Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6320/07.6TBBRG-W.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: CRÉDITO LABORAL
INSOLVÊNCIA
ENCERRAMENTO DO ESTABELECIMENTO
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 -A declaração de insolvência, em si, não extingue o contrato de trabalho, mas sim o encerramento definitivo do estabelecimento.
2 – O acto de cessação de contratos de trabalho, após a declaração de insolvência, traduz-se num acto de gestão e administração da massa insolvente, sendo esta responsável pelas dívidas que daí surjam, com a extinção dos contratos de trabalho, que devem ser pagas nos termos do artigo 51 n.º 1 al. c) e 172 n.º 1, 2 e 3, ambos do CIRE.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

M…, SA. requereu a sua insolvência, que foi decretada a 18 de Setembro de 2007, sem encerramento do estabelecimento.
Foram reclamados créditos e, posteriormente, reconhecidos e graduados por sentença de 11 de Julho de 2008, em que os créditos dos trabalhadores foram graduados em primeiro lugar e a serem pagos em pé de igualdade e rateadamente.
Do rateio do A.I. houve reclamação por parte dos trabalhadores A… e outros no sentido de que seja ordenada a organização do rateio de molde a serem distinguidos os seus créditos no montante de 1.269.599,60€ como créditos da massa insolvente e os restantes como créditos da insolvência.
A 12 de Fevereiro de 2013 foi proferido despacho que indeferiu a reclamação porque entendeu que os créditos reclamados não integram nenhuma das alíneas do n.º 1 do artigo 51 do CIRE e nem são qualificados como créditos da massa insolvente pelo mesmo diploma.

Do despacho que indeferiu a reclamação, os trabalhadores A… e outros suscitaram a reforma deste despacho ao abrigo do disposto no artigo 669 n.º2 do CPC. alegando, em síntese, lapso na decisão, uma vez que foi junta aos autos uma cópia da petição inicial e sentença transitada em julgado, proferida no Tribunal de Trabalho de Barcelos, cujos fundamentos vão no sentido de que os créditos emergem dum despedimento ilícito, levado a efeito pelo A.I., nascendo de facto posterior à declaração de insolvência, mantendo-se o estabelecimento em funcionamento.
A 5 de Abril de 2013 foi proferido despacho de indeferimento porque o despacho reformando é susceptível de recurso e não foi prescindido o respectivo recurso. E, além disso, dos factos provados na sentença junta, não resulta que tenha sido o A.I a fazer cessar os contratos de trabalho, pelo que era de manter o despacho impugnado.

Deste despacho houve recurso que foi admitido por ordem do Tribunal da Relação, por despacho de 4 de Setembro de 2013.
Foram apresentadas as alegações a 23 de Setembro de 2013, que têm como objecto a decisão proferida sobre a reclamação onde requeriam que fossem considerados os seus créditos como da massa insolvente e não da insolvência.
Houve recurso subordinado dos outros credores trabalhadores a suscitarem, no caso da procedência do recurso, que fossem julgados, também, os seus créditos, como sendo da massa insolvente, porque a cessação dos contratos ocorreu a 31 de Julho de 2008, posterior à declaração de insolvência.

Tanto no recurso principal como no subordinado está em causa a qualificação dos créditos. Se se integram no conceito de créditos da massa insolventes, se no de créditos da insolvência.
A qualificação dos créditos incide apenas no que diz respeito aos que emergem das retribuições vencidas na pendência da acção, até ao trânsito em julgado da sentença, junta aos autos, que o Tribunal de Trabalho de Barcelos definiu no ponto decisório B2 da respectiva decisão. E isto porque é o objecto do recurso, e, por outro lado, um dos outros pontos decisórios já foi objecto de decisão com trânsito em julgado, sentença de reconhecimento e graduação de créditos, (B1- indemnização por antiguidade) e o outro (B3 que diz respeito à retribuição do mês de Setembro 2007 e os proporcionais de férias e Natal do ano de 2007), deveria ter sido reclamado oportunamente, porque o direito nasceu antes da cessação dos contratos.

A doutrina e a jurisprudência estão divididas sobre a influência da insolvência sobre os créditos laborais, em certas circunstâncias. E a mais importante, e a que tem interesse para a discussão e decisão do recurso, diz respeito à cessação dos contratos de trabalho dum estabelecimento, que continua em funcionamento, após a declaração de insolvência.
Neste caso, a cessação dos contratos de trabalho de alguns trabalhadores, a 30 de Setembro de 2007, após decisão que declarou a empresa insolvente, a 18/09/2007, insere-se na actividade de administração da empresa insolvente, a cargo do administrador da insolvência, enquadrada no processo global de liquidação da massa insolvente, uma vez que se traduz num acto de gestão, com vista a agilizar a produção, perspectivando uma maior rentabilidade, tornando-se mais atractiva para o mercado. Os créditos que daí advenham serão da responsabilidade da massa insolvente, nos termos do artigo 51 n.º 1 al. c), que deverão ser pagos nos termos do artigo 172 n.º 1, 2 e 3, ambos do CIRE. Pois, estamos perante um dívida conexa com a administração e liquidação da massa insolvente, da responsabilidade do Administrador da Insolvência.

Pois, há que diferenciar os efeitos da insolvência sobre as relações laborais. A insolvência, em si, não afecta os contratos de trabalho se não gerar, imediatamente, o encerramento do estabelecimento. É o encerramento que determina a extinção dos contratos de trabalho, como decorre da leitura do artigo 391 n.º 1 do Código de Trabalho, vigente à data dos factos. Enquanto perdurar, faz parte do património da massa insolvente e é gerido pelo A.I., sendo responsável pelas dívidas que gerar. E como responsável pela gestão deste património, o acto de fazer cessar vários contratos de trabalho faz parte da sua administração, enquanto integrado no processo de liquidação, e as dívidas daí advindas terão de ser qualificadas como dívidas da massa como se depreende do disposto no artigo 51 n.º 1 al. c) do CIRE (conf. Luís Carvalho Fernandes, Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho, segundo o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Revista de Estudos de Direito e Estudos Sociais, Ano XLV, n.º 1, 2, 3, pag. 5 a 39; Luís Menezes Leitão, As repercussões da insolvência no contrato de trabalho, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XLVII, n.º 3 e 4, pag. 273 a 289).

Assim, os créditos identificados no ponto B2 da decisão do Tribunal de Trabalho de Barcelos, como emergem da cessação do contrato de trabalho ocorrido a 30 de Setembro de 2007, após a declaração da insolvência, terão de ser qualificados como da massa insolvente e não da insolvência, pelo que devem ser pagos nos termos do artigo 172 n.º 1, 2 e 3 do CIRE, não sendo necessário reclamá-los nos termos do artigo 128 e 146 do mesmo diploma. Apenas terão de ser provados perante o AI., e foi o que os agravantes fizeram com a reclamação ao rateio, instruída com a petição inicial da acção que propuseram no Tribunal de Trabalho de Barcelos e com a sentença, por ele proferida, sobre o assunto. E este título é vinculativo, porque se trata de uma decisão jurisdicional.

No que respeita aos créditos do recurso subordinado, temos a destacar a decisão que os reconheceu e graduou como créditos da insolvência, e que transitou em julgado. São créditos que estão titulados no processo de insolvência, e reconhecidos como tal, e não pode ser alterada a sua qualificação, sob pena de violação do caso julgado. Apesar de emergirem da cessação de contratos, depois da declaração de insolvência da empresa, tiveram um tratamento jurídico diferente. Os recorrentes consideraram-nos como créditos da insolvência, e como tal foram reconhecidos pelo tribunal.
E não se pode considerar que estamos perante uma situação de abuso de direito, porque o exercício do direito por parte dos agravantes foi legítimo, na medida em que recorreram ao tribunal e formularam um pedido no sentido de considerar ilícito o despedimento, com todas as suas consequências, o que, em parte, o tribunal reconheceu. Daí que lhe tenha sido reconhecido um direito novo, que agora, oportunamente, exerceram. E este exercício não pode ser considerado como violador da consciência ético jurídica da comunidade, nem o fim social do mesmo (artigo 334 do C.Civil). Estamos apenas perante o exercício de um direito reconhecido judicialmente, em que os seus titulares se empenharam para o verem reconhecido, enquanto os agora recorrentes, subordinadamente, revelaram um comportamento diferente, aceitando a situação tal qual a colocaram ao tribunal. Daí que não se possam, agora, queixar, das consequências jurídicas.

Assim, é de conceder provimento ao recurso principal e negar provimento ao recurso subordinado.

Concluindo: 1 -A declaração de insolvência, em si, não extingue o contrato de trabalho, mas sim o encerramento definitivo do estabelecimento.
2 – O acto de cessação de contratos de trabalho, após a declaração de insolvência, traduz-se num acto de gestão e administração da massa insolvente, sendo esta responsável pelas dívidas que daí surjam, com a extinção dos contratos de trabalho, que devem ser pagas nos termos do artigo 51 n.º 1 al. c) e 172 n.º 1, 2 e 3, ambos do CIRE.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em conceder provimento ao recurso principal, revogando a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que reconheça os créditos reclamados no ponto B2 da sentença do Tribunal de Trabalho de Barcelos, que devem ser pagos nos termos do artigo 172 n.º 1, 2 e 3 do CIRE. E, negam provimento ao recurso subordinado.
Custas a cargo da massa insolvente (artigo 304 CIRE)
Guimarães, 29 de setembro de 2014
Espinheira Baltar
Henrique Andrade
Eva Almeida