Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
13/12.0GAVVD-A.G1
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
INCUMPRIMENTO CULPOSO
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Tendo um arguido incumprido culposamente a prestação de trabalho a favor da comunidade que lhe foi imposta ao abrigo do disposto no artº 52º do Código Penal, ainda que com o seu consentimento, como condição da suspensão da execução da pena de prisão cominada, não existe fundamento legal para a declaração de revogação da suspensão da execução dessa pena.

II) É que a lei substantiva penal não permite a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão à condição de cumprimento de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No processo sumário nº 13/12.0GAVVD, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Local Criminal de Vila Verde, em que é arguido L. M., com os demais sinais nos autos, a Exma Senhora Juíza, proferiu despacho, datado de 24.02.2017, em que procedeu à revogação da suspensão da pena e ordenou o cumprimento da pena de nove meses de prisão em que havia sido condenado.

2. Não se conformando com a mencionada decisão, dela interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

1. Com o devido respeito, que é merecido, o Arguido/Recorrente não se pode conformar com o douto despacho proferido merecendo o mesmo censura.

2. A título de celeridade processual transcreve-se a sentença dos presentes autos, que data de 18/01/2012.

a) Condenar o arguido L. M., pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2 do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 09 (nove) meses de prisão;

b) Suspender a pena de 09 (nove) meses de prisão aplicada ao arguido L. M., pelo período de 01 (um) ano, na condição do arguido entregar às Bombeiros Voluntários, dentro do prazo da suspensão, a quantia de 500,00€ (quinhentos euros), disso fazendo prova nos autos;

c) condenar o arguido L. M. no pagamento de custas judiciais, que englobam taxa de justiça e encargos, fixando-se aquela em 02 UC, reduzida a metade em virtude da confissão.”

A – Da necessidade de audição do arguido

3. Salvo o devido respeito, estando em causa a liberdade, antes de ser proferido o despacho que lhe revogue a suspensão da pena de prisão e determine o cumprimento da pena de prisão o arguido devia ter sido ouvido.

4. Não tendo sido o arguido ouvido pessoalmente sobre a dita possibilidade: formalidade essencial, cuja violação gera nulidade, de conhecimento oficioso nos termos do artigo 119.º, alínea c), do CPP.

5. “A audição deve ser pessoal e presencial.” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 20/11.0PASJM-A.P1, Relator: NETO DE MOURA, De : 30-04-2014.)

6. Destarte, deve ser revogado o despacho recorrido, devendo ser substituído por outro que previamente à revogação da suspensão da pena de prisão, determine a notificação do arguido para se pronunciar pessoalmente em juízo.

B – Da Revogação da Suspensão da Pena de Prisão

7. Nos autos não foi efetuada a ponderação dos valores da pena aplicada in casu para a revogação da suspensão da pena de prisão, salvo o devido respeito, que é muito.

8. A decisão recorrida fundamenta-se, unicamente, nas falhas que o arguido foi perpetrando, para afirmar que ele não aproveitou a oportunidade que lhe foi concedida com a suspensão da pena de prisão.

9. O arguido confessou integralmente e sem reservas a prática dos factos constantes da acusação.

10. O arguido na altura dos factos frequentava já a escola de condução, conforme referido na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento do Processo nº 333/10.8GTBRG (fls.73).

11. O arguido quando foi notificado compareceu e justificou as suas faltas, deixou claro nos autos que não cumpriu motivos que lhe são externos.

12. O arguido sempre expressou a sua disponibilidade para retomar o cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, o que se constata quando por exemplo em 12/05/2015 alegou dificuldades de transporte (fls.255).

13. Faltou em alguns dias mas justificou previamente a sua falta.

14. A condição a que o arguido se encontrava obrigado, esteve desde o seu início eivada de vicissitudes pelas quais o mesmo nem sempre foi responsável, pois, houve necessidade de mudança de locais da prestação em causa, devido não a constrangimentos pessoais do arguido, mudança de residência e incompatibilidades de horários de trabalho deste, como essa mudança se prendeu também com outros problemas resultantes dos responsáveis pelos locais onde eram prestados, condições atmosféricas.

15. É de salientar ainda o tempo que já decorreu desde a prática dos factos, que ocorreram em 07 de janeiro de 2012, cerca de 5 (cinco) anos.

16. O arguido teve uma adolescência, início de idade adulta, pautada pela morte da sua progenitora, e pelos consumos de álcool do progenitor.

17. O arguido está a recompor a sua vida.

18. Só há cerca de um ano e meio o arguido conseguiu libertar-se dos hábitos anteriores, pautados pela vida desinteressada e contrária ao direito, e do deambular pelos cafés.

19. Atualmente, o arguido tem uma vida laboral, social e emocional estável.

20. Em termos profissionais, o arguido celebrou um contrato de trabalho a termo com a empresa RC - Remodelação e Revestimentos –Unipessoal, Lda., sedeada em …. (Contrato de trabalho junto aos autos).

21. A nível social e emocional o arguido está estável.

22. Mantém contactos com o núcleo da sua família, quando pode ajuda o seu irmão a tratar dos sobrinhos.

23. Afastou-se das más companhias, e está a recompor a sua vida, resolvendo todos os seus problemas judiciais.

24. No processo 573/11.2GFVNG, Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia - Juiz 2 a pena de prisão em que foi condenado, embora suspensa na sua execução já foi declarada extinta pelo seu cumprimento.

25. No Processo nº333/10.8GTBRG, o arguido foi condenado na pena de 5 meses de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade, como autor de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por sentença proferida em 30/05/2011. Contudo, foi revogada a medida de prestação de trabalho a favor da comunidade, por decisão proferida em 20/09/2016.~

26. O arguido recorreu desta decisão, e o recurso foi procedente quanto à revogação da decisão da prestação a favor da comunidade.

27. Entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães dar uma oportunidade ao arguido em acórdão datado de 20/03/2017.

28. Nesta senda deve manter-se a oportunidade dada, para que esta seja real e efectiva.

29. Tem uma relação estável com uma jovem, A. P., com quem reside na casa dos pais do arguido e com quem pretende constituir família.

30. Vai ser pai em Novembro de 2017.

31. Na escolha da pena a finalidade primordial é a proteção de bens jurídicos e, sempre que possível, a reintegração do agente na sociedade, estas finalidades devem estender-se a todas as decisões do sistema penal.

32. Pelo que, o arguido mudou, mudou a sua vida, os seus hábitos.

33. Uma prisão efetiva ia afetar a sua reintegração na sociedade, o arguido ia sentir que não está apoiado pelo sistema.

34. Com a prisão efetiva o arguido vai perder o seu contrato de trabalho.

35. Vai perder o início da vida do seu filho.

36. Face a todo este circunstancialismo, entendemos, salvo o devido respeito, que dando-se-lhe mais uma oportunidade, quiçá a derradeira, para em liberdade poder refletir sobre o seu passado.

37. E continuar este novo processo de vida adequado à sua reinserção na coletividade, estarão asseguradas as necessidades de prevenção geral e especial, e realizadas de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

38. “A revogação do trabalho a favor da comunidade nos termos do artigo 59.ºn.º2 do Código Penal, pressupõe sempre uma actuação, no mínimo, culposa do condenado, por nela se fazer referência a uma actuação grosseira, expressão que, naturalmente, denuncia a intenção do legislador de fazer relevar apenas condutas merecedoras de grave censura.

Não basta uma qualquer violação destes deveres e obrigações, exigindo-se antes que ela ocorra em grau particularmente elevado, assumindo-se como intolerável, face aos fins que determinaram a aplicação da suspensão da pena de prisão.

39. Nesse sentido, a violação grosseira de que fala a norma, há-de traduzir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorre, não merecendo assim ser tolerada.” ( Cf. Acórdão da Relação de Guimarães, de 20/03/2017, Processo n.º333/10.8GTBRG-J.G1).

40. Não existem elementos de facto para concluir que o condenado actuou de forma grosseira (com culpa).

41. O condenado oferece condições pessoais essenciais ao êxito do seu processo de reinserção social em liberdade e revela motivação necessária.

42. Neste sentido, entendemos existirem sérias razões para crer que a manutenção da suspensão da execução da pena de prisão com a condição da prestação de trabalho a favor da comunidade, resultam vantagens para a reinserção social do ora Recorrente.

43. Como circunstância posterior ao facto, verificamos um esforço, com sucesso, de reintegração social e profissional por parte do arguido, o que demonstra um verdadeiro arrependimento do agente, que já é portador de Carta de Condução, conforme consta dos autos.

44. “O referido juízo preventivo reporta-se ao momento em que o tribunal aprecia a situação e não ao momento em que o agente cometeu o crime, devendo por isso ser tido em conta o tempo entretanto recorrido entre este momento e a data da audiência do tribunal.” ( Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/11/2008, in CJ, XXXIII, 5, 135).

45. Assim, é de pressupor com toda a certeza que a manutenção da suspensão da pena de prisão, irá propiciar ao jovem o afastamento do crime e a sua aceitação pela sociedade, bem como a benevolência de tal medida de clemência será bem aceite e compreendida por todos, pois que é necessário ser duro, mas sem jamais perder a ternura.

46. Pelo que não podemos esquecer que “(…) quando caracterizamos o sistema sancionatório português (…) há uma revelação clara de um princípio da humanidade.” (Cf. Maria João Antunes, As consequências jurídicas do crime, p. 18).

47. Deve assim, manter-se a suspensão da pena de prisão, pelo que é mais benéfico.

48. Neste sentido, em que o tempo de prisão efetiva diminuto é prejudicial, A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, pelo esforço reiterado que o seu cumprimento requer e pelo carácter positivo e educativo que tem, deve ser aplicada num caso de condução sem habilitação legal, mesmo que se trate de um arguido que já praticou factos semelhantes, porquanto tutela de forma adequada o bem jurídico protegido pela norma incriminadora e facilita a socialização do infractor, coisa que a prisão, manifestamente, não faz. (Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo: 2793/2008-3, Relator: CARLOS ALMEIDA, De: 02/07/2008).

49. A prisão efetiva do Recorrente é desnecessária, desadequada, desproporcional e mais prejudicial que benéfica, quer a nível individual, coletivo e familiar.

50. “Conhecida a preferência do legislador pelas penas não detentivas e a sua cruzada contra as penas de prisão, sobretudo, as de curta duração, a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade por uma pena de prisão tem de ser perspectivada como uma solução extrema dentro do condicionalismo apertado do artigo 59.º,nº2 do Código Penal.” (Cf. Acórdão da Relação de Guimarães, de 20/03/2017, Processo n.º333/10.8GTBRG-J.G1).

51. Não resulta dos autos que o arguido se recusou de forma injustificada a cumprir a condição da suspensão da execução da pena de prisão e que tenha violado grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado, impedindo a sua execução.

52. Ao contrário do que refere a decisão recorrida o arguido cumpriu 12 horas da prestação de trabalho a favor da comunidade, conforme folhas 168 dos autos

53. Anteriormente à decisão recorrida, o arguido apresentou um requerimento invocando a sua atual situação profissional e pessoal, tendo junto uma cópia do contrato de trabalho e da carta de condução, mostrando-se disponível, para prestar a condição de 100 horas de trabalho a favor da comunidade como condição da suspensão da execução da pena de prisão, o que demonstra que não houve da parte do arguido uma total falta de vontade em cumprir a condição da suspensão da pena de prisão.

54. No caso sub judice deverá ser dada ao arguido uma nova oportunidade, pelo que uma pena de prisão efetiva será desvantajosa, deverá manter-se a suspensão da pena de prisão com a condição de arguido cumprir as horas de trabalho a favor da comunidade.

55. A decisão recorrida não é aquela que mais corretamente se enquadra num programa legal e constitucional traduzido na ideia de Direito Penal Mínimo, em que a prisão deve ser reservada para os crimes manifestamente mais graves.

56. Pelo que se estamos perante a possibilidade da manutenção da suspensão da pena de prisão, esta deve manter-se in casu.”

3. O Ministério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, tendo concluído no sentido de que [transcrição]:

1) Tal como decorre exaustivamente da decisão recorrida, o recorrente incumpriu de forma reiterada e voluntária as condições impostas para a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado nestes autos, pois, num primeiro momento, não procedeu ao pagamento da quantia 500 € aos Bombeiros Voluntários e, por outro, não procedeu, no período da prorrogação daquela pena e em substituição do pagamento da sobredita quantia, ao cumprimento de 100 horas de trabalho a favor da comunidade.

2) Dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 56.° do Código Penal que "a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o piano de reinserção social".

3) Temos por certo que a suspensão é revogada sempre que se revelar que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

4) A ameaça de execução da pena de prisão não logrou impelir o recorrente ao cumprimento das condições impostas com a condição da suspensão da execução da pena de prisão, não tendo, pois, obtido sucesso na sua função preventiva geral positiva nem especial.

5) O recorrente foi ouvido pessoal e presencialmente em interrogatório judicial em 11/12/2015 com vista à eventual revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, em cumprimento do disposto no artigo 495.°, n." 2 do Código de Processo Penal, pelo que foi cumprido o princípio do contraditório e foram asseguradas as garantias de defesa do ora recorrente.

6) Face ao exposto e salvo melhor opinião, não foi violada qualquer formalidade essencial, uma vez que ao recorrente foi dada a oportunidade de se explicar perante o tribunal, não se verificando assim qualquer nulidade insanável, nomeadamente a prevista na alínea c) do artigo 119.° do Código de Processo Penal, ou sequer qualquer irregularidade.

7) A decisão recorrida afigura-se legal e adequada às exigências de prevenção geral e especial, não merecendo qualquer censura.

Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida que revogou a suspensão da execução da pena de prisão e ordenou o cumprimento pelo arguido da pena de 9 (nove) meses de prisão. Este é o nosso entendimento. “

4. Nesta instância, o Exmo Senhor Procurador - Geral Adjunto emitiu parecer de que o recurso não merece provimento.

5. Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.

6. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1- A decisão recorrida

- Por despacho judicial datado de 24.02.2017 (despacho recorrido), foi decido proceder à revogação da suspensão da pena e ordenar que o arguido cumpra a pena de nove meses de prisão. Este despacho tem o seguinte teor:

“O arguido L. M. foi condenado nos presentes autos na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, por sentença de 20-1-2012, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3°, n.º 2 do DL n.º 2/98 de 3/01 (cfr. fls. 30 a 43 e 106 a 108)
O condenado nunca cumpriu a condição suspensiva e, quando notificado, nenhuma satisfação deu ao Tribunal para justificar tal incumprimento. A 18-3-2014 foi proferido despacho onde, não obstante se consigne que não foi feito qualquer esforço sério do arguido para cumprir a condição suspensiva, se reconhece que o seu cumprimento representaria sacrifício grave, assim se prorrogando o período de suspensão por um ano, sob condição de o condenado cumprir 100 horas de trabalho a favor da comunidade.
Em 22 de maio de 2014 foi homologado o respetivo plano de execução de trabalho a favor da comunidade, sendo que o condenado nunca compareceu para cumprir.
Em fevereiro de 2015 foi alterado o plano conforme conveniência demonstrada pelo condenado no processo n.º 333/1 0.8GTBRG.
Em junho de 2015, o plano foi mais uma vez alterado de acordo com a conveniência do condenado, mas este nunca mais compareceu para cumprir o plano determinado, ausentou-se da sua morada e não respondeu aos contactos da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
Novamente interrogado o condenado alegou que lhe fora dito para não trabalhar mais por alguém que não soube identificar.
Em vista, o Ministério Público pugna pela revogação da suspensão da pena de prisão determinada nos presentes autos.
Cumpre apreciar e decidir:
Dispõe o artigo 56° do CP, sob a epígrafe "revogação da suspensão" que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: "a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social;" ou "b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas".
Por seu turno, determina o n° 2 que a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.
Resulta, assim, dos normativos alinhados que a revogação de uma pena de prisão suspensa exige, por um lado, a verificação de um elemento objetivo (violação de deveres impostos e/ou o cometimento de crime pelo qual venha a ser condenado), ao que acresce, neste último caso, a necessidade de demonstração de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Como referem SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES, "as causas de revogação não devem, pois, ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena" (cfr. Código Penal Anotado, Volume I, pág. 711).

Daí que, a condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena só deva implicar a revogação da suspensão, se a prática desse crime infirmar definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer dizer, a esperança fundada de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr., neste sentido, FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, p. 357).

E, compreende-se que assim seja, pois que podem ser olvidados os efeitos criminógenos e estigmatizantes que andam associados ao cumprimento da pena de prisão.

Por outro lado, aconselha a prudência, o bom senso e o indefetível princípio da dignidade ética da pessoa humana que se use de parcimónia quando se opta pela pena de prisão ou pela revogação de urna pena de prisão suspensa.

Ademais, e conforme tem sido jurisprudencialmente entendido, os pressupostos da revogação da pena de suspensão da execução da pena de prisão terão que ser apurados pela positiva. Se o condenado cometer um crime no decurso da suspensão, vindo por ele a ser condenado, a revogação só poderá ser decretada se se comprovar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de maio de 2005, relator Desembargador MIGUEZ GARCIA, processo n° 308/05-2, acessível in www.dgsi.pt).

O condenado nunca cumpriu a condição suspensiva, não fazendo qualquer esforço para tal. Por outro lado, vendo prorrogado o período de suspensão, voltou a não cumprir a nova condição suspensiva. Se relativamente ao pagamento de € 500,00 o Tribunal considerou que representaria prejuízo grave para o condenado o seu cumprimento, relativamente à prestação de trabalho a favor da comunidade não resta senão concluir que o condenado não demonstrou sequer vontade de a cumprir, não fazendo um esforço sério para tal.

O condenado, embora sendo 'alvo' da 'ameaça' de uma pena com execução suspensa, para cujas consequências foi advertido, não se demoveu de, mesmo assim, reiterar o incumprimento das condições suspensivas, desrespeitando ostensivamente a sentença pdfuridaoJ

Ou seja, não foi a decisão proferida neste processo que logrou inculcar no condenado a necessidade de cumprimento das decisões judiciais. A pena aplicada não se revelou suficiente para orientar a conduta do condenado, uma vez que o mesmo não entrou, como se pretendia, na trilha desejável do comportamento socialmente integrado e legalmente conforme.

O processo de ressocialização do condenado em nada sairá beneficiado se a pena de prisão mantiver a sua execução suspensa, uma vez que o condenado demonstrou, claramente, através do seu comportamento que não cumpriu as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da execução da pena.

Por outro lado, resulta dos relatórios elaborado pela DGRSP que "o arguido não manifesta qualquer motivação para cumprir a pena que lhe foi aplicada nem assume a necessidade de mudança».

A conduta do condenado e a sua postura perante o Tribunal e a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, demonstram a sua absoluta insensibilidade em relação à condenação destes autos e, outrossim, a indiferença e a leviandade com que encara o sistema judiciário.

É, pois, manifesto, que o condenado atuou com manifesta inconsideração pela solene advertência que lhe foi dirigida, donde estão ausentes as cautelas aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos atos da vida, que consistem no facto de não ter atuado com especial vinculação ao Direito, como se esperaria de quem se encontra com uma pena suspensa. Optou, antes, por desperdiçar a oportunidade que lhe foi dada, ignorar a advertência que lhe havia sido dirigida e, consequentemente, a ignorar as sucessivas decisões judiciais, manifestando mais uma vez ser pessoa despojada de princípios básicos de convivência social.

Daí que, nesta ambiência, é de perguntar se tal conduta permite antever que as finalidades das penas se alcançaram.

E, mais uma vez, entendemos que não.

Com efeito, a prevenção geral positiva ou de integração, traduzida na manutenção da consciência jurídica comum, "na prevenção estabilizadora da consciência jurídica geral", no dizer de ROXIN, de modo algum foi alcançada.

Já no que tange à reintegração do condenado na sociedade, tal conduta atesta, objetivamente, que não houve por parte do mesmo um real esforço de se integrar ou uma genuína interiorização do desvalor da conduta praticada.

Assim, e pelas razões aduzidas, impõe-se a revogação da suspensão da pena aplicada ao arguido e, nos termos 56°, n° 2, do Código Penal, deverá o arguido cumprir a pena de nove meses de prisão determinada nos presentes autos.

Pelo exposto, decido revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado nos presentes autos e, consequentemente, determino que L. M. cumpra a pena de nove meses de prisão em que foi condenado no âmbito destes autos.

Notifique.

Após trânsito, remeta boletim ao registo criminal.

Abra conclusão, de imediato no processo n.º 134/14.4GAVVD.

Vila Verde, 24-2-2017

Texto elaborado em computador e revisto pela signatária”

2. Com relevância para a decisão do presente recurso, importa considerar os seguintes elementos constantes dos autos:

2.1- O arguido, por decisão de 20.01.2012, transitada em julgado, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º, nº 1 e nº 2 do DL nº 2/98, de 03.01, na pena de nove meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com a condição de, no prazo da suspensão da pena, entregar aos Bombeiro Voluntários, da quantia de €500,00, fazendo disso prova nos autos;

2.2- Por despacho de 18.03.2014, pelo facto de se ter entendido que a condição à qual ficou subordinada a suspensão da pena representaria um sacrifício grave para o condenado, foi decidido prorrogar o período de suspensão da pena por um ano, com a condição de o arguido cumprir cem horas de trabalho a favor da comunidade;

2.3- O plano de trabalho a favor da comunidade foi homologado a 22/5/2014 (cf. fls. 110 a 114).

2.4- Através de informação datada de 6/10/2014 (cf. fls. 123 a 125), a DGRSP informou que:

2.5- O arguido foi contactado para dar início ao trabalho, mas não compareceu na entidade beneficiária do trabalho acordada;

2.6- O arguido não atendeu o telefone quando a técnica de reinserção social o tentou contactar;

2.7- Foi enviada ao arguido uma carta para comparecer nos serviços da DGRSP no dia 24/9/2014, não tendo o arguido comparecido nem estabelecido qualquer contacto.

2.8- Mediante informação de 26/1/2015 (cf. fls. 138), a DGRSP deu conta que o arguido iniciou uma atividade remunerada e, por esse motivo, apenas tem disponibilidade para prestar as horas de trabalho ao sábado, propondo-se iniciar a sua execução no dia 31/1/2015. Tal alteração foi aceite pelo Tribunal por despacho de 10/2/2015 (cf. fls. 141).

2.9- Segundo informação de fls. 148, prestada pela DGRSP, o arguido faltou no dia 14/2/2015 alegando problemas de saúde.

2.10- Em 12/5/2015, a DGRSP informou que o arguido até 7/2/2015 cumpriu 6 horas de trabalho, tendo justificado as suas faltas desde então com a mudança de residência para Barcelos, não dispondo de meios de transporte para se deslocar para a entidade beneficiária, sugerindo a DGRSP a alteração desta entidade (cf. fls. 154-155), o que foi autorizado por despacho de 2/6/2015 (cf. fls. 157).

2.11- A DGRSP prestou nova informação em 9/11/2015 (cf fls. 167-168), tendo dado conta do seguinte:

2.12- Na sequência da alteração da entidade beneficiária, o arguido comprometeu-se a reiniciar o trabalho comunitário no dia 14/8/2015, mas não o fez;

2.13- Foi enviada uma carta registada com aviso de receção para a morada do arguido, a qual não foi recebida; segundo informação do Presidente da Junta, o arguido abandonou a residência no mês de setembro de 2015;

2.14- O arguido não comunicou a alteração da residência à DGRSP e o número de telefone disponibilizado para o contacto deixou de estar atribuído;

2.15- Em 29/10/2015 deslocaram-se à anterior residência do arguido, sita em …, Vila Verde, não se encontrando ninguém em casa, mas, segundo informações recolhidas, aí habitava a irmã do arguido, não tendo sido este visto na freguesia.

2.16- Foi junto o registo de assiduidade a fls. 169 constatando-se que o arguido apena prestou trabalho nos dias 31/1/2015, 7/2/2015 e 25/4/2015, realizando somente 3 horas de trabalho em cada um deles.

2.17- O arguido foi ouvido presencialmente no dia 11/12/2015, perante juiz, nos termos e para os efeitos do artigo 495.°, n.º 2, do Código de Processo Penal (cf. fls. 177-178), tendo dito a Sr.ª do ATL - que não soube identificar - lhe tinha dito que não precisava mais de trabalhar.

2.18- Em face disso, o M.P. promoveu a revogação da suspensão da pena.

3. Apreciação do recurso

3.1- O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso(1) do tribunal.

O nº 1 do artigo 412º do C.P.P. estabelece que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

Como salienta Germano Marques da Silva (2) a propósito da referida norma, “As conclusões devem ser concisas, precisas e clara, porque são as questões nelas sumariadas que hão-de ser objeto de decisão.”

Nas conclusões do recurso, o recorrente deverá fazer uma síntese das razões da sua discordância relativamente à decisão recorrida, tal como se encontram delineadas na respetiva motivação.

Assim, e vistas as conclusões do recurso, há que decidir se a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado deverá ou não ser revogada.

A questão da revogação da suspensão da pena de prisão vem colocada no presente recurso na medida em que, por força da decisão recorrida, o arguido teria incumprido culposamente a prestação de trabalho a favor da comunidade imposta como condição da suspensão da execução pena de prisão cominada.

A decisão posta em crise com o presente recurso mostra-se inquinada pelo despacho que a antecedeu, pelo qual foi decidido condicionar a suspensão da pena de prisão ao cumprimento de trabalho a favor da comunidade.

Na verdade, impõe-se, antes de mais, analisar da natureza jurídica do trabalho a favor da comunidade e, consequentemente, das condições em que ele pode ser aplicado.

A ideia do trabalho forçado como elemento da execução da pena de prisão, como retribuição, castigo e expiação pelo mal que constitui a prática de um crime é antiga e encontra-se ultrapassada.

Atualmente, e tendo em conta a natureza utilitária das penas, a prestação de trabalho está vocacionada para a ressocialização do agente e tem natureza de pena autónoma, no sentido de que deixou de ser elemento de execução de outra pena, passando ela própria a ser uma pena.

Numa perspetiva de política criminal, a prestação de trabalho a favor da comunidade é agora prevista como pena de substituição destinada a evitar a execução das penas curtas de prisão, dados os efeitos negativos que lhes estão associados.

Assim se compreende que no sistema jurídico-penal português a prestação de trabalho a favor da comunidade constitua uma pena de substituição da pena de prisão, cfr. artigo 58º, nº 1 do C. Penal.

Acresce que, e na mesma ideia de ressocialização que deve presidir à aplicação das penas, a prestação de dias de trabalho encontra-se também prevista como sucedâneo da falta de pagamento da pena de multa e, consequentemente, como forma de evitar a execução de uma pena (curta) de prisão, pese embora neste caso não possa ser vista, do ponto de vista dogmático, como uma verdadeira pena de substituição (3), cfr. artigo 48º, nº 1 do C. Penal.

Todavia, em caso algum a prestação de trabalho a favor da comunidade encontra-se prevista como condição da suspensão da pena de prisão, sendo que, como é sabido, a suspensão da execução da pena de prisão constitui já, ela própria, uma pena de substituição. Isto é, o trabalho a favor da comunidade e a suspensão da pena de prisão constituem penas de substituição da pena de prisão, com regulamentação específica e autónoma, respetivamente, nos artigos 50º a 57º e 58º e 59, todos do C. Penal.

Assim, o cumprimento da obrigação de prestar trabalho comunitário, ainda que com o consentimento do condenado, como regra de conduta a que ficaria condicionada a suspensão da execução da pena de prisão, aplicada ao abrigo do disposto no artigo 52º do C. Penal representa a aplicação de uma duplicidade de penas, ou se se quiser, uma mistura de penas pela prática do mesmo crime, que a lei não permite.

Efetivamente, a aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade nas sobreditas condições é violadora do princípio da legalidade da pena, cfr. artigo 29º, nº 1 da CRP e artigo 1º, nº 1 do CP.

No sentido do que aqui defendemos pronunciou-se F. Dias (4), aduzindo que “não é admissível condicionar a suspensão à prestação de trabalho, mesmo em instituições de solidariedade social e ainda que dispondo do consentimento do condenado: tal significaria uma mistura arbitrária – e violadora, por conseguinte, do princípio da legalidade da pena – de duas diferentes penas de substituição, cada qual com o sentido e os seus pressupostos próprios”.

Uma tal situação constituiu, como diz Paulo Pinto de Albuquerque (5), “a criação judiciária de uma pena, em violação frontal do princípio da legalidade”.

No mesmo sentido, na jurisprudência, vide, v.g., Ac RC de 17.05.2017, processo 149/15.5PFCBR.C1, relator José Eduardo Martins, acessível em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se “A lei substantiva penal não permite a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão à condição de cumprimento de prestação de trabalho a favor da comunidade”. E, anteriormente, no Ac RE, de 03/2/2015, processo 42/11.0GDSTC.E1, relatora Ana Brito, já se tinha entendido de forma idêntica, constando o respetivo sumário que “Não é juridicamente admissível condicionar a suspensão da execução da pena de prisão à prestação de trabalho, no âmbito de um regime de prova ou fora dele, mesmo que em instituições de solidariedade social e ainda que dispondo do consentimento do condenado.

Em face do exposto, podemos concluir que no caso vertente não era legalmente possível condicionar a suspensão da pena de prisão em que o arguido havia sido condenado à prestação de trabalho a favor da comunidade, sendo que tal possibilidade também não se encontra prevista nos artigos 51º, 52º, 53º e 54º do CP.

E, sendo assim, isto é, não sendo devido o cumprimento da condição da suspensão da pena, as razões que presidiram a prolação da decisão recorrida ficam prejudicadas. Logo, tal decisão não pode ser mantida, devendo a mesma ser substituída por outra em que, tendo em conta o decurso do período da suspensão da pena, se aprecie das condições da revogação / extinção da suspensão da pena - sem a imposição ao arguido da obrigação de trabalho a favor da comunidade - em conformidade com o disposto nos artigos 56º e 57º do C. Penal.

III- DISPOSITIVO

Nos termos pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso, pese embora com fundamentos não coincidentes com os alegados, e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra, nos termos sobreditos.

Sem custas.


Guimarães (6), 20.11.2017

(Armando da Rocha Azevedo)

(Clarisse Machado S. Gonçalves)

1. Entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995 e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..
2. Direito Processual Penal Português, Do Procedimento (Marcha do Processo), 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335.
3. Neste sentido, vide F. Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editora, Editorial Notícias, pág. 139
4. In As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 354.
5. In Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, anotação 2, pág. 197.
6. Elaborado e revisto pelo primeiro signatário (artigo 94º, nº 2 do C.P.P.).