Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3889/21.6T8VCT.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
PERDA DE GANHO
DANO BIOLÓGICO
DANO NÃO PATRIMONIAL
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - A uma perda de ganho efetiva equivale, para efeitos de indemnização, como dano patrimonial, o esforço suplementar que as vítimas de incapacidade têm que desenvolver para realizar o seu trabalho.
2 - A afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente, também, da sua atividade laboral.
3 - Na fixação da indemnização pelo dano não patrimonial resultante de acidente de viação, o indispensável recurso à equidade, não impede, antes aconselha, que se considere, como termo de comparação, os valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judicias relativas a casos semelhantes, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.
4 - É adequado fixar o valor de € 12.500,00 a título de danos não patrimoniais a favor de lesado de 17 anos de idade, com um défice funcional permanente de 2 pontos, período de défice funcional temporário parcial de 96 dias, quantum doloris de grau 4, dano estético de grau 1 e repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 1, sujeito a vários exames, consultas, colocação de aparelho de gesso no antebraço e uma cirurgia com anestesia geral com colocação de material de osteossíntese, período de 2 meses e 10 dias com o membro superior esquerdo imobilizado e pendurado ao peito, 30 sessões de fisioterapia, necessidade de analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos e que receou pela vida no momento em que deflagrou um incêndio que consumiu o seu motociclo no acidente.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA deduziu ação declarativa contra “EMP01..., Compañia de Seguros ..., SA – Sucursal em Portugal” pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a indemnização global líquida de € 83.263,00, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da formulação do presente pedido, até efetivo pagamento e, ainda, a indemnização ilíquida que, por força dos factos alegados nos artigos 259.º a 270.º da petição inicial, vier a ser fixada em decisão ulterior ou liquidada em execução de sentença.
Alegou, para tanto, que foi vítima de acidente de viação, acidente esse que ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo de matrícula ..-DH-.., tendo a ré seguradora desse veículo, assumido a responsabilidade do seu segurado e pago ao autor a quantia de € 4.288,00 relativa ao valor do motociclo, sua propriedade, interveniente no acidente, que se incendiou em virtude do mesmo, apenas não tendo chegado a acordo quanto à indemnização global final pelos danos decorrentes das lesões corporais sofridas pelo autor, que descreve e quantifica (danos patrimoniais e não patrimoniais).
A ré contestou aceitando a responsabilidade do seu segurado pela ocorrência do acidente, impugnando os factos relativos aos danos e seus valores e pedindo que a ação seja julgada de acordo com a prova a produzir.
Dispensada a audiência prévia, foi definido o objeto do litígio e elencados os temas da prova.

Frustrada tentativa de conciliação, teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, cujo teor decisório é o seguinte:

“Pelo exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 22.342,46, sendo € 17.342,46 a título de danos patrimoniais e € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais;
b) Absolve-se a ré do pedido ilíquido e genérico contra si deduzido;
c) Condena-se a ré a pagar ao autor os juros de mora à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos patrimoniais e desde hoje até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais”

O autor interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

1.ª - O Recorrente não pode conformar-se com a sentença proferida pelo tribunal a quo porquanto as quantias indemnizatórias arbitradas para ressarcimento do dano futuro e dos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência do sinistro são manifestamente insuficientes para ressarcir tais danos de forma justa e equitativa.
2.ª - A quantia de € 10.000,00 arbitrada pelo tribunal recorrido para indemnização do dano futuro sofrido pelo Recorrente é manifestamente insuficiente para ressarcimento do mesmo, atenta a factualidade que resultou provada nos pontos 1.19, 1.20, 1.23, 1.24, 1.25, 1.44, 1.45. 1.46, 1.47, 1.48, 1.49, 1.50 e 1.51 dos Factos provados da sentença recorrida.
3.ª - De acordo com esses pontos dos Factos provados resultou que:
• o Recorrente, à data do sinistro, era um jovem que contava apenas 17 anos de idade - ponto 1.44 dos Factos provados.
• o acidente em discussão sub judice provocou ao Recorrente várias lesões designadamente queimaduras nas pernas e fratura do antebraço esquerdo (radio) - pontos 1.19 e 1.27 dos Factos provados.
• essas lesões consolidaram medicamente em 30 de setembro de 2020 - ponto 1.20 dos Factos provados.
• as graves lesões sofridas pelo Recorrente em consequência do sinistro deixaram sequelas de natureza permanente, designadamente punho doloroso (enquadrável no capítulo Mf 1219 da Tabela Nacional de Incapacidades) e cicatrizes no antebraço esquerdo - pontos 1.24 e 1.25 dos Factos provados.
• essas sequelas de que o Recorrente ficou a padecer em consequência do acidente determinaram um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos - ponto 1.24 dos Factos provados.
• muito embora essas sequelas sejam compatíveis com o exercício da sua atividade habitual, elas implicam esforços suplementares- ponto 1.24 dos Factos provados.
• à data do sinistro, se encontrar a frequentar o Curso Profissional de Técnico de Comunicação de Serviço Digital na ..., mas após o sinistro teve que desistir do mesmo - pontos 1.47 e 1.49 dos Factos provados.
• a partir de 21 de janeiro de 2021, o Recorrente passou a desempenhar a função de serralheiro civil na empresa do seu pai, onde passou a auferir um rendimento mensal de € 1.257,29 (mil duzentos e cinquenta e sete euros e vinte e nove cêntimos) - pontos 1.50 e 1.51 dos Factos provados.
4.ª - Quem provocar um dano a outrem deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, devendo a indemnização abranger os danos emergentes e os lucros cessantes, designadamente os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, sendo que o tribunal deve atender aos danos futuros- artigos 562°, art°. 563°, art°. 564° e art°. 566° do Código Civil.
5.ª - Os princípios fundamentais adotados pelo Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria estão resumidos no acórdão de 5 de julho de 2007 deste Supremo Tribunal e são os seguintes:
i. a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
II. no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
iii. as tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
iv. deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que somente vale no caso de morte;
v. deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
vi. deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vitima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 77 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos 83)".
6.ª - Por outro lado, na jurisprudência, tem vindo a ser defendido que o uso da equidade tem de apoiar-se designadamente nos seguintes critérios: a perda da capacidade de ganho, o salário, a idade, o grau de incapacidade, o tempo provável de vida ativa laboral e a esperança de vida, a par das possibilidades de progressão da carreira, entre outros fatores, como sejam o progresso tecnológico, a política fiscal e de emprego, as regras de legislação previdencial, a expectativa de vida laboral, assim como a longevidade (Cfr. Ac do STJ de 26/01/2016 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.).
7.ª - Nessa medida, e atenta a factualidade provada supra-referida na conclusão 3.ª, a indemnização para ressarcimento do dano futuro sofrido pelo Recorrente em consequência do sinistro não deveria ter sido fixada em quantia inferior a € 20.000,00 (vinte mil euros).
8.ª - Ao decidir de forma diversa, o tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação dos art°.s 562°, 563°, 564°, n° 1 e 2, 566° e art°. 70° do Cód. Civil, bem como o art°. 25°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa.
9.ª - Pelo que deverá a sentença recorrida ser nessa parte revogada, condenando-se a Recorrida a pagar ao Recorrente uma indemnização para ressarcimento do dano futuro de valor não inferior a € 20.000,00 (vinte mil euros).
10.ª - Por outro lado, a indemnização de € 5.000,00 (cinco mil euros) arbitrada pelo tribunal a quo para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos em consequência do sinistro é manifestamente insuficiente atenta a factualidade que resultou provada sob os pontos 1.19, 1.20, 1.21, 1.22, 1.23, 1.24, 1.25, 1.26, 1.27, 1.28, 1.28,1.29,1.30,1.31,1.32,1.33,1.34,1.35,1.36,1.37,1.38,1.39, 1.40, 1.41, 1.42, 1.43, 1.44, 1.45, 1.46, 1.47 e 1.48 dos Factos provados da sentença recorrida.
11.ª - De acordo com esses Factos provados resultou que:
• o Recorrente sofreu um acidente quando tripulava um motociclo, tendo-lhe sido cortado de forma súbita e inopinada a sua linha de trânsito, pelo que, quando dessa forma inesperada e súbita o Recorrente embateu e caiu ao solo e viu o motociclo que tripulava incendiar-se imediatamente, o Autor não só sofreu um enorme susto, como receou pela própria vida, com o medo de morrer queimado - pontos 1.39 e 1.40 dos Factos provados.
• Na sequência do acidente, o Recorrente sofreu queimaduras nas pernas e fratura do antebraço esquerdo - ponto 1.19 dos Factos provados.
• O A. foi transportado para o Hospital ..., em ..., onde lhe foram prestados os primeiros socorros, lhe foi colocado gesso no braço esquerdo, desde a mão até ao cotovelo, tendo ficado internado durante uma noite - ponto 1.17 e 1.28 dos Factos provados.
• O Recorrente andou com o braço imobilizado e pendurado ao peito durante 24 dias - ponto 1.27. 1.29. 1.30. 1.31 dos Factos provados.
• Como as dores não lhe passavam o Recorrente foi internado no Hospital ... e submetido a uma operação cirúrgica, consubstanciada na correção cirúrgica do rádio do membro superior esquerdo, com aplicação de placa de titânio e 8 parafusos - pontos 1.32. 1.33 e 1.34 dos Factos provados.
• No dia seguinte à cirurgia, o Recorrente obteve alta hospitalar, com o membro superior esquerdo imobilizado com auxílio de um artefacto ortopédico e com medicação analgésica, anti-inflamatório e antibiótica, tendo ficado retido no domicilio ao longo de uma semana - pontos 1.35 e 1.36 dos Factos provados.
• Só passado um mês e meio após a cirurgia, é que foi retirada ao Recorrente a imobilização membro superior esquerdo - ponto 1.38 dos Factos provados.
• O Recorrente efetuou 30 sessões de fisioterapia - ponto 1.39 dos Factos provados.
• O Recorrente sofreu dores muito intensas, quer no momento do acidente quer durante o período de tratamento às lesões sofridas, dores essas que, embora em menor intensidade, ainda hoje sente, tendo-lhe sido atribuído um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7 graus - pontos 1.23. 1.32 e 1.41 dos Factos provados.
• E ficou também com cicatrizes no braço esquerdo, que lhe determinaram um dano estético de grau 1 - ponto 1.25 dos Factos provados.
 • o Recorrente ficou a padecer de uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 1 pela limitação para a atividade de musculação que o Recorrente fazia antes do acidente - ponto 1.26, 1.41, 1.42 e 1.43 dos Factos provados.
• As sequelas de que o Recorrente ficou a padecer determinam um défice funcional permanente para a integridade físico-psíquica de 2 pontos, sendo compatíveis com a sua profissão de serralheiro, mas implicando esforços suplementares - pontos 1.24 e 1.46 dos Factos provados.
• O Recorrente contava à data do acidente apenas 17 anos, sendo um jovem forte, ágil e robusto que não padecia de qualquer enfermidade, pelo que as sequelas de que ficou a padecer e as incapacidades que lhe determinaram o deixam profundamente triste - pontos 1.44 e 1.45 dos Factos provados,
12.ª - Os factos acima descritos traduzem-se em danos não patrimoniais que, pela sua gravidade e extensão, merecem a tutela do direito - art°. 4960 do Código Civil -, não devendo a indemnização destinada a ressarci-los ser computada em quantia inferior a €20.000 (vinte mil euros).
13.ª - Ao decidir de forma diversa, o tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do art°. 4960, na 1 e 4 do Código Civil.
14ª - Pelo que deve a sentença recorrida ser revogada também nesta parte, devendo ser proferido douto acórdão que condene a Recorrida a pagar ao Recorrente uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do sinistro de montante não inferior a € 20.000,00 (vinte mil euros).
15ª - Deve, assim, revogar-se a decisão recorrida no que diz respeito às quantias indemnizatórias arbitradas para ressarcimento dos danos patrimoniais (dano futuro) e danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente em consequência do sinistro, mantendo-se no mais a decisão recorrida.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se, em sua substituição, douto acórdão em conformidade com as conclusões supra-formuladas.
Com o que se fará
JUSTIÇA!

A ré contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com o valor a arbitrar a título de danos não patrimoniais e patrimoniais futuros.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença recorrida foram considerados os seguintes factos:
1 – Factos provados
1.1. No dia 21 de junho de 2020, pelas 21H22, ocorreu um acidente de trânsito na Rua ..., na União de Freguesias ..., ... e ... e ..., concelho ..., junto à agência do Banco 1..., ali situado na margem direita da Rua ..., tendo em conta o sentido ....
1.2. Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos automóveis: o motociclo de matrícula ..-QM-.., e o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-DH-...
1.3. O motociclo de matrícula ..-QM-.. era conduzido pelo Autor AA; e o veículo automóvel ..-DH-.. era propriedade de BB, e, na altura do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, era, também, por ele próprio conduzido.
1.4. O motociclo transitava pela Rua ... no sentido ..., sobre a metade direita da faixa de rodagem da Rua ..., com todas as suas luzes ligadas a acesas, sendo que o farol frontal seguia comutado na posição de médios, animado de uma velocidade não superior a quarenta (40,00) quilómetros por hora.
1.5. Quando circulava nas circunstâncias descritas, e depois de ter travado o motociclo e reduzido a velocidade e ter guinado para o seu lado esquerdo em manobra de evasão e de salvação, numa tentativa de evitar o acidente, foi embater contra o veículo automóvel ..-DH-...
1.6. Momentos antes da ocorrência do embate, o veículo automóvel ..-DH-.. encontrava-se imobilizado e estacionado totalmente sobre o espaço ou logradouro – parque de estacionamento, privado e particular - adjacente ao edifício onde se está instalada a agência bancária do Banco 1..., situado na margem direita da Rua ..., tendo em conta o sentido ....
1.7. Esse espaço ou logradouro era constituído por um terreno privado e particular, destinado ao estacionamento e aparcamento – privado e particular - dos veículos automóveis dos funcionários e dos clientes da agência bancária do Banco 1..., ali existente.
1.8. O condutor do veículo automóvel ..-DH-.. pretendia penetrar, com o referido veículo automóvel, na faixa de rodagem da Rua ..., efetuar a manobra de mudança de direção à sua esquerda e prosseguir a sua marcha, através da referida via – Rua ... -, no sentido ..., em direção a esta vila.
1.9. De forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, o condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-DH-.., saindo do referido terreno totalmente, a metade direita da faixa de rodagem da Rua ..., tendo em conta o sentido ..., ao mesmo tempo que rodou o volante do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-DH-.. para o seu lado esquerdo, com vista a levar a efeito e a concretizar a sua pretendida manobra de mudança de penetração na faixa de rodagem da Rua ... e de mudança de direção à sua esquerda.
1.10. Desse modo, o BB atravessou, completamente, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-DH-.. na metade direita da faixa de rodagem da Rua ..., tendo em conta o sentido ..., colocando-se completamente na linha de trajetória seguida pelo veículo motociclo, ao qual cortou, completamente, a linha de trânsito.
1.11. BB invadiu, completamente, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-DH-.., a metade direita da faixa de rodagem da Rua ..., tendo em conta o sentido ... e colocou o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-DH-.. na linha de trajetória seguida pelo motociclo de matrícula ..-QM-.. – tripulado pelo Autor AA.
1.12. Numa altura em que este motociclo – motociclo de matrícula ..-QM-.., tripulado pelo Autor AA – se encontrava já muito próximo de si e da abertura ou saída do espaço ou logradouro – parque de estacionamento privado e particular -, adjacente ao edifício onde está instalada a agência bancária do Banco 1..., a uma distância não superior a quatro/cinco (04,00/05,00) metros.
1.13. Desse modo, o Autor ainda travou o motociclo, de imediato e a fundo, e guinou, para o seu lado esquerdo, em manobra de evasão e de salvação, numa tentativa de evitar o acidente.
1.14. Foi-lhe, porém, totalmente impossível evitar o acidente tendo sido embatido pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-DH-.., tripulado pelo BB.
1.15. O embate ocorreu, assim, totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Rua ..., no sentido ....
1.16. E essa colisão verificou-se entre a parte frontal – roda da frente – do motociclo de matrícula ..-QM-.. - tripulado pelo Autor AA – e a parte lateral esquerda frente, ao nível da roda e do guarda-lamas, do mesmo lado, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-DH-.., tripulado pelo BB.
1.17. A ré COMPANHIA DE SEGUROS “EMP01..., COMPAÑIA DE SEGUROS ..., S.A.”, logo a após a deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, levou a efeito as pertinentes averiguações sobre a forma como ocorreu o acidente de trânsito que deu origem à presente ação e concluiu que a culpa na produção do acidente de trânsito que está na génese dos presentes autos é única e exclusivamente imputável ao BB, condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-DH-...
1.18. Assumiu, a responsabilidade pelas consequências danosas do acidente de trânsito que deu origem à presente ação e pagou já ao Autor, a quantia de 4.288,00 €, relativa ao valor do motociclo de matrícula ..-QM-...
1.19. COMO CONSEQUÊNCIA DIRECTA E NECESSÁRIA DO ACIDENTE E DA QUEDA QUE SE LHE SEGUIU, resultaram, para o Autor – AA – queimaduras nas pernas e fratura do antebraço esquerdo.
1.20. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo A. ocorreu em 30/9/2020.
1.21. Sofreu um período de défice funcional temporário total de 6 dias e parcial de 96 dias.
1.22. Sofreu um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 10 dias e parcial de 92 dias.
1.23. Suportou um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
1.24. Ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos (Mf 1219 punho doloroso por analogia), compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares.
1.25. Ficou a padecer de um dano estético permanente de grau 1 pelas cicatrizes no antebraço esquerdo.
1.26. E de uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 1 pela limitação da musculação que o sinistrado refere que fazia com gosto e regularidade.
1.27. O Autor foi transportado, de ambulância – I.N.E.M. -, para o Hospital ..., de ..., EPE, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, designadamente foi-lhe efetuado tratamento conservador à fratura do rádio – fratura de galleazi, à esquerda - com a aplicação de um aparelho de gesso, que lhe passou a envolver o membro superior esquerdo, desde a mão até à região media do braço – acima do cotovelo.
1.28. E ficou internado no referido Hospital um dia e uma noite.
1.29. No dia 21 de junho de 2020, o Autor regressou à sua casa de habitação, sita na Rua ..., ..., ... ..., ....
1.30. O Autor andou com o membro superior esquerdo, imobilizado e pendurado ao peito, desde o dia ../../2020 até ao dia ../../2020.
1.31. Regressado à sua casa de residência, o Autor manteve-se em repouso.
1.32. Como continuava a ser acometido por dores ao nível do rádio do membro superior esquerdo, no dia 9 de julho de 2020, o Autor dirigiu-se ao Hospital ..., onde foi observado e consultado pelo Médico Ortopedista Dr. CC.
1.33. Após realização de exames à região do antebraço esquerdo – rádio esquerdo, no dia 14 de julho de 2020, o Autor foi internado no Hospital ..., onde se manteve até ../../2020.
1.34. Neste hospital foi submetido a uma intervenção cirúrgica, ao rádio do membro superior esquerdo, consubstanciada na correção cirúrgica do rádio do membro superior esquerdo, com a aplicação de material de osteossíntese – placa de titânio e parafusos (8).
1.35. No dia 15 de julho de 2020, o Autor obteve alta hospitalar – do Hospital ..., com o membro superior esquerdo imobilizado, e pendurado ao peito, com o auxílio de um artefacto ortopédico, medicado com analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos – Fucloxacilina, Ibuproeno Ratiopharm e Dol-u-Rom.
1.36. Regressado à sua casa de habitação, o Autor manteve-se retido no domicílio, ao longo de um período de tempo de uma (01,00) semana.
1.37. Após o que passou a frequentar a Consulta da Especialidade de Ortopedia, no Hospital ... – Dr. CC até ../../2020.
1.38. No dia 31 de agosto de 2020 foi retirada a imobilização do membro superior esquerdo e o Autor passou a frequentar tratamento de Medicina Física e Reabilitação (MFR) – Fisioterapia, prescrito pelo Dr. CC, ao longo de (20,00 + 10,00) trinta (30,00) sessões.
1.39. No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o Autor sofreu um enorme susto, e, dado o carácter súbito e imprevisto que caracterizou o acidente, a sua incapacidade de lhe escapar, a queda que se lhe seguiu, e o incêndio que, de imediato, se seguiu do motociclo de ..-QM-.., o qual deflagrou em chamas.
1.40. O Autor receou pela própria vida, com medo de morrer queimado.
1.41. O Autor queixa-se de dores ligeiras no antebraço quando faz esforços principalmente musculação no ginásio.
1.42. O Autor praticava, habitualmente Ginásio – “EMP02...” de ..., ....
1.43. A partir do acidente e como consequência direta e necessária das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, viu-se limitado na prática de musculação no Ginásio.
1.44. O Autor contava, à data da ocorrência do acidente, dezassete (17,00) anos de idade, pois nasceu no dia ../../2003
1.45. Era um rapaz ágil, forte, robusto e dinâmico, nunca havia sofrido qualquer outro acidente de trânsito, nunca havia sofrido de qualquer enfermidade, e não padecia de qualquer limitação funcional ou de utilização do seu corpo.
1.46. As sequelas de que ficou a padecer em consequência do acidente são compatíveis com a profissão – Serralheiro Civil – do Autor, mas implicam esforços suplementares.
1.47. À data do acidente, o Autor encontrava-se a frequentar o Curso Profissional de Técnico de Comunicação de Serviço Digital Nível IV, na ..., em ...: doc. nº. ...6.
1.48. No entanto, desde tenra idade, o Autor aprendeu e auxiliava o seu pai na Oficina de Serralharia Civil – trabalhos em alumínios – “EMP03..., UNIPESSOAL, LDA.”, com sede na Rua ..., ... ..., ....
1.49. Depois do acidente, o Autor desistiu da frequência do Curso Profissional de Técnico de Comunicação de Serviço Digital Nível IV, na ..., de ....
1.50. E a partir de 21/janeiro de 2021, o Autor passou a desempenhar a profissão de Serralheiro Civil na empresa do seu pai - “EMP03..., UNIPESSOAL, LDA.”.
1.51. Como resultado do exercício dessa sua referida profissão de Serralheiro Civil, o Autor aufere o seguinte rendimento do seu trabalho:
. ordenado-base 1.000,00 €;
. subsídio de Natal 83,33 €;
. subsídio de Férias 83,33 €;
. subsídio de alimentação (média mensal) 90,63 €.
Total 1.257,29 €:  docºs. nºs. 28 e 29.
1.52.    O Autor efetuou as seguintes despesas em consequência do acidente, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes e para instruir a presente ação, ainda não reembolsadas:
- consulta médica e obtenção do Relatório Médico junto aos autos 410,00 €;
- outras consultas médicas das Especialidades de Ortopedia 100,00 €;
- medicamentos 5,42 €;
- exames complementares de diagnóstico 130,00 €;
- teste à COVID-19 100,00 €;
- intervenção cirúrgica, ao rádio do membro  superior esquerdo, no Hospital ... 3.483,98 €;
- atos médicos, relativos à cirurgia realizada no  Hospital ... 1.700,00 €;
- curativos e pensos, realizados no Hospital  ... – pós cirurgia 62,86 €;
- tratamentos de Medicina Física e Reabilitação – Fisioterapia, no Hospital ... 465,00 €;
- análises clínicas 45,38 €;
- custo de 1 certidão, na Polícia de Segurança Pública,  ... 14,00 €;
. custo de 2 certidões da Conservatória Automóvel 34,00 €;
. custo de 1 certidão de nascimento/Reg. Civil 20,00 €;
. deslocações em veículo automóvel próprio, para consultas,
. exames de diagnóstico e tratamentos 250,00 €.
1.53. O Autor viu, ainda, danificados e completamente inutilizadas as seguintes peças de vestuário e de calçado: 1 camisola, 1 par de calças; 1 casaco de cabedal, 1 par de sapatilhas de valor não concretamente apurado.
1.54. Viu danificados os seguintes objetos de uso pessoal: um capacete de proteção/motociclista, com viseira e 1 relógio de pulso de valor não concretamente apurado.
1.55. Para a Ré COMPANHIA DE SEGUROS “EMP01..., COMPAÑIA DE SEGUROS ..., S.A estava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-DH-.., através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº. ...40, em vigor à data da ocorrência do acidente que deu origem aos presentes autos.

2. Factos Não Provados.
2.1. No futuro, o Autor vai ter necessidade de submeter a, pelo menos, mais uma intervenção cirúrgica para extração (remoção) do material de osteossíntese que foi aplicado no rádio do membro superior esquerdo.
2.2. Acresce que o Autor não se encontra, ainda, completamente curado, nem clinicamente estabilizado.
2.3. O Autor vai necessitar de obter, durante toda a sua vida, consultas médicas das Especialidades de Ortopedia e Fisiatria, além de outras.
2.4. E vai necessitar de despender as quantias correspondentes ao custo de todas essas consultas médicas, ao longo de toda a sua vida.
2.5. Vai necessitar de se submeter a, pelo menos, uma intervenção cirúrgica, para extração (remoção) do material de osteossíntese, que lhe foi aplicado no rádio do membro superior esquerdo.
2.6. Vai necessitar de comprar e de ingerir medicação analgésica e anti-inflamatória, ao longo de toda a sua vida, por via das dores de que passou a ser acometido na região do rádio do membro superior esquerdo.
2.7. E vai necessitar de despender as quantias correspondentes ao custo desses medicamentos: analgésicos e anti-inflamatórios.
2.8. Vai necessitar de se submeter a tratamentos de Medicina Física de Reabilitação (MFR) – fisioterapia -, ao longo de toda a sua vida
2.9. E vai ter necessidade de despender as quantias correspondente ao custo dessas sessões de Medicina Física de Reabilitação (MFR) – fisioterapia -, ao longo de toda a sua vida.

O apelante não põe em causa a decisão de facto que, aliás, quanto à dinâmica do acidente, estava já aceite pela ré seguradora na contestação.
Com estes factos provados e não provados, cabe, portanto, analisar os danos sofridos para quantificar as respetivas indemnizações.
Comecemos pelos danos patrimoniais, na vertente de dano patrimonial futuro e considerando que não está em causa a verba de € 7.342,46 que a sentença fixou, relativa a despesas suportadas pelo autor e valor de objetos e roupa danificados no acidente.
Na sentença recorrida considerou-se que o valor adequado para o ressarcimento do dano patrimonial futuro seria de € 10.000,00. O autor/apelante sustenta que o valor adequado será de € 20.000,00.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 562.º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, e esta obrigação só existe, nos termos do artigo 563.º do mesmo Código, em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, sendo a indemnização fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (artigo 566.º, n.º 1, também do CC).
Ficando provado – como é o caso - que o lesado ficou afetado com sequelas e com uma incapacidade permanente parcial, não há dúvida de que este dano biológico determina uma alteração na sua vida, sendo a sua situação pior depois do evento danoso, pelo que esta alteração tem de forçosamente relevar para efeitos de atribuição de indemnização.
Se a incapacidade permanente parcial tiver reflexos na remuneração que o lesado vai deixar de auferir, não há dúvida que a respetiva indemnização se enquadra nos danos patrimoniais – danos futuros – a que se refere o artigo 564.º, n.º 2 do Código Civil.
Contudo, pode a IPP não determinar nenhuma diminuição do rendimento do lesado, quer porque a sua atividade profissional não é especificamente afetada pela incapacidade, quer porque embora afetado pela incapacidade, o lesado consegue exercer a sua atividade com um esforço complementar, quer porque o lesado está desempregado ou já é reformado, quer porque o lesado é uma criança ou um jovem que ainda não entrou no mercado de trabalho.
No caso dos autos, o autor (com 17 anos de idade), que era aprendiz de serralheiro numa oficina de serralharia propriedade de seu pai, mas frequentava um curso profissional de técnico de comunicação e serviço digital nível IV, na ..., em ..., após o acidente, desistiu do curso e passou a desempenhar a profissão de serralheiro civil na empresa do seu pai, com uma remuneração mensal de € 1.257,29, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos, sendo as sequelas (punho doloroso)  compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares.
Nestas situações, a uma perda de ganho efetiva equivale, de alguma forma, para efeitos de indemnização, o esforço suplementar que as vítimas de incapacidade terão que desenvolver para realizar o seu trabalho no futuro.
Na verdade, sendo a incapacidade permanente, “de per si”, um dano patrimonial indemnizável, pela limitação que o lesado sofre na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, deve ser reparado, quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais – cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 20/11/2011 e de 20/01/2010 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 04/12/2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Assim, a incapacidade em causa, constitui uma desvalorização efetiva que, normalmente, terá expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização.
Veja-se o Acórdão do STJ de 16.12.2010 (Lopes do Rego), disponível em www.dgsi.pt. onde se defende que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico do lesado deverá compensá-lo também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente refletida no nível de rendimento auferido. “É que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte atual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”.
Daí que se venha considerando que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente da sua atividade laboral, designadamente, condicionando as suas hipóteses de emprego, diminuído as alternativas possíveis ou oferecendo menores possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho.
Este tipo de incapacidade, constitui uma desvalorização efetiva com expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização. Nestes casos de incapacidade sem rebate nos rendimentos provenientes do trabalho, o rendimento anual do lesado não tem a mesma relevância que nos casos em que tem repercussão no nível dos rendimentos auferidos. O dano biológico traduzido numa determinada incapacidade sem perda de rendimento de trabalho, é sensivelmente o mesmo, quer o sinistrado aufira € 500,00, quer aufira € 1500,00.
No caso vertente, as sequelas de que o autor ficou a padecer, poderão condicionar a sua evolução dentro da empresa, diminuindo as suas possibilidades de progredir, para além do esforço acrescido que já tem que desenvolver no trabalho atual.

Assentes os pressupostos acima definidos, deve ainda dizer-se que a fixação da indemnização deve pautar-se por critérios de igualdade e razoabilidade, indispensáveis à realização do princípio da equidade, relevando como de particular importância a análise de decisões de tribunais superiores relativas à reparação deste tipo de danos.

Vejamos, então, algumas decisões:
- Acórdão do STJ de 08.05.2012: autora à data do acidente com 19 anos, estudante do 12º ano, tendo ficado a padecer com uma incapacidade permanente geral de 7%, a que acrescerão 2% no futuro, decidiu ser justo e equitativo o valor atribuído pelas instâncias no montante de € 39.000,00 a título de danos futuros associados à IPP de que a autora ficou a padecer.
- Acórdão da RG de 27/10/2014: autora que ainda não entrou no mercado do trabalho e, à data da consolidação médico-legal, tinha cerca de 19 anos; as sequelas de que ficou a padecer determinam-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos; partindo da referência dum vencimento mensal médio de € 750,00 considerou afigurar-se justa e equitativa a fixação da indemnização pelo dano biológico em € 23.000,00.
- Acórdão do STJ de 06/12/2017 em que a uma lesada com um défice funcional de 2 pontos e 31 anos de idade, operária fabril que apresenta cervicalgias, sempre que roda a coluna cervical para a esquerda e para a direita, sempre que a flete para a esquerda e para a direita, sempre que a flete no sentido ante-posterior, foi atribuída pela perda da capacidade de ganho o montante de €20.000,00.
- Acórdão do STJ de 16/06/2016, onde se decidiu que tendo a Autora 40 anos à data da consolidação das sequelas, “e permanecendo com uma incapacidade genérica de 6%, em termos de rebate profissional, compatível embora com a sua atividade profissional, mas não conseguindo realizar ou só executando com grande dificuldade tarefas que exigem maior esforço físico ou que requerem a sua posição de sentada por períodos mais ou menos prolongados, mostra-se ajustada a indemnização de €25.000,00 para compensar o dano biológico na sua vertente patrimonial”;
- Ac. STJ de 24-02-2022, lesado 34 anos à data do sinistro; défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos tendo apenas sido feita prova do seu rendimento anual ao tempo do acidente (€ 7.798,00); com elevada probabilidade, as lesões por ele sofridas terão significativa repercussão negativa sobre o desempenho da profissão de serralheiro, fixou-se o valor da indemnização pelo denominado “dano biológico” em € 50.000,00.
- Ac. STJ 14.01.2021 lesado, à data do acidente com 32 anos de idade, défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas em termos de repercussão permanente na atividade profissional compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando ligeiros esforços suplementares nomeadamente nas tarefas que obriguem à permanência em pé durante períodos prolongados, manteve a quantia de € 20.000,00 fixada no acórdão recorrido como valor indemnizatório pela perda da capacidade geral do lesado.
- Acórdãos da Relação do Porto de 11/05/2011 e do STJ de 13/01/2009 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), que foi fixada em € 15.000,00 a indemnização pelo esforço equivalente à perda de capacidade de ganho de 5%, num menor de 13 anos, num caso e, no outro caso, com 8 anos e tendo-se ponderado um salário médio de € 800,00 ou de € 650/700,00.
- Acórdão do STJ de 07/01/2010, entendeu-se que: “Provado que o autor tinha à data do acidente 26 anos, auferia o salário mensal de € 657,01 (14 vezes por ano) e que, em virtude do sinistro, ficou a padecer de uma IPP de 8% que não o impede do seu exercício profissional, mas exige esforços físicos suplementares, reputa-se de justa e equitativa a quantia de € 20 000 destinada à reparação dos danos patrimoniais sofridos pelo autor” 
- Acórdão da Relação de Guimarães de 24/03/2022, processo n.º 2114/19.4T8VRL.G1, pode ler-se que “Não merece censura a fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros em € 15.000,00, por recurso à equidade, num caso em que a lesada tinha 45 anos à data do acidente, exercia a agricultura, não tem habilitações para outro tipo de trabalho, e prevê-se que em circunstâncias normais poderá continuar a executar trabalhos agrícolas nas terras próprias até aos 75 anos de idade; ficou a sofrer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8 pontos, compatível com a atividade profissional habitual desta, que não lhe retira autonomia nem independência, mas constitui, ainda assim, causa de sofrimento físico, para além de implicar esforços suplementares para poder exercer as atividades habituais”
- Acórdão da Relação de Guimarães de 30/09/2021, processo n.º 4460/19.8T8BRG.G1: “Não é de censurar a fixação em € 15.000,00 da indemnização pelo reflexo patrimonial futuro do dano biológico numa situação em que a autora, de 26 anos de idade, costureira, ficou a padecer de défice permanente da integridade física e psíquica de 4 pontos, sem repercussão permanente na atividade profissional, mas que sempre necessitará de recorrer regularmente a medicação analgésica e anti-inflamatória, e auferia uma remuneração mensal de € 557,00 à data do acidente e de € 600,00 à data da propositura da ação”.

No nosso caso, considerando os factos provados, que nos dispensamos de repetir, entendemos adequado fixar como dano patrimonial pelo défice funcional permanente futuro, o valor de € 15.000,00 (veja-se a idade e os défices funcionais permanentes de que ficaram a padecer os sinistrados referidos nas decisões supre referidas, que conduziram até a indemnizações superiores, mas com maiores dificuldades na realização do seu trabalho, pese embora, a atividade de serralheiro civil possa tornar-se mais difícil face ao punho doloroso de que o autor ficou a padecer e, certamente, com evolução negativa com a idade).

Quanto aos danos não patrimoniais, a sentença recorrida fixou-os em € 5.000,00, pretendendo o apelante que a indemnização a esse título se fixe em € 20.000,00.
No caso dos danos não patrimoniais, não há a intenção de pagar ou indemnizar o dano, mas apenas o intuito de atenuar um mal consumado, sabendo-se que a composição pecuniária pode servir para satisfação das mais variadas necessidades, desde as mais grosseiras e elementares às de mais elevada espiritualidade, tudo dependendo, nesse aspeto, da utilização que dela se faça -  Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª edição, páginas 563 e 564.
Como também se tem dito, trata-se de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, como acontece com a indemnização, mas tão-só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro. A indemnização tem aqui um papel mais compensatório, mais do que reconstitutivo.
Como ensina Antunes Varela in ob. cit., pág. 568, “a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.
O dano deve ser de tal modo grave que justifique a tutela do Direito, pela concessão da satisfação de ordem pecuniária – artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil.
O montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal (nº 3 do referido art.º 496º), através de adequado e equilibrado critério de justiça material e concreta. Devem ser ponderadas as circunstâncias concretas de cada caso, considerando especialmente, em situações de mera culpa, a possibilidade da indemnização ser inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que a culpabilidade do agente e a situação económica deste e do lesado o justifiquem (art.ºs 494º e 496º, nº 3, do Código Civil), o que confere ainda mais a natureza de compensação, de satisfação, do que de indemnização à quantia a atribuir.
Tem entendido a jurisprudência dos tribunais superiores, de há anos a esta parte, que, para responder de modo atualizado ao comando do art.º 496º, a indemnização por danos não patrimoniais tem que constituir uma efetiva possibilidade compensatória, tem que ser significativa - Cf., entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 11.10.94, BMJ 440/449, de 17.1.2008, proc. 07B4538 e de 29.1.2008, proc. 07A4492, in www.dgsi.pt; mas também tem que ser justificada e equilibrada, não podendo constituir um enriquecimento abusivo e imoral.
Assim, a apreciação da gravidade do dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objetivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjetividade inerente a alguma particular sensibilidade humana, e a fixação da indemnização deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adotados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências da igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios, o que não é incompatível com o exame das circunstâncias de cada caso – neste sentido veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 05/02/2013, in www.dgsi.pt.
São de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspetivas para o futuro, entre outras a que acresce, como vimos, o dano biológico na vertente enunciada.
O quadro fáctico traçado demonstra sofrimento físico e psicológico que bem justifica a importância da atribuição de indemnização por dano moral.
Padeceu o autor o sofrimento inerente a exames complementares de diagnóstico, designadamente, exames radiológicos, internamentos hospitalares (2 dias), aplicação de aparelho de gesso no membro superior esquerdo, desde a mão até acima do cotovelo, com o membro imobilizado e pendurado ao peito desde ../../2020 até ../../2020, uma intervenção cirúrgica com anestesia geral com aplicação de material de osteossíntese (placa de titânio e parafusos), com nova imobilização do membro superior esquerdo, pendurado ao peito, desde ../../2020 até ../../2020, 30 sessões de fisioterapia, necessidade de analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos, dores de grau 4 numa escala de 1 a 7, cicatrizes no antebraço esquerdo com um dano estético permanente de grau 1, numa escala de 1 a 7, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 1, numa escala de 1 a 7, pela limitação dos exercícios de musculação que o sinistrado fazia com gosto e regularidade, um défice funcional temporário parcial de 96 dias, défice funcional permanente da integridade físico psíquica de 2 pontos, salientando-se, como sequelas, dores no antebraço. Sofreu susto no momento do acidente e receou pela própria vida, com medo de morrer queimado, face ao incêndio que se lhe seguiu. Tem desgosto por não poder praticar o seu desporto favorito como o fazia anteriormente. Tinha 17 anos na data do acidente e era um rapaz ágil, forte, robusto e dinâmico, nunca havia sofrido de qualquer enfermidade e não padecia de qualquer limitação funcional ou de utilização do seu corpo.

Atendendo a que devemos pautar-nos por critérios de igualdade e razoabilidade na atribuição da indemnização (art.º 8º do Código Civil) - o que não obsta à realização do princípio da equidade -, vejamos algumas decisões dos Tribunais Superiores relativas aos danos não patrimoniais, todas recolhidas em www.dgsi.pt:
Veja-se o Acórdão do STJ de 04/05/2010, onde se pode ler: “É equitativa uma indemnização de € 15 000, a título de danos não patrimoniais, resultante de uma agressão a murro que provocou ao lesado fractura da mandíbula, com 60 dias de doença, vários tratamentos dolorosos, ligeira discrepância oclusal à esquerda, com frequentes crises dolorosas ao nível da articulação temporomandibular esquerda, que o obriga a tratamento com analgésicos e anti-inflamatórios e lhe provoca dificuldade em fechar completamente a boca, bem como na mastigação de alimentos mais duros”, ou seja, danos muito inferiores aos destes autos e com a fixação de um quantitativo igual ao pretendido pela ré.
Acórdão do STJ de 20/11/2014, processo n.º 5572/05.0TVLSB.L1.S1, onde se decidiu: “Resultando dos autos que a autora, saudável e com 24 anos à data do acidente, sofreu dores, teve de ser assistida e fazer tratamentos, suportando limitações na sua vida habitual durante cerca de um mês, teve insónias e pesadelos, julga-se adequado e equitativo o montante indemnizatório de € 10 000, a título de compensação pelos danos não patrimoniais”.
E o Acórdão da Relação de Guimarães de 24/03/2022, proferido no processo n.º 2114/19.4T8VRL.G1: “É aceitável fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 15.000,00, num caso em que a lesada sofreu lesões que devem considerar-se medianamente graves, foi sujeita a exames e tratamentos, sendo, contudo, certo que já fazia tratamentos antes do acidente, uma vez que já sofria de perturbação depressiva e síndrome do ombro doloroso, entre outras patologias; esteve 128 dias incapacitada para as atividades habituais; e sofreu dores, tendo o quantum doloris sido fixado num grau 3 numa escala crescente de sete graus”

Neste quadro factual, legal e jurisprudencial comparativo, em que sobrelevam as especificidades do caso submetido à nossa apreciação, temos como justo e equilibrado fixar a indemnização pelos danos não patrimoniais na quantia de € 12.500,00,

Assim, procede, parcialmente a apelação, fixando-se a indemnização por dano patrimonial futuro em € 15.000,00 (a que acresce o valor fixado de € 7.342,46 de despesas suportadas) e por danos não patrimoniais em € 12.500,00.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 34.842,46, sendo € 22.342,46 a título de danos patrimoniais e € 12.500,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos patrimoniais e desde esta data até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais, absolvendo-se a ré do pedido ilíquido e genérico contra si deduzido.
Custas por apelante e apelada na proporção do decaimento.
***
Guimarães, 21 de março de 2024

Ana Cristina Duarte
Paulo Reis
Raquel Tavares