Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
173/05-1
Relator: RICARDO SILVA
Descritores: FRAUDE SOBRE MERCADORIA
CONCORRÊNCIA DESLEAL
CONCURSO
CRIME
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/17/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I – Malgrado a existência de jurisprudência em sentido divergente, entendemos que entre os crimes de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo artigo 23.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-lei n.° 28/84, de 20 de Janeiro, e de contrafacção de marca, p. e p. pelo artigo 264.°, n.° 1, alínea a), do Código da Propriedade Industrial, se verifica uma relação de concurso efectivo de crimes, por serem distintos os bens jurídicos tutelados por um e por outro.
II – Conforme refere Manuel da Costa Andrade, - «A nova lei dos crimes contra a economia (Decreto-Lei n.° 28/84, de 20 de Janeiro) à luz do conceito de “bem jurídico”», Ciclo de Estudos de Direito Penai Económico, Centro de Estudos Judiciários, 1.a edição, Coimbra 1985, p. 91 - o direito penal económico contido no Decreto-lei n.° 28/84 assenta em específicos e autónomos bens jurídicos que, para além da sua índole supraindividual, se caracterizam materialmente pela sua relevância directa para o sistema económico cuja sobrevivência, funcionamento ou implementação se pretende assegurar
III – No referido artigo 23.°, precisamente o preceito que, no diploma, abre o capítulo dos «Crimes contra a Economia», incriminam-se condutas genericamente recondutíveis à categoria de «Fraude sobre mercadorias» que têm em comum a potencialidade de enganar o público, sendo as modalidades de acção susceptíveis de preencher a respectiva factualidade integradas por condutas dotadas de características que violam as expectativas reconhecidas dos consumidores em relação a mercadoria concreta, o que se pode dar através de Imitações, contrafacção, produção defeituosa, redução quantitativa, etc.
IV – O bem jurídico tutelado é assim a confiança dos operadores económicos na genuinidade e autenticidade dos produtos quer no que respeita às qualidades, quer mesmo no que toca às quantidades.
V – Por sua vez, dispõe o artigo 1.° do Decreto-lei n.° 16/95, de 24 de Janeiro, que alterou o Código da Propriedade Industrial, que «a propriedade industrial desempenha a função social de garantir a lealdade da concorrência pela atribuição de direitos privativos no âmbito do presente diploma, bem como pela repressão da concorrência desleal».
VI – Na verdade, o Código da Propriedade Industrial visa, em primeira linha, a protecção de interesses individuais ou particulares como sejam a actividade e os seus processos e resultados criativos, designadamente o direito de patentes, de marcas, do nome insígnia do estabelecimento e das denominações de origem, com incidência no património das pessoas singulares ou colectivas que se dedicam àquela actividade, pelo que o bem jurídico tutelado é aqui o interesse privado, individual – cfr. acórdão da Relação do Porto, de 28 de Junho de 2000, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo III – 2000. pp. 239-240.
VII – Efectivamente, a contrafacção de marcas registadas põe em causa a tutela legal contra a falsificação das marcas de procedência, ou seja, os sinais identificativos da pertença de uma mercadoria a uma empresa determinada, que permitam diferenciá-la das similares dos seus competidores no mercado .
VIII – Assim, sendo diferentes os bens jurídicos tutelados no tipo-de-ilicito do artigo 23.° do Decreto-lei nº 28/84 e no tipo-de-ilícito do artigo 264.° do Código da Propriedade Industrial, o recorrente, com a sua conduta, violou dois bens jurídicos distintos e de diferente natureza, pelo que se verifica uma situação de concurso efectivo de crimes.
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Guimarães

I.

1. Por sentença, proferida no processo comum n.º 39/02.1EAPRT, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, em 2003/906/02, foi, além dos mais, decidido:

a) Condenar a arguida Maria P..., pela prática, em co-autoria material, de um crime de contrafacção, previsto e punido pelo artigo 264.º, n.º 1, alínea a), do Dec.-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão;

b) Condenar a arguida Maria P..., pela prática, em co-autoria material, de um crime de fraude sobre mercadorias, previsto e punido pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea a), do Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, com a redacção alterada pelo Dec.-Lei n.º 20/99, de 28 de Janeiro, na pena de 07 (sete) meses de prisão e na pena de multa de 40 (quarenta) dias, à taxa diária de € 05,00 (cinco euros), totalizando o montante de € 200,00 (duzentos euros);

c) Condenar a arguida Maria P..., operando cúmulo jurídico das supra referidas penas, na pena única de 11 (onze) meses de prisão, cuja execução é suspensa pelo prazo de 02 (dois) anos, e na pena de multa de 40 (quarenta) dias, à taxa diária de € 05,00 (cinco euros), totalizando o montante de € 200,00 (duzentos euros);

d) Condenar o arguido António M..., pela prática, em co-autoria material, de um crime de contrafacção, previsto e punido pelo artigo 264.º, n.º 1, alínea a), do Dec.-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro, na pena de 14 (catorze) meses de prisão;

e) Condenar o arguido António M..., pela prática, em co-autoria material, de um crime de fraude sobre mercadorias, previsto e punido pelo artigo pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea a), do Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, com a redacção alterada pelo Dec.-Lei n.º 20/99, de 28 de Janeiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão e na pena de multa de 60 (sessenta) dias, à taxa diária de € 05,00 (cinco euros), totalizando o montante de € 300,00 (trezentos euros);

f) Condenar o arguido António M..., operando cúmulo jurídico das supra referidas penas, na pena única de 14 (catorze) meses e meio de prisão e na pena de multa de 60 (sessenta) dias, à taxa diária de € 05,00 (cinco euros), totalizando o montante de 300,00€ (trezentos Euros);

g) Condenar a arguida «R... Confecções, L.da», pelos ilícitos jurídico-penais praticados pelos seus representantes, na pena de multa de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 50,00 (cinquenta euros), totalizando o montante de € 1.000,00 (mil euros);

(...)

j) Declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos a fls. 04 e 05;

2. Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os arguidos Maria P..., António M... e «R... Confecções, L.da».
« Remataram a motivação do recurso que apresentaram, com a formulação das seguintes conclusões:
« a) Não podiam os recorrentes serem condenados pelo crime de contrafacção de marcas e também pelo crime de fraude sobre mercadorias.
« b) Estamos perante um concurso aparente de crimes, em que, só uma das normas, ou a norma prevista no art. 2642, n° 1 a), do C.P.I. ou a norma prevista no art. 232 n° 1 a) do Dec. Lei n° 28/84 de 20.01, tem cabimento.
« C) Efectivamente, "Nos casos de concurso aparente, são formalmente violados vários preceitos incriminadores ... Mas esta plúrima violação é tão-só aparente; não é efectiva, porque resulta da interpretação da lei que só uma das normas tem cabimento..." - in M. Mala Gonçalves, anotação ao art. 30º do C. P..
« d) Deste modo verifica-se um relação de consunção, pois sendo que o mesmo bem jurídico é protegido em ambas as normas, só uma delas deve ser aplicada.
« e) Nesse sentido o crime de contrafacção consome o crime de fraude de mercadorias, uma vez que, no concurso aparente deve ser aplicada a pena mais severa, porque é a que estabelece melhor protecção jurídico-criminal dos valores tutelados.
« f) Assim, "in casu", e a haver crime, só poderiam os arguidos ser condenados pelo crime de contrafacção de marcas, uma vez que este, pune com uma pena mais severa.
« g) Sempre existirá concurso aparente das normas incriminadoras, atenta a regra da subsidiariedade.
« h) Dispõe o art. 232, n2 1 (parte final), do Dec.-Lei n° 28/84 de 20.01, que a pena ou punição que fixa deixa de ser aplicada quando o facto incriminado estiver previsto em tipo legal de crime que comine para mais grave.
« i) Há uma relação de subsidiariedade entre o facto incriminado titulado ou legal protegido pelo art. 232 e uma eventual norma existente, que comine de forma mais grave o facto incriminado,
« j) E, nestes casos, existindo uma norma que comine com pena mais grave o art. 232 do referido diploma legal não se aplica.
« l) Atentos o art. 264º, n°1, a) do C.P.I. e art. 23º, n° 1, a), do Dec. Lei nº 28/84) em ambos é necessário a intenção de causar prejuízo e a intenção de alcançar um benefício ilegítimo.
« m) Pelo que, "in casu", e a haver crime, só poderiam os arguidos ser condenados pelo crime de contrafacção de marca, uma vez que este, pune com uma pena mais severa.
« n) A douta sentença recorrida violou os art. 30º do C.P., art. 264º, n° 1, a), do C.P.I. e art. 23º, n° 1, a) do Dec. Lei n° 28/84 de 20.01, com a redacção alterada pelo Dec.-Lei n2 20/99, de 28 de Janeiro.
« o) A douta sentença recorrida incorre num erro notório na apreciação da prova, bem como, numa contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos do art. 410º, n° 2 do C.P..
« p) A Douta sentença recorrida refere que a convicção do tribunal baseou-se, além do mais, no conjunto de prova produzida, em sede de audiência e julgamento, mais concretamente no depoimento dos agentes do IGAE, que procederam à operação de fiscalização e à apreensão constante dos autos, bem como, o Tribunal "a quo", como relevante o relatório pericial de fls. 41 e 42, e os documentos de fls. 09 a 14, 31 a 37.
« q) A matéria de facto dada como provada nas alíneas b), a o) e aqui quanto à recorrente Maria, não tem qualquer apoio na prova testemunhal e por isso nunca pode ser dada como assente, e quanto ao arguido António, o facto na alínea h), também aqui não há qualquer apoio na prova testemunhal, pelo que, nunca pode ser dada como assente.
« r) Não resulta dos depoimentos das testemunhas e das declarações prestadas pelos arguidos, que a recorrente Maria assumia a gerência da sociedade arguida.
« S) Atentos os depoimentos não ficou claro e evidente que a arguida era a responsável, que esta estava a trabalhar na fábrica.
« t) Não ficou provado que a arguida Maria tivesse dado qualquer instrução ou ordens, que não a de mandar os trabalhadores embora,
« u) Não podia, o Tribunal "a quo" dar como assente e provado que a mercadoria apreendida tinha um valor de 107.900,00 €, quando pelas testemunhas foi dito que neste valor está englobado o valor das máquinas apreendidas.
« v) Os depoimentos das testemunhas apreciados de acordo com os critérios estabelecidos no art. 127º do C.P.P., jamais autorizam que se considere provado os factos constantes nas alíneas b), a o) e aqui quanto à recorrente Maria, também, quanto ao arguido António o facto na alínea h).
« x) Fez o tribunal "a quo" uma errada apreciação da prova, bem como, há uma insanável contradição entre a fundamentação e a decisão,
« z) Devendo ser alterada a factualidade dada como provada, e consequentemente a arguida Maria ser absolvida, bem como, deve ser alterada a alínea h) dos factos dados como provados, com as devidas consequências legais.
« aa) Entendeu o Tribunal "a quo", ser justa e adequada, depois de efectuado o cúmulo, para a arguida Maria P... a pena única de 11 (onze) meses de prisão, cuja execução é suspensa pelo prazo de 02 (dois) anos, e na pena de multa de 40 (quarenta) dias, à taxa diária de 05,00 € (cinco euros), totalizando o montante de 200,00€ (duzentos euros); para o arguido António M..., a pena única de 14 (catorze) meses e meio de prisão e na pena de multa de 60 (sessenta) dias, à taxa diária de 05,00€ (cinco euros), totalizando o montante de 300,00€ (trezentos euros); para a arguida R... Confecções, L.da– Confecções, Lda., pelos ilícitos juridico-penais praticados pelos seus representantes na pena de multa de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 50,00 € (cinquenta) euros, totalizando o montante de 1.000,00 € (mil euros);
« ab) Quanto à determinação da medida da pena, deu o Tribunal "a quo" preferência à pena da prisão, suspensa na sua execução quanto à arguida Maria, o mesmo não aconteceu ao arguido António, em detrimento da pena de multa.
« ac) Os crimes de que os recorrentes foram condenados, todos prevêem como alternativa à pena de prisão a pena de multa.
« ad) Dispõe o art. 70º do CP, que "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
« ae) Refere a Douta Sentença que "atendendo às fortes solicitações económicas e à zona do país em que nos encontrámos, com grande incidência de empresas que se dedicam à produção de artigos contrafeitos, a actividade profissional dos arguidos, que se dedicam ao ramo da confecção, entendemos que a aplicação de uma simples pena de multa não realiza, de forma eficaz, as necessidades de prevenção geral positiva"
« af) Discorda-se da Douta Sentença recorrida por a mesma referir da necessidade da aplicação da pena privativa de liberdade, por entender que só assim se acautela as elevadas exigências de prevenção geral e pode ser alcançada a finalidade da pena.
« ag) A recorrente Maria não tem antecedentes criminais, nada constando no seu registo criminal.
« ah) O facto da recorrente ter sido agora condenada, a primeira vez, não faz desta uma pessoa perigosa, que seja necessário elevadas exigências de prevenção especial muito menos geral.
« ai) A recorrente é uma pessoa integrada no seu familiar, e tem dois filhos menores.
« aj) Não pode à ora recorrente ser aplicada uma pena exagerada, para que ao que vulgarmente se diz `para que sirva de exemplo para os outros"
« al) O recorrente António, sendo certo que este tem antecedentes criminais, também é verdade que não é necessário a aplicação da pena privativa de liberdade, pois é uma pessoa integrada na sociedade, tem família e dois filhos menores,
« am) A simples aplicação de multa é adequada e realiza suficientemente a finalidade da punição.
« an) Como se colhe do art. 719 do CP, "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção",
« ao) Além de outros, os critérios pelas quais o julgador deve orientar-se na determinação da medida da pena, além da exigência decorrente do fim preventivo geral, ligada à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade, é a exigência decorrente do fim preventivo especial ligada à reinserção social do agente.
« ap) O julgador quando determina a pena deve ter em conta a medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, e depois avaliar e determinar a pena atenta a prevenção especial de socialização do agente.
« aq) A função da graduação concreta da pena é, além do mais, estabelecer uma justa proporção entre o mal do crime e o mal da pena. O mal da pena tem porém, naturalmente, que se referir a quem concretamente o sofre, a quem concretamente a mesma é aplicada.
« ar) Devia o Tribunal "a quo" determinar a pena de multa, visto que esta é suficiente para promover a recuperação social dos recorrentes, e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção geral e especial.
« as) Na verdade, estabelece o art. 40º, n° 1, do C.P. que, a aplicação de qualquer pena visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e o seu n° 2, estatui que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
« at) A pena aplicada aos recorrentes, ultrapassa claramente a medida da culpa.
« au) o recorrente confessou os factos, demonstrando claro e efectivo arrependimento.
« av) A Douta Sentença recorrida não teve em conta a referida confissão e arrependimento, não tendo feito a devida atenuação especial da pena.
« ax) E, feita a atenuação especial da medida pena ao recorrente António, os limites da pena a aplicar in casu" é nos termos referidos do art. 73º do C.P.
« az) Violando assim a Douta Sentença recorrida o disposto nos art. 72º e 73º ambos do C.P.
« ba) O Mto. Juíz "a quo", aplicou também aos ora recorrentes uma pena de multa, demasiado elevada e injusta, deveria reduzi-Ia ao mínimo possível.
« bb) Tendo também aqui, o Mto. Juíz "a quo" feito uma má aplicação do art. 71º do C.P.., que impõe ao Tribunal, que a determinação da medida da pena, "... far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes".
« bc) E no seu n° 2, refere que: "na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele...,
« bd) Os crimes de contrafacção de marca e de fraude sobre mercadorias ocorridos, atentas as consequências verificadas não é grave, assim como a reduzida ilicitude, não se justificando por isso a sanção tão grave.
« be) Sendo os recorrentes merecedores de tratamento menos severo.
« bf) Ao aplicar-se a pena de multa, nos presentes autos, esta é suficiente e adequada para acautelar a exigência de prevenção geral e especial, e a reinserção social dos recorrentes.
« bg) Deve ser aplicado aos recorrentes uma pena de multa, quer no tocante aos dias, quer no tocante à taxa diária, que não fosse para além do mínimo legal, sendo esta a pena justa e adequada, tendo em conta os arts. 70º e 71º do C.P..
« bi) Como se colhe da Douta Sentença ora recorrida, dos objectos apreendidos e declarados a favor do Estado estão englobadas máquinas na recorrente R... Confecções, L.da— Confecções, Lda.
« bj) A recorrente dedica-se à confecção de vestuário, e embora aquando da operação de fiscalização, esta estivesse a produzir mercadoria contrafeita.
« bi) É também verdade, que estava também a produzir mercadorias legalmente, isto é, estava a confeccionar peças de vestuário de marcas, mas devidamente autorizada, basta atentar do depoimento da testemunha Aníbal, agente do IGAE, que questionado se havia nas instalações da recorrente outras marcas e se esta tinha documentos, respondeu claramente que havia outras marcas e que estavam devidamente documentadas.
« bm) Não podia serem declaradas perdidas a favor do Estado, as máquinas apreendidas nas instalações da recorrente R... Confecções, L.da— Confecções, Lda..
« bn) Violou assim a douta sentença recorrida os arts. 258º e 264º do C.P.I., os arts. 3º, 7º e 23º do Dec.-Lei nº 28/84 de 20.01, com a redacção alterada pelo Dec.-Lei nº 20/99, de 28 de Janeiro, os arts. 30º, 40º, 702º, 71º, 722 e 73º todos do C.P. e arts. 127º, 410º do C.P.P.»
3. Admitido o recurso, o Ministério Público apresentou resposta no sentido de lhe ser negado provimento.

4. Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto foi de parecer de que o recurso não merece provimento, excepto quanto a entender que não é de declarar perdidas as máquinas apreendidas para o Estado.

5. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do C. P. P., o recorrente não respondeu.

6. Efectuado exame preliminar, foi suscitada pelo, então, relator, questão prévia da existência de uma circunstância obstativa do conhecimento do mérito, relativa à aplicação processual no tempo, quanto ao crime de contrafacção.

7. Conhecida a questão em conferência, foi proferido acórdão, em 20004/04/19, a ordenar que os autos baixassem ao tribunal recorrido para aí se ordenar a notificação dos ofendidos para, querendo, declararem se pretendiam procedimento criminal contra os arguidos. Sendo que, as conclusões a retirar posteriormente quanto ao crime de contrafacção dependeriam da posição que os ofendidos tomassem, à semelhança do que ocorre com o regime estabelecido no artigo 52°, do Código de Processo Penal: se declarassem que não pretendiam promover o procedimento criminal, ou nada declarassem, deveria ser julgado extinto o procedimento criminal dos arguidos relativamente ao crime de contrafacção pelo qual foram condenados (remetendo-se, depois, o processo à Relação para julgamento dos recursos atinentes ao crime de fraude sobre mercadoria); se declarassem pretender esse procedimento, então o processo voltaria à mesma fase em que se encontrava, ou seja, o seria novamente distribuído nesta Relação, para julgamento de todo o objecto dos recursos interpostos.

8. Após as necessárias diligências, realizadas na 1.ª Instância, veio a ofendida em causa declarar que queria procedimento criminal contra os arguidos, pelo crime de contrafacção, após o que o recurso foi, de novo, distribuído nesta Relação.

9. Efectuado novo exame preliminar e não havendo questões a decidir em conferência, colhidos os vistos, prosseguiram os autos para audiência, que se realizou com observância do formalismo legal, como a acta documenta, mantendo-se as alegações orais no âmbito das questões postas no recurso.


II.

1. As questões colocados no recurso são as seguintes, pela ordem de precedência determinada pela sua correlativa prejudicialidade:

– Se houve erro de julgamento quanto os factos constantes das alíneas b) a o), quanto à arguida Maria, e h), quanto ao arguido António, da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, devendo ser alterada essa factualidade, no sentido se serem dados como não provados os referidos factos, com as consequentes absolvição da arguida Maria e demais consequências jurídicas.

– Se há concurso efectivo ou aparente, entre os crimes previstos e puníveis, respectivamente, pelo artigo 264° do C. P. I. e pelo artigo 23.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, com a redacção alterada pelo Decreto-Lei n.° 29/99 de 28 de Janeiro.

– Se as penas aplicadas são excessivas, devendo, nos termos do art.º 71.º do C. P., ser aplicadas penas de multa, especialmente atenuada a do recorrente, nos mínimos legalmente previstos.

– Se não é de declarar perdidas a favor do Estado as máquinas apreendidas nos autos.

Vejamos:

2. São os seguintes os factos dados como provados e não provados e respectiva motivação de facto da sentença recorrida:

« Matéria de facto provada
« a) Os arguidos MARIA e ANTÓNIO são os únicos sócios da sociedade R... Confecções, L.da– CONFECÇÕES, LDA., cujo objecto social é a confecção de vestuário exterior e interior, exercendo ambos a gerência da sociedade e sendo os únicos responsáveis pela sua gestão;
« b) No dia 04 de Abril de 2002, cerca das 17 horas e 30 minutos, nas instalações da sociedade R... Confecções, L.da– CONFECÇÕES, LDA., sitas no Lugar de Ribeiro do Lobo, freguesia de Vinhós, concelho de Fafe, os arguidos MARIA e ANTÓNIO ., actuando como representantes legais da sociedade arguida, procediam à confecção de calças em que apunham as marcas “Levi´s”, modelo “501”, e “Dockers”, marcas essas que sabiam estar registadas no nosso país e não poderem ser confeccionadas ou comercializadas por qualquer forma sem autorização do detentor das mencionadas marcas ou do seu representante legal no nosso país;
« c) Os arguidos tinham já confeccionado 1720 (mil, setecentos e vinte) pares de calças em que tinham aposto a marca “Levi´s”, bem como etiquetas tecidas, cartonadas, botões e outras passamanarias;
« d) Em confecção encontravam-se 65 (sessenta e cinco) pares de calças com a mesma marca;
« e) Tinham também já confeccionados 720 (setecentos e vinte) pares de calças em que tinham aposto a marca “Dockers”;
« f) Em confecção encontravam-se 400 (quatrocentos) pares de calças com a mesma marca;
« g) Foram ainda apreendidas nas instalações da fábrica da arguida sociedade:
– 5000 (cinco mil) etiquetas de cartão de diversos formatos e modelos;
– 02 (dois) Kg de botões e rebites;
– 2000 (duas mil) etiquetas de jacron;
– 1500 (mil e quinhentas) etiquetas plásticas;
– 1500 (mil e quinhentas) etiquetas tecidas;
– 2000 (duas mil) etiquetas com código de barras, tudo da marca “Dockers”;
« h) O valor de toda esta mercadoria apreendida é de 107.900,00€ (cento e sete mil e novecentos Euros);
« i) Tal mercadoria destinavam-na os arguidos à venda ao público consumidor, pretendendo fazer passar as calças em que apuseram as marcas “Levi´s” e “DOCKERS” como originais dessas marcas, dessa forma ludibriando o consumidor e obtendo lucros a que sabiam não ter direito, porque ilícitos, pois obtidos à custa do prestígio e fama que tais marcas usufruem junto do público consumidor;
« j) As marcas em questão encontram-se devidamente registadas, no nosso país, junto das entidades competentes, o que os arguidos não desconheciam;
« k) Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
« l) Sabiam de igual modo os arguidos que os produtos atrás referidos não eram originais das marcas que ostentavam, pois não tinham o devido consentimento do proprietário da marca para o seu fabrico;
« m) Os arguidos pretendiam, por conseguinte, com a venda de tais produtos, obter um benefício ilegítimo causando, deste modo, prejuízos ao titular das marcas registadas;
« n) Os arguidos pessoas singulares agiram de comum acordo na qualidade de gerentes da sociedade R... Confecções, L.da- CONFECÇÕES, LDA.;
« o) Na confecção descrita nas alíneas b) a g) estavam a ser utilizadas as máquinas apreendidas a fls. 05;
« p) Nada consta do certificado de registo criminal da arguida Maria P...;
« q) A arguida Maria P... é casada com o arguido António M...;
« r) A arguida é sócia gerente da sociedade arguida, auferindo o vencimento mensal de 400,00€;
« s) Completou o 6.º ano de escolaridade;
« t) Os arguidos têm dois filhos menores a seu cargo;
« u) O arguido António M... é sócio gerente da sociedade arguida, auferindo o vencimento mensal de 400,00€;
« v) Por sentença datada de 18 de Junho de 1993, relativamente a factos praticados no dia 01 de Junho de 1991, do Tribunal Judicial de Guimarães, processo comum singular n.º 514/92, o arguido foi condenado na pena única de multa no valor global de Esc. 15.000$00 ou, em alternativa, 50 dias de prisão, pela prática de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 388.º, n.º 3, do Código Penal – adiante designado pela sigla C.P. -, com referência ao artigo 22.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro;
« w) Por sentença datada de 18 de Novembro de 1997, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, processo comum singular n.º 381/97, o arguido foi condenado na pena de 190 dias de multa, à taxa diária de Esc. 500$00, o que perfaz Esc. 95.000$00, pela prática de um crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea a), do Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro;
« x) Por acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto datado de 02 de Dezembro de 1998, proferido no âmbito do processo comum singular n.º 203/97 do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, o arguido foi condenado, por factos praticados em 27 de Fevereiro de 1997, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de Esc. 500$00, o que perfaz o total de Esc. 45.000$00, pela prática de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo artigo 359.º, n.º 2, do C.P.;
« y) O arguido efectuou o pagamento da multa referida na alínea y);
« z) Por sentença datada de 04 de Dezembro de 2000, transitada em julgado no dia 29 de Maio de 2001, relativamente a factos praticados no dia 08 de Novembro de 1996, processo comum singular n.º 182/97.7TBFAF do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, o arguido foi condenado na pena de 150 dias de multa, à razão diária de Esc. 900$00, o que perfaz o total de Esc. 135.000$00, pela prática de um crime de contrafacção, p. e p. pelo artigo 264.º, n.º 1, alínea a), do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro;
« aa) O arguido procedeu ao pagamento da multa referida na alínea aa) no dia 11 de Janeiro de 2002;
« bb) No ano de 1999, os arguidos distribuíram o lucro verificado da sociedade arguida no ano de 1998 de Esc. 6.420.683$80 da seguinte forma:
– Esc. 1.906.974$40, na cobertura de prejuízos de exercícios anteriores;
– Esc. 4.000.000$00, em gratificações aos sócios gerentes;
– Esc. 200.000$00, para reserva legal;
– Esc. 313.709$40, para reservas livres;
« cc) A sociedade arguida tem 30 (trinta) trabalhadores a seu cargo;
« dd) De ordenados mensais aos seus trabalhadores a sociedade arguida paga uma média de 400,00€;
« ee) No ano de 1999, a sociedade arguida apresentou um lucro tributável de Esc. 586.566$00.

* * *
« Matéria de facto não provada
« Não resultaram não provados quaisquer factos constantes da acusação.
* * *
« Motivação da decisão sobre a matéria de facto
« A convicção deste Tribunal quanto à matéria de facto considerada como provada baseou-se no conjunto da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente:
« Relativamente às alíneas a) a o), nos depoimentos dos agentes da I.G.A.E. que procederam à operação de fiscalização e à apreensão constante dos presentes autos, ABEL SILVA, MÁRIO JORGE BESSA, ANÍBAL CARVALHO e LUÍS FARIA, as quais depuseram de forma inteiramente livre, coerente e isenta, demons-trando um conhecimento directo dos factos e merecendo inteira credibilidade. As testemunhas em causa descreveram igualmente o tipo de peças e materiais apreen-didos, a concreta identificação dos locais onde foram encontradas as peças contra-feitas, bem como a forma como a fábrica de confecção se encontrava a laborar no momento da inspecção. Quanto ao facto de os arguidos serem gerentes da socie-dade arguida, foi relevante a análise da certidão do registo comercial junta aos autos a fls. 111 a 115, os documentos de fls. 49 a 53, 123 e 124, bem como o facto de, no dia da operação de fiscalização do I.G.A.E., a arguida Maria OLIVEIRA se encontrar a comandar toda a actividade da fábrica, sendo que, quando os agentes da I.G.A.E. pediram para chamar o responsável, foi a arguida que o fun-cionário chamou e que compareceu perante os mesmos. Assim, não obstante o arguido ter admitido os factos constantes da acusação e ter procurado eximir a arguida Maria P... à sua responsabilidade jurí-dico-penal pela prática dos factos que lhe são imputados, defendendo que a sua qua-lidade de gerente era meramente fictícia, em sede de audiência de julgamento resul-tou suficientemente provado que a mesma assumia a gerência da sociedade arguida juntamente com o arguido. Relativamente ao licenciamento das marcas foi igualmente relevante a análise dos documentos de fls. 09 a 14, 31 a 37, bem como o relatório pericial de fls. 41 e 42;
« Quanto ao teor do certificado de registo criminal da arguida, constante da alínea p), foi relevante a análise do mesmo, o qual se encontra junto aos autos a fls. 85;
« Relativamente ao teor do certificado de registo criminal do arguido, constante das alíneas v) a aa), foi relevante a análise do mesmo, o qual se encontra junto aos autos a fls. 100 a 103;
« Quanto às condições sócio-económicas dos arguidos, constantes das alíneas q) a u), bb) a ee), foram relevantes as declarações dos próprios arguidos, as quais surgiram, quanto a esta parte, relevantes e coerentes, bem como a cuidada análise da documentação junta aos autos a fls. 111 a 135.
* * *
3. Há que, previamente, fazer notar que há no recurso um equívoco terminológico, que cumpre esclarecer:

Atentos os termos da motivação do seu recurso e, sobretudo, das conclusões daquela, que, nos termos do disposto no art.º 412.º, n.º 1, do C. P. P., definem o âmbito do recurso, ao invocar a existência de “erro notório na apreciação da prova” os recorrentes não estão a referir-se ao vício da sentença referido no art.º 410.º, n.º 2, al. c), do C. P. P., mas a um erro de julgamento, a apreciar nos termos do amplo conhecimento em matéria de facto do Tribunal de recurso. O mesmo se diga quanto à invocada existência, na sentença recorrida, de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, que os recorrentes nem identificam no texto da decisão recorrida (() Conforme decorre da Lei do referido artigo 410º, n.º 2, do CPP e tem sido recorrentemente afirmado na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, a ocorrência de quaisquer dos vícios plasmados no aludido normativo, há-de resultar do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência

), impondo-se a conclusão, que, ainda aqui, se referem ao que, na sua óptica, se resume num erro de julgamento da matéria de facto.

Relativamente ao pretenso erro de julgamento, não têm os recorrentes razão:

Os factos postos em crise no recurso são, quanto à arguida Maria, todos os relativos á sua comparticipação criminosa.

Se bem pensamos, toda argumentação da recorrente assenta na negação da sua participação na gerência da sociedade arguida e na sua reclamada não intervenção na prática dos delitos, sendo essa a medida da sua impugnação dos factos que põe em crise. Ou seja os factos, segundo ela, não são verdadeiros apenas na medida em que lhe são referidos.

Porém, não cabem dúvidas de que a recorrente Maria era gerente, de direito e de facto, da sociedade arguida e que actuou pessoalmente na prática delituosa apreciada nos autos, nos termos que resultam da matéria de facto dada como provada, o que se demonstrou, como consta da motivação da matéria de facto da sentença recorrida, da certidão do registo comercial junta aos autos a fls. 111 a 115, dos documentos de fls. 49 a 53, 123 e 124, e do facto de, no dia da operação de fiscalização do I.G.A.E., se encontrar ela a comandar toda a actividade da fábrica, sendo que, quando os agentes da I.G.A.E. pediram para chamar o responsável, foi a arguida que o fun-cionário chamou e que compareceu perante os mesmos.

O ataque ao julgamento da matéria de facto do tribunal recorrido não assenta em divergências quanto às provas que o tribunal valorou, mas sim no desacordo quanto ao sentido dessa valoração.

Porém, o tribunal julga a matéria de facto de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, com assento no art.. 127.º, do CPP, excepto nos caso de prova vinculada, questão que, ora, não se coloca.

A livre apreciação consiste em o tribunal apreciar a prova de acordo com a sua livre convicção e as regras da experiência.

Ora, o que a recorrente pretende é que o tribunal de recurso censure a livre convicção do tribunal a quo quanto ao sentido de valoração da prova, sem qualquer motivo legal que justifique essa censura. Porque não resulta da sentença e do confronto desta com a prova produzida que o tribunal tenha julgado sem prova ou, segundo as regras da experiência, contra a prova.

Os recursos em matéria de facto, como vem a ser repetidamente afirmado, servem para sindicar a legalidade das decisões sobre que versam e não para suscitar novas decisões que redefinam aquelas, supostamente aperfeiçoando-as.

Quanto à alegação, que já interessa a ambos os recorrentes, de que não se provou o facto consignado sob a alínea h) da matéria de facto provada, temos que:

O auto de fls. 4 e 5, é claro, no sentido de que o valor dos artigos – máquinas excluídas – é de € 107.900,00, sendo € 97.600,00 referentes a calças já confeccionadas, € 9.300,00 relativos a calças em acabamento, e € 1.000,00 correspondentes a acessórios.

No mesmo auto é atribuído, separadamente, o valor aproximado de € 10.300,00 às máquinas apreendidas, que de modo alguma se confunde com o referido valor das mercadorias, este de € 107.900,00.

Não têm, em conclusão, qualquer viabilidade de procedência as questões levantadas no recurso, respeitantes a erro de julgamento da matéria de facto.

4. A questão do concurso entre os crimes previstos e puníveis, respectivamente, pelo artigo 264° do C. P. I. e pelo artigo 23.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, com a redacção alterada pelo Decreto-Lei n.° 29/99 de 28 de Janeiro.

Na linha sustentada na resposta do M.º P.º em 1.ª instância e sufragada no parecer Exm.º Procurador-Geral Adjunto, também entendemos, malgrado a existência de jurisprudência em sentido divergente, que entre os crimes de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, e de contrafacção de marca, p. e p. pelo artigo 264.º, n.º 1, alínea a), do Código da Propriedade Industrial, se verifica uma relação de concurso efectivo de crimes, por serem distintos os bens jurídicos tutelados por um e por outro, sendo que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos (artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal).

O direito penal económico contido no Decreto-lei n.º 28/84 assenta em específicos e autónomos bens jurídicos que, para além da sua índole supra-individual, se caracterizam materialmente pela sua relevância directa para o sistema económico cuja sobrevivência, funcionamento ou implementação se pretende assegurar (() Manuel da Costa Andrade, «A nova lei dos crimes contra a economia (Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro) à luz do conceito de “bem jurídico”», Ciclo de Estudos de Direito Penal Económico, Centro de Estudos Judiciários, 1.ª edição, Coimbra 1985, p. 91.).

No artigo 23.º, precisamente o preceito que, no diploma, abre o capítulo dos «Crimes contra a Economia», incriminam-se condutas genericamente recondutíveis à categoria de «Fraude sobre mercadorias» que têm em comum a potencialidade de enganar o público. As modalidades de acção susceptíveis de preencher a respectiva factualidade integram condutas dotadas de características que violam as expectativas reconhecidas dos consumidores em relação à mercadoria concreta. Isto pode dar-se através de imitações, contrafacção, produção defeituosa, redução quantitativa, etc.

O bem jurídico tutelado é a confiança dos operadores económicos na genuinidade e autenticidade dos produtos quer no que respeita às qualidades, quer mesmo no que toca às quantidades (() Ibidem, p. 99.).

Dispõe o artigo 1.º do Decreto-lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro, que alterou o Código da Propriedade Industrial, que «a propriedade industrial desempenha a função social de garantir a lealdade da concorrência pela atribuição de direitos privativos no âmbito do presente diploma, bem como pela repressão da concorrência desleal».

O Código da Propriedade Industrial visa, em primeira linha, a protecção de interesses individuais ou particulares como sejam a actividade e os seus processos e resultados criativos, designadamente o direito de patentes, de marcas, do nome e insígnia do estabelecimento e das denominações de origem, com incidência no património das pessoas singulares ou colectivas que se dedicam àquela actividade. O bem jurídico tutelado é aqui o interesse privado, individual (() Como se escreveu no acórdão da Relação do Porto, de 28 de Junho de 2000, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo III – 2000, pp. 239-240. ).

A contrafacção de marcas registadas põe em causa a tutela legal contra a falsificação das marcas de procedência, ou seja, os sinais identificativos da pertença de uma mercadoria a uma empresa determinada, que permitam diferenciá-la das similares dos seus competidores no mercado (() Como se escreveu no acórdão da Relação de Évora, citando Bajo Fernandez, Derecho Penal Economico Aplicado a la Actividad Empresarial, Civitas, S.A., p. 268, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIV, Tomo V – 1999, pp. 280-283.).

Assim, sendo diferentes os bens jurídicos tutelados no tipo-de-ilícito do artigo 23.º do Decreto-lei n.º 28/84 e no tipo-de-ilícito do artigo 264.º do Código da Propriedade Industrial, o recorrente, com a sua conduta, violou dois bens jurídicos distintos e de diferente natureza, pelo que se verifica uma situação de concurso efectivo de crimes.

Como se escreveu no já referido acórdão da Relação de Évora (() Cfr. a nota anteriorr.), na fraude sobre mercadorias o que se visa proteger é o interesse da confiança dos adquirentes consumidores na genuinidade e na qualidade dos produtos que adquirem, susceptíveis de serem defraudados pela aparência imitativa da mercadoria, idónea a enganar, enquanto no artigo 264.º o que se protege é a propriedade da marca registada e não a autenticidade da mercadoria. Assim, no caso em que uma mercadoria contrafeita seja transaccionada com marca contrafeita, verifica-se um concurso de infracções pois, como se disse, são diferentes os interesses protegidos (() Cfr. quanto ao problema do concurso de crimes em causa, o Acórdão da Relação do Porto de 19 de Junho de 2002, proferido no processo n.º 14/2002, cuja fundamentação seguimos, neste passo. ).

– 5.A questão da medida das penas:

Antes de mais, torna-se necessário referir que, após a prolação da sentença recorrida, foi publicado o novo Código da propriedade Industrial, com o Decreto-Lei n.º 36/2003, de 15 de Julho, sendo o crime de “contrafacção, imitação e uso ilegal de marca” passado a ser previsto e punível pelo artigo 323.º, do referido decreto-lei, com pena de prisão até três anos e ou com pena de multa até 360 dias.

Era o seguinte o disposto no art.º 264.º, do Decreto-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro:

« art.º 264.º,
« Contrafacção, imitação e uso ilegal da marca
« 1 - Quem, com a intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar um benefício ilegítimo:
« a) Contrafizer, total ou parcialmente, ou reproduzir por qualquer meio uma marca registada sem consentimento do proprietário;
« b) Imitar, no todo ou nalguma das suas partes características, uma marca registada;
« c) Usar as marcas contrafeitas ou imitadas;
« d) Usar, contrafizer ou imitar as marcas notórias ou de grande prestígio e cujos pedidos de registo já tenham sido requeridos em Portugal;
« e) Usar nos seus produtos uma marca registada pertencente a outrem;
« f) Usar a sua marca registada em produtos alheios, de modo a iludir o consumidor sobre a origem dos mesmos produtos;
« será punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.»
Do cotejo com a disposição legal que prevê e pune o crime actualmente, com a que o previa e punia à data da sua prática, verifica-se que não só a previsão actual é menos exigente quanto à verificação do tipo – desapareceram como elementos do mesmo a «intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar um benefício ilegítimo», mantendo-se o demais -, como as penas foram agravadas, passando de prisão até dois anos ou multa até 240 dias, para prisão até três anos ou multa até 360 dias. Assim, não só não há qualquer alteração no sentido da despenalização, ainda que parcial, da conduta, como também as penas foram agravadas.

Pelo que o novo regime é necessariamente desfavorável, em concreto, aos arguidos, o que se consigna, tendo em vista o disposto no art.º 2.º, n.º 4, do C. P.

Quanto às penas concretamente aplicadas, note-se que a sentença recorrida fundamenta exaustivamente as penas aplicadas e que seria ocioso estar, aqui, a reproduzir todos os seus argumentos.

Nela, se diz, relativamente à opção pela pena de prisão, para sancionar o crime de contrafacção de marca que tal opção se deve a que a pena de multa não realiza eficazmente, no caso, a necessidade de prevenção geral positiva, tendo em vista a solicitação económica do crime, a zona do país em que este se verificou, com forte incidência de empresas que produzem artigos contrafeitos e a actividade dos arguidos, agentes económicos no ramo das confecções têxteis.

Estas razões são claras e insofismáveis. Não se argumente com a pretensamente baixa ilicitude do crime, para se tentar contrariá-las. É que a ilicitude não foi baixa, senão elevada. O artigo contrafeito é de preço elevado e de qualidade muito apreciada no mercado, as quantidades contrafeitas eram grandes e o número de etiquetas apreendidas permite concluir que o grau de grandeza da actividade é marcadamente superior ao que os artigos fabricados ou em via de fabricação deixam supor.

Acresce que, lateralmente à protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas violadas e dos direitos dos legítimos detentores das marcas, levantam-se no caso dos têxteis, razões de interesse colectivo numa imagem de credibilidade, que abrangem toda uma indústria e uma região.

Não tem sentido, no contexto da gravidade da conduta do arguido, quer quanto ao dolo quer relativamente à ilicitude, pretender fazer derivar, quase de modo automático, de uns, alegados, confissão dos factos e arrependimento que, aliás, a sentença recorrida, nem consigna sem refere, uma atenuação especial da pena.

Quanto às medidas propriamente ditas, basta referir que quer as penas de prisão quer a de multa estão bem ajustadas, quer à gravidade dos factos quer às situações económicas dos arguidos.

Também a suspensão da execução da pena de prisão à arguida e o período pelo qual foi decretada – de dois anos –, não merece qualquer crítica.

Num ponto, porém, discordamos da sentença recorrida:

Como vimos, supra, o arguido foi condenado: em 1993, pela autoria de um crime de desobediência qualificada, numa pena de multa de Esc. 15.000$00; em 1997, pela autoria de um crime fraude sobre mercadorias, numa pena de multa, de Esc. 95.000$00, que pagou; em 1998, por um crime de falsidade de depoimento ou declaração, numa multa de Esc. 45.000$00; e, em 2000, pela prática de um crime de contrafacção, numa multa de Esc. 135.000$00ção, que também pagou.

Concluiu-se na sentença recorrida, muito com base nestes antecedentes criminais, que a ideia do afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, não encontra qualquer eco na matéria de facto assente, tendo em conta a total indiferença que o arguido tem demonstrado perante os normativos jurídico-penais e perante as duas anteriores condenações pela prática de iguais factos.
Ora, a verdade é que, excluindo a primeira condenação, por desobediência- – factos de 1991 –, todas as restantes, atentas as datas das práticas dos factos e dos julgamentos respectivos, se encontram em relação de concurso, pelo que, numa actuação processual mais pronta, lhes teriam cabido um juízo único sobre a culpa e uma condenação em pena única, nos termos do disposto nos art.os 78.º e 77.º do C. P. E que, a ter sido assim, os antecedentes criminais em referência se mostrariam bem menos impressivos.
Escreveu-se no Acórdão do STJ de 20 de Fevereiro de 2003, in CJ, STJ, I/2003, pág. 206, que: « (...) como ensina o Mestre de Coimbra, já citado (9«(9) Ob. cit. (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas 1993) § 519.»

), a finalidade politico-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. E em suma, como exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou. como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção de reincidência».

No nosso entender, o juízo de prognose sobre o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes não pode, não deve, ser afastado, uma vez que o arguido não foi , ainda, confrontado com uma realidade futura de privação da liberdade como consequência da reiteração da conduta delituosa.

Assim, considerando o grau de ilicitude médio dos delitos anteriores e as penas concretas que, então, lhe foram aplicadas, assim como dos, já referidos, crimes agora sub judice, aliados às demais circunstâncias pessoais do arguido, de onde avultam os factos de ele ter uma situação sócio-profissional estável – gerente de uma sociedade que emprega trinta trabalhadores – com família estabelecida e dois filhos menores a cargo, e situação económica pouco mais do que modesta – considerados os vencimentos auferidos e os lucros distribuídos pela sociedade –, temos que é, ainda de considerar que a censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da prisão, desde que a suspensão da pena seja fixada por uma período tão longo quanto o permitido por lei, como forma de manter a consciência do arguido alertada para o imperativo de rejeição definitiva da conduta censurada.
Pelo que, nos termos do disposto no art.º 50.º, n.os 1 e 5, do CP entendemos ser de suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido, pelo período de cinco anos.
6. A questão do perdimento a favor do Estado das máquinas apreendidas:

As máquinas apreendidas fazem parte do activo da sociedade ré, que está legalmente constituída e persegue um escopo lícito. Não são em si mesmas criminógenas, já que a sua aptidão natural de instrumento do fabrico de vestuário têxtil nada tem em si mesmo de ilegal.

Por outro lado, o facto de os arguidos se terem servido de tal maquinaria numa actividade ilícita não significa, necessariamente, que daí decorra perigo de utilização das mesmas máquinas em actividades criminosas futuras. Nada nos antecedentes dos arguidos e na forma como estão socialmente inseridos autoriza tal conclusão.

Assim, as referidas máquinas não preenchem os requisitos que, nos termos do disposto no art.º 109.º, n.º 1, do CP determinariam a sua perda a favor do Estado.

Pelo que a recurso deve proceder, nesta parte, e deve ser revogada a ordem de perdimento da favor do Estado das máquinas apreendidas nos autos.

Sem mais,


III

I – Damos parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que:

Decide pela não suspensão da execução da pena ao arguido António M..., suspensão essa que, agora, determinamos e cujo período fixamos em 5 (cinco) anos;

– Ordena o perdimento a favor do estado das máquinas apreendidas, alínea i) da parte decisória da sentença, mantendo-se no mais, a ordem de perdimento (instrumentos e produtos do crime: pares de calças, confeccionados e em confecção, etiquetas, botões, rebites e cintos de cós tecidos)

II – No mais julgamos o recurso improcedente e negamo-lhe provimento, confirmando toda a restante parte decisória da sentença recorrida.

Condenamos cada um dos recorrentes em 3 (quatro) UC, de taxa de justiça, pelo decaimento parcial.

Guimarães, 2005-10-17