Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4021/12.2TBGMR.G1
Relator: MARIA ROSA TCHING
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL
HOMOLOGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1º. Atento o disposto no nº3 do artigo 30º da LGT, introduzido pelo art. 125º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, nos processos de especiais de revitalização, não é possível, contra vontade do Estado, reduzir ou extinguir créditos tributários e/ou conceder moratória.
2º- Os créditos da Segurança Social revestem natureza tributária
3º- A homologação de um plano de recuperação aprovado pela assembleia de credores, sem respeitar o regime previsto nos artigos 1º e 2º do DL nº 411/91, de 17/10 e no artigo art. 30º, nsº 2 e 3 da LGT, por contemplar a concessão do pagamento a prestações do crédito do Instituto de Segurança Social, I.P. sem que tenha sido dada a competente autorização, é ineficaz relativamente a este credor, não produzindo quaisquer efeitos quanto ao mesmo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
T…, SA . veio instaurar o presente processo especial de revitalização, ao abrigo do disposto nos arts. 17.º-C e ss. CIRE.
Nomeado Administrador Judicial Provisório, foi por este junta aos autos lista provisória de créditos a que alude o art. 17.º-D/3 CIRE, tendo sido eficazmente impugnados os créditos reconhecidos ao B… e à S…, Ldª.
O plano de recuperação foi votado favoravelmente pelos credores C…, B…, B…, C…, E…, F…, J…, L…, N…, X… e S…, Ldª., o que corresponde a 83,27% dos créditos reconhecidos.
Foi proferida decisão que, ao abrigo do disposto no art. 17.º-F/5 CIRE, homologou o plano de recuperação constante de fls. 26 a 42, ficando as custas a cargo da devedora.

Não se conformando com esta decisão, dela apelou o Instituto de Segurança Social, terminando as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“1. O PER homologado pressupõe o pagamento de 100% do crédito reconhecido, a realizar em 36 prestações mensais iguais e sucessivas, não haverá lugar a redução de coimas e custas, irão ser liquidados juros de mora vencidos e vincendos, será prestada garantia por penhor mercantil de uma máquina de revista de marca Menschner. Da análise inicial ao plano de revitalização proposto parecia de aceitar a proposta de pagamento constante de fls. 9 do plano proposto.
2. Sucede, contudo, que a proposta não merece o n/assentimento, porquanto o PER homologado não se coaduna com as normas aplicáveis em matéria de regularização de dividas ao Estado, o que não se harmoniza com o grau de disponibilidade dos créditos públicos.
3. Com tal conteúdo, o PER homologado afasta, ainda, o regime geral de regularização de dívidas à segurança social, violando normas imperativas, nomeadamente da LGT, da Lei n.° 55-A/2010, de 31-12, LOE 2011 bem como o Código Contributivo. Pois, viola abertamente o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto no artigo 30.° no. 2 da LGTI com desrespeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributária. Principio que a LOE 2011 veio fortalecer, fazendo-o prevalecer sobre qualquer legislação especial, e aplicando-o aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, como é o caso sub judice, conforme se determina no artigo 30.° n.° 3 da LGT e no artigo 125.° da LOE. Assim sendo, fica claro que um plano de insolvência que regule a matéria dos créditos fiscais e da segurança social de forma diversa viola o disposto em normas imperativas, normas essas que não devem, pois, ceder perante a legislação especial contida no CIRE.
4. Ora, só em situações excepcionais devidamente explicitadas e que respeitem a efeitos úteis dos mecanismos de viabilização acessíveis às empresas em recuperação, é que se permite a regularização de dividas à segurança social através de pagamento prestacional, da isenção ou redução dos respectivos juros vencidos e vincendos, devidamente autorizados por deliberação do conselho directivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, 1. P. (IGFSS, 1. conforme previsto no artigo 190º do Código Contributivo. E que, de acordo com o artigo 191° do mesmo diploma legal, essas condições de regularização da dívida à segurança social não podem ser menos favoráveis do que o acordado para os restantes credores. Não pode o PER homologado, por isso, invocar o interesse dos credores para legitimar a violação de normas imperativas que tutelam os créditos da segurança social, quando a sua indisponibilidade exige tratamento diferenciado dos restantes créditos, de acordo com a legislação específica que os regula.
5. À semelhança do que sucede com a relação tributária há, assim, uma dupla vinculação nos princípios da legalidade e igualdade, princípios esses que estão enunciados nos artigos 13°, 103° e 104°, todos da CRP, e que têm como consequência a indisponibilidade dos direitos a ele conexos.
6. É ilegal a sentença de homologação do PER por terem sido violadas normas imperativas e princípios constitucionais.
7. O crédito da segurança social é indisponível e o seu reconhecimento e posterior pagamento não pode ficar sujeito às condições de liquidação dos restantes credores, e muito menos a condições menos favoráveis.
8. Será de questionar, portanto, se a Segurança Social tem ou não que autorizar expressamente o pagamento fraccionado do seu crédito que depende a homologação do plano. A questão já mereceu apreciação jurisprudencial em termos que aderimos e que, com a devida vénia, aqui seguiremos de perto, designadamente o plasmado na sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Guimarães (proc. n.° 3336/12.4TBGMR) e pelo Tribunal Judicial de Braga (proc. n.° 5547/12.3 TBBRG a correr termos no 3.° juízo cível) que pugnaram, fazendo alusão a vasto entendimento jurisprudencial, pela não homologação do plano.
9. Ora, no caso em apreço, a Segurança Social não deu o seu consentimento ao deferimento do pagamento de tais débitos. Pelo exposto, deveria ter sido oficiosamente declarada a não homologação do PER por violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, designadamente, o artigo 196.° e, consequentemente, o artigo 215°, ambos do CIRE.
10. Os credores, ainda que maioritários, no sentido do artigo 212°, n° 1, não podem aprovar um plano que implique o pagamento fraccionado, a redução ou extinção parcial, afectando créditos e contra a vontade do Instituto de Segurança Social.”
A final, pede seja revogada a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

FUNDAMENTAÇÃO:
Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. [1]

Assim, a única questão a decidir traduz-se em saber se o plano de recuperação aprovado e homologado afecta o direito do Instituto da Segurança Social, I. P. sobre o seu crédito e se essa afectação impede a sua homologação.

Argumenta o apelante que as garantias e a forma de pagamento das dívidas ao Instituto de Segurança Social não podem ser afectados pelo plano de recuperação, impondo-se o cumprimento da LGT bem como do DL nº 411/91, de 17/10.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
Resulta dos elementos constantes dos autos que nos presentes autos, o Instituto de Segurança Social I.P. reclamou crédito do montante global de € 32.084,03, referente a contribuições e juros, tendo tal crédito sido reconhecido na sua totalidade e como crédito privilegiado.
Mais resulta que segundo o plano de recuperaçãoapresentado pelo sr. administrador, o plano de pagamentos, no que respeita ao crédito do Instituto de Segurança Social, I.P., consiste “no pagamento de 100% do crédito reconhecido, a realizar em 36 prestações mensais iguais e sucessivas, começando o pagamento no mês seguinte ao terminus do prazo previsto no nº5 do art. 17º-D do CIRE. Não haverá lugar a redução de coimas e custas. Irão ser liquidados juros de mora vencidos e vincendos. Será prestada garantia por penhor mercantil de uma máquina de revista Marca Menscher, melhor identificada no Anexo”.
E resulta ainda que, submetido a votação em assembleia de credores, o mencionado plano de recuperação foi aprovado com 83,27% dos votos a favor, tendo sido homologado por sentença proferida em 2 de Abril de 2013, sem que o Instituto de Segurança Social, I.P. tenha dado o seu acordo à concessão da supra aludida moratória.
A este respeito, cumpre referir que a recente Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, que procedeu à sexta alteração do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/03 e alterado pelos Decretos-Leis nº 200/2004, de 18/09, nº 76-A/2006, de 29 de Março, 282/2007, de 7 de Agosto, 116/2008, de 4 de Julho e 185/2009, de 12 de Agosto), passando a reorientar este código para a promoção da recuperação, representa uma verdadeira mudança de paradigma do regime insolvencial com vista à prossecução do interesse público de defesa da economia, assente na filosofia de que “cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas” [2] .
Assim, privilegiando a manutenção do devedor no giro comercial e relegando para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação [3], veio a referida lei introduzir, na matéria com interesse para a resolução do presente litígio, alterações fundamentais.
Por um lado, instituiu, no art.1º, nº 2 do CIRE, o processo especial de revitalização, destinado a permitir a qualquer devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização económica ( cfr. nº1 do art. 17º-A do mesmo código).
Dito por outras palavras, trata-se de um processo com vista a propiciar a revitalização célere e eficaz dos devedores que se encontrem numa situação de “pré-insolvência”.
Por outro lado e no que concerne à natureza deste processo, consagrou, nos artigos 17º-A a 17º-I, um regime de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial, por forma a fomentar o recurso ao procedimento extrajudicial de recuperação do devedor bem como a contribuir para o aumento do número de negociações concluídas com sucesso.
Assim, deu primazia à vontade dos intervenientes ( devedor e credores), sujeitando, porém, nos termos do nº 10º do art. 17º-F, a limitações decorrentes do dever de respeito dos princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25 de Outubro.
Do mesmo modo privilegiou o controlo pelos credores da conduta do devedor e do seu administrador (constituindo a falta ou incorrecção das comunicações ou informações a estes prestada susceptível de gerar responsabilidade civil - cfr. nº11 do citado art. 17º-D), restringindo o controlo jurisdicional à gestão processual.
Daí ter reservado a intervenção do juiz à sindicância da justeza da instauração do processo especial de revitalização e da observância dos tramites a seguir quanto à aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização.
Com efeito, nesta matéria e na parte que interessa para a resolução do presente litígio, estabelece o art. 17º-F, nº5 que o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação aprovado ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, ou seja, nos dez dias seguintes à recepção do plano de recuperação provado ( cfr. nº2 do mesmo artigo) e de documento com o resultado da votação ( cfr. nº4 do citado artigo), aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX ( cfr. nº5 do mesmo artigo).
Assim e no que concerne ao plano de recuperação, consagra o art. 194º, nº1 o princípio da igualdade de tratamento dos credores, estabelecendo, no seu nº 2, que “O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável”.
Por outro lado, prosseguindo a finalidade última da satisfação dos interesses dos credores em condições de igualdade, o art 1º do CIRE institui o plano de recuperação não só como um instrumento alternativo ao normal processo de liquidação do património do insolvente, mas também como um meio idóneo e eficiente para concretizar a primazia da vontade dos credores no processo de liquidação do património do insolvente, concedendo, deste modo, aos credores a faculdade de afastarem o desencadeamento da solução legal supletiva, tal como decorre do seu art. 192 º, nº1.
O plano de recuperação, apresenta-se, assim, como um meio alternativo ao modelo executório da decisão declaratória da insolvência regulado no CIRE [4] e de auto-regulação de interesses, cabendo, por isso, aos credores decidir se o pagamento se obterá por meio da liquidação universal do património do devedor, concretizado de acordo com o modelo supletivo definido no CIRE, e consequente repartição do produto obtido pelos credores, ou pela forma prevista no plano de recuperação que venham a aprovar, o qual baseia-se na revitalização da empresa.
Mas, para além de tudo isto, consagra-se ainda uma regra geral de tutela dos interesses dos credores e dos direitos de terceiros no nº 2 do citado art. 192º, o qual estabelece que “o plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados”.
Significa isto que, quer os credores, quer os terceiros só podem ser atingidos se se verificar um destes requisitos: se houver consentimento do próprio visado ou quando a afectação for expressamente autorizada pelas normas legais integradas no título IX do CIRE.
Porque no caso dos autos o Instituto de Segurança Social não votou o plano de recuperação aprovado, importa aferir se o mesmo viola alguma regra do CIRE, o art. 30º, nsº 2 e 3 da LGT. e os arts.1º e 2º do DL nº 411/91, de 17/10.
No que respeita ao conteúdo do plano, prevê o art. 196º, nº1 do CIRE, várias medidas e providências com incidência no passivo da empresa devedora, tais como o perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros; a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos, a constituição de garantias e a cessão de bens aos credores [ cfr. alíneas a) a e) ].
E estipula o nº 2 do mesmo artigo, que a faculdade de reduzir ou extinguir garantias só não procede em relação às que beneficiam créditos do Banco Central Europeu, bancos centrais dos Estados-Membros da União Europeia e participantes em sistemas de pagamentos como tal definidos na Directiva nº 98/26/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio, ou equiparável.
Por outro lado, resulta do disposto no art. 197º do CIRE, que se nada em sentido contrário for expressamente consagrado no plano de recuperação, os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios não são afectados pelo plano ( al. a); os créditos subordinados consideram-se totalmente perdoados ( al. b) e o cumprimento do plano exonera o devedor e os responsáveis legais da totalidade das dívidas remanescentes da insolvência ( al. c).
Mas se assim é, então, não há dúvida que o plano de recuperação pode afectar os créditos de todos os credores privados ainda que contra o voto destes.
Já quanto aos credores públicos - Estado e Segurança Social - , a resposta implica que se tenha em consideração quer o regime de regularização das dívidas à segurança social estabelecido no DL nº 411/91 de 17 de Outubro, quer na Lei Geral Tributária.
Segundo o disposto no art. 1º do citado DL nº 411/91, não é permitido autorizar ou acordar extrajudicialmente o pagamento prestacional de contribuições em dívida à segurança social, nem isentar ou reduzir, extrajudicialmente, os respectivos juros vencidos ou a vencer.
E se é seguro admitir art. 2º, nº1 do citado decreto-lei medidas excepcionais para a regularização de dívidas por contribuições e juros de mora, também não é menos certo que, conforme estatui o nº2 deste mesmo artigo, a adopção de tais medidas depende da autorização do membro do Governo que tiver a seu cargo a área da segurança social, no caso o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, conforme previsto no art. 190º do Código Contributivo.
De realçar que, assumindo os créditos da Segurança Social, nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.12.97 [5], “desde a Constituição de 1976 a natureza de impostos especiais”, inquestionável se torna que, dada a sua natureza tributária [6], estão os mesmos também sujeitos ao regime da Lei Geral Tributária (aprovada pelo DL nº 398/98, de 17/12 ) e, por conseguinte à disciplina do seu art. 30º, cujo nº 2 estabelece que “o crédito tributário é indisponível só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”.
E o art. 36º, nº3 da mesma lei, dispõe que “a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei” [7].
Mas se, conforme já se deixou dito no Acórdão desta Relação, por nós proferido em 04.10.2011 [8], é verdade que, perante este regime legal, sempre se defendeu, na esteira de um posição maioritária da nossa jurisprudência [9], que o pagamento das dívidas fiscais do insolvente ficava sujeito ao regime especial do CIRE, não tendo aplicação, no processo de insolvência, o disposto nos arts. 30º, nº2 e 36º, nº3 da Lei Geral Tributária e que, por isso, não constituía fundamento para recusar a homologação do plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores o facto de nele se prever a redução do crédito de que seja titular a Fazenda nacional e a Segurança Social bem como o diferimento do seu pagamento em prestações, também não é menos verdade que, face às alterações da LGT, operadas pela Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, impõe-se, no caso concreto, rever a nossa posição.
É que o artigo 123º desta Lei do Orçamento do Estado, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2011[10] , aditou ao artigo 30 da LGT, o nº 3 com a seguinte redacção: “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”.
Por sua vez, prescreve o artigo 125º da mesma lei que “O disposto no nº3 do artigo 30º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos”.
Ora, se o legislador quis fazer valer, também para os processos de insolvência, o princípio geral consagrado no art. 30º, nº2 da LGT de que o crédito tributário é indisponível, só podendo fazer reduzido ou extinto com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária, atento o disposto nos artigos 7º, nº3 e 9º do Código Civil e em consonância com o decidido nos Acórdãos da Relação do Porto de 07.07.2011 e de 13.07.2011 [11], julgamos que a conclusão a tirar é a de que foi vontade do legislador afastar, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de que o regime especial do C.I.R.E. derroga o regime geral da LGT.
Daí ter-se por assente, por um lado, que nos processos especiais de revitalização, não é possível, contra vontade do Estado, reduzir ou extinguir créditos tributários e/ou conceder moratória.
E, por outro lado, que a homologação de um plano de recuperação aprovado pela assembleia de credores, sem respeitar o regime previsto no citado DL nº 411/91 e na LGT relativamente aos créditos tributários, é ineficaz em relação à Fazenda Nacional e ao Instituto de Segurança Social, I.P., não produzindo quaisquer efeitos relativamente a tais credores.
Ora, porque no caso dos autos, o Instituto de Segurança Social I.P não votou o plano de recuperação aprovado pela assembleia de credores e homologado em 2 de Abril de 2013 nem houve autorização competente para o pagamento em prestações do seu crédito, não restam dúvidas que tal plano não produz efeitos quanto aos créditos por ele reclamados.
Aliás, a este respeito não podemos deixar de citar o que muito a propósito se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.06.2009 ( que incidiu sobre o Acórdão desta Relação por nós proferido em 04.10.2011) que “No que especificamente tange aos créditos tributários da Segurança Social, bom será que o intérprete e, especialmente, o aplicador da lei, se não olvidem dessa realidade que é destacada por Jorge Miranda e Rui Medeiros segundo os quais «o sistema de segurança social configura-se na nossa ordem constitucional como um sistema universal, devendo garantir a toda a população a protecção em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade de trabalho» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pg. 639).
Não será, destarte, necessário frisar que o cumprimento de tal dever constitucional só será possível mediante o pagamento efectivo das contribuições (…).
Tudo isto demanda do legislador medidas destinadas a garantir de forma eficaz o financiamento necessário ao cumprimento do objectivo assinalado, pois como salienta Reis Novais, o pleno cumprimento do programa constitucional «depende essencialmente de factores financeiros e materiais que, em grande medida o Estado não domina» (Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, 2003, pg 147)”.

Procedem, apenas nos termos referidos, as conclusões do apelante.

DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e revogando-se parcialmente a decisão recorrida, altera-se a mesma, decidindo-se que o plano homologado é ineficaz relativamente ao crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, I.P, não produzindo quaisquer efeitos quanto a tal crédito.
Em tudo o mais mantém-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da massa insolvente.
Guimarães, 18 de Junho de 2013.
Rosa Tching
Espinheira Baltar
Henrique Andrade
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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, p. 84 e Ano III, tomo 1, p. 19, respectivamente.
[2] Cfr. Proposta de Lei nº 39/XII da Presidência do Conselho de Ministros.
[3] Cfr. Proposta de Lei nº 39/XII da Presidência do Conselho de Ministros.
[4] Neste sentido, vide. Isabel Alexandre, in, “O Processo de Insolvência. Pressupostos processuais, tramitação, medidas tutelares e impugnação da sentença”, Revista do Ministério Público – Ano 26, Jul-Set/2005, nº 103. pág. 129.
[5] In, BMJ, nº 472, p. 283.
[6] No mesmo sentido, cfr., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05-05-99 (recurso nº 22.811) e Acórdão nº 363/92, de 12 de Novembro de 1996, do Tribunal Constitucional, publicado no D.R.II Série, de 8 de Abril de 1993.
[7] Nos quais se enquadram os casos previstos nos nºs 1,3,4 e 5 do art. 196º do CPPT.
[8] In, www.dgsi.pt.
[9] De que são exemplos os Acórdãos da Relação do Porto de 15.12.2005, 13.07.2006, 31.01.2008 e 1.07.2008 e Acórdão da Relação de Lisboa de 17.07.2008, in www.dgsi.pt. respectivamente Procs. nº 0535648, nº 0631637, nº 0736250, nº. 0822193 e nº 5511/2008-2
[10] Cfr. art. 187 da citada Lei.
[11] In www. dgsi.pt, Proc. nº 393/10 e 134/11.