Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2879/07.6TBBCL.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: INVENTÁRIO
CÁLCULO DO DIREITO HÁ HABITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

- Com o encabeçamento do direito de habitação da casa de morada de família pelo cônjuge sobrevivo - isto é, por um herdeiro a quem não tocou a propriedade da mesma casa--, constitui-se ex. novo um direito de gozo desse cônjuge sobre coisa alheia, como emerge da redacção do nº 3 do artigo 2103º-A do Código Civil.

- Para determinação do valor pecuniário do direito de habitação em causa à falta de outros critérios legais específicos deve-se recorrer às regras previstas no CIMT (Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões onerosas de Imóveis, aprovado pelo DL nº 287/2003, de 12.11), aplicando-se as percentagens que vêm previstas no artigo 13º deste diploma.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – Nos autos de inventário em que é inventariado António (…) foi proferida a seguinte sentença:

Nestes autos de inventário judicial requerido por óbito de António (…) falecido em … de (…) de …, e residente que foi na Rua (…), na Freguesia de (…) e em que é cabeça-de-casal Teresa (…), homologo pela presente sentença a partilha constante no mapa de fls. 91 a 95, adjudicando aos interessados os quinhões que naquele, expressa e respectivamente, lhes foram designados.
Custas nos termos do disposto no art. 1383.º do Código de Processo Civil.
*
Inconformada a interessada Olívia de (…) interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

a) - Em sede de inventário, o valor de um direito real de gozo não deve ser apurado com base no disposto no artigo 13° do CIMT.
b) - Esta norma consagra uma opção legislativa destinada apenas a apurar o montante um imposto, não tendo qualquer outra finalidade.
c) - A aplicação desta norma à avaliação de um direito de habitação no âmbito da relação entre os herdeiros não obedece aos critérios previstos no artigo 10° do Código Civil.
d) - o Tribunal a quo deveria ter promovido uma avaliação real do direito de habitação adjudicado à Recorrente.
e) - Só com sentença homologatória da partilha é que a Requerente adquiriu o direito de habitação.
f) - O eventual cálculo do respectivo valor deve ter em conta a data actual e não a data do óbito do inventariado.
g) - A aplicar-se o critério constante do artigo 13° do CIMT, o que não se concebe, o valor do direito de habitação corresponderia a 30% do valor do bem, ou seja, 25.500 euros.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

O que está em causa nos presentes autos é o valor que no despacho determinativo da partilha foi atribuído ao direito à habitação da casa de morada de família atribuído ao cônjuge sobrevivo.

Concede a lei ao cônjuge sobrevivo o direito de exigir, em partilhas que lhe seja atribuído o direito de habitação da casa de morada de família e o direito de uso do respectivo recheio – artigo 2103- A e 2013-C do Código Civil.

O art.º 2103.º, n.º 1, do Código Civil preceitua que “o cônjuge sobrevivo tem direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada de família e no direito de uso do respectivo recheio, devendo tornas aos co-herdeiros se o valor recebido exceder o da sua parte sucessória e meação, se a houver”.

Trata-se de um direito de preferência (atribuição preferencial) que, como resulta do preceito, deve ser exercido no momento crucial da partilha, e trata-se de uma faculdade jurídica que pode ou não ser exercida, dependendo da livre vontade do cônjuge sobrevivo.

Com a atribuição preferencial destes direitos pretende o legislador proteger mais eficazmente o cônjuge sobrevivo atribuindo-lhe na partilha preferência em relação a certos bens que estiveram ao serviço do casal e que por isso devem permanecer ligados ao cônjuge sobrevivo

O direito de habitação tem um valor próprio, que vai “integrar a eventual meação ou quinhão hereditário do cônjuge sobrevivo,” (Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, II, pág. 243) -

Para determinação do valor pecuniário do direito de habitação em causa, tem entendido a jurisprudência que, à falta de outros critérios legais específicos se deve recorrer às regras previstas no CIMT (Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões onerosas de Imóveis, aprovado pelo DL nº 287/2003, de 12.11), aplicando-se as percentagens que vêm previstas no artº 13º deste diploma.

Assim, à falta de um critério legal valorativo importa recorrer à analogia, ao abrigo do disposto no art.º 10.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil e considerar a tabela matemática do art.º 13.º, alín. a) do CIMI quanto à determinação do valor da propriedade separada do usufruto vitalício para efeitos fiscais e consequentemente deste (neste sentido, Ac. da Rel. do Porto, de 12/01/06).

De acordo com o citado artigo 13º são ainda aplicáveis à determinação do valor tributável do IMT, as regras constantes das alíneas seguintes: a) o valor da propriedade, separada do usufruto, uso ou habitação vitalícios, obtém-se deduzindo ao valor da propriedade plena as seguintes percentagens, de harmonia com a idade da pessoa de cuja vida dependa a duração daqueles direitos ou, havendo várias, da mais velha ou da mais nova, consoante eles devam terminar pela morte de qualquer ou da última que sobreviver:

No caso importa também saber a que data se deve atender para o cálculo da percentagem.

Entendeu-se na decisão recorrida que tal deveria ter como referência a data da morte do inventariado.

É certo que de acordo com o disposto no artigo 2162º do Código Civil, o valor dos bens existentes no património do autor da herança à data da sua morte marca a possibilidade de cálculo da legítima.

Esta norma encontra-se em consonância com o disposto no artº 2050º, nos termos do qual o domínio e a posse dos bens da herança se adquirem pela aceitação, independentemente da respectiva apreensão material, sendo que os efeitos da aceitação se retrotraem ao momento da abertura da sucessão, isto é, ao momento da morte do seu autor (artº 2031º CCiv).

No entanto, o direito de habitação da casa de morada de família previsto no artº 2103º-A do Cód. Civil, adquirido por um herdeiro a quem não tocou a propriedade da casa, constitui-se ex. novo sobre coisa alheia, como emerge da redacção do nº 3 do mesmo artigo 2103º-A.

Com o encabeçamento do direito à habitação da casa de morada de família pelo cônjuge sobrevivo constitui-se ex. novo um direito de gozo desse cônjuge sobre coisa alheia.

Efectivamente o que a lei manda fazer não é o preenchimento da quota do cônjuge sobrevivo com o imóvel que constitui a casa de morada de família. O direito que a lei reconhece neste preceito é o direito real de uso e habitação relativamente á casa de morada de família. E esse direito tem de ser exercido até ao termo da Conferência de interessados.

Assim sendo, tendo em conta a data em que a interessada é encabeçada nesse direito é a sua idade nessa data que deve ter-se em consideração para efeitos de cálculo da percentagem e não a data da abertura da sucessão.

Até porque se trata de uma faculdade jurídica que pode ou não ser exercida, dependendo da livre vontade do cônjuge sobrevivo.

Assim sendo, a percentagem a ter em conta nos termos daquele citado artigo 13º do CIMT é de 35% e não 40%.

III - Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação procedente e em conformidade atenta a idade do cônjuge sobrevivo, o direito de habitação deve ser valorado em 35% do valor da propriedade plena do todo da verba única.
Sem custas.
Guimarães, 24 de Janeiro de 2018.

Dra. Maria Conceição Correia Ribeiro Cruz Bucho
Dra. Maria Luísa Duarte
Dr. António Júlio da Costa Sobrinho