Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3090/07.1TBVCT-D.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
PROMITENTE-COMPRADOR
DIREITO DE RETENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Os embargos de terceiro não são o meio processual adequado, para a defesa do direito de retenção, quando esteja em causa um processo executivo, que envolva a penhora dum imóvel, que tenha sido prometido vender, cujo contrato fora incumprido por banda do executado promitente vendedor.
2 – O titular do direito deve reclamá-lo no processo executivo, para ser pago, com preferência, sobre os outros credores, mesmo o hipotecário.
3- O direito de retenção do promitente-comprador não pode, portanto, travar ou paralisar, através dos embargos de terceiro, as investidas de outros credores do executado (promitente-vendedor) que legitimamente se dirigem à satisfação dos seus créditos. Se assim fosse estaria a consagrar-se uma tutela ao promitente-comprador que excedia as finalidades do próprio instituto do direito de retenção.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório
C… e mulher A…, residentes na rua…, Viana do Castelo, apresentaram contra Banco…, S.A., com sede na…, estes embargos de terceiro em que também são embargados J… e mulher M…, executados nos autos principais.
Pedem que os embargos sejam recebidos, levantada a penhora e restituído aos embargantes a posse e propriedade do imóvel que identificam.
A fundamentar este pedido alegam em síntese que celebraram a 03 de Março de 2005 contrato promessa de compra e venda da moradia penhorada no qual acordaram o pagamento do preço da seguinte forma: 15 000 euros à data da assinatura do contrato promessa e o remanescente no valor de 134 500 euros no acto da escritura.
Os embargantes pagaram os 15 000 mil euros.
Os embargantes tiveram de proceder à conclusão da sua construção para o qual efectuaram os seguintes trabalhos: pintura interior e exterior de toda a habitação, colocação de todo o material sanitário, de cozinha , tudo no valor de 100 000 mil euros. Houve tradição do bem para os embargantes há cerca de 3 anos, que nele passaram a residir , tendo requerido a instalação de electricidade e água .
Desde então passaram a utilizar o imóvel comportando-se como seus donos nos termos que descrevem.
Por tais factos apesar de por diversas vezes instar os executados para o fazer nunca se preocuparam com a realização da escritura definitiva de compra e venda.
Os embargantes intentaram no dia de hoje, contra os executados uma acção para execução especifica do aludido contrato promessa.

Ouvida a prova indicada pelos requerentes foi proferida a seguinte decisão
Pelo exposto, julgam-se estes embargos de terceiro deduzidos por C… e mulher A… procedentes por provados e, em consequência, determina-se o levantamento da penhora, realizada nos autos principais a 28 de Maio de 2008, sobre o prédio urbano correspondente a uma parcela de terreno, destinada a construção urbana, lote n.º …, concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória de Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º … e inscrito na respectiva matriz no artigo….
Custas a cargo do embargado Banco.
Registe e notifique.
Inconformado o embargado Banco…, SA veio interpor recurso, tendo apresentado as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I)Da matéria dada como provada, não resulta minimamente que haja recusa no cumprimento da promessa, que o contrato promessa em questão foi incumprido e por quem aliás, nem resulta que haja mora (aliás, nem qualquer prazo foi alegado pelos embargantes).
II) Não resulta dos autos e ainda menos da matéria provada que, os embargantes tivessem feito algo no sentido da execução especifica do contrato, nem resulta, a viabilidade da eventual execução especifica,
III) Os embargantes não invocam sequer que é essa a sua pretensão, ou que tenham por ela optado, oportunamente..
IV) O direito de retenção não pode ser invocado como o foi na douta sentença como meio de assegurar a execução especifica do contrato – promessa, nem a eventualidade da verificação futura dos condicionalismos permissivos desta podem ser fundamento da procedência dos embargos com base nesse direito.
V) O direito de retenção não é mais de que um direito real de garantia de um crédito, neste caso, do crédito emergente do incumprimento do contrato promessa.
V)Incumprimento este que não resulta da matéria provada.
VI)Mas mesmo que assim não se entenda, esse direito de crédito deve ser defendido na reclamação de créditos quando esteja pendente acção executiva, como é o caso em apreço, porque se traduz, apenas, na preferência no pagamento perante os outros credores concorrentes.
VII)E não se pode com este instrumento processual, bloquear o exercício dos direitos de crédito dos outros credores. O património do devedor não pode ficar pura e simplesmente na disponibilidade arbitrária do direito do “titular do direito de retenção
VIII) o direito de retenção não é susceptível de impedir a penhora e venda do imóvel garantindo apenas ao promitente –comprador o direito de ser pago com preferência aos demais credores do promitente vendedor para o que deverá reclamar o seu crédito em concurso de credores.
IX) A penhora em causa não ofende qualquer direito dos embargantes que seja incompatível com a realização ou o âmbito dessa diligência ( nº 1 do artigo 351º do C.P.C).
X) O direito de retenção assegura ao credor/retentor o poder reclamar o seus créditos em sede executiva. A penhora não afecta tal garantia nem ameaça o seu direito real de garantia ( retenção) .
XI) Encarada a questão na perspectiva do direito à execução especifica do contrato, a solução não difere, desde logo, porque a posse não resulta por efeito do contrato, sendo no caso em apreço uma mera detenção ou “posse precária” e mesmo que os embargantes viessem ( no futuro ) optar pela execução especifica e respectivo acção, sempre esta ocorreria depois do registo da penhora, sendo ineficaz em relação à penhora anteriormente registada.
XII) AO decidir ao invés,r ao considerar os embargos de terceiro procedentes e ao determinar o levantamento da penhora, a douta sentença violou o correcto entendimento do disposto nos artigos 830º, 755º,do Código Civil e 351º do Código de Processo Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida.
No que só assim se fará a Sempre Inteira e Costumada JUSTIÇA!

II – Âmbito do Recurso
A única questão a resolver traduz-se em saber se o promitente-comprador que obteve a traditio do imóvel, objecto de contrato-promessa de compra e venda, ante a penhora desse imóvel, pode reagir através de embargos de terceiro para, alegadamente, defender a posse.

III- Fundamentação
A) DE FACTO
Estão provados os seguintes factos:
A) - No processo de execução comum, ao qual o presente incidente se encontra apenso, foi penhorado, em 28 de Maio de 2008, o prédio urbano correspondente a uma parcela de terreno, destinada a construção urbana, lote…, concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória de Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º … e inscrito na respectiva matriz no artigo….
B) - Encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial de Viana do Castelo, freguesia de Geraz do Lima (Santa Maria), sob o n.º …, o prédio urbano correspondente a parcela de terreno destinada a construção.
C) - Encontra-se inscrita a favor de J… e mulher M…, na referida Conservatória, a aquisição do direito de propriedade do prédio supra referido, através da Ap. 45 de 7 de Junho de 1999.
D) - Encontra-se inscrita na referida Conservatória, com data de 2 de Agosto de 2002, uma hipoteca incidente sobre o prédio supra referido, figurando como sujeito activo o Banco de…, S.A..
1.º,2.º,3.º - Por acordo escrito de 3 de Março de 2005, os executados J… e mulher M… declararam prometer vender aos embargantes, e estes declararam prometer comprar-lhes, o prédio referido em A), pelo preço de € 149.500,00.
4.º - Nesse acordo, ficou escrito que € 15.000,00 seriam pagos no acto da respectiva assinatura, e que € 134.500,00 seriam pagos no acto da escritura de compra e venda.
5.º - No acto da assinatura do referido acordo, os embargantes entregaram aos executados a quantia de € 15.000,00.
6.º,7.º,8.º,9.º - Como os executados não entregaram o imóvel com a casa pronta a habitar, os embargantes fizeram nela, à sua custa, obras de acabamento, como pintura interior, colocação de material sanitário e de cozinha.
15.º,16.º - No decurso de 2005, depois da assinatura do referido acordo, os executados entregaram o prédio aos embargantes.
17.º,18.º,19.º - Os embargantes vivem no prédio em causa desde meados de 2006, usando o e fruindo-o como se fossem seus proprietários, tendo para o efeito requerido a instalação de electricidade e o fornecimento de água.
22.º - (Os embargantes) convidaram os amigos e familiares, fazendo jantares e diversos convívios.
23.º - Os embargantes pediram por várias vezes ao executado J… que se celebrasse a escritura pública de compra e venda relativa ao imóvel aludido em A).

B) DE DIREITO
A doutrina e a Jurisprudência dividem-se quanto á questão em apreciação neste recurso - se o promitente-comprador que obteve a traditio do imóvel, objecto de contrato-promessa de compra e venda, ante a penhora desse imóvel, pode reagir através de embargos de terceiro – artº 351º do CPC, para, alegadamente, defender a posse.
Antes de mais, cumpre referir que o citado art. 351 do Cód. do Proc. Civil, após a Reforma de 1995/6, estabelece o seguinte:
«1. Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.
2. Não é admitida a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens realizada no processo especial de recuperação da empresa e da falência.»
Com a dita Reforma do Processo Civil, ocorrida em 1995/6, as acções possessórias foram eliminadas do conjunto dos processos especiais e foi ampliado o âmbito dos embargos de terceiro, desligados, agora, exclusivamente, da defesa da posse ameaçada ou ofendida por diligência processual ordenada judicialmente. Com efeito, na sequência de tal reforma, foi-lhes conferido um âmbito mais alargado de modo a tornar possível a sua dedução para reagir à penhora ou a qualquer acto judicial de apreensão ou entrega de bens em caso não apenas de ofensa da posse, mas também de ofensa de qualquer outro direito incompatível com a realização daquela diligência, de que seja titular quem não é parte no processo executivo, isto é de quem, em relação a esse processo, seja terceiro.
Amâncio Ferreira (in “Curso de Processo de Execução”, 10ª edição, pág. 290), sobre este ponto, escreve: “Hoje, os embargos de terceiro não se apresentam, no sistema da lei processual, como um meio possessório, mas antes como um incidente da instância, como uma verdadeira subespécie da oposição espontânea, sob a denominação de oposição mediante embargos de terceiro (arts. 351 e segs.). E assim como é do conceito de oposição (art. 342 nº 1), encontramo-nos perante um incidente que permite a um terceiro intervir numa causa para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com as pretensões por aquelas deduzidas.”
Por seu turno, Miguel Mesquita (in “Apreensão de bens em processo executivo e oposição de terceiro”, pág. 95) escreve sobre os embargos de terceiro: “...Podem ser deduzidos com dois fundamentos: ou o terceiro alega e prova que é possuidor, beneficiando de presunção da titularidade do direito nos termos do qual possui, ou alega e prova ser titular de direito incompatível com a execução em curso...Este alargamento dos embargos, que os torna um meio não estritamente possessório, é totalmente acertado, porque admite a tutela de situações que, de outro modo, seria muito difícil, se não impossível, conseguir”.
Olhando a questão em apreciação no plano da posse, a posição maioritária nega semelhante faculdade ao promitente – comprador, dado que os poderes que este exerce de facto sobre a coisa, sabendo que ela ainda não foi comprada, não são os correspondentes ao direito do promitente-adquirente , mas os correspondentes ao direito do promitente adquirente perante o promitente – alienante. (VAZ SERRA, RLJ, Ano 109.º, p. 314 e Ano 114.º,p. 20; CALVÃO DA SILVA, BMJ. 349, p. 86, nota 55; SALVADOR DA COSTA, Os Incidentes da Instância (1999), pp. 185 e 186, e AUGUSTA FERREIRA PALMA, Embargos de Terceiro (2001), pp 93 ss.), e pela jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal de Justiça (entre muitos, os acórdãos de 26.5.94, CJSTJ, ano II, tomo II, p. 118; de 19.11.96, ano III, tomo III, p. 109; de 11.3.99, CJSTJ ano VII, tomo I, p. 137, de 23.05.2006, proc. 06A1128, e de 11.07.2006 in www.dgsi.pt).
Porém tem vindo a ser admitida a possibilidade de dedução de embargos de terceiro pelo promitente-comprador em determinadas situações especificas, nomeadamente quando este beneficie da entrega do imóvel e se comporte como um verdadeiro possuidor em nome próprio, ou seja, como titular do direito real correspondente. Nesse sentido vidé, entre outros, Acs. do STJ de 11/3/99, in “BMJ 485 – 404 e CJ, Acs. STJ, Ano VII, T1 – 137”; de 7/2/2002, in “Rev. nº 1888/01, 2º, Sumários, 2/2002"; de 11/3/2003, proc. nº 04B1445, in www.dgsi.pt/jstj e de 12/10/04, in “CJ, Acs. STJ, Ano XII, T3 – 50”).
No contrato promessa aqui em presença, mesmo podendo haver “corpus” com a traditio da coisa, - consubstanciada na alegada entrega da chave -, faltar-lhe-ia o “animus” – porque o promitente comprador é o primeiro a reconhecer que ainda só pagou 15000 mil euros do valor total de 149 500 euros, e que a parte restante do preço só será paga no acto da escritura, nada mais dizendo sobre esta celebração.
Como se retira da sentença em apreciação, apesar de fruírem o prédio como proprietários, não podem os embargantes deixar de saber que a coisa ainda lhe não pertence pois apenas entregarem certa de 10% do preço, e que o imóvel só supostamente passará a ser seu após o cumprimento integral da prestação que sobre eles impendem, com a realização da escritura, o que significa saber perfeitamente que sobre o imóvel ainda não actuam como se donos já fossem, mas como tendo autorização do dono para aí praticar os actos materiais que também foram apurados como por eles feitos ( fizeram nela, à sua custa, obras de acabamento, como pintura interior, colocação de material sanitário e de cozinha).
Logo, no momento em que deduzem os embargos de terceiro actuam ainda em nome de outrem ou por ele autorizado, e não em nome próprio. Trata-se portanto de posse precária.
E na qualidade de meros detentores, não lhe assiste o direito de se socorrer dos meios possessórios - arts. 351.º-1 do CC.
E serão titulares de outro direito incompatível com a realização ou o âmbito do acto judicialmente ordenado tutelado pelos embargos de terceiros nos termos reconhecidos pela decisão recorrida?
Vejamos
Em primeiro lugar, só está reconhecido o direito de retenção ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442.º. – art. 755.º-f) do CC.
Ora o art. 442.º, reporta-se às sanções pelo incumprimento definitivo, por recurso às regras do sinal ou à execução específica, estando delas excluída, designadamente, a ainda tempestividade no cumprimento do contrato definitivo ou até a simples mora. - Ac. do STJ de 2000.02.08, CJ/STJ, 2000, 1.º-72
No caso em presença, os embargantes não alegam qualquer incumprimento do contrato promessa, (limitando-se a dizer que pediram por várias vezes ao executado J… que se celebrasse a escritura pública de compra e venda relativa ao imóvel).
Tais factos não são suficientes para que se possa vir a apurar o incumprimento.
E sem a alegação de factos que sejam susceptíveis de levar ao incumprimento não há direito de retenção, de acordo com o disposto no art. 442.º já acima citado – ao contrário do que se decidiu em 1º Instância.
Mesmo admitindo que pudesse existir direito de retenção – o que decididamente rejeitamos, mas que só por razões académicas aqui equacionamos – sempre seria de trazer á colação que o direito de retenção é um mero direito real de garantia das obrigações, e não um direito real de gozo, pelo que a sua função é o de servir de garantia do crédito em equação concursal com os direitos de demais credores sobre o bem retido, permitindo ao respectivo titular manter-se no imóvel até à fase da venda (donde provirá a importância para pagamento aos credores), mas que terá sempre de ser precedida da fase do concurso e graduação de créditos reclamados.
O direito de retenção é um direito real de garantia de créditos, de dívidas de dinheiro ou de valor, conferindo ao seu titular (credor), que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor, o direito de executar a coisa retida e de se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores (vd. Ac. do STJ, de 26.2.92, www.dgsi.pt, proc. 081497, e A. Varela, Das Obrigações em geral, II, 7ª ed., 579).
Não pode aceitar-se que o titular do direito de retenção, só pelo facto de o ser, teria o direito de impedir, paralisar e extinguir qualquer execução. Bastará pensar na circunstância de o crédito garantido ser inferior ao do imóvel retido, para se constatar o escândalo que seria serem impedidos os demais credores de poderem executar os seus créditos, mesmo quando o imóvel retido tem um valor consideravelmente superior ao crédito do titular do direito de retenção!
Acresce que como se entendeu no Ac. do STJ, de 26.2.92 já mencionado “o promitente comprador para quem foi transferida a coisa objecto da promessa, em contrato-promessa sem eficácia real, não goza do direito de retenção sem previamente demonstrar que é titular de um crédito contra o promitente vendedor, resultante de não cumprimento da promessa imputável a este, o que não pode ser discutido em embargos de terceiro por ele deduzidos a execução movida ao promitente vendedor” (vd., também, Ac. do STJ, de 27.04.2004, www.dgsi.pt, proc. 04A1037, onde se escreveu que, para invocar com eficácia o direito de retenção, necessário seria que os embargantes tivessem vindo alegar que eram credores de indemnização resultante do não cumprimento imputável à outra parte). É que o direito de retenção existe precisamente “para garantia do crédito resultante do não cumprimento imputável à parte que promete transmitir ou constituir um direito real. Vale por dizer, por outras palavras, que está em causa o crédito (dobro do sinal, valor da coisa, indemnização convencionada nos termos do nº 4 do art. 442º) derivado do incumprimento definitivo” (Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, ed. de 1988, p. 111).
Ora, no caso em apreço, os embargantes não alegam sequer serem titulares de qualquer crédito sobre os executados/promitentes vendedores. O que desde logo significa que o contrato não foi resolvido (por incumprimento definitivo imputável à promitente vendedora) e, consequentemente, ainda lhes não foi atribuído qualquer crédito sobre aquela.
Como escreve Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2ª ed., pág. 231, nota 24, “direito de retenção sobre a coisa só o tem o beneficiário da promessa que, após o incumprimento definitivo, tenha optado pela indemnização compensatória, nos termos dos arts. 442-2 e 755-f CC”. O que não é o caso.
Mas admitindo porém a sua existência o meio processual adequado para o titular do direito de retenção defender o seu crédito faz-se através de execução própria ou intervenção na fase processual do concurso e graduação de créditos - arts. 865.º e ss do CPC.
E desse modo, ter-se-á de concluir que a penhora do imóvel e a subsequente venda do imóvel possível em processo de execução não contende com o direito do embargante, ou melhor, não se mostra de todo incompatível com esse alegado direito. (Vidé, nesse sentido, entre muitos outros, o prof. A. Varela, in “RLJ 124, pág. 351”, o acima citado Ac. do STJ de 12/3/2009, proc. nº 09A0265, disponível in www.dgsi.pt/jstj”; Acs. do STJ de 11/3/99, in “BMJ 485 – 404 e CJ, Acs. STJ, Ano VII, T1 – 137”; Ac. do STJ de 23/1/96, in “CJ, Acs. do STJ, Ano IV, T1- 70” e Ac. da RE de 14/5/1998, in “BMJ 477 – 586”).
Também o Cons. Salvador da Costa escreve (em Os Incidentes da Instância, pág. 85) que “inexiste incompatibilidade justificativa da dedução de embargos de terceiro entre o acto de penhora e o direito de retenção (...) porque o respectivo titular pode realizar o conexo direito de crédito de que seja titular no quadro do concurso de credores, através do mecanismo da reclamação de créditos.
Assim, não pode embargar de terceiro (...) o titular do direito real de garantia, por exemplo o titular do direito de penhor ou de retenção, porque pode realizá-lo na acção executiva por via do concurso de credores”.
E no mesmo sentido se pronunciam Lebre de Freitas, ob. cit, p. 234, e Miguel Mesquita, in Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro, pp. 160/161.
Em segundo lugar no que se reporta ao direito à execução especifica por parte dos embargantes reconhecemos que em caso de incumprimento por parte do promitente vendedor e não podendo se compelido pela força a cumprir a obrigação a que se vinculou. A lei permite que o credor obtenha a declaração negocial em falta pela via judicial, caso em que o tribunal deve emitir uma sentença que produza os mesmos efeitos jurídicos da declaração negocial com vista à constituição do contrato definitivo.
E o promitente-comprador poderá ser admitido a deduzir embargos de terceiro, quando além de ter obtido a tradição da coisa, se encontra em posição de exigir o cumprimento contratual em sede de execução específica.
Mas para esse efeito é necessário que essa acção a pedir a execução específica venha a ser instaurada e registada antes da penhora ou acto judicial (por ex arresto) que venha a incidir sobre a coisa objecto da acção. Neste sentido AC STJ de 11 de Março de 1999na CJ 1999, p 139 e do mesmo Tribunal de 29 de Abril de 2008, processo 745/2008 in www.dgsi.pt.
Remédio Marques em Curso de Processo Executivo à Face do Código Revisto pp 329 a 331 refere a este propósito que, em tal circunstância os embargos de terceiro só serão admissíveis se, ao tempo dos embargos, já se encontrar pendente e registada a acção de execução especifica.
Revertendo ao caso em apreço, verifica-se que os embargantes não alegaram e portanto não provaram no sentido da execução específica do contrato, não tendo inclusive demonstrado qual era sua intenção nem da viabilidade da execução específica.
Por tal não lhe assiste o direito de se socorrer dos embargos de terceiro.

Concluindo: (art. 713, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
1 - Os embargos de terceiro não são o meio processual adequado, para a defesa do direito de retenção, quando esteja em causa um processo executivo, que envolva a penhora dum imóvel, que tenha sido prometido vender, cujo contrato fora incumprido por banda do executado promitente vendedor.
2 – O titular do direito deve reclamá-lo no processo executivo, para ser pago, com preferência, sobre os outros credores, mesmo o hipotecário.
3- O direito de retenção do promitente-comprador não pode, portanto, travar ou paralisar, através dos embargos de terceiro, as investidas de outros credores do executado (promitente-vendedor) que legitimamente se dirigem à satisfação dos seus créditos. Se assim fosse estaria a consagrar-se uma tutela ao promitente-comprador que excedia as finalidades do próprio instituto do direito de retenção.

IV- Decisão
Nos termos e com os fundamentos julga-se procedente por provado este recurso e em consequência revoga-se a decisão recorrida que se substitui por outra que julga improcedentes por não provados os embargos de terceiros intentados por C… e mulher A…, contra Banco…, S.A. J… e mulher M… que ficam absolvidos dos pedidos formulados
Custas pelos recorridos.
Notifique
Guimarães, 22.01.2013
Purificação Carvalho
Rosa Tching
Espinheira Baltar