Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2269/20.5T8BRG-A.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: LEGITIMIDADE PASSIVA
TRANSMISSÂO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
FUSÃO DE SOCIEDADES
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS LABORAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/01/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO NÃO ADMITIDO
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O despacho saneador na parte em que declara a ré parte legítima não admite recurso de imediato.
Se a ré adquiriu, quer a titularidade da empresa empregadora (por fusão), quer a exploração do estabelecimento onde o trabalhador desempenhava funções, tal significa que para ela se transmitiram os direitos e obrigações enquanto sociedade incorporante, incluindo os débitos por retribuição de horário de trabalho e por trabalho suplementar, ainda que alguns se possam ter vencido há cerca de 20 anos aquando da propositura da acção.
Durante a manutenção da relação laboral suspende-se o início do prazo de prescrição dos direitos de crédito, que só se desencadeia no dia seguinte ao da cessação fáctica da relação contratual.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

F. P. intentou acção de processo comum contra X – Distribuição Alimentar, S. A pedindo a sua condenação no pagamento de €26.282,28 referentes a retribuição de isenção de horário de trabalho entre 12 de setembro de 1995 e 9 de janeiro de 2004 e de €53.441,44 referentes a trabalho prestado em dia de descanso semanal, entre 05 de junho de 1989 e 09 de janeiro de 2004.
Alega que apesar de, em 5-06-1989, ter sido admitido ao serviço da sociedade “Y – HIPERMERCADOS, S.A”, a partir de 01/06/2009, passou a trabalhar para a ora ré, por esta sociedade ter incorporado aquela, mediante fusão, tendo o estabelecimento comercial onde o Autor prestava serviço transitado para a ré. Por isso, esta é a única responsável pelo pagamento das retribuições em dívida pela sociedade incorporada.
Na contestação a Ré admite que o estabelecimento no qual o Autor prestava trabalho lhe foi transmitido por força da fusão daquela referida sociedade com a Ré no dia 01 de Junho de 2009. Mas sustenta que é parte ilegítima, uma vez que atendendo à forma como o autor configura a acção facilmente se verifica que a relação material controvertida vertida na petição diz respeito ao autor e à sociedade “Y–HIPERMERCADOS, S.A.” e não à ré, que é alheia a tais factos. Acresce que o direito de o autor reclamar os créditos junto daquela sociedade prescreveu no dia 02/06/2010, uma vez que, por força do disposto no artigo 337º, nº 1 do Código do Trabalho, dispunha de um ano a contar do dia seguinte ao da cessação do seu contrato de trabalho com a sociedade “Y” para demandá-la de forma a reclamar o pagamento dos créditos de que se achasse titular.
No despacho saneador o tribunal julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade passiva e a excepção de prescrição.
O recurso da ré respeita a estes segmentos do despacho saneador.

FUNDAMENTOS DO RECURSO DA RÉ- CONCLUSÕES:

1. O Despacho saneador talqualmente proferido pelo douto tribunal recorrido é merecedor de reparo ou censura, por erro de subsunção dos factos ao direito.
2. Os factos que constituem a causa de pedir da presente ação são absoluta e completamente alheios à Ré, razão pela qual é inquestionável a sua ilegitimidade passiva. Senão veja-se,
3. O Recorrido foi contratado pela sociedade Y – HIPERMERCADOS, S.A. no dia 05 de junho de 1989.
4. No dia 01 de junho de 2009, por força de fusão da referida sociedade à Sociedade Ré, esta passou a assumir a posição de entidade empregadora do Autor.Assim sendo,
5. A Sociedade Ré tornou-se, a partir do dia 01 de junho de 2009, e nos termo e para efeitos do nº 3 do art.º 285º do Código do Trabalho, responsável por assegurar, o que sempre assegurou e cumpriu:
- A retribuição do Autor;
- A antiguidade do Autor;
- A categoria profissional do Autor;
- O horário e o local de trabalho do Autor.
6. O Autor peticiona o pagamento de montantes por conta de factos que ocorreram entre o ano de 1989 e o ano de 2004.
7. Ou seja, todas e quaisquer quantias que o Autor entenda lhe serem devidas dizem apenas e só respeito à relação laboral que o uniu à Sociedade Y – HIPERMERCADOS, S.A.
8. Sendo absolutamente estranhos à Ré, que os desconhece em completo e sobre os mesmos não tem qualquer tipo de responsabilidade.
9. Nos termos do art.º 30º, nº 1 do Código de Processo Civil, ex vi art.º 1, nº 2 do Código de Processo do Trabalho, a Ré é parte ilegítima nos presentes autos!Mais,
10. O contrato de trabalho a partir do qual surgem as vicissitudes que o Autor agora arroga cessou a 01.06.2009.
11. Nos termos do art.º 337º, nº 1 do Código do Trabalho, o Autor teria, necessariamente, que ter demandado a sua pretérita entidade patronal até ao 02.06.2009.
12. Encontra-se prescrito o direito do Autor de peticionar os valores que agora peticiona.

Não obstante, acresce que,
13. Os direitos de índole laborais e respetivos exercícios encontram-se efetiva e verdadeiramente subordinados aos prazos gerais de prescrição. Ora,
14. Não tendo o Autor oportunamente impugnado os valores que agora arroga e peticiona, não poderão tais valores agora, passados mais de 20 anos, ser objeto de apreciação judicial, com exceção dos valores peticionados relativos aos anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, em obediência para com o estabelecido no art.º 309º do Código Civil.Por outro lado,
15. Encontram-se prescritos todos os créditos invocados pelo Autor, nos termos da alínea g) do art.º 310º do Código Civil, visto que desde a data de vencimento dos mesmos decorreram mais do que 5 anos. Assim o é porque,
16. Consagra o nº 1 do art.º 306º do Código Civil o critério da exigibilidade da obrigação, segundo o qual o prazo da prescrição começa a correr a partir do momento em que passa a ser exigível do devedor o cumprimento da obrigação.
17. Todos os créditos cujo pagamento o Autor vem peticionar configuram verdadeiros créditos de natureza periódica, cujo pagamento era mensal; e, portanto, desde o seu respetivo vencimento que o cumprimento era exigível do devedor.
Pelo exposto, deverão ser dadas como verificadas as exceções invocadas pela Recorrente, dando-se provimento ao presente recurso interposto, assim se fazendo, a acostumada JUSTIÇA.

CONTRA-ALEGAÇÕES: questão prévia: O recurso não é admissível. No despacho saneador não foi proferida qualquer decisão de mérito da causa, nos termos da alª b) do nº 1 do artº 79-A do CPT, apenas foram consideradas improcedentes as excepções de ilegitimidade e de prescrição. Sem prescindir, o recurso deve ser julgado improcedente.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: defende a improcedência do recurso.
A recorrente respondeu, mantendo o anteriormente referido.
O recurso foi apreciado em conferência.

QUESTÃO A DECIDIR (segundo as conclusões do recurso (1)):
a ) admissibilidade do recurso que incide sobre o despacho que considerou a ré parte legítima;
b) prescrição de créditos.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS:
São os constantes do relatório.

B) QUESTÕES A DECIDIR:
Admissibilidade do recurso que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade da ré:
Na decisão recorrida considerou-se a ré parte legítima.
Assim sendo, o recurso não tem por objecto despacho que ponha termo à causa, ou a procedimento cautelar, ou a incidente processado autonomamente. Também, nesta parte, não tem por objecto despacho que conheça parcialmente do mérito da causa ou que tenha absolvido da instância a ré recorrente – 79º-A, 1, CPT.
Ao invés, aconteceu o contrário. A ré não foi absolvida da instância e continua na causa.
A razão de ser da admissão do recurso sobre a procedência de uma ilegitimidade radica no facto de a parte ser logo excluída e não ter sentido o deferimento do recurso.
Da decisão inversa que considera a parte legítima não é admissível recurso imediato de apelação, o qual é de impugnação diferida com eventual recurso da decisão final – 79º-A, 3, CPTC – António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 5º ed, p. 207, 539, e nota 41.
Só assim não seria se a decisão inserida no despacho saneador e alvo de recurso integrasse alguma das decisões interlocutórias taxativas do nº 2, do art. 79º-A, CPT, sobre as quais existe possibilidade de recurso imediato. O que não acontece, como decorre da simples leitura do seu conteúdo.
Na verdade, desde a reforma processual civil, com o desaparecimento do recurso de agravo e sua absorção pela apelação, o regime de recurso passou a ter um único regime, independentemente de a decisão recorrida versar sobre o mérito da causa ou meramente sobre decisões interlocutórios ou de forma. Passou-se, assim, apenas admitir o recurso imediato em dois tipos de situações:
(i) das decisões finais que ponham termo ao processo, procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente, ou do despacho saneador que, sem por termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu quanto a algum pedido -79º-A/1, CPT, 644º/1/CPC. Já vimos que quanto à ilegitimidade esta situação não ocorreu;
(ii) de determinadas decisões intercalares desde que tipificadas na lei – 79º-A, 2, CPT, 644º/2, CPC.
Todas as demais decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância apenas podem ser impugnadas em momento ulterior, com o recurso das decisões que venha a ser interposto das decisões mencionadas em (i)- 79º-A/3, CPT e 644º/3, CPC.
A admissão do recurso pelo tribunal a quo não vincula o tribunal da Relação – 641º, 5, CPC, 81º, 6, 87º, 1, CPT.
Uma nota final para referir que o despacho saneador na parte em que julgou improcedente a prescrição é recorrível porque conheceu parcialmente do mérito da causa. A prescrição é uma excepção peremptória que resulta da invocação de um facto extintivo do efeito jurídico dos factos que compõem a causa de pedir. Versa sobre o mérito da acção. Se procedente leva à absolvição total ou parcial do pedido e não da instância- 576º, 1, 3, CPC). Ao contrário da excepção dilatória busca o seu fundamento nas normas de direito substantivo, constituindo questão de interpretação material e de direito- José Lebre de Freitas, A acção declarativa comum, 4º ed., p. 133, 134, e notas de pé de pág., 78 e 80.
Nesta parte a objeção à admissão do recurso improcede.

A prescrição dos créditos laborais:
O autor peticiona créditos salariais decorrentes de retribuição por isenção de horário de trabalho e por trabalho suplementar, desde 1995 e vencidos até Janeiro de 2004.
A ré exceciona a prescrição. Alega que é alheia a esta dívida. Somente passou a deter a posição de empregadora em 2009. Os créditos estarão extintos pelo decurso do tempo contado desde o respectivo vencimento, remetendo para disposições do código civil, invocando o prazo máximo de 20 anos, ou mesmo o de 5 anos para as prestações periódicas.

Analisando se a recorrente é a “titular” dos alegados débitos retributivos:

A ré, como ela própria admite, sucedeu à empresa Y – HIPERMERCADOS, S.A na posição de empregadora, por a ter incorporado, mediante fusão, tendo o estabelecimento comercial onde o Autor prestava serviço transitado para a ré. Não existe qualquer hiato de tempo durante o qual a relação laboral tenha sido interrompida, havendo uma completa continuidade na prestação laboral.
A ré adquiriu, assim, a posição de empregadora nos contratos de trabalho, por transmissão da propriedade/titularidade (2) da empresa/estabelecimento (fusão), para além de ter ocorrido também a transmissão da exploração da empresa/estabelecimento - 285º, 1, 2, CT/09 (3), aplicável por ser a lei vigente à data da transmissão.
Na verdade, a mudança de titular da empresa pode ser consequência de diversos negócios jurídicos, entre eles a fusão, acto regulado do seguinte modo no artigo 97º, 1, 1, CSC: “ - Duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, podem fundir-se mediante a sua reunião numa só….4 - A fusão pode realizar-se: a) Mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra ….;”
Segundo o art.112º CSC “Com a inscrição da fusão no registo comercial: a) Extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade;” –sublinhado nosso.
Para além da norma de direito comercial, a protecção dos trabalhadores tem também abrigo no direito laboral no instituto da” transmissão da empresa ou estabelecimento”, cuja “…fórmula, muito lata, tem raízes no direito anterior (art. 37º, nº 1, da LCT) e visa justamente abranger todos os casos m que ocorre a transmissão da propriedade da empresa ou estabelecimento. De entre os mais frequentes apontados na jurisprudência e na doutrina, refiram-se o trespasse, a fusão e a cisão e a venda judicial”– Pedro Ramo Martinez e outros, CT anotado, 2004, p. 489-491 (4).
Este princípio de “transmissão da posição de empregador” acarreta o ingresso, na pessoa do adquirente da empresa/estabelecimento, das obrigações relativas aos contratos de trabalho abrangidos pela transmissão e a concomitante manutenção na esfera dos trabalhadores de todos os direitos que detinham perante o antigo empregador (antiguidade, categoria, retribuição, créditos vencidos…), ingresso que se dá de forma automática e ex lege.

No direito substantivo laboral, veja-se a letra da lei: CT/09:
Artigo 285º (5) (Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento) 1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores….3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica…”
Do exposto, resulta que, sendo a ré uma continuação da antiga empregadora que se extinguiu, a ela compete responder pelas obrigações, independentemente da data do seu vencimento e da data em que ocorreu a fusão.

Analisando agora a questão da prescrição que se prende com o prazo para o trabalhador exercer os seus direitos:

O “trabalhador transmitido” não tem menos direitos que o trabalhador que mantem sempre o mesmo empregador.
A objecção da recorrente não tem razão de ser à luz de princípios específicos que norteiam o regime laboral, mormente os relacionados com a tutela dos créditos dos trabalhadores. A qual se manifesta, quer no referido regime de transmissão da posição de empregador, quer nos traços fundamentais do regime de prescrição dos créditos laborais, cujo prazo não se inicia com o seu vencimento, mas somente a partir do dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho. Regime esse, diga-se, com longa tradição e há muito consagrada, desde a LCT de 1937 – Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado do Direito do Trabalho, Parte II-situações Laborais Individuais, Almedina 4ªe ed., p. 605.
Sabe-se que a prescrição é uma forma de extinção de direitos subjectivos resultante da falta do seu exercício no prazo fixado na lei. Melhor dizendo, o direito deixa de ser exercitável, o que equivale a dizer que é juridicamente inexigível, passando de obrigação civil a natural. É um instituto que se funda em razões diversas, entre elas a ideia de punição da incúria do titular do direito, de protecção do devedor contra dificuldades de prova acrescidas pelo decurso do tempo, de promoção oportuna de direitos, de segurança e de certeza jurídica, etc…– João Leal Amado, Contrato de Trabalho, Coimbra editora, 2009, p. 325-6.
Aceita-se comummente que o seu fundamento específico radicará na negligência do titular que não o exercita no prazo que a lei lhe concede, o que legitima a presunção de renúncia ao direito ou, pelo menos, o torna indigno de protecção jurídica - Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 2ª reimpressão, p. 445-6.
No caso, o crédito do autor, emergindo de contrato de trabalho e da sua violação, prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho. Como aludimos, este regime foi sempre mantido pela lei vigente ao longo da relação contratual, com pequenas alterações terminológicas que não relevam – 38º da LCT de 1969 (6), 381º CT/03, 337º, 1, CT/09.
Trata-se de um prazo de reclamação mais “generoso” que encontra explicação tradicional na assimetria que caracteriza as partes na relação laboral. Com desigualdade de forças, geradora de menor liberdade psicológica e que limitará a liberdade de actuação do trabalhador durante a manutenção do vínculo laboral, pelo que se justifica a tutela da vulnerabilidade do trabalhador, parte mais fraca - António Monteiro Fernandes, 19º ed., 2019, p 411 a 413.
Sobre a ratio do preceito, outros autores têm salientado que “…constituindo fundamento especifico da prescrição a penalização da inércia negligente do seu titular, a lei entendeu não ser exigível ao trabalhador-credor que promova a efectivação do seu direito na vigência do contrato… o não exercício expedito do direito por parte do seu titular não faz presumir que este a ele tenha querido renunciar, nem torna o crédito indigno de proteção jurídica…”- João Leal Amado Direito do Trabalho, Relação Individual, Almedina, 2019, p. 807.
Para compensar este deferimento do início de prazo que permite que todos os créditos, ainda que muitos antigos, possam ser exigidos somente após a cessação do contrato de trabalho refere-se que o “…prazo de prescrição é, todavia, mais curto do que os prazos estabelecidos pela lei civil”, apenas de um ano - Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit. p. 605.
Ainda a propósito de os créditos laborais serem imprescritíveis durante a relação laboral, refere-se uma “suspensão do curso de prescrição enquanto durar o contrato de trabalho”, suspensão de algum modo (pelo menos parcialmente) acolhida, nos termos gerais do código civil, mormente quanto ao trabalho doméstico, (306º, 1, 318º a 322 CC (7)) - João Leal Amado Direito do Trabalho, Almedina, 2019, p.806/7.
A letra da lei não deixa margem para dúvida e é inequívoca no prazo de um ano e na especificação do evento que marca o início do prazo de prescrição (8). Pelo que a lei laboral, que é especial, e a sua ratio, afastam a aplicação da lei civil que a recorrente invoca, por mais antigos que sejam os créditos.
Assim sendo, não há que recorrer ao prazo ordinário civil de prescrição de 20 anos (309º CC), ou de 5 anos para prestações periódicas (310º, g, CC), invocados pela recorrente.
De resto, a questão que se tem suscitado nos tribunais não é no sentido da aplicação ou não do prazo de um ano a contar da cessação do contrato, mas sim numa perspectiva de abuso de direito e de supressio, ligada ao não exercício de um direito durante longo prazo - vd caso em que trabalhador reclamou créditos com 23 anos, ac. RG de 20-02-2020, p. 259/18.7T8BGC.G1.
Têm-se também discutido o prazo dos juros dos créditos laborais, sendo a jurisprudência no sentido de estes, sendo obrigação acessória, estarem sujeitos a idêntico regime da obrigação principal, ou seja, de um ano após a cessação do contrato (acórdão do STJ 9-02-2-2017, in www.dgsi.pt), pese embora esta não seja a questão colocada.
Uma nota final para referir que os créditos por trabalho suplementar (ora reclamados) têm uma exigência de cariz probatório, só podendo ser provados por documentos idóneo (38º, 2, LCT, 381º,2 CT/03, 337º, 2, CT/09. Contudo, trata-se de um regime de prova que nada tem a ver com o prazo de prescrição.

Em conclusão:
A posição de empregador transmitiu-se para a ora ré, sem qualquer hiato, logo para ela se transmitiram também todas as obrigações/dívidas laborais. Não tendo a relação contratual ainda findado à data da propositura da acção, é de concluir que não ocorreu a prescrição de créditos, dado que o regime especial laboral afasta a aplicação do regime geral civil.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em (87º, CPT e 663º, CPC):
a) não admitir o recurso sobre a decisão recorrida na parte que declarou improcedente a excepção de ilegitimidade da ré;
b) confirmar, no mais, a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
1-07-2021

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins



1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.
2. Nem sequer se colocando os problemas que habitualmente se debatem nos tribunais ligados a meras transmissões de exploração da empresa ou estabelecimento quando as “unidades económicas” são sobretudo constituídas por pessoal (vg seguranças), sem acompanhamento de elementos físicos/equipamentos.
3. Lei 7/2009, de 12-02, com entrada em vigor em 17-02-2009, excepto em aspectos que ao caso não relevam.
4. Em anotação ao artigo 318º CT/03, a que corresponde o 285º CT/09, com inteira pertinência na parte que respeita ao caso, que não apresenta alteração de monta.
5. Redacção do CT/09, dada pela Lei 7-2009, de 12-02.
6. Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969.
7. Veja-se que o próprio CC consagra a suspensão da prescrição no trabalho doméstico: artigo 318º (Causas bilaterais da suspensão) A prescrição não começa nem corre:…e) Entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar;”
8. Assim sendo, não se subscreve a posição isolada na doutrina de Bernardo Lobo Xavier que duvida da existência de um principio geral de imprescritibilidade dos créditos durante a relação laboral, pese embora a bondade da consagração legal possa ser criticável, mas não mais do que isso - ver. João Leal Amado Direito do Trabalho, Almedina, 2019, p. 810.