Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
717/04-1
Relator: TOMÉ BRANCO
Descritores: HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA
NEXO DE CAUSALIDADE
INTERVENÇÃO MÉDICA
TRATAMENTO MÉDICO-CIRÚRGICO VIOLANDO LEGES ARTIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/03/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – O dever cuja violação a negligencia supõe, consiste em o agente não ter usado aquela diligência que era exigida segundo as circunstâncias concretas para evitar o evento, dever esse decorrente quer de normas legais, quer do uso e experiência comum.
II – Por outro lado, é fundamental que produção do resultado seja previsível e que só o facto de se ter omitido aquele dever tenha impedido a sua previsão ou a sua justa previsão, previsibilidade e dever de prever estes, que como refere Eduardo Correia ( Direito Criminal, I, VoL, pág. 426 ), “...não são todavia uma previsibilidade absoluta mas uma previsibilidade determinada de acordo com as regras da experiência dos homens, ou de certo tipo profissional de homem.”
III – Sendo assim, parece que deve haver um dever de prever, e, portanto, a objectiva possibilidade de negligência, sempre uma conduta em si, sem as necessárias cautelas e cuidados, seja adequada a produzir um evento, o que quer dizer, que é um nexo de causalidade adequada que vem a fixar objectivamente os deveres de previsão, os quais, quando violados, podem dar lugar à negligência, ou seja, que vem dizer quando se deve prever um resultado como consequência duma conduta, em si ou na medida em que se omitem as cautelas e os cuidados adequados a evitá-lo.
IV – Nestes termos, terá de concluir-se que, para que o resultado em que se materializa o ilícito típico possa fundamentar a responsabilidade, não basta a sua existência fáctica, sendo necessário que possa imputar-se objectivamente à conduta e subjectivamente ao agente, significando isto que a responsabilidade apenas se verifica se existir um nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado ocorrido.
V – Por isso que, embora existam elementos nos autos que nos permitem concluir pela violação das leges artis por parte do arguido, tendo este tido um comportamento omissivo censurável que podia e deveria ter sido diverso, atentos os elementos de diagnóstico — sintomatologia e historial clínico pessoal e familiar – de que dispunha e que lhe tinham sido facultados, impondo-se um diagnostico distinto e, em consequência, uma terapia também diversa e adequada a remover o perigo em que a menor se encontrava e que terá mesmo sido potenciado pela omissão da mesma, não poderá, sem um verdadeiro salto no desconhecido, dizer-se que essa conduta omissiva por parte do arguido foi a causa de morte da menor.
VI – Na verdade, como se refere no parecer médico junto, aquando do atendimento clínico pelo arguido, o prognóstico era muito grave, e apesar de a evolução depender da causa e da terapia, consigna-se que mesmo que o diagnóstico tivesse sido o acertado, mesmo nessa hipótese, não era seguro concluir pela sobrevivência da menor, o que, não afastando totalmente a probabilidade da ocorrência do resultado típico em face da conduta omissiva do arguido – pela violação do dever de cuidado – a verdade é que vem conferir alguma ou mais consistência à probabilidade de verificação do resultado típico, independentemente da conduta do arguido médico.
VII – Assim, em face da ausência de nexo de causalidade entre o comportamento do arguido e evento letal, não pode deixar de se concluir pela inexistência de indícios da prática, pelo mesmo dos crimes do art° 150°, n° 2 e 137°, n°s 1 e 2, ambos do C. Penal.
Decisão Texto Integral: Acordam, precedendo conferência, na Relação de Guimarães:

I)
Nos autos de instrução n.º .../988.TACBT do Tribunal Judicial da comarca de Celorico de Basto, a assistente "A", interpôs recurso do Despacho do Senhor Juiz que, a fls. 482-495, decidiu não pronunciar o arguido "B", da prática do crime p. e p. pelo artº 150º do C. Penal e do crime de homicídio por negligência, previsto e punível nos termos do disposto no artº 137º, nºs1 e 2, do Código Penal.
Conclui a motivação do recurso por dizer: (transcrição)
«1- Os autos indiciam suficientemente que o Arguido perpetrou os factos elencados no requerimento de abertura de instrução, e aqui deixados por reproduzidos, devendo ser sujeito a julgamento pela prática do crime de homicídio por negligência grosseira previsto e punido no Artigo 137, nºs 1 e 2 do C. Penal.
2- Ao invés do decidido na decisão instrutória, a morte da infausta "C" sobreveio como resultado típico dessa conduta omissiva e negligente do Arguido, que podia e devia ter evitado.
3- O quadro clínico grave da paciente impunha cuidado médico e zelo acrescidos, e jamais displicência no diagnóstico e desadequação na terapia, que por isso não evitaram a morte que desse jeito sobreveio, como causa necessária e adequada dessa negligente prestação.
4- O Arguido ao deixar que a doente morresse, podendo ter evitado a morte com diagnóstico e terapia adequados, deu causa indelevelmente ao resultado típico (morte da infausta "C") como consequência necessária e adequada da conduta omissiva e dever de cuidado que se lhe impunha, de actuar de acordo com as leges artis que descurou: O Arguido não valorizou, funcionalmente como devia e estava adstrito, o bem fundamental da vida, que deixou perecer.
5- Deverá ser revogado o despacho e sujeito o Arguido a Julgamento pela prática do crime de homicídio negligente grosseiro, previsto e punido no Artigo 137, nºs 1 e 2, do C. Penal - Artigos 286º, nºs 1 e 2 e 308º, nº 1, do C. P. Penal.
6- Ao decidir em desconformidade, violou o despacho recorrido os sobreditos preceitos».

O Mº Pº quer junto da 1ª instância, quer nesta Relação pronunciou-se no sentido de que a decisão recorrida deve ser mantida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da motivação, temos que a recorrente coloca à apreciação deste Tribunal a questão de saber se face à prova produzida nos presentes autos resulta indiciada a prática em autoria pelo arguido dos crimes p. e p. no artº 150º, nº 2 do C.P. e de homicídio por negligência p. e p pelo Artº 137° n°s 1 e 2 CP
Passemos então à sua análise.
Estabelece o Artº 308° n° 1 CPP:
"Se, até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juíz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia ".
Critério semelhante está igualmente consagrado no Artº 283° n° 2 CPP ao estabelecer que:
"Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança".
Como refere Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, III, pág. 179) " Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois, a prova, no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido.
Esta possibilidade é uma probabilidade mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido".
E acrescenta ainda o referido autor "A referência que o artº 301° n° 3, faz à natureza indiciária da prova para efeitos de pronúncia inculca a ideia de menor exigência, de mero juízo de probabilidade. Na pronúncia o juiz não julga a causa; verifica se se justifica que com as provas recolhidas no inquérito e na instrução o arguido seja submetido a julgamento pelos factos da acusação. A lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulte uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena ou uma medida de segurança (Artº 283° n° 2); não impõe a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final"
Em suma será necessário fazer um pré- juízo sobre a criminalidade e existência dos factos, a partir do material probatório que consta dos autos.
Estas as linhas gerais de orientação que o juíz terá de ter presente quando se lhe solicita a introdução de um feito penal em juízo.
Será pois de harmonia com elas que as provas irão ser apreciadas.

Assim, temos que:

O Ministério Público proferiu despacho de arquivamento por entender não resultarem indiciados factos suficientes que permitam indiciar qualquer responsabilidade criminal por parte do arguido, quer ao nível de um homicídio negligente, p. e p. pelo artº 137º, nº 1 do C.P., quer ao nível do tipo legal de violação das leges artis, p. e p. pelo artº 150º, nº 2 do C.P.
Na sequência, a requerimento da assistente, foi aberta a instrução na qual foi ordenada a realização de um exame pericial, após o que o Mmº Juiz no despacho ora recorrido entendeu não ser de pronunciar aquele.
Vejamos então se existem nos autos indícios que permitam pronunciá-lo quanto aos referidos crimes e, consequentemente se a assistente tem razão na forma como discorda da decisão recorrida.
Pois bem para a existência do referido crime de homicídio negligente é indispensável que o agente ou agentes causem, por negligência, a morte de alguém ( Artº 137° n° 1 do CP).
Ora no caso em análise, temos que a menor "C", faleceu no dia 26 de Outubro de 1997.
Poder-se-á afirmar que a referida morte foi causada por negligência do arguido ?
Dispõe o Artº 15° CP que:
"Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou
b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto".
Distinguem-se, assim, na alínea a) a negligência consciente e na alínea b) a inconsciente.
Quanto à primeira, a qual está próxima do dolo eventual - o agente, admite, prevê como possível a realização do resultado típico, mas confia, podendo e devendo não confiar, em que o mesmo se não realiza. Não se conforma porém com a realização desse resultado, pois, se se conformasse haveria dolo eventual.
Por outro lado haverá negligência inconsciente sempre que o agente não previa, como podia e devia ter previsto, a realização do facto.
Maia Gonçalves escreve a propósito desta última modalidade de negligência (Código Penal Português Anotado, 13ª ed., pág. 115) "A negligência inconsciente é aquela que suscita maiores dificuldades. Nos casos subsumíveis a esta modalidade de imputação subjectiva, a lei, para evitar a realização dos resultados típicos antijurídicos, proíbe a prática das condutas idóneas para os produzirem, querendo que eles sejam representados pelo agente, ou permite tais condutas, mas rodeadas dos necessários cuidados, para que os resultados se não produzam. Esta permissão de condutas potencialmente perigosas é geralmente devida a imperativos de desenvolvimento científico, técnico ou económico. É o caso dos meios de transporte, das armas, da electricidade, da radioactividade, etc., meios em si perigosos, mas cujo uso é permitido mediante cuidados adequados a evitar desastres pessoais e danos. Quando estes cuidados são acatados, o risco esbate-se; na omissão dos mesmos cuidados se radica o fundamento principal da punição da negligência inconsciente".
Do exposto resulta que em qualquer uma das modalidades em que o dolo se pode apresentar, exige-se a capacidade do agente para proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz.
Assim o dever cuja violação a negligência supõe, consiste em o agente não ter usado aquela diligência que era exigida segundo as circunstâncias concretas para evitar o evento. Dever esse decorrente quer de normas legais, quer do uso e experiência comum.
Porém, fundamental é que a produção desse resultado seja previsível e que só o facto de se ter omitido aquele dever tenha impedido a sua previsão ou a sua justa previsão. Contudo, como refere Eduardo Correia (Direito Criminal, I, Vol., pág. 426) "A previsibilidade e o dever de prever que assim objectivamente limitam a negligência não são todavia uma previsibilidade absoluta -mas uma previsibilidade determinada de acordo com as regras da experiência dos homens, ou de certo tipo profissional de homem.
Mas, sendo assim, parece que deve haver um dever de prever, e, portanto, a objectiva possibilidade de negligência, sempre que uma conduta em si, sem as necessárias cautelas e cuidados, seja adequada a produzir um evento. Quer dizer, é um nexo de causalidade adequada que vem a fixar objectivamente os deveres de previsão, que, quando violados, podem dar lugar à negligência, ou seja, que vem dizer quando se deve prever um resultado como consequência duma conduta, em si ou na medida em que se omitem as cautelas e os cuidados adequados a evitá-lo."
Do que se expôs conclui-se que para que o resultado em que se materializa o ilícito típico possa fundamentar a responsabilidade não basta a sua existência fáctica, sendo necessário que possa imputar-se objectivamente à conduta e subjectivamente ao agente. Significa isto que a responsabilidade apenas se verifica se existir um nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado ocorrido .
É pois tendo presentes todos os elementos probatórios, os princípios expostos e as normas por que se deve pautar a actividade médica, que há que averiguar se a morte da vítima teve origem no comportamento activo ou omissivo do arguido.
Assim e o que desde logo ressalta face à factualidade constante dos autos e tida como indiciariamente provada, a qual diga-se desde já, não nos merece qualquer reserva, é que o resultado morte não pode ser imputado ao arguido Dr. "B".
Com efeito a intervenção do arguido inicia-se com a entrada da menor "C" transportada pela sua mãe, na sala de urgências do Centro de Saúde de Celorico de Basto, tendo-lhe aquele feito a respectiva observação clínica, consignando no boletim de admissão "Vómitos. Vomitou uma lombriga. (...) de epilepsia. Toma luminal. Sem sinais de meninges. Tem: 36º c.
Diagnóstico: vómitos.
Foi informado pela mãe da menor das doenças de que esta sofria, designadamente epilepsia e que se encontrava a ser medicada com "Luminal", medicamento usado habitualmente para o tratamento de epilepsia e que tinha acompanhamento no Hospital Pedro Hispano.
A assistente levou a sua filha ao Centro de Saúde, no referido dia 20 de Outubro de 1997, cerca das 22 horas, depois de haver constatado que a "C" se encontrava num estado aparente de inércia e que não reagia mesmo que estimulada.
Aquando da observação clínica, o arguido abordou a assistente no sentido se saber se a menor tinha febre ou diarreia, tendo-lhe a assistente respondido que a menor não tinha febre "e que quando faz cheira muito mal, mas não é diarreia".
O arguido acabou por receitar à menor supositórios de marca "Primpéran", 10 mg.
A assistente "aviou" de imediato a receita prescrita pelo arguido e administrou-a à sua filha.
Contudo a menor continuou com a mesma sintomatologia que apresentava até então, sem qualquer reacção aos estímulos que a mãe lhe provocava.
Cerca das 6h e 30m do dia 21 de Outubro de 1997, a assistente decidiu levar sua filha ao Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, local onde chegou cerca das 7h e 30m.
A menor "C" deu entrada no Pedro Hispano em estado de coma com hipoglicemia severa, sendo muito pouco provável que, seis horas antes, quando a mãe a não conseguia acordar, estivesse apenas a dormir.
A menor "C" veio a falecer no dia 2 de Outubro de 1997, pelas 15h e 55m devido a "um mal epiléptico", segundo o que consta do respectivo certificado de óbito.
Segundo a perícia mandada realizar oficiosamente em sede de instrução, uma criança em coma é sempre uma situação muito grave cuja evolução depende da causa e da terapia apropriada; neste caso os antecedentes pessoais e familiares tornavam o caso muito sombrio. O médico admitiu que a criança estava apenas com sono ("seguia com olhar") e afastou o diagnóstico de coma; neste caso a evolução e o diagnóstico seriam muito diferentes.
Ainda segundo referido exame pericial "a terapia não foi indicada à situação" e "uma criança epiléptica sob fenobarbital, a quem uma mãe não consegue acordar e com dois irmãos com episódios de coma severíssimos, impunha uma conduta diferente; dados os antecedentes familiares, o prognóstico dessa crise, era à partida, preocupante; mesmo que a conduta tivesse sido outra, não é seguro que esta criança tivesse sobrevivido a esta crise ou que, sobrevivendo, não tivesse ficado com gravíssimas sequelas neurológicas.
Diante deste quadro factual, afiguram-se-nos, desde logo irrespondíveis as asserções contidas no despacho posto em crise, do seguinte teor:
«Neste seguimento e ponderando todo o quadro clínico sustentado pela menor, o seu historial, cujo teor foi dado conhecimento ao médico arguido, afigura-se-nos que terá ocorrido, por parte deste, omissão de um dever de cuidado na assistência à menor "C", não ponderando todos os elementos de que dispunha e não efectuando, como podia e devia, um diagnóstico conforme ao esperado e, em consequência, não ministrando o tratamento e/ou terapia adequados.
Afigura-se-nos, pois, ser de concluir, de forma indiciária, ter ocorrido violação das leges artis por parte do arguido médico, conforme de resto, se nos afigura resultar do parecer médico prestado em sede de instrução e supra mencionado.
Tal não equivale, no entanto, a concluir, pela verificação do tipo legal contido no art.º 150.º, n.º 2, do Código Penal (na versão introduzida pela Lei n.º 65/98, em vigor à data dos factos), pela conclusão da criação de um perigo em virtude da mencionada violação das leges artis; na verdade, importa não esquecer que este tipo legal é punido apenas a título de dolo, sendo que se nos afigura resultar inequívoco, nos termos expostos, que a conduta do arguido médico terá sido apenas negligente».
Também no que respeita ao crime de homicídio por negligência imputado ao arguido a conclusão tirada pelo Senhor Juiz a quo, quanto à inexistência de nexo de causalidade, afigura-se-nos inultrapassável face, para além do mais, ao que resulta da referida perícia efectuada em sede de instrução.
Expliquemos porquê:
É certo que existem elementos nos autos que nos permitem concluir pela violação das leges artis por parte do arguido, tendo este tido um comportamento omissivo censurável que podia e deveria ter sido diverso, atentos os elementos de diagnóstico – sintomatologia e historial clínico pessoal e familiar - de que dispunha e que lhe tinham sido facultados, impondo-se um diagnóstico da menor "C" distinto e, em consequência, uma terapia também diversa e adequada a remover o perigo em que esta se encontrava e que terá resultado potenciado pela omissão do mesmo.
Todavia dizer-se que essa conduta omissiva por parte do arguido foi a causa de morte da menor "C" é verdadeiramente um salto no desconhecido.
É que, como incontornavelmente salienta o senhor Juiz do Tribunal recorrido «ponderando a resposta fornecida ao quesito primeiro, ao referir-se, perante sempre o concreto quadro clínico apresentado pela menor aquando do atendimento no Centro de Saúde de Celorico de Basto, diz-se no parecer que o prognóstico era muito grave (acrescentando-se na resposta ao quesito quarto, o adjectivo preocupante), e a evolução dependeria da causa e da terapia, consignando-se, no entanto, que o prognóstico era verdadeiramente sombrio, o que inculca a ideia a previsibilidade do resultado típico que veio a verificar-se; importa, de resto, salientar que conforme resulta do parecer médico em apreço, mesmo que o diagnóstico tivesse sido o acertado, mesmo nessa hipótese, não era seguro concluir pela sobrevivência da criança; sendo certo que daqui não pode retirar-se a não probabilidade da ocorrência do resultado típico em face da conduta omissiva do arguido – pela violação do dever de cuidado – a verdade é que vem conferir alguma ou mais consistência à probabilidade de verificação do resultado típico, independentemente da conduta do arguido médico».
Em suma não há nexo de causalidade entre o comportamento do arguido e o evento letal.
Assim não pode deixar de se concluir pela inexistência de indícios da prática, pelo arguido, dos aludidos crimes do artº 150º, nº 2 e 137º, nºs 1 e 2, ambos do C. Penal, pelo que só pode confirmar-se o despacho recorrido, no sentido da não submissão do arguido a julgamento, pois que se afigura prognosticável que, em tal sede, sempre viria a ser absolvido.
Por isso que, apesar do esforço argumentativo da recorrente, o recurso não pode deixar de improceder.
III

DECISÃO

Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se, in integrum, o douto Despacho recorrido.
A recorrente vai condenado em 3 Ucs de taxa de justiça.
Notifique.

Guimarães,

José Maria Tomé Branco (Relator)
Heitor Gonçalves (Primeiro Adjunto)
Miguês Garcia (Segundo Adjunto)