Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2848/22.6T8BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ACÇÃO NÃO CONTESTADA
MANIFESTA SIMPLICIDADE DA CAUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I Só a total falta de fundamentação – e não a fundamentação deficiente e errática conduz à nulidade da sentença (al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC).
II – Não é nula a sentença por falta de fundamentação se tiver sido proferida ao abrigo do prescrito no n.º 2 do art.º 57.º do CPT.
III - A aplicação do prescrito no art.º 57.º n.º 2 do CPT e a fundamentação da sentença por simples adesão ao invocada na petição inicial nela consentida só ocorre nas situações em que a causa se reveste de manifesta simplicidade.
IV - A manifesta simplicidade da causa deve ser aferida em face dos factos que constam da petição inicial – a causa de pedir - do direito aplicável aí invocado para sustentar os pedidos e das questões suscitadas na aplicação do direito.
V- A natureza das questões suscitadas nos autos e a controvérsia designadamente no que respeita quer à natureza do contrato inicialmente celebrado entre as partes, quer à posição remuneratório reclamada pelo autor, quer o facto dos factos provados não conduzirem à total procedência da acção, impede que se possa considerar a presente acção como revestida de manifesta simplicidade, o que constitui pressuposto de aplicação do estatuído no art.º 57.º n.º 2 do CPT e da possibilidade de fundamentação por remissão nele consagrada.
VI – Não tendo a sentença sido elaborada de acordo com o que determina a lei processual, com evidente influência no exame e na decisão da causa, foi cometida a nulidade prescrita no art.º 195.º n.º 1 do CPC., o que impõe que se determine a sua anulação.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

APELANTE: UNIVERSIDADE ...
APELADO: AA
Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ... -J...

I – RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ... (... - Esquerdo), em ..., instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra UNIVERSIDADE ..., com sede no Largo ..., em ..., pedindo que se condene a Ré:

A. A reconhecer a existência de contrato de trabalho sem termo entre o Autor e a Ré, com antiguidade à data de 15.04.2016, e ser esta condenada ao pagamento aquele da quantia global de € 3.039,34 (três mil e trinta e nove euros e trinta e quatro cêntimos), a título de créditos laborais referentes a subsídio de férias e de natal vencidos, bem como da quantia de €1.812,07 (mil oitocentos e doze euros e sete cêntimos) a título de juros de mora vencidos, bem como de juros vincendos até efetivo e integral pagamento;
B. Ser a Ré condenada a atualizar a posição retributiva do Autor na 3.ª posição remuneratória, bem como a pagar as respetivas diferenças salariais contadas desde essa data até efetiva regularização,
C. Ser a Ré condenada ao pagamento de todas as custas judiciais e custas de parte.
Para tanto, alega o Autor que iniciou a relação laboral com a Ré em 15.04.2016, tendo inicialmente celebrado um contrato de bolsa de investigação, seguidamente um contrato de trabalho a termo certo e por fim um contrato de trabalho por tempo indeterminado. O autor foi admitido como licenciado e desempenhou funções sempre na UNIVERSIDADE ... tarefas essas que concorriam para a satisfação de necessidades permanentes e ultrapassavam as estabelecidas no plano de actividades. Inicialmente e até 14.01.2018, foi lhe atribuída uma bolsa mensal de €980,00. O Autor sempre recebeu ordens e orientações dos serviços/departamentos em que estava inserido acerca das tarefas de que era incumbido, estava sujeito aos regulamentos internos da Ré e respetivos códigos de conduta, tinha horário com disponibilidade total, tinha de justificar as faltas, estava obrigado a observar o registo de assiduidade e marcar férias como s demais trabalhadores, utilizava os equipamentos fornecidos pela UNIVERSIDADE ..., bem como o seu logotipo e vivia exclusivamente dos rendimentos auferidos ao serviço da UNIVERSIDADE .... O Autor, enquanto bolseiro, encontrava-se sujeito às regras da mobilidade em igualdade de circunstâncias com os demais trabalhadores da Ré, a qual poderia colocar o autor em local diverso do inicialmente estabelecido. Tratava-se de uma verdadeira relação laboral cujo reconhecimento e antiguidade deve ser reportado a 15.04.2016, sendo certo que as verbas que recebeu como bolseiro não incluíam subsídio de férias e de natal que não lhe foram pagos desde 15.4.2016 até 2.11.2018. Alega ainda que o seguro social voluntário pelo qual estava abrangido deve incluir-se e ser considerado de retribuição
Contudo, a bolsa cessou em 1.11.2017, uma vez que o autor assinou um contrato de trabalho a termo certo em 2.11.2017, com duração de 1 ano, tendo-lhe sido atribuída a retribuição correspondente ao nível 11-A, 1.º posição retributiva da carreira de Técnico Superior correspondente ao valor de €995,51. Este contrato foi objecto de duas renovações e por fim foi celebrado o contrato e trabalho por tempo indeterminado, com inicio em 2.11.2020, com a retribuição fixada em € 998,50, correspondente ao nível 11-, 1.ª posição retributiva da carreira de técnico superior, com a qual o autor não concorda reclamando por isso o reconhecimento da correspondente ao nível da 2.ª posição remuneratória da carreira técnico superior, no valor de € 1.201,48, valor esse que devia ter sido pago até à data da conversão do contrato de trabalho a termo certo em contrato de trabalho por tempo indeterminado, ou seja, ao longo de 3 anos/36 meses de contrato de trabalho a termo certo, acrescidos dos subsídios de férias e de natal.
Uma vez que quando foi celebrado o contrato por tempo indeterminado o autor estava já há três anos na mesma posição retributiva, tendo obtido sempre classificação máxima em matéria de avaliação e desempenho, impunha-se a passagem ao nível 19-A, 3.ª posição retributiva da carreira de técnico superior, com o valor em 2020 de € 1.407,45, em 2021 de € 1.411,67 e em 2022 de € 1.424,38, o que requer.

A Ré devidamente citada, no prazo que lhe foi concedido, não contestou e foi proferida sentença ao abrigo do disposto no art.º 57.º n.º 1 e 2 do CPT, com o teor que parcialmente passamos a transcrever:

II. Fundamentação:
Nos termos do art. 57º nº1 do Cód. de Processo do Trabalho, se o réu não contestar tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é proferida sentença.
No caso dos autos, sendo que a ré foi regularmente citada na sua própria pessoa e não contestou, considero confessados os factos articulados pelo autor na petição inicial.
Nos termos do art. 57º nº2 do Cód. de Processo de Trabalho, se a causa se revestir de manifesta simplicidade e os factos confessados conduzirem à procedência da acção, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da fundamentação sumária do julgado, a qual pode ser feita por simples adesão ao alegado pelo autor.
Atendendo a que a causa se reveste de manifesta simplicidade e os factos confessados pela ré determinam a procedência da acção, faremos uso desta faculdade.
A este propósito, importa apenas esclarecer que os subsídios de férias e de Natal que são reclamados pelo autor devem ser sujeitos ao regime aplicável aos trabalhadores por conta de outrem porquanto são reclamados pelo autor e devidos pela ré porque é reconhecido que a relação entre ambos tinha natureza laboral.
Tem sido este o entendimento da jurisprudência em situações idênticas nesta parte, servindo de exemplo, entre muitos outros, o recente Acórdão da Relação de Guimarães de 3 de Fevereiro de 2022 ,proferido no Processo nº6269/20.7T8BRG.G1 (in www.dgsi.pt)
.
III. Decisão:
Pelo exposto, decido julgar a presente acção integralmente procedente e, em consequência, condeno a ré:
1.A reconhecer a existência de um contrato de trabalho com o autor e a antiguidade com efeitos a partir do dia 15 de Abril de 2016;
2.A pagar ao autor os subsídios de férias e de Natal que não foram pagos no período entre o dia 15 de Abril de 2016 e o dia 1 de Novembro de 2017, sujeitos ao regime aplicável aos trabalhadores por conta de outrem;
3.A pagar ao autor os juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o vencimento de cada um dos subsídios até integral pagamento e não podendo os juros vencidos exceder o valor de € 1.812,07 (mil oitocentos e doze euros e sete cêntimos);
4.A atribuir ao autor a retribuição correspondente à 3ª posição retributiva do nível 19-A da carreira de técnico superior com efeitos a partir do dia 2 de Novembro de 2020;
5.A pagar ao autor as diferenças salariais que resultam da diferença entre esta retribuição e a retribuição que tem vindo a pagar desde o dia .../.../2020, acrescidas de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o vencimento de cada retribuição até integral pagamento relativamente às prestações vencidas e não podendo os juros vencidos exceder o valor de € 401,75 (quatrocentos e um euros e setenta e cinco cêntimos).
Nos termos do art. 306º nº1 e 2 do Cód. de Processo Civil, fixo à causa o valor de € 22.846,37 (vinte e dois mil oitocentos e quarenta e seis euros e trinta e sete cêntimos).
Custas a cargo da ré.
Registe e notifique.”

Inconformada com esta sentença, dela veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes:
CONCLUSÕES:

Da nulidade da sentença: o Artigo 57.º/2 do CPT e a omissão do dever de especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão:

A – Não se reveste de manifesta simplicidade a causa em que têm que ser decididos pedidos respeitantes (i) ao reconhecimento de existência de um contrato de trabalho que se encontra formalizado como contrato de bolsa, e que apresenta características próprias deste contrato; (ii) à determinação do nível retributivo do Autor, com base na aplicação de uma malha legislativa que integra uma multiplicidade de diplomas legais (Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, Decreto-lei nº 4/2016, de 13 de janeiro, Código do Trabalho, Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador da UNIVERSIDADE ...).
B – Os factos confessados não conduzem à procedência da acção quando dos mesmos não resultaria a condenação da Ré nos termos do pedido; por maioria de razão, verifica-se que os factos confessados não conduzem à procedência da acção quando é a própria sentença que condena em termos diferentes do peticionado.
C – A sentença em crise, (i) ao condenar a Recorrente no reconhecimento da existência de um contrato de trabalho com o Autor desde 15/04/2016, mas ao não condenar no pagar o valor peticionado pelo Autor a título de subsídio de férias e de Natal; (ii) ao condenar a Recorrente a integrar o Autor na 3.ª posição remuneratória, correspondente ao nível 19-A desde 02/11/2020, e não desde 15/04/2016, condena a Recorrente em termos diferentes do pedido.
D – Atendendo ao acima exposto, a revelia da Recorrente não permitia ao Tribunal a quo lançar mão do disposto no artigo 57.º, número 2 do CPT, pelo que estava o mesmo obrigado a cumprir o disposto no artigo 607.º, números 3 e 4, do CPT.
E – Ao não ter elencado os factos que julga provados e não provados, e ao não ter especificado os fundamentos jurídicos em que ancorou a sua decisão, o Tribunal a quo proferiu uma sentença nula, conforme dispõe o artigo 615.º, número 1, alínea b) do CPC., nulidade que se arguiu expressamente.
F – Como consequência da nulidade da sentença, requer-se que sejam os autos devolvidos ao Tribunal a quo para que profira sentença em cumprimento dos mencionado ditames legais.

Sem prescindir,

Do reconhecimento da existência de um contrato de trabalho e da consequente antiguidade:

G – Os factos que devem ser tidos por assentes nestes autos são insuficientes para que se possa concluir que entre a Recorrente e o Recorrido vigorou, entre15/04/2016 e 01/11/2017 um contrato de trabalho.
H – Os únicos factos provados que podem integrar os indícios da existência de um contrato de trabalho estão igualmente em conformidade com a relação contratual formalizada entre as partes, ou seja, o contrato de bolsa. Tais factos são:
O local de prestação da actividade: as instalações da Recorrente.
O recebimento de um valor com periodicidade mensal: a bolsa.
I – De acordo com o artigo 9.º, número 1, alíneas a), b) e h) do Estatuto do Bolseiro de investigação: todos os bolseiros têm direito a: a) Receber pontualmente o financiamento de que beneficiem em virtude da concessão da bolsa; b) Obter da entidade de acolhimento o apoio técnico e logístico necessário à prossecução do seu plano de trabalhos; h) Beneficiar de um período de descanso que não exceda os 22 dias úteis por ano civil;
J - O artigo 12.º, alíneas a) e b) do indicado Estatuto determina que Todos os bolseiros devem :a) Cumprir pontualmente o plano de actividades estabelecido, não podendo este ser alterado unilateralmente; b) Cumprir as regras de funcionamento interno da entidade de acolhimento e as directrizes do orientador científico;
K - O Regulamento de Bolsas de Investigação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., do ano de 2015 (aplicável ao ano em questão), determina assim, no seu artigo 9.º:
1. As bolsas de gestão de ciência e tecnologia (...) destinam-se a licenciados, mestres ou doutores, com vista a proporcionar formação complementar em gestão de programas de ciência, tecnologia e inovação, ou formação na observação e monitorização do sistema científico e tecnológico ou do ensino superior, e ainda para obterem formação em instituições relevantes para o sistema científico e tecnológico nacional de reconhecida qualidade e adequada dimensão, em Portugal ou no estrangeiro.
2. A duração da bolsa é, em regra, anual, renovável até ao máximo de seis anos, não podendo ser concedida por períodos inferiores a três meses consecutivos.
3. O subsídio mensal a conceder é estabelecido em função da habilitação do candidato, da sua experiência anterior, e da complexidade do plano de trabalhos aprovado, dentro do intervalo estabelecido na tabela anexa a este regulamento.
L – Uma vez que cabia ao Recorrente invocar os factos que levassem a concluir que os contornos da sua relação com a Recorrente consubstanciavam uma relação laboral e não uma relação de Bolseiro, impendia sobre o mesmo ser descritivo na factualidade que afastasse a evidência que decorre do contrato formalizado que o mesmo celebrou com a Recorrente.
M - Contudo, não o fez: o Recorrido juntou aos autos o concurso por via do qual foi selecionado para a celebração do contrato de bolseiro, e bem assim o próprio contrato de bolsa, o seu plano de actividades, os relatórios – ou seja, todos os elementos documentais juntos ao autos, concatenados com os parcos factos alegados, só podem conduzir a uma decisão: o vínculo contratual que uniu o Recorrido e a Recorrente entre 15/04/2016 e 1/11/2017 correspondeu a um contrato de Bolsa, e não a um contrato de trabalho.
Durante este período, não se verificou qualquer subordinação jurídica do Recorrente à Recorrida.
N - Pelo que deverá ser revogada a douta decisão a quo, que violou o disposto no artigo 11.º e 12.º do Código do Trabalho, e deverá ser declarado improcedente o pedido deduzido pelo Recorrido sob a alínea a) do pedido final.

Da posição remuneratória do Recorrido:

O - Sendo a Recorrente uma Fundação pública sujeita ao regime do direito privado no que diz respeito “à sua gestão financeira, patrimonial e de pessoal” está sujeita à Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, e ainda ao previsto no Decreto-lei nº 4/2016, de 13 de janeiro.
P – A Recorrente deve obedecer ao Código do Trabalho, nas relações laborais que estabelece, e também, no que respeita às relações laborais com não docentes e não investigadores, ao Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador da UNIVERSIDADE ....
Q - Do Código do Trabalho não resulta qualquer obrigação de integração do Recorrido em níveis retributivos.
R - Do Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador da UNIVERSIDADE ... o resulta qualquer obrigação de integração do Recorrido em qualquer nível retributivo que não o 11-A – o 1.º nível da carreira de técnico superior.
S – Não havendo tal obrigatoriedade, o que se constata é que a definição do nível retributivo do Autor no 1.º escalão obedece às normas reguladoras desta matéria, ou seja: ao Código do Trabalho e ao Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador da UNIVERSIDADE ....
T - À relação laboral que o mesmo mantém com a Recorrente não se aplica a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, e por isso, é esta relação laboral alheia ao invocado artigo 38.º, número 7 da LGTFP.
U - A alegada proposta do Presidente da Escola ... (que não foi sequer dirigida ao Recorrido) não tem a virtualidade de vincular a Recorrente.
V - Assim, porque em estrito cumprimento das normas reguladoras da determinação da retribuição dos trabalhadores não docentes da Recorrente, não merece qualquer reparo a fixação da retribuição do Autor, aquando da celebração do contrato de trabalho por tempo indeterminado, na 1.ª posição, correspondente ao nível 11-A.
X – Pelo que se requer que seja revogada a douta sentença a quo, que violou o disposto no artigo 37.º, número 5, do Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador da UNIVERSIDADE ..., e, consequentemente, seja declarado improcedente o pedido vertido sob a alínea b) do pedido final.
Y – Como consequência dos pedidos ora formulados, devem ser revogados seguintes segmentos da douta sentença:
Ponto 2, por não haver relação laboral que sustente a obrigatoriedade de pagamento de subsídios de férias e de Natal.
Ponto 5, por não haver lugar a alteração da retribuição do Recorrido.
Demais pontos, por não haver lugar ao pagamento de qualquer valor.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, mui doutamente suprirão, deverá a douta sentença a quo ser revogada, e em consequência, deverá ser a Recorrente absolvida dos correspondentes pedidos deduzidos pelo Recorrido na petição inicial,
Assim se fazendo inteira e sã justiça!”
O autor apresentou contra-alegação na qual pugna pela manutenção da decisão recorrida
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e respectivo efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87º n.º 1 do CPT), as questões que se impõe apreciar são as seguintes:

- Da nulidade da sentença, por omissão do dever de especificar os fundamentos de facto e de direito
- Da adequada fundamentação da sentença proferida à luz da regra processual constante do artigo 57° do CPT, perante a revelia da Réu, que não contestou.
- Do reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, da consequente antiguidade e subsídios de férias e de Natal.
- Da posição remuneratória do Recorrido.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes são os que constam do relatório que antecede.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da nulidade da sentença, por omissão do dever de especificar os fundamentos de facto e de direito

Insurge-se o Recorrente contra a sentença recorrida, uma vez que na sua tese a mesma é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, já que a sua revelia não permitia ao Tribunal a quo lançar mão do disposto no artigo 57.º, número 2 do CPT, estando assim obrigado a cumprir o prescrito no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC.
Vejamos se a sentença é nula, nos termos do n.º 1 al. b) do ar. 615.º do C. P. C., já que não se verificando o pressuposto relativo à manifesta simplicidade da causa a que alude o n.º 2 do art.º 57.º do CPT, não especifica os fundamentos de facto e de direito que conduziram à procedência da acção.
Prescreve o n.º 1, al. b), do ar. 615.º, do C. P. C., a sentença é nula quando «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
Esta nulidade é mais um vício de natureza processual que tem a ver com a observação das formalidades dos actos processuais, sem que se olhe à matéria substantiva de que trata o processo.
Como é consabido as causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente elencadas no n.º 1 do art.º 615º do CPC, e, reportam-se a vícios formais da sentença, do acórdão (art.º 666º, n.º 1) ou do despacho (art.º 613º, n.º 3) em si mesmos considerados, decorrentes do facto do tribunal ao elaborar a decisão não ter respeitado as normas processuais que regulam essa sua elaboração e que balizam os limites da decisão. Estão em causa os defeitos na construção da decisão.
Diferentes desses vícios são os erros de julgamento, quer da matéria de facto, quer da matéria de direito, os quais se traduzem numa deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação, interpretação e/ou aplicação das normas jurídicas aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados (vícios formais) ou aos limites à sombra dos quais são proferidos, não inquinam de invalidade a decisão.
Resulta dos autos que o Réu não apresentou contestação, apesar de ter sido notificado para o efeito. E da análise da sentença recorrida verificamos que o tribunal recorrido fixou a matéria de facto e fundamentou sumariamente o julgado, em conformidade com o prescrito no n.º 2 do art.º 57.º do CPT. do qual resulta que a verificar-se a situação processual nele prevista, a sentença pode prescindir do relatório, da transcrição dos factos provados e até da fundamentação do direito. O que significa que se o Réu citado não contestar e for caso de se considerarem confessados os factos alegados na petição, nos termos do artigo 57.º do CPT, o juiz na sentença, ao abrigo do disposto no n.º 2 deste artigo, se os factos confessados conduzirem à procedência da acção, a fundamentação de facto e de direito pode «ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor.», ficando assim dispensado do cumprimento do disposto no artigo 607.º, ns.º 3 e 4, do CPC.,
No caso, tendo presente a revelia do Réu, bem como o prescrito no art.º 57.º do CPT, cumpre dizer que a sentença especifica os fundamentos de facto e de direito, ao remeter para o teor da petição inicial, mais concretamente ao aderir para o alegado pelo autor e com umas pequenas nuances suficientemente explicitadas na sentença, especifica os fundamentos de direito, contendo assim o exercício formal de subsunção dos factos provados ao direito que entendeu ser o aplicável.
Como referem os autores Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio Nora, no Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 687 «Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito».
Na jurisprudência é este o entendimento que vem sendo seguido, tal como resulta a título meramente exemplificativo dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2005 (Araújo Barros), com referência ao n.º 05B2711 e de 14-1-2014 (Gabriel Catarino), no processo n.º 1032/08.6TBMTA, consultáveis em www.dgsi.pt., este último com o seguinte sumário: «III - Só a total falta de fundamentação – e não a fundamentação deficiente, acrática e errática – induz a nulidade da decisão por falta de fundamentação (al. b) do n.º 1 do art. 615.º ex vi dos arts. 666.º e 679.º, todos do CPC)».
Em suma, não se verifica a arguida nulidade da sentença, já que só a total falta de fundamentação conduz à sua nulidade, o que não se verifica no caso, ainda que possa estar em causa a adequação da fundamentação da sentença que é questão diversa, como se irá apreciar.

2. Da adequada fundamentação da sentença proferida à luz da regra processual constante do artigo 57.° do CPT, perante a revelia do Réu.

Prescreve art.º 57º do CPT:

“1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
2 - Se a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado; se os factos confessados conduzirem à procedência da acção, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor”.

O artigo corresponde, no essencial, aos n.ºs 1 e 3, do art.º 567.º do CPC.
Diz-se que há revelia quando o Réu não reage, isto é, se o réu não contestar, desde que deva “considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação”. A revelia é operante, quando implica a confissão dos factos articulados pelo autor, ou seja, quando o Réu reconhece ou admite todos os factos alegados pelo autor na petição inicial.
Contudo, a lei estabelece uma cominação semi-plena e não um efeito cominatório pleno, o que significa que não ocorre a condenação imediata no pedido como consequência da revelia operante, pois como resulta da parte final do n.º 1 do art.º 57.º do CPT, o Tribunal profere “sentença a julgar a causa conforme for de direito”, ou seja os factos reconhecidos podem ou não determinar a procedência da acção, total ou parcial, como também podem conduzir à absolvição do Réu da instância ou do pedido.
Nestas situações o juiz deve discriminar na sentença os factos que julga provados, seguindo-se a fundamentação de direito, com indicação e interpretação das nomas jurídicas a aplicar que justificam a decisão final.
Em suma, se os factos não forem suficientes para a procedência integral ou parcial da acção, a fundamentação deverá ser mais completa devendo assim constar da sentença os factos dados como provados e a respectiva fundamentação de direito, ainda que ligeira, o mesmo sucedendo quando a causa não for manifestamente simples.
As situações a que alude o n.º 2 do art.º 57.º do CPT que são aquelas em que a causa revista manifesta simplicidade, a sentença pode consistir apenas na identificação das partes, na fundamentação sumária da decisão e, a final, na parte decisória. Ou seja, se os factos considerados confessados conduzirem à procedência da acção, a fundamentação dessa decisão poderá ser feita “mediante simples adesão ao alegado pelo autor”, que se traduz na remissão para os factos alegados pelo autor, que podem ser dados como provados em bloco e dados por reproduzidos.
Como refere Abílio Neto, in CPT anotado, 5ª edição pág.151 e 152 em anotação ao art.º 57º do CPT “no processo declarativo comum, a revelia operante do réu importa a confissão dos factos articulados pelo autor, e logo de seguida, o proferimento da sentença, cuja fundamentação pode ser sumária ou mediante adesão ao alegado pelo autor.
Pese embora a amplitude da redacção deste preceito, não foi intenção de associar à revelia do réu um efeito cominatório pleno, que dê lugar à sua imediata condenação no pedido, mesmo no caso de inconcludência da petição. No relatório que antecede o DL 480/99 de 9/11, lê-se em dado passo: “seguindo a orientação do CPC, eliminam-se os casos de cominação plena, impondo-se um princípio de conhecimento do mérito da causa embora com a possibilidade de, quando os autos já contenham os necessários elementos ou estes resultem de diligências determinadas oficiosamente pelo juiz, este possa decidir simplificada, mesmo por simples adesão aos argumentos das partes”.
Ora, apesar do Réu não contestar nem sempre o juiz está dispensado de, na decisão a proferir, elencar os factos alegados pelo autor que considera confessados e depois disso, “julgar a causa conforme for de direito” (nº 1 deste artigo).
O julgamento da causa “conforme for de direito” impõe que se enunciem os factos que o tribunal considera assentes por confissão do réu, já que este é o destinatário da decisão e deve saber quais os factos tidos por relevantes que estiveram na base a sua condenação.
Por outro lado, a aplicação do prescrito no art.º 57.º n.º 2 do CPT e a fundamentação da sentença por simples adesão ao invocada na petição inicial nela consentida só ocorre nas situações em que a causa se reveste de manifesta simplicidade.
Ora, a manifesta simplicidade da causa deve ser aferida em face dos factos que constam da petição inicial – a causa de pedir - do direito aplicável aí invocado para sustentar os pedidos e das questões suscitadas na aplicação do direito.
Como se refere a este propósito no Acórdão da Relação do Porto de 14.07.2020, processo n.º 4280/17.4T8MTS.P2 (relator Jerónimo Freitas), consultável em www.dgsi.pt “… resulta bem claro da norma, não basta a simplicidade da causa, exigindo-se que a mesma seja “manifesta”. A manifesta simplicidade da causa afere-se face aos factos constantes da petição inicial – a causa de pedir - e o direito aplicável aí invocado para sustentar os pedidos deduzidos, bem assim face às questões suscitadas na aplicação do direito.
Por outro lado, note-se, a fundamentação sumária não pode ser confundida com não fundamentação ou fundamentação ligeira [Albino Mendes Baptista, Código de Processo do Trabalho Anotado, Quid Juris, Lisboa, 200º, p. 121].
(…)
Em suma, pode dizer-se que o art.º 57.º do CPT, cobre três situações que têm por base a revelia do Réu, para cada uma delas impondo diferentes exigências de fundamentação na elaboração da sentença que retira os efeitos da cominação semi-plena.”
No caso o Tribunal a quo utilizou a faculdade concedida pelo n.º 2 do art.º 57.º do Cód. de Processo de Trabalho ao mencionar o seguinte “Atendendo a que a causa se reveste de manifesta simplicidade e os factos confessados pela ré determinam a procedência da acção, faremos uso desta faculdade.” Pese embora depois refira “A este propósito, importa apenas esclarecer que os subsídios de férias e de Natal que são reclamados pelo autor devem ser sujeitos ao regime aplicável aos trabalhadores por conta de outrem porquanto são reclamados pelo autor e devidos pela ré porque é reconhecido que a relação entre ambos tinha natureza laboral.”
Ora, não podemos concordar com este enquadramento, pois a causa não se reveste de manifesta simplicidade, nem tão pouco os factos provados conduziam à total procedência da acção, em face do peticionado, quer no que respeita aos subsídios de férias e de natal, quer no que respeita à posição remuneratória do autor.
No caso suscitam-se diversas questões: a) a natureza do contrato inicialmente celebrado entre as partes – contrato de bolsa de investigação ou contrato de trabalho, que teve continuidade, através do contrato de trabalho a termo certo celebrado a 02/11/2017, seguido do contrato de trabalho por tempo indeterminado que ainda hoje vigora; b) reconhecimento da antiguidade do autor reportada ao dia 15/04/2016; c) caso se reconheça como contrato de trabalho o contrato inicialmente celebrado, apurar as quantias devidas a título de subsídio de férias e de natal; d) apurar a posição remuneratória ou posições remuneratórias do autor, na carreira de técnico superior, desde o início da relação contratual de natureza laboral, o que impõe a análise de diversos diplomas; e) apurar as diferenças salariais, caso se altere a posição retributiva atribuída pelo Réu.
A natureza das questões acabadas de enunciar e a controvérsia designadamente no que respeita quer à natureza do contrato inicialmente celebrado entre as partes, quer à posição remuneratório reclamada pelo autor impede que se possa considerar a presente acção como revestida de manifesta simplicidade, o que constitui pressuposto de aplicação do estatuído no art.º 57.º n.º 2 do CPT e da possibilidade de fundamentação por remissão nela consagrada.
Acresce ainda dizer que a condenação do Réu não corresponde à procedência total da acção, no que respeita aos pedidos formulados sob as alíneas a) e b) do petitório ficando sem se saber quais os fundamentos jurídicos que levaram o Tribunal a quo a sustentar a decisão no que respeita à integração do Autor na 3.ª posição remuneratória a partir de 02/11/2020.
No caso impunha-se que o Tribunal a quo tivesse aplicado o n.º 1 do art.º 57.º, fixando os factos provados por confissão para depois julgar a causa conforme for de direito.
Tal não sucedeu e por isso verificamos que a sentença não foi elaborada de acordo com o que determina a lei processual, com evidente influência no exame e na decisão da causa, tendo sido assim cometida a nulidade prescrita no art.º 195.º n.º 1 do CPC., o que impõe que se anule a sentença recorrida.
Como se fez constar no Acórdão da RC de 7.02.2020 a este propósito o Tribunal a quo “ao decidir na base de uma fundamentação por remissão prevista no citado art. 57º/2 do CPT para situações de manifesta simplicidade em que não se enquadra a presente acção, a sentença recorrida consubstancia um acto não consentido por lei, com evidente influência no exame e na decisão da causa, com a consequente nulidade cominada no art. 195º/1 do NCPC.”
Impõe-se, assim, também, aqui anular a sentença, nos termos previstos no art.º 195.º n.º 1 do CPC, para se determinar que a 1.ª instância profira nova sentença, fixando concreta e precisamente os factos que considera provados, para depois determinar e interpretar o direito aplicável, julgando a causa conforme for de direito.
Em face desta decisão fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso de apelação.

V – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em anular a sentença recorrida, devendo ser proferida outra que proceda à fixação dos factos provados e julgue a causa conforme for de direito nos termos impostos pelo art.º 57.º n.º1 do CPT.
Custas a final pela parte vencida.
Notifique.

30 de Março de 2023

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Francisco Sousa Pereira