Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6001/13.1TBBRG.G1
Relator: HEITOR GONÇALVES
Descritores: DEVER DE INFORMAR
INSOLVÊNCIA
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS
SERVIÇOS DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1.Enquanto instituições de crédito (artigo 3º, alínea a), do DL 298/92, de 31.12) os bancos podem prestar serviços de intermediação financeira, e sobre eles impende na fase pré-contratual deveres específicos de informação em relação aos investidores não qualificados, pessoas singulares ou colectivas a quem a lei concede uma maior protecção, dada a sua menor experiência e conhecimentos ao actuarem fora da sua área profissional (note-se que nos contratos à distância, o artigo 321º, nº3, atribui-lhes o estatuto de consumidores para efeitos de aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais).
2.De acordo com as circunstâncias, devem disponibilizar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, entre eles, os atinentes à natureza e riscos dos instrumentos financeiros [cfr. artigo 312º, alíneas d) e e), sendo indicados nos subsequentes artigos 312º-A a 312º-G os termos e procedimentos a observar], sob pena de poderem incorrer em responsabilidade civil nos termos do artigo 304º-A, e no caso não estava o demandado sequer dispensado de conhecer o perfil do investidor, por se tratar dum produto complexo, de risco muito agressivo, sem qualquer garantia de capital no prazo de maturidade ou em situação de resgate antecipado, visto que a sua rentabilidade dependia do comportamento dum conjunto de três activos subjacentes, os constituintes do cabaz [Hang Seng China Enterprises Index (o Índice HSCE), o ETF ishares MSCI Brazil Index Fund (o Fundo ETF) e o DJ Euro Stoxx 50 Index (o Índice Euro Stoxx)], compondo os respectivos índices um extenso número de empresas diversificadas, como se constata do teor dos anexos juntos com o documento informativo;
3.A matéria de facto que é objecto de impugnação não porém relevância para a decisão de mérito, não obstante dizer respeito à imputação ao banco demandado da violação culposa dos mencionados específicos deveres de informação na fase pré-contratual. É que não foi nesses termos que se a autora estruturou o pedido de condenação do banco, antes se apoia na ilegítima actuação do demandado no âmbito da execução dos contratos, com incidência na ilegítima liquidação dos valores mobiliários quando já se encontrava extinção a garantia real nos termos do artigo 677º e 730º, a), do C.Civil;
4.Um dos efeitos decorrentes da declaração de insolvência é o encerramento dos contratos de abertura de crédito anteriormente celebrado entre o banco e a devedora, como decorre do artigo 116º do CIRE, cujo saldo final se traduzia num crédito para o contraente in bonis, de imediato vencimento, como de imediato vencimento também se tornou por via do artigo 91º, nº1, do CIRE.
5.Encontrando-se o contrato de abertura de crédito caucionada com o penhor sobre os aludidos valores mobiliários (designado de contrato de garantia financeira conforme a conjugação dos artigos 2º, nº2, 4º e 5º, 1-b) do Decreto-Lei 105/2004, de 8.05, que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva n2002/47/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Junho) e resultando do artigo 18º, nº1, desse diploma legal, e do artigo 16º nº3, do CIRE que esse regime especial não pode ser prejudicado por qualquer processo de liquidação do património ou por medidas de saneamento do prestador da garantia, não estava na dependência da opção do Administrador Judicial da Insolvência a produção dos efeitos do contrato de garantia financeira, designadamente no tocante à disposição/venda por parte do beneficiário das obrigações penhoradas uma vez vencida a dívida, e a possibilidade de se fazer pagar pelo respectivo produto, operando a compensação, tal como ficou estabelecido na cláusula 10ª, a coberto dos artigos 9º (nos termos do seu nº2, “os direitos de disposição confere ao beneficiário da garantia financeira os poderes de alienar ou onerar o objecto da garantia prestada, nos termos previstos no contrato, como se fosse seu proprietário”) e 10º, nº1-c), do aludido decreto-lei, sem necessidade de proceder à notificação prévia do prestador da garantia (artigo 8º, nº2, do DL 105/2004), ficando dispensado de reclamar os seus direitos no processo de insolvência aberto.
6.O banco apenas podia executar e operar a compensação pelo produto da liquidação dos valores mobiliários e não com recurso a quaisquer outros bens da massa insolvente que não integravam o objecto do contrato de garantia financeira, designadamente o saldo da conta à ordem - o contrato de depósito confere ao depositante um direito de crédito ao saldo positivo, e o correspectivo dever do banco de restituir o montante do mesmo valor, eventualmente com juros – cfr. artigos 1206º, 1142º e 1144º do Código Civil. E se o produto obtido com a liquidação das obrigações ascendeu a €88.877,80, faltava ainda €1.122,20 para se poder considerar a extinção do penhor por via da conjugação dos normativos contidos nos artigos 677º e 730º, a), do Código Civil.
7.Se após a declaração da insolvência do devedor, o Administrador da Insolvência não demonstra efectivo interesse em negociar os termos do cumprimento do contrato de garantia financeira, antes procede à notificação do banco dando-lhe conta do reconhecimento do crédito indicado pelo devedor, que posteriormente veio a ser incluído no plano de insolvência, não pode ter a legitima expectativa de o banco actuar doutro modo que não a de executar o penhor para satisfação do seu crédito, sendo até temerário afirmar-se ter existido por banda deste abuso de direito (cfr. artigo 334º do Código Civil). Acresce que sempre faltaria à responsabilidade civil extracontratual (sanção aplicável ao abuso de direito – cfr. Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, pág. 76), a prova dum dos seus pressupostos: o dano (parece-nos que, para este efeito, o valor das obrigações a considerar não seria o nominal mas o do mercado à data em que foram alienadas ou o que provavelmente seria obtido à data prevista para a sua maturidade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Processo nº 6001/13.1TBBRG

1.A autora C…, SA, pediu nesta acção declarativa ordinária a condenação da ré demandando a ré … Bank (Portugal), SA, com sede em Lisboa, no pagamento da quantia de € 153.402,20, acrescida de juros de mora à taxa legal, alegando no essencial e em síntese:




Em Dezembro de 2009, celebrou com a ré os contratos de registo e depósito de valores imobiliários “DB Rendimento Global”, no valor nominal de €142.000 e “DB Cabaz Global”, no valor nominal de €50.000, ficando depositadas na conta de obrigações da titularidade da autora, sendo produtos financeiros de risco indexados a activos subjacentes.
Em 15.11.2010, celebraram as partes um contrato de abertura de crédito, pelo qual a ré concedeu à autora € 90.000,00, com vencimento a 15.11.2011, e para garantia do empréstimo, foi constituído penhor sobre as ditas obrigações, do valor global de € 192.000,00.
Sem qualquer pré-aviso, a ré liquidou as obrigações antes do prazo de maturidade previsto por motivos de risco de gestão de activos, tendo procedido à compensação de créditos de valores desproporcionais.
Deveria a ré ter devolvido €192.000,00 pela liquidação antecipada dos valores investidos, visto que o fez por circunstâncias adversas à vontade da autora e nunca por necessidade de liquidar para compensar o seu crédito, pois o activo da autora era de valor muito superior, não havendo necessidade de fazer a liquidação integral e antecipada;
A ré, ao liquidar os activos da autora, declarada insolvente por sentença de 15 de Junho.2011, violou o artigo 1º do CIRE, impedindo o cumprimento da satisfação dos credores conforme plano de recuperação e insolvência. O crédito da R de € 90.000,00 está reconhecido no plano de insolvência da autora.



A ré contestou, invocando que o montante utilizado pela autora até ao montante máximo de € 90.000,00 deveria ter sido reembolsado de forma integral até 15.11.2011; A autora, ao subscrever as obrigações, de risco agressivo, deu o assentimento às condições dos produtos, que não tinham garantias de capital, e a autora sabia do clausulado dos contratos e dos riscos envolvidos. Tomou conhecimento da situação de insolvência da A. em 23.08.11, que ao apresentar-se à insolvência incumpriu o contrato de abertura de crédito e pôs em causa o cumprimento do mesmo e as garantias prestadas, o que motivou o vencimento antecipado do contrato. E deduz pedido reconvencional de € 9.292,14 relativo a quantia que a ré já deveria ter recebido por conta do Plano de Insolvência aprovado, caso seja entendido que a compensação operada não produziu efeitos.

Na réplica, impugnando a versão da ré, a autora alega que não ter sido previamente informada do tipo de perfil, tendo contratado o que a ré lhe disse para contratar, desconhecendo em absoluto as características essenciais dos produtos financeiros que lhe estavam a ser propostos.




2.Foram observados os normais termos do processo até ao julgamento, que culminou com a prolação da sentença final, julgando improcedente a acção e a reconvenção, com a consequente absolvição dos demandados dos pedidos.




II. A autora interpôs recurso. Em suma, das suas alegações extraiu as seguintes conclusões:
(…)

III. Fundamentação.
Factos que a primeira instância considerou como provados:
1. A A. subscreveu as Obrigações “DB Rendimento Global”, produto financeiro complexo, em 21.12.2009, com data de emissão de 20.12.2009 e data de maturidade prevista de 20.12.2014, com um capital investido de € 142.000,00, que são títulos de dívida sem garantia de capital (cláusula 5); os investidores receberão na data da maturidade 100% do valor nominal se não ocorrer reembolso antecipado, o que ocorre em caso de ocorrência de um evento de incumprimento ao nível do produto ou em caso de ilegalidade superveniente do produto (cláusulas 3.3. e 11); se se verificar um Evento de Crédito Relevante serão pagos juros calculados sobre o valor nominal à taxa anual (em termos brutos): Euribor a 3 meses + 2,20% (cláusula 5), em conformidade com o documento informativo de fls. 20 a 31, boletim de subscrição de fls. 338 e 339 e sumário de termos e condições de fls. 340 a 348 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
2. A A. subscreveu as Obrigações “DB Cabaz Global”, produto financeiro complexo, em 18.12.2009, com data de emissão de 18.12.2009 e data final no mercado primário de 11.12.2009, com um capital investido de € 50.000,00, que é um produto financeiro complexo que não tem garantia de capital (cláusula 5); os investidores receberão durante o primeiro ano o pagamento do montante de cupão em quatro datas determinadas, o qual será igual ao valor nominal (€ 1.000,00) x Taxa de Cupão (2%), sendo a remuneração garantia apenas no 1º ano; em caso de reembolso antecipado por opção do emitente o reembolso será equivalente ao valor nominal (cláusula 5.4.), em conformidade com o documento informativo de fls. 34 a 48, boletim de subscrição de fls. 319, 336 e sumário das condições de oferta de fls. 325 a 335 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3. A A., ao subscrever as Obrigações, deu o seu assentimento às condições dos produtos e compreendeu os riscos envolvidos;
4. Sabia o clausulado dos contratos, conhecia as características dos produtos financeiros e os riscos neles envolvidos;
5. Em 15.11.2010 A e R celebraram o Contrato de Abertura de Crédito até ao montante máximo de € 90.000,00, com vencimento em 15.11.2011, em garantia do qual A aceitou e entregou à R uma Livrança em branco, devidamente subscrita pelos seus legais representantes e avalizada pelos avalistas C… e M… e foi constituído penhor sobre a totalidade das obrigações no valor global de € 192.000,00, conforme consta de fls. 312 a 316 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
6. A A foi declarada insolvente por sentença de 13 de Junho de 2011, tendo o crédito da Ré de €90.000,00 sido reconhecido no Plano de Insolvência Processo n.º 4086/11.4TBBRG, Tribunal Judicial de Braga, 1º Juízo Cível (cfr. fls. 127), aprovado e homologado no dia 26 de Abril de 2012 e transitou em julgado no dia 16 de Maio de 2012;
7. O reembolso da dívida à Ré está previsto no Plano de Insolvência que consta de fls. 168 a 278 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
8. O Administrador da Insolvência remeteu à ré a missiva datada de 2011.08.22, recebida em 2011.08.24, a qual consta de fls. 128 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
9. Por requerimento de 05.09.2011, a R impugnou os seus créditos por o seu crédito corresponder em 05.09.2011 a € 90.479,70, conforme documento de fls. 136 a 142 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
10. Após se apresentar à insolvência, a A continuou em laboração contínua e em actividade;
11. A Conta de Depósito à Ordem n.º 0043.0001.04001004820.87, associada ao Contrato de Abertura de Crédito, foi encerrada antes do seu vencimento (em 15/11/2011);
12. No dia 6 de Setembro de 2011 (fls. 64 e 65) a R liquidou ou deu ordem de liquidação das obrigações “DB Rendimento Global” pelo preço de €88.877,80 que, acrescido de juros de € 1.180,23 e deduzido de comissões de €138,65, deu um crédito na conta de Depósitos à Ordem de €89.919,38, que a juntar ao saldo existente acumulou um saldo a favor da autora de €90.981,58 que excedeu em € 317,81 o crédito de € 90.000,00;
13. No dia 6 de Setembro de 2011 a R liquidou ou deu ordem de liquidação das obrigações “DB Cabaz Globalpelo preço de € 39.720,00 que deduzido de comissões de €119,16, deu um crédito na conta de Depósitos à Ordem de €39.596,07;
14. A R remeteu à A a missiva datada de 26 de Outubro de 2011, a qual consta de fls. 130 e 131 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

Factos que a primeira instância considerou como não provados:
1. A A não quis subscrever os produtos financeiros complexos descritos nos pontos 1 e 2 dos factos provados;
2. A R, na carta enviada em 26/10/2011, pretendia referir que procedeu ao resgate antecipado das garantias constituídas a seu favor sobre as Obrigações “DB Cabaz Global” e “DB Rendimento Global”;
3. A A não foi previamente informada do tipo de perfil, tendo-se limitado a contratar o que a R lhe disse para contratar;
4. A A jamais teve ou possuiu qualquer exemplar dos Boletins de Subscrição, nem tão pouco os mesmos lhe foram facultados para análise ou conhecimento prévio.
(…)

IV. Colhidos os vistos, cumpre decidir:




A recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto e de direito proferida em 1ª instância. E considerando que a área de intervenção do tribunal ad quem se encontra delimitada pelas conclusões de recurso (v.g. artigo 639º do Novo Código de Processo Civil), sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso não cobertas pelo caso julgado, as questões que delas ressumam são as seguintes:





1.No segmento da matéria de facto, sustenta a apelante o incorrecto julgamento do acervo provado inserto nos pontos 3 (“a autora, ao subscrever as obrigações, deu o seu assentimento às condições dos produtos e compreendeu os riscos envolvidos”) e 4 (“sabia o clausulado dos contratos, conhecia as características dos produtos financeiros e os riscos neles envolvidos”) e do acervo não provado constante dos pontos 3 (A autora não foi previamente informada do tipo de perfil, tendo-se limitado a contratar o que a ré lhe disse para contratar) e 4 (“A autora jamais teve ou possuiu qualquer exemplar dos Boletins de Subscrição, nem os mesmos lhe foram facultados para análise ou conhecimento prévio”).




2. No segmento de direito, a solução jurídica pretendida é no sentido da condenação do demandado na restituição da quantia de €10.280,00, ou seja, na diferença negativa entre o valor nominal das obrigações “DB Cabaz Global” e o obtido pelo banco com a sua liquidação antes da data prevista para a sua maturidade, e as questões aduzidas incidem na sua essência sobre as temáticas seguintes:

a) Efeitos da declaração de insolvência no contrato de abertura de crédito por via do qual o banco mutuara à autora quantias no valor global de €90.000,00;
b) Efeitos da declaração da insolvência sobre o grupo de obrigações “DB Cabaz Global” adquiridas pela autora, registadas e depositadas no … Bank, e sobre o penhor a favor deste constituído como garantia real daquele crédito?
c) Esse penhor encontrava-se extinto nos termos dos artigos 677º e 730º, a), do Código Civil à data em que o banco procedeu à sua liquidação?;
d) A liquidação das obrigações “DB Cabaz Global” antes do prazo previsto para a sua maturidade, havendo na conta da autora um valor superior ao crédito de €90.000,00 traduz “abuso de direito”, e consubstancia a violação dos deveres consagrados nos artigos 73º a 75º do RGIC?
1.Impugnação da matéria de facto. Considerações prévias:





Enquanto instituições de crédito (artigo 3º, alínea a), do DL 298/92, de 31.12) os bancos podem prestar serviços de intermediação financeira[1], e é nesse âmbito que se insere a actividade levada a cabo pelo … Bank (Portugal) -entidade colocadora das obrigações financeiras emitidos pelo D… AG Londres- quer na aquisição pela autora dos produtos financeiros “DB Cabaz Global” e “DB Rendimento Global[artigo 289º, nº1-alínea a), do CVM- Código de Valores Mobiliários, a que também pertencem as normas que a seguir sejam indicadas sem expressa referência a outro diploma legal], quer nos subsequentes serviços auxiliares de registo e depósito desses valores mobiliários (artigo 291º, alínea a), do CVB).






Na intermediação financeira, na fase pré-contratual, impende sobre as instituições de crédito/intermediários financeiros deveres específicos de informação em relação aos investidores não qualificados, pessoas singulares ou colectivas a quem a lei concede uma maior protecção, dada a sua menor experiência e conhecimentos ao actuarem fora da sua área profissional[2] (note-se que nos contratos à distância, o artigo 321º, nº 3, atribui-lhes o estatuto de consumidores para efeitos de aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais).




De acordo com as circunstâncias, devem os intermediários financeiros disponibilizar aos investidores não qualificados todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente as respeitantes à natureza e riscos dos instrumentos financeiros [cfr. artigo 312º, alíneas d) e e), sendo indicados nos subsequentes artigos 312º-A a 312º-G os termos e procedimentos a observar], sob pena de poderem incorrer em responsabilidade civil nos termos do artigo 304º-A[3], e no caso não estava o demandado sequer dispensado de conhecer o perfil do investidor, por se tratar dum produto complexo, de risco muito agressivo, sem qualquer garantia de capital no prazo de maturidade ou em situação de resgate antecipado, visto que a sua rentabilidade dependia do comportamento dum conjunto de três activos subjacentes, os constituintes do cabaz [Hang Seng China Enterprises Index (o Índice HSCE), o ETF ishares MSCI Brazil Index Fund (o Fundo ETF) e o DJ Euro Stoxx 50 Index (o Índice Euro Stoxx)], compondo os respectivos índices um extenso número de empresas diversificadas, como se constata do teor dos anexos juntos com o documento informativo.

A matéria de facto que é objecto de impugnação trata precisamente da imputação ao banco demandado da violação culposa dos mencionados específicos deveres de informação na fase pré-contratual, designadamente a natureza e riscos das negociadas obrigações financeiras “DB Cabaz Global” e “DB Rendimento Global”, invocada pela ré na réplica em jeito de impugnação dos factos alegados na contestação.

Só que não foi nesses termos que se mostram estruturados os pedidos de condenação do banco. Quer nos articulados quer na fase recursória, a autora apoia-se na ilegítima e abusiva actuação do … Bank não na fase pré-negocial, mas no âmbito da execução dos contratos, com incidência na ilegítima liquidação dos valores mobiliários “DB Cabaz Global(sobre as quais fizeram recair um penhor em benefício do intermediário financeiro para garantia do crédito de €90.000,00 concedido no contrato de abertura de crédito), aludindo, a par da extinção da garantia real nos termos do artigo 730º, a), do C.Civil, à violação da ética profissional, da boa-fé, das regras do penhor de direitos, e dos deveres ínsitos nos artigos 73º a 75º do Regime Geral das Instituições de Crédito.




Razão por que nos parece claro que a matéria impugnada, provada ou não provada, nenhuma relevância terá para o sentido da decisão do mérito, mais concretamente para a questão de saber se deve ou não o Banco devolver a diferença entre o valor nominal (valor inscrito nos títulos, que corresponde ao montante do financiamento concedido ao emitente) e o valor liquidado das obrigações “DB Cabaz Global”. Consequentemente, por manifesta inutilidade, não se conhece do objecto do recurso quanto à impugnação da decisão da primeira instância no segmento da matéria de facto.

2. Considerando-se estabilizada a enunciada matéria de facto provada fixada em primeira instância, importa apreciar as demais questões.




a). Do contrato de abertura de crédito:
Em 15 de Novembro de 2010, autora e réu celebraram um contrato de abertura de crédito até ao montante máximo de €90.000, podendo ser utilizado por uma ou mais vezes mediante transferência para a conta, ficando estabelecido que todos os valores utilizados deveriam encontrar-se integralmente reembolsados até 15 de Novembro de 2011 (cfr. teor das cláusulas 2.1, 4.1 e 4.8)[4].
Esse contrato revestiu assim a modalidade de conta-corrente, tendo sido caucionado por duas vias: por uma livrança subscrita pelos seus legais representantes e avalizada por C… e M…, e através da constituição de penhor sobre as obrigações “DB Rendimento Global” e “DB Cabaz Global”, no valor global de € 192.000,00, que a sociedade C…, S.A., adquirira em 2009 aos balcões do … Bank (Portugal), onde aliás ficaram depositadas.



Cerca de quatro meses antes da data prevista para o vencimento do montante global do crédito utilizado, a creditada C…, S.A. foi declarada insolvente por sentença de 13.07.2011 (Processo 4086/11.4Tbbrg, 1º Juízo Cível de Braga), evento que determinou o encerramento do contrato de abertura de crédito nos termos do artigo 116º do CIRE, cujo saldo final se traduzia num crédito de €90.000,00 para o contraente in bonis, de imediato vencimento.




Com todo o a-propósito, refere Maria do Rosário Epifanio (Manual de Direito da Insolvência, 3ª edição, pág. 170) que “o encerramento ipso jure das conta-correntes resultante da declaração de insolvência de um dos contraentes desempenha uma dupla função: por um lado, destina-se ao apuramento do montante final de que cada uma das partes é devedora ou credora (…), e por outro torna esse valor final exigível (artigos 346º, 4, 348º, e 349º do C. Comercial); (…) se o contraente in bonis for credor do saldo perante o insolvente, deverá insinuar o seu crédito na massa insolvente, sujeitando-se ao seu pagamento segundo o princípio par conditio creditorum (veja-se a este propósito, o artigo 346º, nº4, do Código Comercial)”.





Ademais, também resulta do artigo 91º, nº1, do CIRE que “A declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva”. O normativo deste preceito legal “reforça, no quadro do processo de insolvência, o disposto no artigo 780º, nº1, do Código Civil[5], sendo a sua utilidade a de estabelecer que o efeito da declaração de insolvência é o vencimento imediato de todas as obrigações do insolvente e não apenas a perda do benefício do prazo” (Ana Prata/Jorge Morais Carvalho/Rui Simões, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pág. 272).
Se face a essas enunciadas razões factuais e jurídicas é incontroverso que a declaração de insolvência antecipou o vencimento da dívida de €90.000,00 relativamente à data que ficara estabelecida no contrato de abertura de crédito, tornando-a imediatamente exigível, o mesmo já não se pode dizer relativamente à necessidade do contraente in bonis ter de reclamar a dívida no processo da insolvência para alcançar o seu pagamento, em condições de igualdade com os demais credores, uma vez que a eficácia do contrato de garantia financeira não foi afectado pela declaração de insolvência do prestador da garantia por aplicação dum regime especial (o Decreto-Lei 105/2004).

b) Mas vejamos a natureza e as virtualidades para o beneficiário do penhor constituído sobre as obrigações financeiras:




No contrato foi constituído em benefício do … Bank penhor sobre a totalidade das aludidas obrigações financeiras que a recorrente tinha subscrito em 2009, do valor global de €192.000,00, importando salientar que se encontravam desde aí na posse do banco na sequência do contrato de registo e depósito celebrado com a C…, S.A.[6].


Nos termos do artigo 666º, nº1, do Código Civil, o penhor confere ao credor o direito á satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencente ao devedor ou a terceiro” e dispõe o artigo 675º, nº1, do mesmo código que “vencida a obrigação, adquire o credor o direito de se pagar pelo produto da venda executiva da coisa empenhada, podendo a venda ser feita extraprocessualmente, se as partes assim o tiverem convencionado”.






No caso, incidindo o penhor sobre os aludidos valores mobiliários (“DB Rendimento Global” e “DB Cabaz Global”), é designado de contrato de garantia financeira conforme a conjugação dos artigos 2º, nº2, 4º e 5º, 1-b) do Decreto-Lei 105/2004, de 8.05, que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva n2002/47/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Junho.




A filosofia que presidiu à adopção desse regime legal está explicitada no próprio preâmbulo. Aí se alude designadamente ao objectivo de se alcançar a simplificação da celebração desses contratos, a celeridade a conferir à execução da garantia, e alargamento do leque de situações em que a validade e eficácia dos mesmos contratos é ressalvada em prol da segurança jurídica (..) preocupações legítimas mesmo em situações que envolvam a possibilidade de insolvência de uma das partes no contrato, caso em que o diploma consagra um conjunto de disposições de carácter excepcional face ao regime comum estabelecido no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas que, nos aspectos que poderiam constituir entrave à execução da garantia, não são aplicáveis”. E não deixou também de fazer referência a outros aspectos relevantes: que o penhor financeiro é um “contrato de garantia financeira sem transmissão da propriedade (…), merece ser realçada a possibilidade de as partes convencionarem, a favor do beneficiário da garantia, o direito de disposição sobre o objecto desta. Trata-se duma faculdade que, no no caso dos instrumentos financeiros permitirá aumentar a liquidez dos respectivos mercados (…)”, concedendo às partes a faculdade de convencionarem que “em caso de incumprimento pelo prestador da garantia, se vence antecipadamente a obrigação de restituição e que esta pode ser objecto de compensação” (sublinhados nossos).

Resulta do artigo 18º, nº1, desse diploma legal, e do artigo 16º nº3, do CIRE (“o disposto neste código não prejudica o regime constante da legislação especial relativa a contratos de garantia financeira”) que esse regime especial não pode ser prejudicado por qualquer processo de liquidação do património ou por medidas de saneamento do prestador da garantia, o que autoriza desde logo a conclusão de que, na situação em apreço, não estava na dependência da opção do Administrador Judicial da Insolvência (cfr. artigo 102º e segs do CIRE) a produção dos efeitos do contrato de garantia financeira, designadamente no tocante à disposição/venda por parte do beneficiário das obrigações penhoradas uma vez vencida a dívida, e a possibilidade de se fazer pagar pelo respectivo produto, operando a compensação, tal como ficou estabelecido na cláusula 10ª, a coberto dos artigos 9º (nos termos do seu nº2, “os direitos de disposição confere ao beneficiário da garantia financeira os poderes de alienar ou onerar o objecto da garantia prestada, nos termos previstos no contrato, como se fosse seu proprietário”) e 10º, nº1-c), do aludido decreto-lei, sem necessidade de proceder à notificação prévia do prestador da garantia (artigo 8º, nº2, do DL 105/2004), ficando dispensado de reclamar os seus direitos no processo de insolvência aberto.

Essa é também a interpretação dada pela recorrente ao contrato de garantia financeira e às disposições legais do Decreto-Lei 105/2004, tendo a esse propósito referido nas suas alegações de recurso, reportando-se à liquidação das obrigações “DB rendimento Global” que “É, pois, inequívoco que ao recorrido, na qualidade de credor pignoratício, em face da declaração de insolvência da recorrente, que implicou o termo do contrato de conta-corrente, assistia o direito de executar o penhor sobre as obrigações dadas em garantia, compensando-se com o crédito da recorrente”- cfr. fls. 380.





Então, o que leva o recorrente a aceitar a legitimidade da execução dessa garantia e a sustentar que a recorrida esta impedida de vender as obrigações “DB Cabaz Global” sobre a qual incidiu também o penhor como garantia do mesmo crédito?
No seu entendimento, a dívida que contraiu com a abertura de crédito ficou totalmente cumprida com o produto obtido pelo banco com a liquidação das obrigações “DB Rendimento Global”, somado ao saldo da conta à ordem (ficou provado que “no dia 6 de Setembro de 2011 (fls. 64 e 65) a R liquidou ou deu ordem de liquidação das obrigações “DB Rendimento Global” pelo preço de €88.877,80 que, acrescido de juros de € 1.180,23 e deduzido de comissões de €138,65, deu um crédito na conta de Depósitos à Ordem de €89.919,38, que a juntar ao saldo existente acumulou um saldo a favor da autora de €90.981,58 que excedeu em € 317,81 o crédito de € 90.000,00”), razão por que se deveria considerar extinto o penhor que havia sido constituído como garantia por força dos artigos 677º e 730º, a), do Código Civil. Que extinta a obrigação e o penhor, já não tinha o banco necessidade e justificação de proceder à liquidação em 6 de Setembro de 2011 das obrigações “DB Cabaz Global, cuja data de maturidade ocorreria em 21 de Dezembro de 2012, daí ter actuado à revelia do contrato e à margem dos princípios da boa fé, dos usos e bons costumes, e com violação das regras de conduta a que as instituições de crédito devem obedecer nos termos dos artigos 73º a 75º do RGIC.




Começa-se por sublinhar que nada autoriza o recorrente a estabelecer o timing da liquidação dos dois grupos de obrigações financeiras que está implícito na sua argumentação, ou seja, que a alienação das “DB Cabaz Global” foi precedida da alienação das “DB Rendimento Global”. Na verdade, os factos provados apenas noticiam que a alienação de ambas foi efectuada no mesmo dia (6 de Setembro de 2011), sobejando da compensação um crédito na conta à ordem de €39.596,07, e só a partir desse momento se pode considerar extinta a dívida e o penhor.

Ademais, mesmo a cindir-se temporalmente a liquidação dos grupos de valores mobiliários conforme a interpretação dada pelo recorrente, o que a nosso ver os factos não autorizam, é de anotar que banco apenas podia executar e operar a compensação pelo produto da liquidação dos valores mobiliários e não com recurso a quaisquer outros bens da massa insolvente que não faziam parte do objecto do contrato de garantia financeira, designadamente todo o saldo da conta à ordem - o contrato de depósito confere ao depositante um direito de crédito ao saldo positivo, e o correspectivo dever do banco de restituir o montante do mesmo valor, eventualmente com juros – cfr. artigos 1206º, 1142º e 1144º do Código Civil. E se o produto obtido com a liquidação das obrigações “DB Rendimento Global” ascendeu a €88.877,80, ainda faltavam €1.122,20 para a compensação do montante total da dívida, e se poder considerar a extinção do penhor por via da conjugação dos normativos contidos nos artigos 677º e 730º, a), do Código Civil.

Não vislumbramos por isso fundamento para atribuir a violação por parte do recorrido quaisquer deveres acessórios, designadamente dos gerais que decorrem do artigo 304º do CVM (protecção dos legítimos interesses dos clientes e da eficiência do mercado, boa fé e padrões de elevada diligência e transparência).
A par de todas as considerações expendidas, enfatizando-se o direito do banco executar o penhor financeiro sem necessidade de proceder à notificação prévia do prestador da garantia (artigo 8º, nº2, do Decreto-Lei 105/2004), anota-se a mudança de interlocutor com a declaração da insolvência do devedor. A partir de então, do outro lado passaram a estar todos os credores da massa insolvente, representada pelo Administrador Judicial, que não demonstrou efectivo interesse em negociar os termos do cumprimento do contrato de garantia financeira, antes procedeu à notificação do recorrido nos termos da missiva de fls. 128, dando-lhe conta do reconhecimento do crédito indicado pelo devedor, que posteriormente veio a ser incluído no plano de insolvência.




Perante essa anunciada posição e face aos tempos de crise financeira que ao tempo se vivia no marcado, jamais o A.I. podia ter a legítima expectativa e confiança de esperar do banco outra actuação que não a de executar o penhor para satisfação do crédito, sem necessidade de ter que exercer os seus direitos no processo de insolvência, e acha-se temerária a afirmação de que existiu da sua banda abuso de direito (cfr. artigo 334º do Código Civil). Acresce que sempre faltaria à responsabilidade civil extracontratual (sanção aplicável ao abuso de direito – cfr. Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, pág. 76), a prova de um dos seus pressupostos: o dano (parece-nos que, para este efeito, o valor das obrigações a considerar não seria o nominal mas o do mercado à data em que foram alienadas ou o que provavelmente seria obtido à data da maturação).

Concluindo:
1. Enquanto instituições de crédito (artigo 3º, alínea a), do DL 298/92, de 31.12) os bancos podem prestar serviços de intermediação financeira, e sobre eles impende na fase pré-contratual deveres específicos de informação em relação aos investidores não qualificados, pessoas singulares ou colectivas a quem a lei concede uma maior protecção, dada a sua menor experiência e conhecimentos ao actuarem fora da sua área profissional (note-se que nos contratos à distância, o artigo 321º, nº3, atribui-lhes o estatuto de consumidores para efeitos de aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais).
2. De acordo com as circunstâncias, devem disponibilizar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, entre eles, os atinentes à natureza e riscos dos instrumentos financeiros [cfr. artigo 312º, alíneas d) e e), sendo indicados nos subsequentes artigos 312º-A a 312º-G os termos e procedimentos a observar], sob pena de poderem incorrer em responsabilidade civil nos termos do artigo 304º-A, e no caso não estava o demandado sequer dispensado de conhecer o perfil do investidor, por se tratar dum produto complexo, de risco muito agressivo, sem qualquer garantia de capital no prazo de maturidade ou em situação de resgate antecipado, visto que a sua rentabilidade dependia do comportamento dum conjunto de três activos subjacentes, os constituintes do cabaz [Hang Seng China Enterprises Index (o Índice HSCE), o ETF ishares MSCI Brazil Index Fund (o Fundo ETF) e o DJ Euro Stoxx 50 Index (o Índice Euro Stoxx)], compondo os respectivos índices um extenso número de empresas diversificadas, como se constata do teor dos anexos juntos com o documento informativo;
3. A matéria de facto que é objecto de impugnação não porém relevância para a decisão de mérito, não obstante dizer respeito à imputação ao banco demandado da violação culposa dos mencionados específicos deveres de informação na fase pré-contratual. É que não foi nesses termos que se a autora estruturou o pedido de condenação do banco, antes se apoia na ilegítima actuação do demandado no âmbito da execução dos contratos, com incidência na ilegítima liquidação dos valores mobiliários quando já se encontrava extinção a garantia real nos termos do artigo 677º e 730º, a), do C.Civil;
4. Um dos efeitos decorrentes da declaração de insolvência é o encerramento dos contratos de abertura de crédito anteriormente celebrado entre o banco e a devedora, como decorre do artigo 116º do CIRE, cujo saldo final se traduzia num crédito para o contraente in bonis, de imediato vencimento, como de imediato vencimento também se tornou por via do artigo 91º, nº1, do CIRE.
5. Encontrando-se o contrato de abertura de crédito caucionada com o penhor sobre os aludidos valores mobiliários (designado de contrato de garantia financeira conforme a conjugação dos artigos 2º, nº2, 4º e 5º, 1-b) do Decreto-Lei 105/2004, de 8.05, que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva n2002/47/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Junho) e resultando do artigo 18º, nº1, desse diploma legal, e do artigo 16º nº3, do CIRE que esse regime especial não pode ser prejudicado por qualquer processo de liquidação do património ou por medidas de saneamento do prestador da garantia, não estava na dependência da opção do Administrador Judicial da Insolvência a produção dos efeitos do contrato de garantia financeira, designadamente no tocante à disposição/venda por parte do beneficiário das obrigações penhoradas uma vez vencida a dívida, e a possibilidade de se fazer pagar pelo respectivo produto, operando a compensação, tal como ficou estabelecido na cláusula 10ª, a coberto dos artigos 9º (nos termos do seu nº2, “os direitos de disposição confere ao beneficiário da garantia financeira os poderes de alienar ou onerar o objecto da garantia prestada, nos termos previstos no contrato, como se fosse seu proprietário”) e 10º, nº1-c), do aludido decreto-lei, sem necessidade de proceder à notificação prévia do prestador da garantia (artigo 8º, nº2, do DL 105/2004), ficando dispensado de reclamar os seus direitos no processo de insolvência aberto.
6. O banco apenas podia executar e operar a compensação pelo produto da liquidação dos valores mobiliários e não com recurso a quaisquer outros bens da massa insolvente que não integravam o objecto do contrato de garantia financeira, designadamente o saldo da conta à ordem - o contrato de depósito confere ao depositante um direito de crédito ao saldo positivo, e o correspectivo dever do banco de restituir o montante do mesmo valor, eventualmente com juros – cfr. artigos 1206º, 1142º e 1144º do Código Civil. E se o produto obtido com a liquidação das obrigações ascendeu a €88.877,80, faltava ainda €1.122,20 para se poder considerar a extinção do penhor por via da conjugação dos normativos contidos nos artigos 677º e 730º, a), do Código Civil.
7. Se após a declaração da insolvência do devedor, o Administrador da Insolvência não demonstra efectivo interesse em negociar os termos do cumprimento do contrato de garantia financeira, antes procede à notificação do banco dando-lhe conta do reconhecimento do crédito indicado pelo devedor, que posteriormente veio a ser incluído no plano de insolvência, não pode ter a legitima expectativa de o banco actuar doutro modo que não a de executar o penhor para satisfação do seu crédito, sendo até temerário afirmar-se ter existido por banda deste abuso de direito (cfr. artigo 334º do Código Civil). Acresce que sempre faltaria à responsabilidade civil extracontratual (sanção aplicável ao abuso de direito – cfr. Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, pág. 76), a prova dum dos seus pressupostos: o dano (parece-nos que, para este efeito, o valor das obrigações a considerar não seria o nominal mas o do mercado à data em que foram alienadas ou o que provavelmente seria obtido à data prevista para a sua maturidade.

III. Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, e consequentemente confirmam a sentença recorrida.
Custas pela massa insolvente.

TRG, 06/11/2014
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade
José Rainho

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[1] Na previsão do artigo 293º, nº1, do CVM, as instituições de crédito são intermediários financeiros em valores mobiliários. José A. Engrácia Antunes, in Direito dos Contratos Comerciais, edição de 2009, pág. 573, define os contratos de intermediação financeira como “negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativo à prestação de actividades de intermediação financeira”.
[2] Vide Eduardo Paz Ferreira, Informação e mercado de Valores Mobiliários in Revista da Banca, nº50.
[3] Artigo 304.º -A (Responsabilidade civil): 1 — Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 — A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré -contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
[4] Como refere José A. Engrácia Antunes, in Direito Dos Contratos, pág. 501/502, a abertura de crédito - «contrato pelo qual o banco (creditante) se obriga a colocar à disposição do cliente (creditado) uma determinada quantia pecuniária por tempo determinado ou não, ficando este obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões» - , “desempenha uma importante função prática, servindo os interesses da ambas as partes. Para o creditado, ele assegura de antemão a disponibilização dos fundos necessários para concretizar um determinado negócio em vista em condições financeiras operacionais mais vantajosas do que no caso de um empréstimo bancário (que implicaria o pagamento imediato de juros, além de lhe permitir mobilizar o montante disponibilizado na estrita medida das suas necessidades)”.
[5] Artigo 780º (perda do benefício do prazo): 1. Estabelecido o prazo a favor do devedor, pode o credor, não obstante, exigir o cumprimento imediato da obrigação, se o devedor se tornar insolvente, ainda que a insolvência não tenha sido judicialmente declarada, ou se, por causa imputável ao devedor, diminuírem as garantias do crédito ou não forem prestadas as garantias prometidas. 2. O credor tem o direito de exigir do devedor, em lugar do cumprimento imediato da obrigação, a substituição ou reforço das garantias, se estas sofreram diminuição.
[6] Sobre os pressupostos de validade do penhor de valores mobiliários titulados ao portador e titulados nominativos cfr. artigos 81º, 103º, 101º e 102º, do Código de Valores Mobiliários.