Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
802/05.1TBPTL.G2
Relator: FRANCISCO CUNHA XAVIER
Descritores: CUSTAS
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
CONSTITUCIONALIDADE
ACESSO AOS TRIBUNAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. A consagração da garantia fundamental de acesso aos tribunais tutelada no n.º 1 do artigo 20º da Constituição impõe ao Estado o dever de assegurar meios tendentes a evitar a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos.
II. O serviço da justiça tem custos e é legítima a sua imputação a quem a ele recorra, desde que fundada em critérios objectivos, adequados e razoáveis.
III. O que se proíbe é que se denegue justiça a quem não tenha meios económicos para suportar o respectivo custo, daí que, em cumprimento daquela imposição constitucional o legislador tenha consagrado um sistema de acesso ao direito e aos tribunais que assenta essencialmente na concessão da protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário.
IV. Não viola a Constituição, designadamente os princípios tutelados nos artigos 1º, 2º, e 20º, n.º 1, a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 33º do Regulamento das Custas Processuais enquanto apenas permite o pagamento das custas até 12 prestações mensais.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO
1. Na sequência do trânsito em julgado das decisões que se pronunciaram sobre a reclamação da conta de custas de sua responsabilidade, no montante de € 83.136,00, e do despacho que indeferiu a arguição de nulidade por omissão de pronúncia que suscitaram nos autos (do qual pediram a respectiva reforma, que foi igualmente indeferida), vieram os AA. A… e M… requerer, ao abrigo do disposto no artigo 33º do Regulamento das Custas Processuais, o pagamento da conta de custas em prestações de montante máximo de € 350 mensais, alegando, em síntese, não disporem de condições económicas para pagar montante superior, e que qualquer decisão ou interpretação daquela norma que impeça o pagamento em número de prestações superior ao nela previsto é inconstitucional, por violação do princípio do acesso ao direito, consagrado no n.º 1 do artigo 20º da Constituição.

2. O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento do requerido.
3. Por despacho de fls. 1295 foi indeferida a pretensão dos AA., com os seguintes fundamentos:
“(…)
Nos termos do art.º 33.°, n.º 1, al. b), do RCP, sendo o valor das custas superior a 12 UC, como é o caso dos autos, o seu pagamento tem de ser feito, no máximo, em 12 prestações mensais sucessivas, não inferiores a 1 UC.
Não se vislumbra que a interpretação daquela norma no sentido de indeferir a pretensão dos AA. de proceder ao pagamento das custas em prestações em número superior ao legalmente previsto viole o princípio do acesso ao direito consagrado constitucionalmente.
Com efeito, como decorre do processado nestes autos, os AA. exerceram de forma exaustiva e amplamente aquele direito, deduzindo as pretensões que entenderam mais convenientes à defesa dos seus interesses.
Como bem assinala o digno Magistrado do Ministério Público está apenas aqui em causa o pagamento das custas, cujo valor foi apurado em função do valor da acção, da actividade processual desenvolvida pelos AA. e das decisões proferidas.
O deferimento da pretensão dos AA. é que violaria o princípio, constitucionalmente consagrado, da igualdade, na medida em que seria feita fora dos condicionalismos legalmente previstos e, portanto, criaria uma desigualdade relativamente à generalidade dos devedores de custas.
Atento o exposto, indefere-se o requerido pelos AA..
Notifique.”

4. Inconformados recorreram os AA., pedindo a revogação do despacho recorrido com os fundamentos que assim sintetizaram [segue transcrição das conclusões do recurso]:
1.ª Os Autores, ora Recorrentes, notificados da conta de custas final do processo no montante de € 83.136,00, requereram o respectivo pagamento em prestações mensais em número superior a 12.
2.ª Fundamentaram a sua pretensão em que o artigo 33.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais, que pretende estabelecer aquele limite de 12 prestações mensais, é inconstitucional, aplicado ao caso dos autos.
3.ª Na verdade, tal aplicação tem como consequência que aos Autores, ora Recorrentes, o Estado exige, no contexto do acesso aos tribunais, que façam o pagamento de prestações mensais cada uma delas 15 (quinze) vezes superior ao montante total do seu rendimento mensalmente disponível.
4.ª Porém, o despacho recorrido, afirmando que "[n]ão se vislumbra» a invocada inconstitucionalidade, aplicou o dito artigo 33.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais, e, em consequência, indeferiu a pretensão dos Autores, ora Recorrentes.
5.ª A verdade, porém, é que esse artigo 33.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais, aplicado ao caso dos autos (em que se exijam, no contexto do acesso à justiça, prestações mensais cada uma delas 15 (quinze) vezes superior ao montante total do rendimento disponível dos Autores, ora Recorrentes), é mesmo inconstitucional pelas seguintes razões.
6.ª Viola o direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
7.ª Viola o direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
8.ª Viola o direito a não serem postos numa situação de servidão, consagrado no artigo l.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e de não serem sujeitos a tratamento desumano ou degradante, consagrado no artigo 25.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
9.ª Viola flagrantemente o Princípio da Justiça, consagrado no artigo l.º da Constituição da República Portuguesa.
10.ª Viola o princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, sendo que esse artigo 33.º, n.º 1, b), do Regulamento das Custas Processuais, assim aplicado aos autos, estabelece o número 12 como número fetiche (sendo o número 12 o número dos Signos do Zodíaco), não admitindo outro número (como 13 ... 17 ... 31...243 ou outro), sendo que uma das dimensões do princípio do Estado de Direito é a de que o Estado não pode reger-se por números fetiches ou superstições.
11.ª A decisão recorrida violou, pois, as seguintes disposições legais:
a) Os artigos l.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
b) Os artigos l.º, 2º, 20º, n.º 1 e 4, e 25º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos mais de direito doutamente supridos por V. Ex.ªs, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e, consequentemente, determinando-se que o pagamento das custas processuais possa ser efectuado em prestações de número superior a doze, não excedendo cada uma delas o montante de € 350.

5. O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela confirmação do despacho recorrido, salientando, além do mais, que os recorrente não foram impedidos de aceder aos tribunais para fazerem valer os seu direitos, tendo, nomeadamente interposto vários recursos, e que a norma em causa não é inconstitucional, pois está apenas em causa o pagamento das custas e que só paga coercivamente as custas quem tem rendimentos ou bens suficientes para tal, nunca podendo os AA. serem colocados numa situação de servidão como invocam.
6. O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas a questão essencial a decidir consiste em saber se a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 33º do Regulamento das Custas Processuais, enquanto não permite o pagamento das custas em mais de 12 prestações é inconstitucional, por violação dos princípios consagrados nos artigos 1º, n.º 1, e 6º, n.º1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e nos artigos 1º, 2º, 20º, n.ºs 1 e 4, e 25º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A) - OS FACTOS
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais resultantes do relato dos autos.
B) – O DIREITO
1. Em causa nos autos está a pretensão dos recorrentes de procederem ao pagamento das custas em dívida da sua responsabilidade em prestações mensais de € 350, por não disporem de rendimento disponível para suportarem maior encargo.
A possibilidade do pagamento das custas em prestações vem regulada no artigo 33º do Regulamento das Custas Processuais [na redacção da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, aplicada nos autos], que é do seguinte teor:
Artigo 33.º
Pagamento das custas em prestações
1. Quando o valor a pagar seja igual ou superior a 3 UC, o responsável pode requerer, fundamentadamente, o pagamento das custas em prestações, agravadas de 5 %, de acordo com as seguintes regras:
a) O pagamento é feito em até seis prestações mensais sucessivas, não inferiores a 0,5 UC, se o valor total não ultrapassar a quantia de 12 UC, quando se trate de pessoa singular, ou a quantia de 20 UC, tratando-se de pessoa colectiva;
b) O pagamento é feito em até 12 prestações mensais sucessivas, não inferiores a 1 UC, quando sejam ultrapassados os valores referidos na alínea anterior. (destaque nosso)
2. O responsável remete ao tribunal, dentro do prazo do pagamento voluntário, o requerimento referido no n.º 1 acompanhado de um plano de pagamento que respeite as regras previstas no número anterior.

2. Da letra da lei resulta inequívoco que apenas é permitido o pagamento das custas em prestações até ao número máximo de prestações previsto em cada uma das alíneas do n.º 1 [6 na alínea a), e 12 na alínea b)], resultando igualmente a imposição de tal limite máximo da conjugação dos preceitos do n.º 1 e 2 do mesmo artigo, posto que neste último se exige que o plano de pagamento respeite as regras previstas no n.º 1 do mesmo artigo.
Estando em causa o pagamento das custas da responsabilidade dos AA. no valor de € 83.136,00 (cf. conta de fls. 1243), a situação em apreço cai no âmbito de aplicação da norma da alínea b) do n.º 1 do referido artigo 33º, sendo possível, por conseguinte, o pagamento da quantia em dívida até 12 prestações mensais sucessivas de igual montante, agravadas de 5%.
Ora, pretendendo os AA. pagar tal dívida em prestações mensais de € 350,00, isso implicaria o pagamento em prestações em número manifestamente superior às 12 permitidas, o que não está na disponibilidade do julgador em função do texto legal e só seria possível caso a norma padecesse de inconstitucionalidade, como invocam os recorrentes, e se procedesse à sua desaplicação com esse fundamento.
Contudo, não lhes assiste razão, como bem se decidiu no despacho recorrido.
3. Nos termos do n.º 1 do artigo 20º da Constituição (em consonância com o previsto no n.º 1 do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), “[a] todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”
Como se diz no Acórdão n.º 273/12 do Tribunal Constitucional (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
«O n.º 1, do artigo 20.º, da Constituição, na redacção introduzida pela Revisão Constitucional de 1997, dispõe que “a todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
A garantia fundamental do acesso aos tribunais é uma concretização do princípio do Estado de Direito que apresenta uma dimensão prestacional na parte em que impõe ao Estado o dever de assegurar meios tendentes a evitar a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos.
Em texto que mantém toda a actualidade, a Comissão Constitucional, com referência à versão originária da Constituição, afirmou no Parecer n.º 8/78, de 23 de Fevereiro (in Pareceres da Comissão Constitucional, 5.º volume, pág. 3), a tal propósito:
“Ao assegurar o «acesso aos tribunais, para defesa dos seus direitos», a primeira parte do n.º1 do artigo 20.º da Constituição consagra a garantia fundamental que se traduz em confiar a tutela dos direitos individuais àqueles órgãos de soberania a quem compete administrar a justiça em nome do povo (artigo 205.º). A defesa dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos integra expressamente o conteúdo da função jurisdicional, tal como ela se acha definida no artigo 206.º da lei fundamental.
Do mesmo passo, ao assegurar a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, o legislador constitucional reafirma o princípio geral da igualdade consignado no n.º 1 do artigo 13.º
Mas indo além do mero reconhecimento de uma igualdade formal no acesso aos tribunais, o n.º 1 do artigo 20.º, na sua parte final, propõe-se afastar neste domínio a desigualdade real nascida da insuficiência de meios económicos, determinando expressamente que tal insuficiência não pode constituir motivo de denegação da justiça.
Está assim o legislador constitucional a consagrar uma aplicação concreta do princípio sancionado no n.º 2 do artigo 13.º, segundo o qual «ninguém pode ser (…) privado de qualquer direito (…) em razão de (…) situação económica».
Não se dirá, todavia, que do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição decorre o imperativo de uma justiça gratuita.
O sentido do preceito, na sua parte final, será antes o de garantir uma igualdade de oportunidades no acesso à justiça, independentemente da situação económica dos interessados. E tal igualdade pode assegurar-se por diferentes vias, que variarão consoante o condicionalismo jurídico-económico definido para o acesso aos tribunais. Entre os meios tradicionalmente dispostos em ordem a atingir esse objectivo conta-se, como é sabido, o instituto de assistência judiciária, mas, ao lado deste, outros institutos podem apontar-se ou vir a ser reconhecidos por lei.
Será assim de concluir que haverá violação da parte final do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição se e na medida em que na ordem jurídica portuguesa, tendo em vista o sistema jurídico-económico aí em vigor para o acesso aos tribunais, puder o cidadão, por falta de medidas legislativas adequadas, ver frustrado o seu direito à justiça, devido a insuficiência de meios económicos.”
Para evitar a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, consagrou um sistema de acesso ao direito e aos tribunais que assenta essencialmente na concessão da protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário.
Nos termos do referido diploma legal, o acesso ao direito e aos tribunais compreende a informação jurídica e a protecção jurídica (artigo 2.º, n.º 2).
Por seu turno, a protecção jurídica reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário (artigo 6.º, n.º 1).
A consulta jurídica consiste no esclarecimento técnico sobre o direito aplicável a questões ou casos concretos nos quais avultam interesses pessoais legítimos ou direitos próprios lesados ou ameaçados de lesão (artigo 14.º, n.º 1).
O apoio judiciário compreende as seguintes modalidades: a) dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo; b) nomeação e pagamento da compensação de patrono; c) pagamento da compensação de defensor oficioso; d) pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo; e) nomeação e paga­mento faseado da compensação de patrono; f) pagamento faseado da compensação de defensor oficioso (artigo 16.º, n.º 1).
Com este sistema diversificado de superação dos entraves económicos ao acesso à justiça procurou-se que ninguém deixasse de exercer os direitos que lhe são reconhecidos pela ordem jurídica por insuficiência de meios para suportar os custos desse exercício.»
E, no mesmo sentido, entre tantos outros, concluiu-se no Acórdão n.º 27/2015 (igualmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
«É ponto assente que a Constituição não proclama nem garante o princípio da justiça gratuita ou tendencialmente gratuita, ao assegurar a todos o acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição), contrariamente ao que sucede no domínio da saúde e da educação (cf., respectivamente, artigos 64.º, n.º 2, alínea a), e 74.º, n.º 2, alínea a), da Constituição).
O serviço da justiça, sendo uma dimensão estruturante do Estado de direito democrático, tem custos e é legítima a sua imputação a quem a ele recorra, desde que fundada em critérios objectivos, adequados e razoáveis. O que a Constituição proíbe terminantemente é que se denegue justiça a quem não tenha meios económicos para suportar o respectivo custo. Por isso se impõe ao Estado que adopte positivamente medidas destinadas a verificar as situações de insuficiência económica impeditivas do exercício desse direito fundamental e assegurar a quem se encontre nessa situação o direito de recorrer aos tribunais para tutela efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Em cumprimento dessa injunção constitucional, o legislador concedeu protecção jurídica, nas modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário, a quem demonstre estar em situação de insuficiência económica (artigos 6.º e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho). No que respeita a esta última modalidade de protecção jurídica, previu expressamente, entre outras formas de apoio judiciário, o direito à dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo (artigo 16.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 34/2004), o que quer significar simplesmente que o cidadão que recorre aos tribunais, em comprovada situação de insuficiência económica, não está obrigado a suportar a contrapartida financeira devida pelo serviço de justiça que lhe foi prestado, ou seja, a taxa de justiça, nem os demais encargos com o processo.»

4. Ora, no caso em apreço, como se diz na decisão recorrida, os AA. não ficaram impedidos por falta de meios económicos de recorrer à justiça, pois exerceram os direitos que tiveram por pertinentes, intentando a presente acção e recorrendo das decisões que lhes foram desfavoráveis, reclamaram da conta de custas, recorreram da decisão que indeferiu o pedido de reforma da conta, arguiram nulidades e, por fim, pediram o pagamento das custas em prestações.
É certo que para recorrerem da decisão que lhe negou o pagamento faseado das custas solicitaram o pedido de apoio judiciário (cf. expediente de fls. 1311 a 1316), invocando carência económica, mas o recurso foi admitido, como se impunha, apenas com a prova de que tal pedido foi formulado, independentemente de vir, ou não, a ser deferida a pretensão dos requerentes quanto ao apoio judiciário.
Deste modo, é manifesto que não está em causa a frustração do direito de acesso aos tribunais por carência de meios económicos, porque os recorrentes não foram impedidos de exercer amplamente os seu direitos por carência económica, e quando invocaram a falta de meios económicos para tanto foram admitidos a exercer os seus direitos, sem o prévio pagamento de qualquer quantia.
Como se refere na sentença e igualmente salienta o Ministério Público, no caso em apreço está apenas em causa o pagamento das custas, que corresponde ao “serviço” prestado, sendo certo que, como decorre da jurisprudência constitucional, o serviço da justiça, sendo uma dimensão estruturante do Estado de direito democrático, tem custos e é legítima a sua imputação a quem a ele recorra, desde que fundada em critérios objectivos, adequados e razoáveis, e esteja previsto, como está, um meio de garantir o acesso ao direito e aos tribunais de quem não reúne condições económicas para o efeito.

5. Invocam também os recorrentes que por força da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 33º do Regulamento das Custas Processuais, na medida em que não permite o pagamento das custas em maior número de prestações, serão sujeitos a tratamento desumano ou degradante, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 25º e do artigo 1º da Constituição e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Não vemos, porém, como é que da exigência do pagamento imediato das custas ou do seu pagamento faseado até 12 prestações, como sucede no caso em apreço, pode resultar a ofensa dos princípios consagrados nos preceitos constitucionais invocados e, bem assim, no artigo 1º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A invocação no caso do direito a não serem expostos numa situação de servidão e do direito de não serem sujeitos a tratamento desumano ou degradante é totalmente descabida e, como bem invoca o Ministério Público nas suas alegações, as custas são devidas e só as paga coercivamente quem tem rendimentos ou bens suficientes para tanto, como decorre dos n.ºs 4 e 7 do artigo 35º do Regulamento das Custas Processuais.
Acresce que, caso venha a ser instaurada execução para pagamento coercivo das custas, existem mecanismos na lei, designadamente os previstos nos artigos 737º e 738º do Código de Processo Civil, relativos à impenhorabilidade de bens, que permitem acautelar o respeito pelos princípios tutelados no artigo 1º da Constituição e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Resta referir que não existe qualquer preceito constitucional que imponha o pagamento das custas em função das possibilidades do devedor, estando dentro da liberdade de conformação do legislador ordinário a fixação do número máximo de prestações que tenha por adequado para o referido pagamento, atendendo aos montantes em causa.
A salvaguarda dos direitos fundamentais do devedor terá que ser efectivada no processo em que se pretenda obter o pagamento coercivo das custas em dívida, como acima se disse.

6. Deste modo, a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 33º do Regulamento das Custas Processuais, enquanto não permite o pagamento das custas em mais de 12 prestações não é inconstitucional, não ofendendo, designadamente, os princípios consagrados nas normas da Constituição invocados pelos recorrentes nem da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Assim, improcede a apelação, com a consequente confirmação do despacho recorrido.
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C) - SUMÁRIO
I. A consagração da garantia fundamental de acesso aos tribunais tutelada no n.º 1 do artigo 20º da Constituição impõe ao Estado o dever de assegurar meios tendentes a evitar a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos.
II. O serviço da justiça tem custos e é legítima a sua imputação a quem a ele recorra, desde que fundada em critérios objectivos, adequados e razoáveis.
III. O que se proíbe é que se denegue justiça a quem não tenha meios económicos para suportar o respectivo custo, daí que, em cumprimento daquela imposição constitucional o legislador tenha consagrado um sistema de acesso ao direito e aos tribunais que assenta essencialmente na concessão da protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário.
IV. Não viola a Constituição, designadamente os princípios tutelados nos artigos 1º, 2º, e 20º, n.º 1, a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 33º do Regulamento das Custas Processuais enquanto apenas permite o pagamento das custas até 12 prestações mensais.
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IV – DECISÃO
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário, caso o mesmo, entretanto, tenha sido concedido.
Guimarães, 26 de Novembro de 2015
Francisco Cunha Xavier
Francisca Mendes
João Diogo Rodrigues