Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
257/10.9TBCBT-D.G1
Relator: PAULO DUARTE BARRETO
Descritores: PROCESSO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
RESIDÊNCIA HABITUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/07/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - A competência internacional para a regulação das responsabilidades parentais deve aferir-se pelo critério da residência habitual do menor, sem prejuízo dela se deslocar, designadamente para outro Estado-Membro da União Europeia, daí que o Regulamento, (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27.11.2003, preveja a derrogação da competência do tribunal do Estado-Membro da anterior residência habitual.
II – A competência internacional da jurisdição portuguesa justifica-se, in casu, porque o menor sempre viveu em Portugal, foi aqui que foram reguladas as responsabilidades parentais e é aqui que residem o pai e a avó materna, dois vértices importantes da sua vida, ao que acresce a circunstância da mãe estar em França há apenas um ano, o menor muito menos, daí que sejam escassos os elementos à disposição do tribunal francês para uma decisão que se quer abrangente de toda a realidade social e familiar que envolve o menor.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2.ª) do Tribunal da Relação de Guimarães:
No Tribunal Judicial de Celorico de Basto foi proferido o seguinte despacho:
“ C… veio requerer, em 17/02/2012, contra S…, alteração da regulação das responsabilidades parentais relativas ao filho menor de ambos, T…, pedindo que o mesmo fique à sua guarda e aos seus cuidados.
Alega para tanto e em síntese que, em finais de janeiro de 2012, a requerida emigrou para França e entregou o menor à guarda e cuidados da avó materna, não o tendo informado de tal facto. Tem todas as condições afetivas e económicas para que o menor resida consigo, requerendo, assim, que a guarda do mesmo lhe fique confiada.
Contestou a requerida, afirmando, em suma, que arranjou emprego em França e solicitou ao requerente que este acordasse em que pudesse levar o menor consigo para esse país, sendo que não lhe foi dada resposta em tempo útil, tendo assim que se deslocar e, temporariamente, deixar o menor com a sua mãe enquanto regularizava a sua situação em França para aí ter o menor na sua companhia. Opôs-se à alteração requerida.
Feita a conferência de pais, não foi possível obter o acordo de ambos.
Foi ordenação a incorporação do Apenso B aos presentes autos, uma vez que nesse mesmo apenso havia sido requerida pela mãe do menor a alteração da regulação das responsabilidades parentais no sentido de a residência do menor ser fixada em França e, consequentemente, alterar-se o regime de visitas.
Foram juntos aos autos os respetivos relatórios sociais e designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento.
Entretanto, veio a requerida informar os autos que levou o seu filho menor para França em 26/11/2012 e que, face a essa nova realidade, irá pedir junto do competente Tribunal Francês a alteração da regulação das responsabilidades parentais.
Respondendo, o pai do menor afirma que a deslocação do menor para França é ilícita porquanto só poderia ter ocorrido com o seu acordo, o que não aconteceu. Conclui pela aplicação do Regulamento do Conselho Europeu nº 2201/2003 e, em conformidade, pela manutenção da competência deste tribunal para decidir a questão.
Respondendo a mãe, diz que a residência habitual do menor é agora em França, pelo que, nos termos do artigo 8° do referido Regulamento, pelo que caberá aos tribunais franceses a decisão da alteração da regulação das responsabilidades parentais, com a consequente incompetência deste tribunal e inutilidade superveniente da presente lide, uma vez que já intentou no Tribunal de Grande Instância de Paris a modificação da residência habitual do menor, da pensão de alimentos e do direito de visita e hospedagem do menor, correndo termos o respetivo processo sob o n° 12/42818, estando marcada audiência para o dia 03/04/2013.
O pai, finalmente, vem invocar o artigo 8°, nº 1, do referido Regulamento, afirmando que, à data da propositura da ação de alteração das responsabilidades parentais, a residência habitual do menor era em Celorico de Basto, pelo que é este tribunal o competente para decidir, defendendo a inexistência de qualquer inutilidade superveniente da lide.
O Ministério Público tomou posição nos termos que melhor se alcançam a fls. 172 e 191.
Apreciando e decidindo.
Para além dos factos já consignados no relatório supra, importa considerar o seguinte:
- nos autos de divórcio a que os presentes autos se encontram apensos foram reguladas as responsabilidades parentais relativas ao menor T… - por sentença proferida em 31/05/2010 -, tendo-se determinado que o mesmo fica confiado à guarda e cuidados da mãe, fixando-se a sua residência na morada desta, e atribuindo-se-lhe o exercício das responsabilidades parentais no que concerne às questões da vida corrente do menor; no que concerne às questões de particular importância para a vida do menor, ficam as mesmas atribuídas em conjunto a ambos os progenitores;
- à data da propositura da ação o menor residia em Celorico de Basto.
O Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental, dizendo, assim, respeito a questões em matéria de responsabilidade parental na União Europeia, reúne, num único texto, as disposições em matéria matrimonial e de responsabilidade parental.
O Regulamento prevê normas relativas à competência (capítulo II), ao reconhecimento, à execução (capítulo III) e à cooperação entre autoridades centrais (capítulo IV) em matéria de responsabilidade parental, sendo aplicável a todas as matérias civis relativas "à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental".
A expressão "responsabilidade parental" é definida em termos amplos e abrange todos os direitos e deveres do titular da responsabilidade parental em relação à pessoa ou aos bens da criança. Tal compreende não só o direito de guarda e o direito de visita, mas igualmente matérias como a tutela e a colocação da criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição.
Conclui-se, em face do exposto, pela aplicação do mencionado Regulamento ao caso dos autos.
As normas em matéria de competência previstas nos artigos 8.° a 14.° do referido Regulamento estabelecem um sistema completo relativo aos fundamentos da competência para determinar o Estado-Membro cujos tribunais são competentes.
O princípio fundamental do Regulamento é que o foro mais apropriado em matéria de responsabilidade parental é o tribunal competente do Estado-Membro da residência habitual da criança.
O conceito de "residência habitual", cada vez mais utilizado em instrumentos internacionais, não é definido pelo Regulamento, mas deve ser determinado pelo juiz em cada caso com base em elementos de facto. O significado da expressão deve ser interpretado em conformidade com os objetivos e as finalidades do Regulamento.
Deve sublinhar-se que não se trata de um conceito de residência habitual com base na legislação nacional, mas de uma noção "autónoma" da legislação comunitária. Se uma criança se deslocar de um Estado-Membro para outro, a aquisição da residência habitual no novo Estado-Membro deveria, em princípio, coincidir com a "perda" da residência habitual no anterior Estado-Membro. A determinação caso a caso pelo juiz implica que enquanto o adjetivo "habitual" tende a indicar uma certa duração, não se pode excluir que uma criança possa adquirir a residência habitual num Estado-Membro no próprio dia da sua chegada, dependendo de elementos de facto do caso concreto.
A competência é determinada no momento em que o processo é instaurado no tribunal. Uma vez designado o tribunal, em princípio este conserva a competência mesmo que a criança obtenha a residência habitual noutro Estado-Membro durante a tramitação da ação judicial (princípio do "perpetuatio fori"). Assim, uma alteração da residência habitual da criança enquanto está pendente o processo não implica, por si só, uma alteração quanto à competência.
Assim sendo, tendo em consideração que a alteração da regulação das responsabilidades parentais foi requerida em 17/02/2012 e que o menor T… apenas foi deslocado para França em 26/11/2012, independentemente da decisão sobre a ilicitude da deslocação, será sempre este tribunal o competente para apreciar a questão da alteração da regulação das responsabilidades parentais - cfr. os citados artigos 8°, 9° e 10°, do Regulamento aludido.
Termos em que se decide julgar improcedente a exceção de incompetência territorial deste tribunal, e declarar este Tribunal de Celorico de Basto competente para julgamento da presente ação.
Em consequência, mantém-se a data já designada para a realização da audiência de discussão e julgamento.
Custas do incidente pela requerente/requerida S…, que se fixam no mínimo legal- artigo 446°, nºs 1 e 2, do C.P.C ..
Notifique (pela via mais expedita atenta a proximidade da data designada para a audiência de julgamento)”.
Não se conformando com esta decisão, dela recorreu S…, tendo formulado as seguintes conclusões:
“ 1- Por requerimento apresentado em 15 de Janeiro de 2013, a apelante requereu que o tribunal “a quo” declarasse, para além do mais, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide;
2- Isto porque, por um lado, no que diz respeito ao requerimento apresentado pelo requerente, no qual apenas se pretende a alteração da regulação das responsabilidades parentais e não a declaração de incumprimento, a causa de pedir aí invocada já não é actual nem contemporânea, uma vez que o menor já não se encontra aos cuidados da avó materna e, por outro lado, porque o menor também já se encontra a residir em França com a apelante e esta já requereu junto do Tribunal de Grande Instância de Paris a alteração da regulação das responsabilidades parentais, correndo termos o respectivo processo sob o n.º 12/42818, não se justificando mais a apreciação da pretensão deduzida pela apelante nos presentes autos.
3- Todavia, o tribunal “a quo” não apreciou tal pretensão, encontrando-se, por isso, o despacho recorrido ferido com a nulidade prevista no art. 668.º, n.º1, al. d) do CPC.
4- Todavia, e sem prescindir, sempre se dirá que não andou bem o tribunal recorrido ao julgar-se competente para apreciar a alteração do exercício das responsabilidades parentais do menor.
5- Na verdade, por acordo homologado por sentença já transitada em julgado, o menor T… ficou entregue à guarda e aos cuidados da apelante, fixando-se a sua residência na morada desta.
6- Sucede que, devido à situação de total precariedade da apelante - desempregada e sem qualquer rendimento para fazer face às suas despesas e às do menor T…, sendo certo que o apelado também só contribui com €80 mensais para a prestação de alimentos do menor – esta viu-se obrigada a emigrar para França, onde conseguiu arranjar um contrato de trabalho sem termo e casa de morada de família tendo, por isso, fixado a sua residência habitual em França, mais concretamente, em 31 Rue…, Paris.
7- Ora, como o menor T… estava entregue aos cuidados e à guarda da apelante, esta, em 29 de Novembro de 2012, levou-o para viver junto de si tendo, simultaneamente, requerido junto do Tribunal de Grande Instância de Paris a modificação da residência habitual, da pensão de alimentos e do direito de visita e de hospedagem do menor, que deu lugar ao processo o n.º 12/42818, estando já marcada audiência para o dia 03 de Abril de 2013, pelas 9h30m.
8- Isto posto, no que diz respeito aos litígios relativos à competência, ao reconhecimento, e à execução de decisões em matéria de responsabilidade parental, colocados perante a jurisdição de um tribunal português, importa ter em linha de conta o Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro, mormente, o disposto nos arts. 8.º a 15.º.
9- Ora, resulta daquele regulamento que o factor atributivo da atribuição da competência internacional de um tribunal de um Estado-membro em matéria de responsabilidade parental é o da residência habitual do menor;
10- Porém, como o referido diploma não define o que se considera por residência habitual, sempre a regra geral do nº 1, do art.º 8.º deve ser aplicada sob reserva (art. 8.º, n.º2), não olvidando nunca o superior interesse da criança e o critério da proximidade (ou como refere o artº 15º, o tribunal do Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular) – neste sentido ver o 12.º considerando do Regulamento (CE) 2201/2003.
11- Também, no Guia prático para a aplicação do novo Regulamento Bruxelas II, pode ler-se, no tocante ao Artigo 8.º do Regulamento que: “O princípio fundamental do Regulamento é que o foro mais apropriado em matéria de responsabilidade parental é o tribunal competente do Estado-Membro da residência habitual da criança. O conceito de “residência habitual”, cada vez mais utilizado em instrumentos internacionais, não é definido pelo Regulamento, mas deve ser determinado pelo juiz em cada caso com base em elementos de facto. O significado da expressão deve ser interpretado em conformidade com os objectivos e as finalidades do Regulamento. Deve sublinhar-se que não se trata de um conceito de residência habitual com base na legislação nacional, mas de uma noção “autónoma” da legislação comunitária. Se uma criança se deslocar de um Estado-Membro para outro, a aquisição da residência habitual no novo Estado-Membro deveria, em princípio, coincidir com a “perda” da residência habitual no anterior Estado-Membro. A determinação caso a caso pelo juiz implica que enquanto o adjectivo “habitual” tende a indicar uma certa duração, não se pode excluir que uma criança possa adquirir a residência habitual num Estado-Membro no próprio dia da sua chegada, dependendo de elementos de facto do caso concreto.”.
12- Ora, como supra já se deixou escrito, a apelante fixou a sua residência habitual em França, tendo levado consigo o menor T…, pois é ela que tem a guarda do menor;
13- E é junto da apelante, figura primária de referência do menor, que este deve permanecer, tanto mais que é em França que estão criadas as condições necessárias ao seu crescimento saudável e harmonioso, havendo toda a vantagem que o menor, com 5 anos de idade, inicie o seu percurso escolar já em França.
14- Pelo que, dúvidas não subsistem que a alteração ao exercício das responsabilidades parentais do menor T… deve ser decidida pelos tribunais franceses, melhor colocados/preparados para conhecer do processo”.
C… veio contra alegar, concluindo do seguinte modo:
“ DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
I - Inegável é que a alteração da residência do menor para França é uma questão de particular importância da vida do menor, pelo que a mesma só poderia ter ocorrido com o acordo do requerente, o que não sucedeu, e, sendo assim, a deslocação do menor para França levada a cabo pela requerida em 26 de Novembro de 2012 é manifestamente ilícita, porque viola o disposto no artigo 1906.º do CC.
II - Ademais, ao abrigo do artigo 11.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003, o requerente já deduziu junto da Autoridade Central Portuguesa um pedido de regresso do menor a Portugal, correndo o respectivo processo a correr termos sob o n.º R2201/003-PR/2013, o qual já foi remetido à Autoridade Central Francesa, por forma a que as autoridades francesas determinem o regresso do menor a Portugal, conforme notificação da Autoridade Central Portuguesa junta aos autos na audiência de discussão e julgamento de 01/02/2013.
III - Assim, a ser bem sucedido o pedido de regresso, regressará o menor a Portugal e será extinta a situação ilícita criada pela requerida. Mas ainda que assim não fosse, e que o menor não regressasse a Portugal por via do referido pedido de regresso, a deslocação do menor para França não extingue de modo algum o interesse do requerente na lide.
IV - O pedido de declaração de incumprimento destina-se a requerer ao Tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação em multa e indemnização conforme artigo 181.º n.º 1 da OTM. Ora, nunca o requerente pretendeu o cumprimento coercivo do acordo mas sim a alteração do mesmo.
V - A presente acção assenta pois no incumprimento do acordo pela requerida, quer num primeira fase, na violação do dever de guarda, na medida em que deixou de exercer efectivamente a guarda do menor a partir pelo menos de Janeiro de 2012, e na violação do dever de informação, na medida em que a requerida, antes de partir para viver no estrangeiro, e deixar o menor entregue a terceiros, não informou sequer o requerente, quer actualmente na violação do dever de residência, na violação do dever de informação – em tempo útil -, na violação do direito de participação na decisão de mudança de residência da criança para o estrangeiro, e ainda, actualmente, na consequente inviabilização do direito de visitas, na medida em que o pai deixou de poder exercer tal direito desde o dia 29 de Novembro de 2012 – cfr. artigos 1906.º n.º 1, 5 e 6 do CC.
VI - Todos os factos que integram as supra referidas violações foram carreados para o processo mas ainda que assim não fosse, o poder inquisitório do tribunal, nos processos de jurisdição voluntária, é complementar do dever de fundamentação do pedido, que cabe às partes, significando, deste modo, que o juiz não fica sujeito apenas aos factos invocados por estas, na fundamentação da decisão que vier a proferir, podendo utilizar factos que ele próprio capte e descubra (Ac. RL de 19/10/1999 in CJ, IV, pg. 129). Isto porque que o tribunal deverá decidir de acordo com o superior interesse da criança – artigos 1906.º do CC e 147.º-A e 180.º da OTM.
VII - Como tal, face à violação do acordo de regulação das responsabilidades parentais, o requerente pediu a alteração da regulação das responsabilidades parentais, ao abrigo do disposto no artigo 182.º da OTM, pelo que inexiste qualquer inutilidade superveniente da lide.
DA INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL DO TRIBUNAL
VIII - Não há dúvidas que, à data da propositura da acção, o menor residia em Celorico de Basto, pelo que, nos termos do disposto no artigo 8.º n.º 1 do Regulamento (CE) 2201/2003, o Tribunal Judicial de Celorico de Basto é internacionalmente competente.
IX - Como bem refere o Tribunal a quo, a competência é determinada no momento em que o processo é instaurado no Tribunal. Uma vez designado o tribunal, em princípio este conserva a competência mesmo que a criança obtenha residência habitual noutro Estado-Membro durante a tramitação judicial (princípio do “perpetui fori”). Assim, uma alteração da residência habitual da criança não implicaria, por si só, uma alteração quanto à competência.
X - Para se aferir da competência dos tribunais portugueses, são pois irrelevantes as modificações de facto operadas pela requerida quanto à residência do menor na pendência do processo. É que admitir a tese da requerida é, no fundo, admitir que a requerida poderia livremente afastar a competência dos tribunais portugueses e escolher a jurisdição que mais convém aos seus próprios interesses, afastando ainda a discussão do litígio do requerente, bastando para tanto que a requerida, por sua única e exclusiva vontade, e à margem da lei, na pendência do processo, desloque o menor para o estrangeiro.
XI - Pese embora tal consideração seja irrelevante, sempre se dirá, ao contrário do que alega a requerida, residindo o menor há, presumivelmente, cerca de 10 dias em França, à data da propositura da acção que alegada ter proposto nos tribunais franceses, se é que o menor já tinha sido deslocado para esse país nessa data, jamais poderia considerar-se tal residência como a residência habitual do menor.
XII – No que se refere pois ao processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais que a requerida alega ter instaurado no Tribunal de Grande Instância de Paris, dir-se-á também que tal Tribunal é, à luz do artigo 10.º do Regulamento referido, internacionalmente incompetente para julgar uma acção de alteração das responsabilidades parentais, posto que o menor foi deslocado para França no dia 29 de Novembro de 2012, sendo que, tal excepção de incompetência será, a seu tempo, suscitada, levando-se ao conhecimento do Tribunal francês os factos omitidos pela requerida, omissão esta que não permitiu que o Tribunal de Grande Instância de Paris se declarasse oficiosamente incompetente, como previsto pelo artigo 17.º do referido regulamento.
XIII - Com efeito, manifesta que é a ilicitude da deslocação do menor para França como resulta do exposto supra, a aplicação da regra geral de competência consagrada no artigo 8.º do Regulamento é afastada pelo regra especial consagrada no artigo 10.º do referido regulamento, a qual determina que, para que cessasse a competência do Tribunal Judicial de Celorico de Basto para decidir das questões relativas ao exercício das responsabilidades parentais quanto a este menor, e os tribunais franceses passassem a ter tal competência, seria necessário que, antes de mais, o menor mantivesse a sua residência habitual em França durante um ano a partir da data em que o requerente tomou conhecimento da deslocação ilícita do menor, além das demais condições previstas na referida norma legal”.
Finalmente, O Ministério Público veio responder à apelação, dizendo, em conclusões, que:
“ 1) A decisão proferida não viola o disposto no artº 668º nºl alínea d) do CPC, não sendo nula, pois ao decidir da competência territorial do Tribunal, não tinha que apreciar da extinção da instância requerida.
2) O Regulamento nº 2201/2003 do conselho de 27/11/03, define que o foro mais apropriado em matéria de responsabilidade parental é o tribunal competente do Estado - Membro da residência habitual da criança.
3) A criança continua a manter uma maior ligação a Portugal, pois apenas reside em França há três meses, sendo a residência habitual em Celorico de Basto e como tal o tribunal competente para decidir a alteração das responsabilidades parentais, o tribunal recorrido.
4) Neste momento, o Tribunal melhor colocado para decidir o processo é o tribunal a quo e não os tribunais franceses, pois ainda não há perda da residência habitual em Portugal, pois ainda não há uma ligação duradoura e definitiva aquele país, não existindo qualquer vinculação do menor a França.
5) A douta decisão recorrida deve ser mantida e decidido que o Tribunal de Celorico de Basto é internacionalmente competente para decidir da alteração do exercício das responsabilidades parentais”.
*
II – Fundamentação
B) Fundamentação de direito
O objecto de recurso afere-se do conteúdo das conclusões de alegação formuladas pela recorrente.
Isso significa que a sua apreciação deve centrar-se nas questões de direito nele sintetizadas e que são as seguintes:
- nulidade da sentença por omissão de pronúncia (questão da inutilidade superveniente da lide); e
- competência internacional do tribunal a quo.
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Nulidade da sentença
Veio a Recorrente sustentar que, por requerimento apresentado em 15 de Janeiro de 2013, requereu que o tribunal “a quo” declarasse, para além do mais, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, porque, por um lado, no que diz respeito ao requerimento apresentado pelo requerente, no qual apenas se pretende a alteração da regulação das responsabilidades parentais e não a declaração de incumprimento, a causa de pedir aí invocada já não é actual nem contemporânea, uma vez que o menor já não se encontra aos cuidados da avó materna e, por outro lado, porque o menor também já se encontra a residir em França com a apelante e esta já requereu junto do Tribunal de Grande Instância de Paris a alteração da regulação das responsabilidades parentais, correndo termos o respectivo processo sob o n.º 12/42818, não se justificando mais a apreciação da pretensão deduzida pela apelante nos presentes autos. Todavia, no entendimento da Recorrente, o tribunal “a quo” não apreciou tal pretensão, encontrando-se, por isso, o despacho recorrido ferido com a nulidade prevista no art. 668.º, n.º1, al. d) do CPC.
O apelado C… requereu no tribunal a quo a alteração da regulação das responsabilidade parentais relativa ao filho menor de ambos, T…, pedindo que o mesmo fique à sua guarda e cuidados, com fundamento em que a aqui apelante, mãe do menor, emigrou para França, deixando o filho aos cuidados da avó materna.
A apelante respondeu, dizendo que emigrou para França, primeiro sem o filho, deixando-o transitoriamente com a avó materna, o que cessou com a posterior junção de mãe e filho naquele País europeu.
Diz a Recorrente que, vivendo agora em França com o filho, ficou prejudicada, por inutilidade, a causa de pedir invocada para a alteração da regulação das responsabilidades parentais, ou seja, o filho já não vive com a avó materna. Mais sustenta que requereu num Tribunal da Paris a alteração da regulação das responsabilidades parentais, de modo a conformar a nova realidade do menor.
Decidindo, cumpre referir que os presentes autos têm a natureza de processo de jurisdição voluntária. O que se procura é a melhor solução, alijada de peias normativas e de forma, orientada pelo conceito do interesse superior da criança – cfr. acórdão da Relação de Coimbra, de 26.06.2012, processo n.º 450/11.7TBTNV-A.C1.
Não interessa tanto a forma, mas a melhor decisão para o menor. Com isto queremos dizer que não estamos perante rígida e apertada formalidade. O tribunal a quo foi instado pelo apelado a pronunciar-se sobre a guarda e cuidados do menor, com este fundamento: a mãe emigrou e deixou o filho com a avó materna. A mãe respondeu, inicialmente, que foi para França e que a guarda da avó materna era temporária, até haver condições para que o menor a acompanhasse. Posteriormente, veio comunicar que o menor já vive com ela em França. A questão em apreciação já não é, assim e apenas, se o filho deve ser confiado ao pai em virtude de ter ficado com a avó materna. O tribunal a quo, que tem em aberto um processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais, não pode deixar de ter em conta todos desenvolvimentos e ocorrências que entretanto se verificaram à volta do menor, com vista a regular e sobretudo a estabilizar, tanto quanto possível, as responsabilidades parentais. Daí que a sentença a proferir, mais do que perder-se na árvore (o pedido inicial do apelado), tem que olhar para a floresta (a fixação de um regime, orientado pelo superior interesse da criança, que regule eficazmente a responsabilidade parental). Por conseguinte, a apreciação do tribunal a quo não deixará de ser ampla, fundada numa análise ponderada e crítica da actual situação, que terá forçosamente em conta todos os últimos desenvolvimentos que ocorreram em sede da realidade social e geográfica do menor.
Termos em que, a questão não é tão simplista como pretende a Recorrente, ou seja, a instância é inútil porque o menor já não está com a avó. A intervenção do tribunal ainda se justifica porque não se mostra estabilizada e assegurada a regulação das responsabilidades parentais, que sofreu alterações em virtude da emigração da mãe. Aliás, a própria circunstância da Recorrente ter instaurado num Tribunal de Paris um processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais relativas ao menor, demonstra que também ela entende ainda se justificar uma decisão judicial sobre esta matéria.
Aqui chegados, face ao exposto e tendo o tribunal a quo concluído pela sua competência internacional - questão que abordaremos de imediato – não se pode deixar de concluir que inexiste nulidade da sentença, por omissão de pronúncia. E isto porque, quando o tribunal a quo mantém a data já designada para a realização do julgamento, assim determinando o prosseguimento dos autos, só pode ter sido fundado em duas premissas: (i) ainda se mantém o interesse em proferir sentença que se pronuncie sobre a alteração da regulação das responsabilidades parentais; e (ii) está verificada a competência internacional.
Não se vislumbra, assim, o apontado vício.
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Da competência internacional
A questão de fundo da presente apelação.
A Apelante suscita a questão da incompetência internacional do tribunal a quo, porque o menor reside em França e porque interpôs num Tribunal de Paris um processo de alteração das responsabilidades parentais.
Ora, não há discussão entre as partes quanto à legislação aplicável, ambas estão de acordo que a solução está no Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27.11.2003, nomeadamente os seus artigos 8.º a 14.º.
O artigo 8.º determina que os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
A competência internacional deve aferir-se pelo critério da residência habitual do menor. O processo de regulação das responsabilidades parentais foi julgado em Celorico de Basto, não havendo, à data, divergências quanto à residência habitual.
Porém, a residência habitual também se desloca, designadamente para outro Estado-Membro da União Europeia, daí que o Regulamento, preveja, nas normas supra citadas, a derrogação da competência do tribunal do Estado-Membro da anterior residência habitual.
O conceito de "residência habitual", na acepção dos artigos 8.º e 10.º do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar – Acórdão da 1.ª Secção do Tribunal de Justiça da UE, de 22.12.2010, processo C-497/10 PPU: Barbara Mercredi/Richard Chaffe.
Seguindo de perto esta jurisprudência, não se vê como se possa sustentar que se verificou uma alteração da residência habitual do menor. Mesmo após a emigração da sua mãe para França, a criança ficou em Portugal com a avó materna. Só em 26 de Novembro de 2012 foi deslocada para França, muito depois de instaurados os presentes autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais, que, como sabemos, foi em 17/02/2012.
O tribunal a quo está melhor colocado do que o de Paris para a prolação de uma decisão em conformidade com o superior interesse da criança. Porque (i) inicialmente regulou a responsabilidade parental relativa a este menor, (ii) a alteração dessa regulação já ali decorre há mais de um ano, (iii) quer o pai, que pretende a guarda e cuidados, quer a avó materna, a quem o menor foi transitoriamente confiado, residem em Portugal, e (iv) o menor só há alguns meses está em França.
Resulta claro que o tribunal a quo tem muito maior facilidade em reunir os elementos necessários à defesa dos interesses da criança – cfr. acórdão da Relação de Coimbra, de 27.09.2012, processo n.º 4249/10.0TBPTM-A.E1. Foi em Portugal que o menor sempre viveu, foi aqui que foram reguladas as responsabilidades parentais e é aqui que residem o pai e a avó materna, dois vértices importantes da sua vida. A mãe está em França há um ano, o menor muito menos, daí que sejam escassos os elementos à disposição do tribunal francês para uma decisão que se quer abrangente de toda a realidade social e familiar que envolve o menor.
Acresce dizer que, a fazer vencimento a tese da Recorrente, estaria aberto o caminho para a escolha da jurisdição de acordo com os interesses em litígio. Bastaria, depois de instaurado um processo num Estado-Membro, deslocar o menor para outro Estado-Membro, assim se obtendo uma nova jurisdição.
Termos em que, improcede a apelação, quer com fundamento no denominado princípio do perpetuatio fori, quer por inexistirem elementos que nos levem a concluir que a residência habitual do menor é já em França,
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III – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pela Recorrente.
Guimarães, 7 de Maio de 2013
Paulo Barreto
Filipe Caroço
António Santos