garantias assegurados aos seus cidadãos.

Assim, a referência específica nesse texto legal à realização de “exames e buscas”, transmite a ideia da necessidade de realização de diligências de prova que revelem alguma complexidade e morosidade ou que, requeridas pela defesa, atrasem relevantemente o decurso do processo, o que leva a concluir que não são todas as diligências que têm o mérito de interromper o prazo prescricional, e muito menos diligências de prova perfeitamente irrelevantes, injustificadas e sem qualquer utilidade para o apuramento da responsabilidade contraordenacional do agente.

Será o caso, na sugestiva expressão utilizada em alguns arestos, de uma "corriqueira" inquirição do agente autuante, por iniciativa da autoridade administrativa, para vir confirmar o conteúdo do auto de notícia, quando esse mesmo conteúdo não é colocado em causa na defesa do arguido, circunstâncias em que tal diligência de prova surge inequivocamente como uma medida de "gestão" das interrupções do prazo prescricional e, consequentemente, como um expediente abusivo para obstar ao decurso do mesmo.

Por conseguinte, impõe-se proceder a uma leitura restritiva da al. b) do n.º 1 do art. 28º do RGCO, no sentido de as diligências de prova suscetíveis de interromperem o prazo de prescrição se apresentarem como diligências necessárias para a instrução dos autos, e não quaisquer diligências de prova, de iniciativa da autoridade administrativa, sem relevância processual e manifestamente dilatórias.

Esta jurisprudência tem apoio na doutrina, nomeadamente Figueiredo Dias [4], citado por Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa [5], ao escrever que «nem todos os atos do juiz ou do MP devem, todavia, possuir aquela virtualidade, mas antes só aqueles que, no decurso do processo penal, assumam um relevo e um significado que dê claramente a entender que o Estado, como intérprete das exigências comunitárias, continua interessado em efetivar, no caso, o seu ius puniendi. As causas de interrupção da prescrição dependem assim não só de características subjetivas [pertencerem à competência de uma «autoridade judiciária», na aceção que dela faz o art. 1º-1, b), do CPP], como objetivas (assumirem um relevo processual que traduza a afirmação solene da pretensão estadual de efetivação do seu ius puniendi)».

Não desconhecendo a existência de uma posição diferente [6], para a qual o legislador considera que a realização de quaisquer diligências de prova, sem distinção (e, portanto, também a inquirição de testemunhas, de acusação ou de defesa), representa a afirmação solene da pretensão estadual do exercício do ius puniendi, o que justifica a interrupção da prescrição do procedimento criminal, afigura-se-nos ser de aderir àquele outro entendimento.

Sem que, todavia, no caso vertente, tal implique a conclusão de que as diligências probatórias de inquirição das duas testemunhas se apresentam como meramente dilatórias, constituindo um expediente abusivo da autoridade administrativa com vista a obstar ao decurso do prazo de prescrição do procedimento.

Desde logo porque foi a própria arguida a arrolar essas testemunhas, requerendo, pois, que fossem inquiridas, por, seguramente, reputar os seus depoimentos necessários para a boa decisão da causa.

Não estamos, pois, perante uma situação em que a autoridade administrativa tomou a iniciativa de proceder à inquirição de testemunhas, com vista a provocar uma interrupção do prazo de prescrição.

Por outro lado, como resulta dos autos de inquirição (fls. 43 e 44), as testemunhas depuseram sobre factos relevantes para a boa decisão da causa e alegados pela arguida na defesa escrita, nomeadamente negando que a água se destinasse a consumo humano, mas apenas à rega e limpeza das instalações (apesar de nesta parte os seus depoimentos não terem sido acolhidos na decisão administrativa), bem como que a arguida desconhecia a obrigatoriedade do controlo da água e que a mesma pudesse estar imprópria, e ainda que, após a fiscalização, efetuou de imediato a ligação à rede pública de abastecimento de água.

Por outro lado, o facto de as inquirições terem tido lugar nos dia 21-01-2015 e 03-02-215, tendo sido indicadas pela arguida em 11-12-2013, esse lapso de tempo, só por si, não é revelador de uma menor diligência por parte da autoridade administrativa na instrução do processo, tanto mais que as diligências chegaram a estar agendadas para 12-11-2014, tendo sido a arguida que requereu que as testemunhas fossem antes ouvidas no Posto da GNR de …, por ser o da área da residência das mesmas, o que obrigou à designação de novas datas. Assim, o período de tempo de cerca de 10 meses, que mediou entre a apresentação da defesa escrita (11-12-2013) e a expedição da carta destinada a convocar as testemunhas (31-10-2014) não é suscetível de revelar uma falta de diligência e de interesse por parte da autoridade administrativa, podendo ser perfeitamente compreensível e justificável pelo frequente assoberbamento de trabalho que afeta muitos organismos da administração pública.

Pelo exposto, afigura-se-nos que à realização das diligências de prova traduzidas na inquirição das duas testemunhas arroladas pela arguida, nos dias 21-01-2015 e 03-02-2015, deve ser reconhecido o efeito interruptivo da prescrição do procedimento contraordenacional previsto na al. b) do n.º 1 do art. 28º do RGCO, por, manifestamente, não se ter traduzido num ato processual inútil ou dilatório, nem num expediente abusivo da autoridade administrativa, com o propósito claro de interromper o prazo de prescrição.

Assim sendo, naquelas datas iniciou-se novamente o prazo prescricional, o qual, como vimos, antes do seu termo (3 anos), sofreu novas interrupções, com a decisão da autoridade administrativa que procedeu à aplicação da coima, o que se verificou em 11-12-2017, decisão essa notificada à arguida em 15-12-2017, o que consubstancia nova interrupção do prazo.

Por fim, também ainda não decorreu o prazo máximo de prescrição previsto n.º 3 do citado artigo, ou seja, quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão (6 meses), tiver decorrido o prazo de prescrição (3 anos), acrescido de metade (1 ano e meio), o que perfaz 5 anos.

Pelo exposto, conclui-se que o procedimento contraordenacional ainda não se encontra prescrito, pelo que improcede a questão em apreço.

3.2 - Da incompetência da autoridade administrativa para proferir a decisão impugnada judicialmente

Nas conclusões 18ª e 19ª alega a recorrente que a entidade administrativa que proferiu a decisão impugnada judicialmente (ASAE) é incompetente para o efeito, por tal competência estar legalmente atribuída a outras entidades, concretamente a "Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, IP" (ERAR, IP), a "Comissão de Aplicação das Coimas em Matéria Económica e de Publicidade" (CACMEP) e a "Câmara Municipal", o que torna tal decisão nula, nos termos do art. 133º, n.º 2, al. b), do Código do Procedimento Administrativo.

Também esta questão foi suscitada na impugnação judicial da decisão administrativa, tendo sido julgada improcedente pelo Mmº. Juiz na sentença recorrida, em termos que se apresentam inteiramente corretos. Senão vejamos:

A arguida mostra-se condenada pela prática das contraordenações p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 9º, n.º 2, e 31º, n.º 1, al. a) (não sujeição da água distribuída a um processo de desinfeção), bem como dos arts. 10º, n.ºs 1 e 2, e 31º, n.º 2, al. c) (não realização do controlo da qualidade da água destinada a consumo humano - incumprimento dos valores paramétricos), todos do DL n.º 306/2007, de 27 de agosto, alterado pelo DL n.º 92/2010, de 26 de julho, e pelo DL n.º 152/2017, de 7 de dezembro, na redação vigente à data dos factos, o qual estabelece o regime da qualidade da água destinada ao consumo humano, tendo por objetivo proteger a saúde humana dos efeitos nocivos resultantes da eventual contaminação dessa água e assegurar a disponibilização tendencialmente universal de água salubre, limpa e desejavelmente equilibrada na sua composição, revendo o Decreto-Lei n.º 243/2001, de 5 de setembro, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 98/83/CE, do Conselho, de 3 de novembro.

Dispõe efetivamente o art. 3º desse DL n.º 306/2007, invocado pela recorrente, com a epígrafe "Autoridade competente", que "A Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, I. P., abreviadamente designada por ERSAR, I. P., é a autoridade competente para a coordenação e fiscalização da aplicação do presente decreto-lei".

Por seu turno, o art. 33º, n.º 2, do mesmo diploma, sob a epígrafe "Instrução de processos de contraordenação e aplicação de sanções", igualmente convocado pela recorrente, preceitua que "No caso dos sistemas de abastecimento particular, a instrução dos processos compete à ASAE e a aplicação das sanções à Comissão de Aplicação das Coimas em Matéria Económica e de Publicidade".

Porém, como assertivamente é evidenciado na decisão recorrida, o art. 19º, al. b), do DL n.º 194/2012, de 23 de agosto, que aprovou a orgânica da ASAE, revogou o DL n.º 143/2007, de 27 de abril, o qual aprovara a orgânica da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade, mais dispondo expressamente o art. 17º daquele primeiro diploma que "A ASAE sucede nas atribuições da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade no domínio da economia".

Tanto basta, sem necessidade de outras explicitações, para concluir, tal como acertadamente foi feito na decisão recorrida, que a competência para a instrução do processo relativo às duas contraordenações pelas quais a arguida se monstra condenada, bem como para a aplicação das respetivas sanções, pertence à ASAE.

Nestes termos, improcede este segmento do recurso.

3.3 - Da nulidade da decisão administrativa por violação do art. 18º, n.º 1, do RGCO e por falta de fundamentação

Ao longo das conclusões 20ª a 41ª, invoca a recorrente que a autoridade administrativa, na determinação das coimas, não ponderou todos os elementos previstos no art. 18º, n.º 1, do RGCO, concretamente a sua situação económica, já que omitiu qualquer referência aos factos, por si alegados na defesa escrita, de estar a ser objeto de um processo especial de revitalização (PER) e de ser uma associação de utilidade pública, sem fins lucrativos, que não visa o lucro e que atua exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições desportivas, na defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto, omissões essas que, no seu entender, acarretam a nulidade da decisão administrativa, por aplicação do disposto no art. 379º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, em consequência de uma omissão ou deficiência na fundamentação que afeta a plena compreensão do processo lógico e racional que a ela conduziu.

3.3.1 - Dispõe o n.º 1 do art. 58º do RGCO, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, que “A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias dever conter: a) A identificação dos arguidos; b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) – A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) - A coima e as sanções acessórias”.

Por seu turno, nos termos do art. 18º, n.º 1, do mesmo diploma, “A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação”.

Como referem Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa [7], em anotação ao art. 58º do RGCO, «(…) os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória contraordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.

Por isso as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos».

Pese embora a lei não defina qual o âmbito ou rigor da fundamentação imposta pelo citado art. 58º, tem-se entendido [8] que não se exige aqui uma fundamentação com o rigor e a exigência que o art. 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal impõe para a sentença penal. Desde logo porque se trata de uma decisão administrativa, que não se confunde com essa sentença, sendo igualmente distintos o ilícito contraordenacional e o ilícito penal, atentos os interesses e valores em causa. Por outro lado porque a decisão administrativa, quando impugnada, converte-se em acusação, passando o processo a assumir uma natureza judicial (art. 62.º, n.º 1, do RGCO), não se justificando que tenha de obedecer ao mesmo rigor de fundamentação da sentença penal.

Quanto à qualificação do vício decorrente da inobservância dos requisitos exigidos pelo art. 58º, n.º 1, do RGCO, afigura-se-nos ser efetivamente de seguir o entendimento defendido pela recorrente, de que se trata de uma nulidade, por aplicação subsidiária do art. 379º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, nos termos previstos no art. 41º do RGCO, atenta a ausência de disposição neste último diploma que preveja a consequência processual para esse vício [9].

3.3.2 - No caso vertente, insurge-se a recorrente contra a decisão do tribunal a quo, ao julgar improcedente essa nulidade da decisão administrativa, já por si invocada no requerimento de impugnação judicial.

Com efeito, apreciando tal questão, o Mm.º Juiz considerou que «(…) analisada a decisão administrativa, conclui-se que a mesma respeita os requisitos previstos no artigo 58º, do RGCO, mormente no que diz respeito à fundamentação das coimas concretamente aplicadas.

Com efeito, a decisão administrativa, para fixação do montante das coimas, ponderou todos os elementos constantes do artigo 18º, nº 1, do RGCO, ou seja, ponderou a gravidade das contraordenações, da culpa, da situação económica da arguida (sendo certo que a ponderação cabal deste fator foi inviabilizado pela própria arguida que, notificada nos termos e para os efeitos do artigo 50º, do RGCO, não apresentou qualquer elemento documental sobre a sua situação económica, conforme solicitada pela entidade administrativa, limitando-se a invocar que se encontrava sujeita a um PER, sem juntar o respetivo plano - cfr. fls. 28 a 32) e do benefício económico que a arguida retirou da prática da contraordenação, que a decisão administrativa entendeu não ser quantificável.

Face ao exposto, julga-se improcedente a invocada nulidade».

Efetivamente, da leitura da decisão administrativa constata-se que a mesma, no seu item “V - Da Determinação da medida da coima”, contém um ponto 3, em que a autoridade administrativa refere que «A arguida, quanto à sua situação económica, não apresentou nos autos, apesar de notificada para o efeito, quaisquer elementos que permitissem aferir este vetor, o que inviabiliza a sua ponderação em sede decisória».

Mais se constata dos autos que na notificação que lhe foi feita com vista ao exercício do direito de audição e defesa, a arguida foi expressamente esclarecida de que «independentemente de se pronunciar ou não sobre a(s) infração(ões) referida(s) deve, no prazo indicado, enviar elementos sobre a situação económica, nomeadamente fotocópias da última declaração de IRC/S ou indicação do volume de vendas, do número de empregados, das viaturas de serviço, da renda mensal paga no estabelecimento e outros encargos ou rendimentos que possua, solicitando-se igualmente, caso se trate de pessoa coletiva, cópia do respetivo Pacto social ou Estatuto» (cf. fls. 23 a 24).

Porém, na defesa escrita que apresentou, a arguida limitou-se a alegar que requereu um processo especial de revitalização, pelo que os autos deveriam ser suspensos, e que é uma associação de utilidade pública, sem fins lucrativos, que atua exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições desportivas, na defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto, sem, porém, juntar qualquer documento, embora remetendo para a publicação do anúncio do PER publicado no portal Citius e para o Diário da República em que foi publicada a declaração de utilidade pública.

Significa isto que, efetivamente, foi a arguida quem optou por não fornecer elementos de prova tendentes a comprovar a sua situação económica, apesar de ter tido oportunidade de o fazer, uma vez que até foi expressamente notificada para o efeito pela autoridade administrativa. Assim, é insubsistente a alegação da recorrente de que a omissão desses elementos afetou as suas garantias de defesa e dificultou-lhe o exercício do direito de impugnação judicial.

Não merece, pois, censura o decidido pelo Mm.º Juiz.

De todo o modo, sempre se dirá que mesmo entendendo que a autoridade administrativa podia, com toda a facilidade, ter acesso às publicações oficiais indicadas pela arguida, o certo é que as coimas em apreço foram fixadas em € 2.600 e € 1.500, ou seja, em valores muito próximos do limite mínimo da correspondente moldura abstrata, que é de € 2.500 a € 44.890 e de € 1.250 a € 25.000, respetivamente.

Daí que a fixação das coimas nesses valores, mantidos na decisão recorrida, traduza uma correta ponderação da ausência de elementos quanto à caracterização da situação económica da arguida, aliás a ela imputável.

Com efeito, atentos os demais elementos ponderados na determinação das coimas, particularmente a elevada gravidade das infrações, não se vê que os elementos invocados pela arguida, relativos à sua difícil situação económica evidenciada por ter apresentando um PER e à sua qualidade de associação de utilidade pública, pudessem justificar a fixação de valores mais reduzidos.

Conclui-se, assim, que a decisão administrativa não padece do vício que lhe é assacado pela recorrente, com fundamento em alegada omissão de ponderação da sua situação económica na determinação das coimas, conforme imposição do art. 18º, n.º 1, do RGCO, cumprindo, pois, o requisito exigido no art. 58º, n.º 1, al. c), parte final, do mesmo diploma, ou seja, a fundamentação da decisão.

Consequentemente, carece de razão a recorrente ao invocar a nulidade da decisão administrativa, por preterição de formalidades relativas à respetiva fundamentação.

Refira-se que também não faz qualquer sentido falar em vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, como a recorrente menciona na conclusão 28ª, por não estarmos perante uma sentença penal.

Por fim, ainda a propósito dos requisitos de fundamentação da decisão administrativa, alega a recorrente (conclusões 34ª a 37ª) que a mesma não permite compreender satisfatoriamente o raciocínio nela efetuado sobre a ponderação da gravidade da infração e o juízo de censura (dolo eventual), uma vez que, para tanto, a entidade administrativa refere que “é do conhecimento comum, entre os empresários deste ramo de atividade as obrigatoriedades de, nas respetivas instalações desportivas, sujeitar a água destinada ao consumo humano a um processo de desinfeção, devendo realizar igualmente um controlo de qualidade da água, de forma a assegurar o cumprimento das condições técnicas e de segurança exigíveis para a prossecução das atividades”, quando em momento algum da instrução do processo, nem posteriormente dos factos dados como provados na sentença recorrida, ficou demonstrado que os diretores do clube recorrente são “empresários” e/ou eram conhecedores das imputadas obrigatoriedades.

Porém, esta argumentação extravasa o âmbito de qualquer vício por falta ou deficiência de fundamentação da decisão, prendendo-se antes com o mérito da decisão sobre a matéria de facto, cuja impugnação está, como já referimos, subtraída à apreciação deste tribunal.

Pelo exposto, improcede a questão em análise.

3.4 - Do não preenchimento dos elementos típicos das contraordenações e da violação do princípio do contraditório

Alega também a recorrente (conclusões 42ª a 47ª) não ter praticado qualquer facto suscetível de integrar as contraordenações pelas quais foi condenada, uma vez que, conforme se encontra dado como provado no ponto 5, a água para beber e consumida no seu estádio era engarrafada e, por outro lado, a água utilizada nos serviços de bebidas prestados nas duas dependência do estádio é da exclusiva responsabilidade dos seus exploradores e não sua, facto este que foi totalmente desconsiderado na sentença recorrida, que nem sequer o aprecia.

Recorde-se que as condutas contraordenacionais em apreço e imputadas à arguida traduzem-se em, enquanto gestora do sistema de abastecimento de água ao estádio de futebol por si explorado, não ter assegurado um adequado tratamento da água destinada ao consumo humano, designadamente sujeitando-a a um processo de desinfeção, nem ter realizado o respetivo controlo de qualidade - arts. 9º, n.º 1, e 10º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 306/2007, que estabelece o regime da qualidade da água destinada ao consumo humano.

Ao aludir apenas, na alegação em apreço, à água para beber e consumida no estádio e à água utilizada nos serviços de bebidas prestados no mesmo, a recorrente parece restringir o consumo humano de água à respetiva ingestão, o que é manifestamente errado.

Com efeito, o art. 2º, al. a), do referido diploma define “água destinada ao consumo humano” como “i) Toda a água no seu estado original, ou após tratamento, destinada a ser bebida, a cozinhar, à preparação de alimentos, à higiene pessoal ou a outros fins domésticos, independentemente da sua origem e de ser fornecida a partir de uma rede de distribuição, de um camião ou navio-cisterna, em garrafas ou outros recipientes, com ou sem fins comerciais;” (sublinhado nosso).

Ora, como resulta dos pontos 1º e 2º da matéria provada, os factos integrantes dos elementos objetivos das contraordenações em questão consistem em a água proveniente de captações próprias/particulares, sem sujeição a qualquer tipo de tratamento e controlo que visasse garantir a sua potabilidade e que, efetivamente, era imprópria para consumo humano, constituindo um risco para a saúde, se destinar a ser utlizada no estádio de futebol da recorrente nomeadamente na higiene pessoal dos praticantes desportivos ou outros.

Já a utilização exclusiva dessa água para a rega dos campos de futebol e limpeza das instalações desportivas, conforme alegado pela arguida no seu requerimento de impugnação judicial, foi dada como não provada.
Está, pois, demonstrada a utilização da água no consumo humano, concretamente na vertente de higiene pessoal, mostrando-se, pois, preenchido o elemento objetivo típico das contraordenações que é posto em causa pela recorrente.

Conexionada com esta questão de a sua conduta não integrar tais infrações, invoca também a recorrente (conclusão 45ª) que, quer na instrução do processo administrativo, quer na fase judicial, não lhe foram dados a conhecer os resultados das análises à água, juntos a fls. 5 a 13, desconhecendo, pois, qualquer análise microbiológica à mesma, não lhe tendo sido igualmente dado conhecimento nem possibilidade de requerer a contra-análise, o que viola o princípio do contraditório.

Não tem porém, qualquer razão.

Desde logo porque como a própria recorrente afirma, o resultado das análises bacteriológicas e físico-químicas efetuadas às amostras de água recolhida nas suas instalações desportivas encontra-se junto aos autos (fls. 5 a 13), acompanhando o auto de notícia que deu origem aos mesmos.

Acresce que, quer na notificação efetuada à recorrente no âmbito do exercido do direito de audição e de defesa, quer na decisão administrativa, que com a apresentação dos autos ao juiz pelo Ministério Público, vale como acusação (art. 62º, n.º 1, do RGCO), é feita alusão ao resultado das referidas análises (cf. fls. 23 a 46), com menção expressa de que as mesmas se encontram a fls. dos autos.

Como é entendimento pacífico, para que se respeite o princípio do contraditório, basta que as provas documentais existam no processo com pleno conhecimento dos sujeitos processuais, que, assim, podem inteirar-se da sua natureza, importância, conteúdo e valor probatório, para que possam requerer o que se lhes afigurar pertinente sobre elas, bem como examiná-las, contraditá-las e realçarem o que, do seu ponto de vista, valem em termos probatórios.

Foi o que sucedeu no caso dos autos, porquanto, logo no início dos mesmos e, posteriormente, na decisão administrativa, foi dado conhecimento à arguida de que através do resultado das análises microbiológicas efetuadas às amostras recolhidas nas suas instalações, juntas a fls. do processo, se verificou que a água não cumpria os parâmetros legalmente estatuídos, tendo sido avaliada e classificada como imprópria para consumo humano, constituindo um risco para a saúde.

E constando efetivamente o resultado dessas análises dos autos, acompanhando o auto de notícia, a recorrente, quer na fase administrativa, quer em sede de impugnação judicial, teve a oportunidade de o examinar, impugnar ou questionar o seu valor probatório. Se o não fez foi porque não quis ou porque não tinha motivos para tanto.
Manifestamente não ocorreu qualquer violação do princípio do contraditório.
Por tudo quanto fica exposto, improcede o segmento em apreço do recurso.

3.5 - Da violação do princípio da proporcionalidade

Nas conclusões 48ª a 56ª, alegando que é uma associação desportiva sem fins lucrativos, que tem uma situação económica difícil e de insolvência iminente, que não tem antecedentes contraordenacionais, que não retirou qualquer proveito económico com a prática das contraordenações, que a legalidade foi reposta logo no dia seguinte à visita inspetiva e que o seu estádio está licenciado pelas autoridades, a recorrente defende que a coima única que lhe foi aplicada é desproporcional, sendo a sentença recorrida inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade consagrado no art. 18º da Constituição da República Portuguesa, invocando, assim, “para os devidos efeitos” (sic), a inconstitucionalidade, por violação do mesmo princípio, das normas dos arts. 9º, nº 2, e 31º, nº 1, al. a), do DL n.º 306/2007, ou seja, dos preceitos com base nos quais foi condenada por uma das contraordenações em apreço (não sujeição de água destinada a consumo humano a um processo de desinfeção), já que o restante artigo por si invocado (24º, n.º 1, do DL n.º 141/2009) tem a ver com a contraordenação relativamente à qual foi absolvida na sentença recorrida.

Quer-nos parecer que a recorrente mistura e confunde duas coisas distintas: por um lado a impugnação, por o reputar excessivo, do montante da coima única fixado pelo tribunal a quo, violando, assim, o princípio constitucional da proporcionalidade. Por outro, a inconstitucionalidade da norma que estabelece os limites (mínimo e máximo) da moldura abstrata da coima prevista para uma das contraordenações, por violação do mesmo princípio da proporcionalidade.

Em relação a esta segunda questão, a recorrente limita-se a invocar a inconstitucionalidade normativa, embora sem alegar expressamente que os limites da sanção cominada pelo legislador são inadequados ou manifestamente excessivos, e, por isso, proibidos pelo princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado.

Não obstante, sempre diremos que, como se refere no acórdão n.º 67/2011 [10] do Tribunal Constitucional:

«(…) o legislador ordinário goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, desde que respeitados os limites fixados pelo regime geral do ilícito contraordenacional e que as sanções aplicadas sejam “efetivas”, “proporcionadas” e “dissuasoras”, de modo a garantir o efeito preventivo daquelas, sob pena de os destinatários das normas não se sentirem compelidos a cumpri-las (com efeito, a fixação de coimas com montantes irrisórios face ao benefício colhido da prática do ilícito contraordenacional tende a enfraquecer o próprio cumprimento da lei; assim, ver Paulo Otero / Fernanda Palma, Revisão do Regime Legal do Ilícito de Mera Ordenação Social, in «RFDUL» (Separata), 1996, n.º 2, pp. 562 e 563).

Neste sentido, o Tribunal Constitucional tem reconhecido ao legislador ordinário uma livre margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar (ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/00, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade ou de excessiva amplitude entre os limites mínimo e máximo. (…)

Na linha da jurisprudência consolidada neste Tribunal, a propósito da fixação dos montantes das coimas a aplicar (a título de exemplo, ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/2000, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), o Tribunal Constitucional deve coibir-se de interferir diretamente nesse espaço de livre conformação legislativa, apenas lhe cabendo – sempre que necessário – acautelar que tais opções legislativas não ferem, de modo flagrante e manifesto, o princípio da proporcionalidade. A este propósito, deve sempre ter-se presente que “Só um método interpretativo rigoroso e controlado limita a invasão pelos tribunais constitucionais da esfera legislativa e impede a atividade judicativa de se tornar um «contrapoder legislativo»” (Fernanda Palma, O legislador negativo e o intérprete da Constituição, in «O Direito», 140º (2008), III, 523)”».

Ora, no caso vertente, tendo em conta a natureza da conduta sancionada (distribuição de água para consumo humano sem a submeter a um processo de desinfeção), pela relevância dos valores que são postos em causa (saúde), não se nos afigura que seja merecedora de qualquer juízo de censura, com fundamento na violação do princípio da proporcionalidade ínsito no art. 18º da Constituição, a opção legislativa de estabelecer uma coima de € 750 a € 3.740, quando os factos sejam praticados por pessoa singular, e de € 2.500 a € 44.890, quando praticados por pessoa coletiva, por tais valores não serem manifesta e claramente desadequados, excessivos ou inadmissíveis, face à gravidade do comportamento sancionado.

Entendemos, pois, inexistir a apontada violação do citado preceito constitucional.

Quanto à questão da excessividade da coima única fixada pelo tribunal a quo em € 3.200, estando em causa um concurso efetivo de duas contraordenações, a coima será apenas uma, resultando o seu limite máximo da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso (in casu € 4.100), sem poder exceder o dobro do limite máximo mais elevado das coimas concretamente aplicadas a essas infrações (limitação esta desnecessária no caso concreto, por ser de € 89.780, ou seja, superior aos referidos € 4.100), e correspondendo o limite mínimo à mais elevada das coimas concretamente aplicadas (€ 2.600) - art. 19, n.ºs 1, 2 e 3, do RGCO. E na graduação desta coima única, entre esses limites, voltarão a ser ponderados todos os fatores que possam relevar para a aplicação duma sanção adequada ao comportamento da arguida, encarado numa visão global.

Refere Paulo Pinto de Albuquerque [11] que na determinação da coima única deve-se atender à “apreciação conjunta dos factos e da responsabilidade social-adscritiva do agente. (…) Em regra, a coima única deve aproximar-se dos limites máximos da soma das coimas concretamente aplicadas, devendo ser ponderadas em favor do agente quaisquer circunstâncias atenuantes ainda não avaliadas aquando da determinação do valor concreto de cada coima.".

No caso vertente, pese embora a circunstância de se tratarem apenas de duas contraordenações, conexionadas entre si (distribuição de água para consumo humano sem ser submetida a um processo de desinfeção e a um controlo de qualidade), ocorridas no mesmo circunstancialismo, com idêntica natureza e violando o mesmo bem jurídico, tendo em conta a gravidade das infrações e a responsabilidade que era exigida à arguida, enquanto gestora do sistema de abastecimento de água ao seu recinto desportivo, sem ter assegurado um adequado tratamento da água destinada ao consumo humano, afigura-se-nos que, dentro da moldura abstrata aplicável (€ 2.600 a € 4.100), a coima única fixada pela instância recorrida em € 3.200 se apresenta como necessária e adequada, de modo algum se revelando desproporcional, pelo que deve ser mantida.
Pelo exposto, também nesta parte improcede o recurso.

3.6 - Da não aplicação da sanção de admoestação

Nas conclusões 57ª a 62ª, a recorrente propugna pela aplicação, ao invés de uma coima, de uma mera admoestação, ao abrigo do disposto no art. 51º do RGCO, alegando, para tanto, que a sua conduta foi meramente negligente, na modalidade de negligência inconsciente, e não gravemente culposa, que dela não resultaram danos nem retirou qualquer benefício económico, que a infração é de reduzida gravidade, que é uma instituição que não visa o lucro, que apresenta uma situação económica difícil e que não possui antecedentes contraordenacionais.

3.6.1 – De acordo com o disposto no n.º 1 do citado preceito, nos casos em que a reduzida gravidade da contraordenação e da culpa do agente o justifique, a autoridade administrativa pode proferir uma admoestação em vez da coima e sanções acessórias abstratamente aplicáveis.

Constituem, pois, pressupostos da aplicação desta medida que, em concreto, se verifique uma diminuição da gravidade da contraordenação e da culpa do agente, a aferir por referência a um padrão médio, de modo tal que, no caso concreto, em função dos factos provados que a evidenciem, a imagem global da gravidade da contraordenação e da culpa do agente se apresente sensivelmente inferior ao que é comum.

Essa possibilidade está desde logo reservada para as contraordenações de reduzido grau de ilicitude.

Por seu lado, a referência à culpa tem como objetivo aludir aos casos em que o respetivo grau seja reduzido, designadamente quando haja uma atuação negligente ou circunstâncias que atenuem a culpa, particularmente circunstâncias externas que tenham constituído um incentivo para a prática dos factos ou que, à face da lei, permitam uma atenuação especial, como é o caso de erro censurável sobre a ilicitude e de tentativa, nos termos previstos nos arts. 9º, n.º 2, e 13º, n.º 2, do RGCO [12].

3.6.2 – No caso dos autos, o Mº. Juiz a quo, tendo presentes esses pressupostos de que depende a aplicação da sanção de admoestação, expressamente a afastou, com o fundamento de que «(…) os factos assumem gravidade não negligenciável, atendendo aos bens jurídicos violados (designadamente saúde) para além de que a arguida atuou com dolo, ainda que eventual (…)».

A matéria de facto dada como provada no ponto 4º, concretamente que «a arguida sabia estar obrigada a sujeitar a água destinada ao consumo humano a um processo de desinfeção, devendo realizar igualmente um controlo de qualidade da água, de forma a assegurar o cumprimento das condições técnicas de segurança exigíveis para a prossecução da sua atividade, o que não fez nem acautelou, tendo previsto, e aceitado tais factos, bem sabendo que tal incumprimento era punida por lei», revela, como efetivamente foi considerado na sentença recorrida, uma atuação dolosa, ainda que na modalidade menos intensa (dolo eventual) e não meramente negligente, como erradamente sustenta a recorrente.

Com efeito, de acordo com o disposto no art. 14º, n.º 3, do Código Penal, verifica-se essa forma de dolo quando a realização de um facto típico for representada como consequência possível da conduta e o agente atuar conformando-se com essa realização, como foi o caso.

Por seu lado, nada autoriza a conclusão de que o grau de ilicitude é reduzido, desde logo em face dos consideráveis limites mínimo e máximo da moldura abstrata da coima aplicável a cada uma das contraordenações (€ 2.500 a € 44.890 e € 1.250 a € 25.000), reveladores da relevância atribuída pelo legislador às infrações em causa, por atentarem contra importantes direitos individuais, designadamente a saúde, através do consumo de água imprópria para o efeito, cuja tutela constitui uma preocupação crescente, por forma a otimizar a qualidade da água no consumidor.

Aliás, como se pode ler no seu art. 1º, o DL n.º 306/2007, ao estabelecer o regime da qualidade da água destinada ao consumo humano, procedendo à revisão do Decreto-Lei n.º 243/2001, de 5 de setembro, que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Diretiva n.º 98/83/CE, do Conselho, de 3 de novembro, teve por principal objetivo proteger a saúde humana dos efeitos nocivos resultantes da eventual contaminação dessa água e assegurar a disponibilização tendencialmente universal de água salubre, limpa e desejavelmente equilibrada na sua composição.

Por fim, refira-se que parte das circunstâncias invocadas pela recorrente, nomeadamente a sua natureza de instituição que não visa o lucro, a sua situação económica difícil e a ausência de antecedentes, não são suscetíveis de militar no sentido de reduzir a gravidade da ilicitude ou da culpa.

Em suma, os factos que ficaram provados não revelam uma qualquer redução da gravidade da contraordenação, por referência ao padrão médio comum, e da culpa do agente, em vista da forma de imputação, que suporte a pretensão em análise da recorrente.

Pelo exposto, concorda-se inteiramente com a decisão do Mmº. Juiz a quo, ao considerar não estarem reunidos os apontados pressupostos legais para sancionar a recorrente com a aplicação de uma mera admoestação, impondo-se a aplicação das coimas, aliás, fixadas em € 2.600 e € 1.500, ou seja, a roçar o mínimo previsto na respetiva moldura legal (€ 2.500 e € 1.250, respetivamente).

A este propósito, note-se que apesar de a recorrente, na conclusão 57ª, na qual enuncia as questões que suscita até à conclusão 62ª, referir que impugna e contesta a medida das coimas parcelares fixadas, por excessivas, o certo é que em parte alguma das conclusões e da própria motivação desenvolve minimamente qualquer argumentação no sentido de o demonstrar.

Aliás, como já referimos supra (ponto 3.3.2), tendo tais coimas sido fixadas praticamente no limite mínimo da respetiva moldura abstrata, em face dos factos apurados não se vislumbram razões suficientes para proceder à sua redução, sendo que esses montantes já expressam adequadamente a ponderação das circunstâncias relativas à menor intensidade do dolo e à situação económica difícil da arguida, bem como à sua conduta posterior aos factos, por ter solucionado rapidamente o problema, passando a ser abastecida por água distribuída por empresa municipal, e à ausência de antecedentes contraordenacionais, revelando inexistirem particulares necessidades de prevenção especial, sendo certo que, por seu turno, a gravidade das infrações e as exigências de prevenção geral, pela relevância do bem jurídico tutelado, não são despiciendas.

Improcede, assim, o segmento em análise do recurso.

2.7 - Da condenação da arguida em custas

O derradeiro motivo de inconformismo da recorrente (conclusões 63ª a 74ª) prende-se com a interpretação feita pelo tribunal a quo do art. 4º, n.º 1, al. f), do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26/02, com base na qual o Mmº. Juiz considerou que «apesar da arguida beneficiar do estatuto de pessoa coletiva de utilidade pública, o certo é que os presentes autos dizem respeito a impugnação judicial, não se podendo concluir que, in casu, a arguida esteja a atuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto - artigo 4º, n.º 1, alínea f), do RCP» e, em conformidade, decidiu fixar as «custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC - artigo 8º n.º 3 e Tabela III, do RCP».

Posição contrária defende a recorrente, sustentando que embora o objeto do processo não corresponda imediatamente à prossecução dos seus fins institucionais, encontra-se com estes numa relação de instrumentalidade, uma vez que a sua eventual responsabilidade contraordenacional advém do desenvolvimento do seu escopo social, como seja o fomento e a prática do desporto que, por estatuto lhe incumbe, estando em causa a apreciação de uma legalidade no estádio que destina ao seu fim estatutário.

2.7.1 - Os casos de isenção de custas processuais estão elencados no art. 4º do referido Regulamento, isenções essas que são estabelecidas em função das entidades que são parte nos processos e da natureza das questões, dos direitos e dos interesses ou da relação material que é objeto dos mesmos.
Nos presentes autos, a arguida é uma pessoa coletiva privada sem fins lucrativos, pelo que se inclui no círculo das pessoas abrangidas pela isenção prevista na citada al. f) do n.º 1 do art. 4º do RCP.

Porém, como resulta deste preceito legal, as entidades aí mencionadas estão isentas de custas “quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos respetivos estatutos ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável".

Trata-se, pois, de uma isenção de custas restrita, uma vez que a pessoa coletiva privada sem fim lucrativo só beneficia dela se a sua atuação no processo se inserir em alguma dessas duas situações, ou seja, se atuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão estatutária ou legalmente conferidos. Será o caso de direitos e/ou obrigações necessários e decorrentes do normal atuar da pessoa, tendo em vista alcançar os fins de interesse público em razão dos quais foi erigida.

Note-se que a isenção em apreço está, também, limitada pelo que se prescreve nos n.ºs 5 e 6 do citado artigo 4º do RCP ao estabelecer que a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido, bem como que é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respetiva pretensão for totalmente vencida.

Como comenta Salvador da Costa [13]:

«Esta isenção é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que à comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar, pelo que lhe subjaz o desiderato de tutela do interesse público. (…)

As mencionadas pessoas coletivas de natureza jurídica provada abrangem as pessoas coletivas de mera utilidade pública, incluindo as associações sindicais e patronais, as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.
Têm de comum o facto de serem pessoas coletivas de direito privado, não administradas pelo Estado, com autonomia em relação a ele, que prosseguem objetivos de interesse público e atam nos processos judicias do lado ativo ou passivo, no âmbito das suas especiais competências ou para defender os interesses que lhes estão especialmente conferidos.

É, no entanto, uma isenção de custas restrita, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respetivo estatuto, ou pela própria lei, que coincidam com o bem comum. O seu reconhecimento depende da demonstração, pelas partes em causa, das suas especiais atribuições estatutárias.

Considerando a história deste preceito, reportado às instituições particulares de solidariedade social e às pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, propendemos em considerar que esta isenção não abrange as ações que não tenham por fim direto a defesa dos interesses que lhe estão especialmente confiados pela lei ou pelos seus estatutos. Nesta perspetiva, esta isenção não abrange as ações cujo objeto sejam obrigações ou litígios derivados de contratos que essas pessoas celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições».

Em face do exposto, não pode ser considerada bastante para operar a isenção de custas em questão, como defende a recorrente, uma mera instrumentalidade entre o objeto do processo e a prossecução dos fins institucionais da pessoa coletiva, sob pena de se abranger pela norma aquilo que o legislador não terá querido.

Com efeito, estando em causa uma pessoa coletiva sem fins lucrativos, facilmente se encaixaria todo o tipo de ações nos pressupostos necessários à isenção, inutilizando o caráter limitado previsto na norma.

Se tivesse sido essa a intenção do legislador, certamente que teria previsto a isenção subjetiva, sem a fazer depender do apontado carácter restritivo.

Por conseguinte, não pode proceder a argumentação de que as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos prosseguem sempre, indireta e instrumentalmente, as atribuições e interesses que lhes cabem, sob pena de total esvaziamento da previsão legal e desvirtuamento dos objetivos prosseguidos com o estabelecimento das mencionadas condicionantes.

Importante será, pois, averiguar se o objeto do processo se insere na decorrência natural do atuar da pessoa coletiva na prossecução das suas atribuições e/ou interesses ou numa atuação necessária a essa prossecução.

2.7.2 - Ora, no caso vertente, como decorre da matéria de facto provada, a arguida é uma associação desportiva que tem como fim social desenvolver a educação física e o desporto, promovendo a sua prática e expansão, especialmente entre os associados, proporcionando-lhes igualmente meios de cultura e distração.

Acresce que vive financeiramente das quotas dos sócios, de donativos de sócios beneméritos e algumas empresas e de subsídios para a formação de jovens atletas, pelo que se enquadra na categoria de pessoa coletiva privada sem fim lucrativo.

Porém, as contraordenações pelas quais foi condenada traduzem-se em as suas instalações desportivas, concretamente o estádio, serem abastecidas por água proveniente de captações próprias/particulares, sem ser sujeita a qualquer tipo de tratamento e controlo, que visasse garantir a sua potabilidade, pese embora se destinasse ao consumo humano, nomeadamente à higiene pessoa dos praticantes desportivos e outros.

Sendo assim, afigura-se-nos que, tal como entendeu o Mmº. Juiz, não estamos perante qualquer atuação respeitante ao âmbito das especiais atribuições da arguida, nem para defesa dos interesses que especialmente lhe estão conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.
O objeto do processo, traduzido em condutas contraordenacionais da arguida, não se insere na decorrência natural do atuar da mesma na prossecução das suas atribuições e/ou interesses, nem numa atuação necessária a essa prossecução.

Tais condutas não se reportam exclusiva e diretamente às especiais atribuições da arguida ou dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto, tratando-se antes de atuações que poderão ser comuns a qualquer pessoa coletiva privada sem fins lucrativos da mesma natureza, ou mesmo de outra, sem terem uma conexão direta, e muito menos exclusiva, com as especiais atribuições daquela.

Ou seja, tratando-se de uma situação de impugnação judicial da decisão administrativa que condenou a arguida por práticas contraordenacionais, os interesses subjacentes à proteção dessas infrações não lhe estavam especialmente confiados pelos estatutos ou pela lei.

Como tal, a arguida não beneficia da isenção de custas prevista na al. f) do n.º 1 do art. 4º do RCP.

Num caso com semelhanças com o presente, decidiu esta Relação [14] que «a isenção prevista no na al. f), do nº 1 do artº 4º do RCP não abrange a ação executiva para pagamento de coima e de custas em que foi condenada a pessoa coletiva privada sem fim lucrativo, em sentença do respetivo recurso de impugnação judicial da decisão proferida por entidade competente, pela prática de contraordenação e que se traduziu no funcionamento dum lar de idosos sem que possuísse alvará/licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento».
Improcede, portanto, a questão em apreço.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pela arguida, F. C. V., confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta (art. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ex vi do art. 74º, n.º 4, do DL n.º 433/82, de 27 de outubro, art. 93º, n.º 3, deste último diploma, art. 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa ao mesmo).
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(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
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Guimarães, 10 de julho de 2018

(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)


[1] - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de gralhas evidentes, a formatação e a ortografia utilizadas, que são da responsabilidade do relator.
[2] - Cf. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série-A, de 28-12-1995.
[3] - Seguida, nomeadamente, nos acórdãos do TRC de 18-11-2009 (processo n.º 142/09.7TAILH.C1) e do TRP de 09-09-2015 (processo n.º 67/14.4TBVFR.P1), disponíveis em http//www.dgsi.pt.
[4] - Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, 1992, págs. 708-709.
[5] - Contraordenações, Anotações ao Regime Geral, Coleção Direito, Áreas Editora, 6ª edição, 2011, pág. 270.
[6] - Cf., nomeadamente, o acórdão do TRP de 26-10-2017 (processo n.º 7/17.9T8ETR.P1), disponível em http://www.dgsi.pt.
[7] - Ob. cit., págs. 423-424.
[8] - Cf., nomeadamente, o acórdão do TRC de 12-07-2011 (processo n.º 990/10.5T2OBR.C1), disponível em http://www.dgsi.pt.
[9] - Vd., nesse sentido, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., págs. 426-429, bem como os acórdãos do STJ de 21-09-2006 (processo n.º 06P3200), do TRE de 17-10-2006 (processo n.º 2194/06-1), do TRL de 28-04-2004 (processo n.º 1947/2004-3) e do TRP de 27-02-2002 (processo n.º 0111558) e de 24-02-2010 (processo n.º 10798/08.2TBMAL.P1), todos disponíveis em http//www.dgsi.pt.
[10] - Processo n.º 76/2010, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110132.html.
[11] - Comentário do Regime Geral das Contraordenações, Universidade Católica Portuguesa, 2011, pág. 89.
[12] - Vd. Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., pág. 394.
[13] - As Custas Processuais, Análise e Comentário, 6ª Edição, 2017, Almedina, págs. 104-105.
[14] - No acórdão de 04-10-2017 (processo n.º 11/14.9TTVRL-A.G1), disponível em http://www.dgsi.pt.