Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1983/18.0T8BRG.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DO NOTÁRIO
PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/31/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- À luz do denominado sistema ou modelo do notariado latino, consagrado entre nós o notário é um jurista ao serviço das relações jurídico - privadas encarregado de receber, interpretar e dar forma legal à vontade das partes, redigindo os instrumentos adequados a esse fim, mas ao mesmo tempo é um oficial público que recebe uma delegação da autoridade pública para redigir documentos autênticos dotados de fé pública.
II – Assim, entre o notário e as partes não se estabelece qualquer vínculo de cariz negocial, pelo que a eventual responsabilidade em que aquele incorra no exercício das suas funções assumirá natureza extracontratual.
III - A função do notário não consiste em dar fé a tudo o que veja ou oiça, seja válido ou nulo, mas em dar fé em conformidade com a lei, competindo-lhe, por isso, o controlo da legalidade do negócio, visando, designadamente, detectar incapacidades, erros de direito ou de facto, coacções encobertas, fraudes à lei, e, eventualmente, reservas mentais e simulações, absolutas ou relativas.
IV- Qualificando-se a eventual responsabilidade civil em que o notário incorra no exercício da sua actividade profissional como extracontratual, temos necessariamente que concluir que o prazo de prescrição aplicável é o previsto no artigo 498.º, n.º 1, do CC., no qual se prescreve que «[o] direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso».
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: A. J. e mulher M. L.
Recorrido: C. O.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Cível de Braga - Juiz 1.

A. J. e mulher M. L. intentaram a presente acção comum contra C. O., pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de 26.786,98 € a título de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de 50.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora.
Alegaram, em síntese, que mediante escritura pública de compra e venda datada de 26.04.2012, outorgada no cartório notarial da ré, os autores adquiriram seis prédios rústicos e um prédio urbano, tendo em vista a produção de frutos vermelhos; previamente à celebração desta escritura, os outorgantes, por intermédio da vendedora M. J., recorreram à ajuda especializada da ré para que todos os procedimentos legais necessários à boa concretização do negócio fossem cumpridos, nomeadamente a comunicação aos preferentes da intenção de venda, para que estes pudessem exercer o seu direito de preferência, querendo; na carta que a ré redigiu e que foi enviada aos preferentes foram mencionados os seis prédios rústicos, mas não o prédio urbano, mais se acrescentando nessa carta que aqueles prédios apenas seriam vendidos na totalidade do seu conjunto; em resposta a esta missiva, D. E. comunicou à referida M. J. que pretendia exercer o seu direito de preferência em relação aos prédios confinantes com as suas propriedades, tendo aquela respondido, de novo por carta redigida pela ré, que tal pretensão não poderia ser atendida, por ser condição essencial do negócio a venda de todos os prédios em conjunto, conforme havia sido comunicado; já depois da celebração da escritura pública de compra e venda acima referida, com fundamento na circunstância de o negócio celebrado ser diferente do que lhes foi comunicado, por incluir um prédio urbano não mencionado na notificação que lhes foi endereçada, D. E. e M. B. intentaram uma acção de preferência contra os respectivos outorgantes, a qual veio a ser julgada procedente, por decisão já transitada em julgado; os autores apenas celebraram referido negócio porque confiaram que a ré tinha feito o seu trabalho com zelo, que, por isso, os preferentes tinham sido correctamente notificados para o exercício do seu direito de preferência e que o negócio era perfeitamente válido, como lhes foi assegurado pela ré, mas a verdade é que esse negócio estava irremediavelmente inquinado; em virtude deste comportamento da ré, os autores sofreram danos patrimoniais, consubstanciados na despesas com escritura e registos, num total de 10.233,98 €, e nas custas da referida acção de preferência, no valor de 16.553,00 €, bem como danos não patrimoniais, consubstanciados nas enormes perturbações e aborrecimentos que têm sofrido desde que se aperceberam da conduta lesiva da ré, a qual conduziu a um longo processo judicial.
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Regularmente citada, a ré apresentou contestação onde invocou, para além do mais, a prescrição do direito dos autores, tendo em conta o disposto no artigo 498.º do Código Civil (CC) e a circunstância da presente acção ter sido proposta depois de decorridos mais de três anos desde a data em que os autores tomaram conhecimento do teor da carta remetida aos proprietários dos prédios confinantes para o exercício do direito de preferência e em que foi celebrada a escritura pública de compra e venda dos sete prédios (26.4.2012), bem como desde a data em que os autores foram citados para a acção de preferência (26.10.2012); acrescentou que, ao contrário do alegado pelos autores, não se pode entender que o início do prazo de prescrição de três anos apenas ocorreu com o trânsito em julgado da sentença/acórdão judicial de confirmação da existência de facto ilícito.
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Os autores replicaram, alegando que a acção de preferência sempre constituiria causa prejudicial da presente acção, caso esta tivesse sido intentada antes do trânsito em julgado da decisão daquela, pelo que carece de sentido e, por isso, deverá improceder a excepção de prescrição invocada pela ré.
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Admitida a intervenção principal da seguradora X Insurance Company, Ltd., também esta invocou a prescrição do direito dos autores, secundando os argumentos expendidos pela ré, mais aduzindo que a acção de preferência foi registada em 23.10.2012 e que na data em que foram citados para tal acção ou na data em que a mesma foi registada os autores passaram a ter conhecimento de todos os factos que constituem os pressupostos da responsabilidade civil que agora invocam.
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Admitida igualmente a intervenção principal das seguradoras C. Europa, S.A., actualmente denominada Y Europe, Limited – Sucursal em Portugal, e W Insurance Europe Limited Sucursal em España, também estas invocaram a prescrição do direito dos autores, aderindo à argumentação expendida pela ré.
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Os autores pronunciaram-se, reiterando o que já haviam alegado na réplica, mais afirmando que os factos praticados pela ré – a elaboração da carta enviada para os proprietários dos prédios confinantes e a celebração da escritura pública apesar de constatado o erro – não se tornaram efectivamente danosos na data da redacção da carta ou da celebração da escritura, nem na data da entrada da acção de preferência ou da citação dos aqui autores, mas sim quando a sentença que decidiu no sentido favorável aos preferentes transitou em julgado, acrescentando que o dano nunca se produziria se a sentença fosse no sentido da improcedência da acção de preferência.

Proferido o despacho saneador, com relação à excepção da prescrição invocada, foi proferida seguinte decisão:
Pelo exposto, o Tribunal julga procedente a excepção de prescrição invocada pela ré C. O. e pelas intervenientes X Insurance Company, Ltd., Y Europe, Limited – Sucursal em Portugal e W Insurance Europe Limited Sucursal em España e, em consequência, absolve-as do pedido.

Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os Autores, sendo que, das respectivas alegações desse recurso extraíram, em suma, as seguintes conclusões:

1 - Por sentença proferida pelo Tribunal recorrido foi decidido o seguinte:
“Pelo exposto, o Tribunal julga procedente a excepção de prescrição invocada pela ré C. O. e pelas intervenientes X Insurance Company, Ltd., Y Europe, Limited – Sucursal em Portugal e W Insurance Europe Limited Sucursal em España e, em consequência, absolve-as do pedido.
Custas pelos autores, nos termos do artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário concedido. Registe e notifique.”
2 - Com o devido respeito, que é muito, os Recorrentes não se podem conformar com a Douta sentença proferida.
3 - Ora vejamos, os Autores, ora Recorrentes, peticionaram em acção declarativa de condenação, contra C. O., a condenação desta a pagar-lhes a quantia de 26.786,98 € a título de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de 50.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora.
4 - Em primeiro lugar e, seguindo a estrutura esquemática da sentença proferida, cumpre descortinar a modalidade de responsabilidade aplicável ao caso em apreço, pois que inexiste qualquer vinculação do Tribunal à matéria de direito alegada pelas partes, bem como à qualificação jurídica levada a cabo por estas.
5 - Ora, a sentença recorrida decidiu que a eventual responsabilidade civil em que o notário incorra no exercício da sua actividade profissional deverá ser assumida como extracontratual, pelo que necessariamente concluiu que o prazo de prescrição aplicável é, efectivamente, o previsto no artigo 498.º, n.º 1, do CC, portanto o prazo de três anos.
6 - Sucede que, não poderemos concordar com tal posição, atenta a natureza das funções desempenhadas pelos notários. 7 - De facto, podemos aqui invocar a fé pública que o notário é detentor, ou seja, o Estado delega ao notário este poder, que se traduz no poder de autenticar os actos jurídicos em que intervém, no mesmo sentido, atribui força probatória aos documentos que corporiza.
8 - Ora, o notário exerce a sua função de modo autónomo e independente do Estado. Como sabemos é este quem suporta os custos da sua actividade. Esta característica de autonomia retira-lhe espectro de dependência funcional do Estado. Não nos podemos esquecer que o notário tem um objecto próprio e princípios jurídicos específicos que regulam esse objecto, não são as normas do Estado que o fazem.
9 - Os notários são, por isso, entidades de direito privado que exercem uma função pública, mas não deixam de ser considerados profissionais liberais puros.
10 - PEDRO GONÇALVES, em “Entidades Privadas com Poderes Públicos – O Exercício de Poderes Públicos de Autoridade por Entidades Privadas com Funções Administrativas”, Coimbra, Almedina, 2008, pag.586 - entende que o notário exerce uma “função pública autónoma, com características particulares”. Assim, o autor afirma que com o novo modelo de notariado o notário reúne em si a função pública e a profissão liberal.
11 - A grande questão que se levanta é saber que regime de responsabilidade se aplica ao notário e para tal temos que saber qual é a natureza jurídica da relação que se estabelece entre o notário e o seu cliente.
12 - Entre nós a relação entre o notário e o cliente caracteriza-se por aquele pedir ao notário para que lhe elabore um documento que produz certos efeitos jurídicos, em troca de uma contraprestação. E começamos por afirmar que, no nosso entender, o contrato típico que aqui se realiza é o de prestação de serviços.
13 - Este tipo de contrato encontra-se consagrado nos artigos 1154º e seguintes do Código Civil e trata-se um contrato segundo o qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo e determinado resultado do seu trabalho. Caracteriza-se por uma das partes se obrigar a proporcionar a outro certo resultado, seja do seu trabalho intelectual ou manual, remunerado ou não.
14 - O notário tem que perceber o que o seu cliente pretende e elaborar. O contrato de prestação de serviços tem várias modalidades, importando-nos aqui referir o contrato de mandato.
15 - Neste contrato obriga-se o mandatário a praticar um ou mais actos jurídicos por conta do mandante. Se atentarmos ao referido por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em FERNANDO ANDRADE PIRES DE LIMA e JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1986, pag.705 os autores afirmam que as profissões liberais são serviços que, à partida, ficam sujeitos ao contrato de mandato.
16 - Sendo que cumpre ressalvar que neste caso concreto os notários obedecem a um Estatuto próprio que se sobrepõe ao regime do contrato de mandato. E como tivemos a oportunidade de ver, é o próprio preâmbulo do Decreto Lei nº26/2004 de 4 de Fevereiro classifica o notário como um profissional liberal.
17 - Assim sendo, o mandato caracteriza-se pelo contrato que tem por objecto a prática de um ou mais actos jurídicos e os actos praticados pelo mandatário podem revestir a forma de negócios jurídicos ou actos jurídicos.
18 - Para que estejamos perante este tipo de contrato o acto ou negócio jurídico que o envolve deve correr por conta do mandante, não podendo ser gratuito. Nem há aqui a exigência de que o mandatário actue em representação do mandante, basta apenas que aquele se comprometa com este a usar a sua capacidade de actuação no ramo do direito.
19 - É, porém, admissível que o notário represente o seu cliente, mesmo que esta não seja a realidade de todos os actos que pratica, ela é uma função compatível com a sua função base.
20 - Neste caso executa em nome próprio, gere as funções de que está incumbido, tornando-se ele próprio sujeito dos direitos e deveres que decorrem da actividade exercida, embora posteriormente transfira para o mandante, tais direitos e deveres.
21 - A obrigação essencial deste tipo de contrato é a obrigação de praticar certos actos que devem ser realizados segundo as instruções do mandante.
22 - Não se impõe ao mandante a simples emissão de uma declaração de vontade, impõe-se a obrigação de dar execução a um acto jurídico em que a determinação e a vontade do próprio agente tem um papel de extrema importância é claro que o notário está obrigado ao princípio da legalidade e da imparcialidade.
23 - O artigo 1158º do Código Civil diz-nos que o mandato é, presumidamente, gratuito, excepto quando os actos praticados pelo mandatário sejam realizados no âmbito da sua profissão. Nesse caso são onerosos.
24 - Este é o caso do notário, os actos que pratica enquanto mandatário do cliente (mandante) são actos praticados no exercício das suas funções e, por isso, são onerosos. Nada impede que o notário pratique actos gratuitos (por exemplo, quando pratica um acto em relação de mandato com um amigo ou um familiar).
25 - A onerosidade dos actos praticados pelo mandatário, diga-se notário, são fixados pelas partes e pelas tarifas profissionais, como sabemos há uma tabela de honorários que fixa honorários fixos, variáveis entre um mínimo e um máximo e livres, a que os notários devem obedecer. Além disso, o notário tem a possibilidade de cobrar honorários a título de assessoria.
26 - Esta assessoria típica do notário é todo o apoio que ele presta às partes, faz parte do contrato que ele estabelece com as partes e ele pode cobrar por isso. Para além destes contra-argumentos, é ainda invocado outro que diz que o notário não pode recusar serviço, logo deve atuar sempre que lhe seja solicitado porque a lei o impõe e não porque se estabelece uma relação contratual. Na realidade, o notário tem uma mínima autonomia, ele pode recusar praticar certos atos quando a lei lhe permita.
27 - Pelo que, tanto o argumento dos honorários como o da não recusa de actos são facilmente compatíveis com a relação contratual que se estabelece. No fundo o que está em causa são restrições ao princípio da liberdade contratual, mas que acontecem nos mais variados contratos.
28 - Uma vez aqui chegados, concluímos que a relação entre o notário e o seu cliente passa por um contrato de mandato, ou seja, por uma relação contratual.
29 - Não obstante a fé publica delegada ao notário este não pode fugir às demais profissões, tendo como contrapartida dos benefícios pecuniários recebidos, o risco do dever de indemnização àqueles que recorreram aos seus serviços e foram prejudicados por culpa sua.
30 - Para que possamos aplicar a responsabilidade contratual é necessário que na base da relação dos sujeitos esteja um contrato.
31 - Ora, é neste momento que se reporta importante a classificação da relação entre o notário e o cliente, que como definimos se trata de um contrato de mandato.
32 - O cumprimento ou não cumprimento das obrigações do mandatário será de apreciar em face das normas que regulam o cumprimento e o incumprimento das obrigações em geral, logo e segundo o artigo 798º do Código Civil o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelos prejuízos causados ao credor e o regime aplicável é o da responsabilidade contratual. Coloca-se a questão de saber se se aplica o regime da responsabilidade contratual na mera consulta da mesma forma que se aplica no efectivo contrato do mandato? Sim, em ambos os casos se aplica o regime da responsabilidade contratual.
33 - Na mera consulta ou prestação de assessoria o notário deve ser sempre o mais cuidadoso possível. De encontro ao nosso pensamento está BRUNO MIGUEL COSTA FELISBERTO, em Responsabilidade Civil dos Notários em Portugal, in cenor.fd.uc.pt que no âmbito do seu doutoramento fez um trabalho sobre a responsabilidade civil do notário, onde afirma que se deve aplicar a responsabilidade civil contratual.
34 - Entendemos que o argumento do notário ser imparcial não obsta a que entre ele e as partes esteja uma relação contratual, na realidade as partes pedem ao notário que tome as medidas necessária a realização de certa escritura e o notário não pode tomar partido por uma das partes, mas deve fazer o que lhe foi pedido, que é a realização da escritura. O notário tem que adequar as vontades das partes ao ordenamento jurídico e esta função não é incompatível com a relação contratual que se estabelece.
35 - O facto de o notário ser um profissional que tem que obedecer ao princípio da legalidade, não faz com que se esteja perante outro tipo de responsabilidade.
36 - Na verdade, o notário exerce uma função jurídica privada, como tal, presta assessoria, assistência, conselho, ajuda a formar a vontade das partes e adequa-a ao ordenamento jurídico, prepara o documento e isto são tudo características da função que o notário pratica em troca de uma prestação, que é a essência do contrato.
37 - Se o contrato se define como uma relação entre duas pessoas em que uma se obriga a realizar uma prestação ou a entregar uma coisa e a outra se obriga a pagar uma quantia, então não há como fugir desta conclusão, de que a relação entre o notário e o cliente é um contrato.
38 - Sendo uma relação contratual não há dúvida alguma que a responsabilidade a aplicar será a responsabilidade contratual e não a responsabilidade extracontratual, sendo que o próprio juiz a quo afirma expressamente na sentença recorrida “Ainda que não sufraguemos integralmente a interpretação da ré, cremos que é, ainda assim, a que mais se aproxima da jurisprudência antes analisada e que aqui preconizamos.”
39 - Não obstante, tal não significa que a posição ora defendida não possa ser devidamente analisada por este tribunal superior, o que se requerer e, serve de fundamento e motivação para o presente articulado de recurso.
40 - Ora, no caso em apreço, mediante escritura pública de compra e venda datada de 26.04.2012, outorgada no cartório notarial da ré, os autores, ora Recorrentes adquiriram seis prédios rústicos e um prédio urbano, tendo em vista a produção de frutos vermelhos.
41 - Previamente à celebração desta escritura, os outorgantes, por intermédio da vendedora M. J., recorreram à ajuda especializada da ré para que todos os procedimentos legais necessários à boa concretização do negócio fossem cumpridos, nomeadamente a comunicação aos preferentes da intenção de venda, para que estes pudessem exercer o seu direito de preferência, querendo; na carta que a ré redigiu e que foi enviada aos preferentes foram mencionados os seis prédios rústicos, mas não o prédio urbano.
42 - Posteriormente à celebração da escritura pública de compra e venda acima referida, com fundamento na circunstância de o negócio celebrado ser diferente do que lhes foi comunicado, por incluir um prédio urbano não mencionado na notificação que lhes foi endereçada, D. E. e M. B. intentaram uma acção de preferência contra os respectivos outorgantes, a qual veio a ser julgada procedente, por decisão já transitada em julgado.
43 - Desta forma, decorre da factualidade descrita que os ora Autores, efectivamente contrataram a Ré para esta redigir a carta de preferência, num claro contrato de prestação de serviços, até porque tal serviço poderia ser desempenhado quer por um advogado, por um solicitador, por qualquer pessoa com formação técnica especializada em direito.
44 - Ou seja, a Ré, poderia ser notária ou não, de facto, a redacção de uma carta de preferência não decorre expressamente de qualquer competência dos notários, no seio de qualquer poder público, mas antes decorre de um claro contrato de prestação de serviços, na modalidade do contrato de mandato.
45 - Ou seja, os Autores, ora Recorrentes, confiaram na Ré todos os procedimentos a realizar, nomeadamente, a comunicação aos preferentes, nos termos da lei, da intenção da venda, para que estes, querendo, pudessem exercer o seu direito de preferência, bem como em como as restantes diligências conducentes à outorga da escritura e a boa conclusão do negócio de compra e venda.
46 - Razão pela qual se crê efectivamente que estamos perante o regime da responsabilidade contratual, pois que a Ré, no regime das obrigações, cabia-lhe redigir uma carta de preferência e, em contrapartida aos Autores, ora Recorrentes, iriam proceder ao pagamento devido por tal acto desempenhado, sendo que a Ré procedeu ao cumprimento da obrigação de forma defeituosa, como venho a provar-se no âmbito da acção de preferência declarada procedente.
47 - Pelo que, terá a Ré de ser necessariamente responsável pelos danos produzidos na esfera patrimonial dos Autores, ora Recorrentes.
48 - Sucede, no entanto, que mesmo que se admita que um determinado facto viole, simultaneamente, uma relação contratual e um direito absoluto, nomeadamente, o direito ao bom nome de outrem, i.e, seja susceptível de preencher os requisitos de aplicação dos regimes da responsabilidade contratual e extracontratual, será de afastar o sistema de cúmulo das duas variantes da responsabilidade civil, de acção híbrida ou da teoria da opção, antes se preconizando a aplicação do princípio da consumpção, de acordo com o qual o regime da responsabilidade contratual “consome” o da extracontratual – v. neste sentido MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., 490-495., em Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 1922/08.6TVLSB-A.L1-2, de 17/12/2009.
49 - Desta forma, à factualidade em apreço, aplica-se o regime da responsabilidade contratual, sendo o prazo a aplicar é o previsto no artigo 309.º do Código Civil, o qual prevê o prazo de 20 anos como prazo ordinário de prescrição.
50 - Assim, o prazo prescricional aplicável, em relação ao direito indemnizatório invocado pelos Autores, alegadamente decorrente da conduta da Ré, não pode deixar de ser o ordinário, previsto no artigo 309º do Código Civil, o qual não se mostra ainda decorrido.
51 - Pelo que, deverá concluir-se pela procedência do presente recurso, sendo assim a acção interposta pelos Autores, ora Recorrentes, a 13 de abril de 2018, declarada tempestiva e, nessa sequência deverá a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos presentes autos para todos os devidos efeitos legais.
52 - CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA e, se prossiga a posição de que o regime aplicável aos presentes autos é o regime da responsabilidade extracontratual, sempre se dirá que deverá fazer-se uma diferente interpretação do artigo 498.º do Código Civil, no que respeita ao início da contagem do referido prazo. 53 - Determina o artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil que “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.
54 - O prazo da prescrição começa a contar-se a partir do momento em que o direito pode ser exercido (art. 306º, nº1, C. Civil), sendo que, no âmbito específico da prescrição do direito de indemnização, presume o Legislador que o mesmo pode ser exercido a partir do momento do seu conhecimento pelo lesado, embora este desconheça ainda a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos (art. 498º, nº1, do Civil).
55 - Significa isto que o termo inicial da contagem do prazo de prescrição do direito de indemnização baseada em responsabilidade civil por factos ilícitos residirá no conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe compete, ou seja, no seu conhecimento de que tem direito a ser indemnizado, embora desconheça ainda a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos.
56 - Do texto legal (art. 498º, nº1, C. Civil), podemos e devemos retirar, pois, um conjunto de imposições que são determinantes para aferir, em concreto, qual esse termo inicial de contagem (art. 9º do C. Civil).
57 - Desde logo, ao referir-se à data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, diz-nos o Legislador que não está em causa, nessa determinação do «termo inicial» de contagem do prazo de prescrição, saber em que momento um lesado, agindo com ideal ou média diligência, poderia ter-se apercebido do direito a ser indemnizado, mas sim apurar quando é que dele efectivamente se apercebeu o concreto lesado que vem pedir a indemnização a Tribunal.
58 - E sendo relevante o conhecimento do lesado concreto, significa isso que esse conhecimento não implica conhecimento jurídico, bastando um conhecimento «empírico» dos factos constitutivos do direito, ou seja, é suficiente que o lesado saiba que foi praticado um acto que lhe provocou prejuízos, e que esteja em condições de formular o juízo subjectivo que lhe permita qualificar aquele acto como gerador de responsabilidade pelos danos que sofreu.
59 - A questão de determinar o «termo inicial de contagem» do prazo de prescrição implica, pois, essencialmente, a ponderação da factualidade denunciada, mediante recurso a regras da vida e experiência comum, de modo a poder ser formulado o juízo sobre o momento em que o concreto lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
60 - Pois que, o momento inicial de contagem do prazo de prescrição coincide com o momento do «conhecimento empírico dos pressupostos da responsabilidade» pelo lesado concreto, conhecimento que deve enraizar suficientemente nos factos noticiados e deve potenciar ao lesado o exercício do seu direito.
61 - Ora, no caso em apreço, apenas com o trânsito em julgado do acórdão proferido no âmbito do processo n.º 3153/12.1TBBCL, é que efetivamente se concretizaram os danos dos Autores, ora Recorrentes, com a anulação da escritura de compra e venda.
62 - Antes do transito em julgado dos referidos autos não existiam qualquer danos para os Autores, não existia qualquer dano concreto, que pudesse fazer preencher os pressupostos da responsabilidade civil.
63 - Até porque a ação de preferência poderia ser declarada improcedente e, nunca se viriam a equacionar ou a concretizar quaisquer danos na esfera patrimonial dos Autores, ora Recorrentes.
64 - De facto, terão de se concretizar, pelo menos uma parte dos danos e, não danos hipotéticos, eventuais e, desta forma apenas com o reconhecimento do direito de preferência é que resultaram danos efetivos para os Autores, ora Recorrentes.
65 - E, o mesmo se diga em relação ao facto ilícito e nexo de causalidade que nem tão pouco se verificaram, antes do trânsito em julgado da ação de preferência, pois que apenas naqueles autos é que se concretizou o cumprimento defeituoso da Ré na obrigação que lhe estava adstrita.
66 - “Quando se determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu, e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento.
67 - Assim, o início da contagem do prazo de prescrição não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, que saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém – saiba ou não do seu carácter ilícito – e que dessa prática ou omissão resultaram para si danos” - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 7605/08.0TBBRG-AN.G1, de 27/05/2017.
68 - O direito de indemnização, segundo o disposto no artigo 498º do CC, prescreve a contar da data em que o lesado teve conhecimento da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade do lesante, ou seja, o prazo prescricional conta-se a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade (o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade), soube ter direito à indemnização – Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, Processo n.º 1200/16.7BESNT-A, de 18/06/2020.
69 - No caso em apreço, estamos perante apenas uma eventualidade, uma hipótese, que decorreu da propositura da acção de preferência, mas que não pode considerar-se que nasceu aí o direito dos Autores a intentar uma acção contra a Ré, a qual nunca seria decidida sem o trânsito em julgado daquela.
70 - O decurso do prazo prescricional inicia-se a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização.
71 - Para que comece a correr o prazo da prescrição, é de exigir o conhecimento, pelo lesado, de que é juridicamente fundado o direito à indemnização, dado que quem não tem esse conhecimento não sabe se pode exigir a indemnização, não se achando, portanto, nas condições que constituem a razão de ser da prescrição de curto prazo.
72 - Assim, salvo o devido respeito, atento o comportamento da Ré, com o cumprimento defeituoso da obrigação a que estava vinculada, redacção da carta de comunicação de preferência, incorre em responsabilidade contratual para com os Autores, ora Recorrentes.
73 - Mas mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que, aplicando o regime da responsabilidade extracontratual, o prazo para interpor a presente acção começou a contar desde o trânsito em julgado da acção de preferência, do processo n.º3153/12.1TBBCL, pois que só com a procedência de tal acção é que nasceu o direito dos ora Autores a serem indemnizados, pois que ainda não se tinham verificados os pressupostos deste regime de responsabilidade civil.
74 - Desta forma, salvo o devido respeito, não andou bem o Meritíssimo Juiz “a quo” ao decidir nos termos em que o fez, julgando procedente a excepção de prescrição invocada.
75 - Assim a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 306.º, 309.º, 498.º, n.º 1 e 798.º do Código Civil.
76 - Pelo exposto, a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por despacho saneador que julgue improcedente a excepção de prescrição invocada, ordenando o prosseguimento dos autos com a marcação de audiência e discussão de julgamento para produção da prova arrolada pelas partes.
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Os Apelados apresentaram contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II – Delimitação do objecto do recurso.

Sendo certo que, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, pode ser enunciada a seguinte questão a decidir:

- Analisar da qualificação da responsabilidade civil que impende sobre o Notário e da existência ou não de prescrição do eventual direito indemnizatório.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Além do que consta do relatório da presente decisão e com relevância para a decisão da causa, da decisão recorrida constam, designadamente, os seguintes fundamentos de facto e de direito:
(…)

1. O tempo é um facto jurídico não negocial, susceptível de influir nas mais diversas relações jurídicas e em diferentes domínios do direito civil. Entre os mais relevantes efeitos jurídicos do decurso do tempo destacam-se a prescrição extintiva e a caducidade.
No que concerne à prescrição – que é o instituto que aqui importa analisar –, desde logo porque, quando invocada (ela não opera ipso jure – cfr. artigo 303.º do CC), pode acarretar a extinção de direitos, se estes não tiverem sido exercidos durante certo lapso de tempo estabelecido na lei (cfr. artigo 298.º, n.º 1, do CC), podendo assim o devedor recusar o cumprimento, invocando essa prescrição.
Embora não lhe sejam totalmente estranhas razões de justiça, a prescrição extintiva é um instituto endereçado, fundamentalmente, à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade, partindo a sua fundamentação legal da ponderação da inércia do titular do direito, que faz presumir a renúncia ao mesmo ou, pelo menos, o torna indigno de tutela jurídica, em harmonia com o velho aforismo dormientibus non succurrit jus (M. Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 446).
Visando a prescrição satisfazer a necessidade social de segurança jurídica, de certeza dos direitos, e assim proteger o interesse do sujeito passivo, tem como efeito dispensar a protecção do sujeito activo, atendendo ao seu desinteresse ou inércia em exercitar o seu direito. Compreende-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, em defesa da expectativa do devedor de se considerar dispensado de cumprir, tendo inclusivamente em conta a dificuldade que este poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova do cumprimento que, porventura, tivesse feito (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, p. 554). O instituto em causa tem, assim, subjacente a inércia do titular do direito, conjugada com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 637). Parece, assim, dever situar-se o fundamento último da prescrição na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado.
Assim, decorrido o prazo da prescrição, o devedor pode, se quiser, opor-se à pretensão do titular do direito e recusar-se a cumprir, sem ter de usar de outro meio de defesa para além da simples invocação do decurso do tempo.
No caso vertente, tendo a ré invocado o decurso do prazo de prescrição previsto no artigo 498.º, n.º 1, do CC, importa, antes de mais, averiguar se a conduta que os autores lhe imputam para fundamentar o pedido formulado se insere, efectivamente, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual ou se, ao invés, deve ser enquadrada na responsabilidade contratual, sendo certo que o enquadramento numa ou noutra modalidade tem relevantes consequências ao nível do prazo de prescrição. Na verdade, se estiver em causa uma situação de responsabilidade contratual, a excepção de prescrição suscitada pela ré nem se coloca, já que o prazo prescricional será, nesse caso, o prazo ordinário de 20 anos e não o curto prazo de 3 anos previsto no aludido artigo 498.º, n.º 1, do CC.
Tanto a responsabilidade civil contratual como a responsabilidade civil extracontratual são fontes do direito de indemnizar. Como ensina Antunes Varela, «na rubrica da responsabilidade civil cabe tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei (responsabilidade contratual), como a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízos a outrem (responsabilidade extracontratual). (…) Apesar da nítida distinção conceitual existente entre as duas variantes da responsabilidade civil (uma, assente na violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência, correspondentes aos direitos absolutos; a outra resultante do não cumprimento, lato sensu, dos deveres relativos próprios das obrigações, incluindo os deveres acessórios de conduta, ainda que impostos por lei, no seio da complexa relação obrigacional), a verdade é que elas não constituem, sobretudo, na prática da vida, compartimentos estanques» (Das Obrigações em Geral, 10.ª ed., pp. 519 e ss.).
Para sabermos se existe incumprimento de um contrato ou violação dos deveres gerais de conduta que a ordem jurídica impõe aos indivíduos com vista à protecção de direitos, importa ter em consideração os factos que alicerçam a causa de pedir, ou seja, o facto jurídico de onde emerge a pretensão formulada pelo autor, que é constituída pelos factos concretos que integram a situação a apreciar, independentemente da qualificação jurídica que lhes venha a ser atribuída.
No caso em análise, os autores fundamentam a concreta pretensão de tutela jurisdicional no facto de a ré não ter cumprido os seus deveres enquanto notária, na medida em que, antes da celebração da escritura pública de compra e venda em que os autores intervieram como compradores, na carta que redigiu tendo em vista a notificação dos proprietários dos prédios confinantes para exercerem, querendo, o seu direito de preferência, omitiu um dos prédios objecto de transmissão, após o que, apesar de estar consciente do erro em que incorreu, não se absteve de celebrar a referida escritura pública, erro que acabou por fundamentar o exercício do direito de preferência por parte de proprietários confinantes e que causou danos aos autores.
Perante esta causa de pedir, não restam dúvidas de que a presente acção, tal como os autores a configuram, está assente na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, domínio em que imperam, fundamentalmente, os artigos 483.º a 498.º do CC. De resto, esta qualificação mereceu a concordância de todas as partes, não apenas os autores e a ré inicial, mas também os intervenientes subsequentemente chamados à acção.
De todo o modo, para fundamentar tal conclusão, importa caraterizar, ainda que em termos sumários, a relação jurídica sub judice, nomeadamente à luz do estatuto dos notários.
Como é consabido, desde, pelo menos, a reforma levada a cabo pelos Decretos-Leis n.º 26/2004 (que aprovou o Estatuto do Notariado) e n.º 27/2004 (que criou a Ordem dos Notários e o respetivo Estatuto), ambos de 4 de Fevereiro, mostra-se consagrado entre nós o denominado sistema ou modelo do notariado latino, à luz do qual o notário é um profissional de direito encarregado de receber, interpretar e dar forma legal à vontade das partes, redigindo os instrumentos adequados a esse fim e conferindo-lhes autenticidade. Deste modo, o notário é um jurista ao serviço das relações jurídico-privadas, mas ao mesmo tempo é um oficial público, que recebe uma delegação da autoridade pública para redigir documentos autênticos dotados de fé pública. Esta dupla qualidade de oficial público e de profissional do direito está expressamente consagrada no n.º 2, do artigo 1.º, do DL n.º 24/2004, dispondo ainda o n.º 3 do mesmo normativo que «a natureza pública e privada da função notarial é incindível».
Como oficial público, exerce a fé pública notarial, que tem e sustenta um duplo conteúdo: na esfera dos factos, a exatidão dos que o notário vê, ouve ou percebe pelos seus sentidos; na esfera do direito, a autenticidade e força probatória das declarações de vontade das partes no instrumento público, redigido segundo as leis. Deste modo, exerce uma função pública documental ou de autenticação, isto é, uma função dirigida ao documento, na sua expressão externa de autenticidade dos factos ou das declarações de vontade.
Já como profissional de direito exerce uma função jurídica privada: função de assessoria, assistência e aconselhamento na formação da vontade das partes e na adequação ou conformação daquela vontade ao ordenamento jurídico. Dito de outro modo, a função jurídica privada refere-se à preparação do documento, à recolha da vontade das partes, ao conselho, à pedagogia e auxílio dessa vontade e à sua interpretação, bem como à expressão da vontade das partes, à redação e conformação do ato ou relação jurídica.
Daí que o notário venha sendo considerado um terceiro imparcial, que deve estar sempre acima dos interesses comprometidos: a sua profissão obriga-o a proteger as partes com igualdade, libertando-as, com as suas explicações imparciais e oportunas, dos enganos a que poderia conduzi-las a sua ignorância. O notário tem, pois, o dever (legal) de cuidar dos interesses de ambas as partes e, buscando o ponto de equilíbrio, servir a vontade comum, obtendo uma composição duradoura, e se possível definitiva, dos interesses opostos. O notário serve as partes e nenhuma em particular. Para o notário não há clientes, há apenas outorgantes, e todos merecem o mesmo tratamento e proteção.
É certo que a segurança que o notário proporciona é, antes de tudo, uma segurança documental, derivada da eficácia do instrumento público, dotado de autenticidade, eficácia essa que se expande pelo tráfico jurídico, pelo processo e em variadas outras direções (eficácia probatória, executiva, legitimadora, etc.). Mas a importância desta segurança formal não pode fazer esquecer que antes dela há uma outra – a segurança substancial – que requer que o acto ou contrato documentado seja válido e eficaz, segundo as prescrições do ordenamento jurídico. O instrumento público só pode ter por conteúdo um negócio válido. A função do notário não consiste em dar fé a tudo o que veja ou oiça, seja válido ou nulo, mas em dar fé em conformidade com a lei. Existe, por conseguinte, um controlo da legalidade do negócio, cabendo ao notário detectar incapacidades, erros de direito ou de facto, coações encobertas, fraudes à lei e, eventualmente, reservas mentais e simulações, absolutas ou relativas. Por isso se tem justamente afirmado que a segurança preventiva é uma consequência ou resultado normal da sua intervenção.
Isso mesmo é posto em evidência por Mónica Jardim (A segurança jurídica preventiva como corolário da atividade notarial, in Escritos de Direito Notarial e Direito Registal, p. 7-17), ao sublinhar que a função do notário (latino), com o seu amplo conteúdo de assessoria, assegura a realização pacífica e espontânea do Direito, prevenindo futuros litígios baseados no desconhecimento do ordenamento jurídico. A certeza que acompanha a intervenção notarial gera verdade, credibilidade, confiança e, assim, segurança jurídica.
Como se assinalou, o notário, enquanto operador jurídico da lei e da vontade das partes, tem de ser – é, por definição – completamente independente no exercício da sua função, autónomo e responsável, não subordinado, devendo obediência apenas à lei e à vontade das partes, encontrando-se outrossim obrigado a proteger os outorgantes com igualdade e imparcialidade, deveres estes que estão consagrados, designadamente, nos artigos 10.º, 11.º, 12.º, 13.º e 15.º do DL n.º 26/2004.
É com o assinalado propósito de defesa dos interesses das partes que surge um comando normativo como o que se mostra vertido no artigo 11.º do último diploma citado, que no seu n.º 1 expressamente preceitua que «[o] notário deve apreciar a viabilidade de todos os actos cuja prática lhe é requerida, em face das disposições legais aplicáveis e dos documentos apresentados ou exibidos, verificando especialmente a legitimidade dos interessados, a regularidade formal e substancial dos referidos documentos e a legalidade substancial do acto solicitado». Ainda com o mesmo desiderato, dispõe o seu n.º 3 que «[o] notário não pode recusar a sua intervenção com fundamento na anulabilidade ou ineficácia do ato, devendo, contudo, advertir os interessados da existência do vício e consignar no instrumento a advertência feita».
Em face de tudo quanto ficou exposto, não suscita dúvidas a conclusão de que entre o notário e as partes não se estabelece qualquer vínculo de cariz negocial, pelo que a responsabilidade em que aquele eventualmente incorra no exercício das suas funções assumirá natureza delitual ou aquiliana, que não contratual.
Como se referiu, os demandantes fundamentam a sua concreta pretensão de tutela jurisdicional contra a ré notária, precisamente, na inobservância por parte da mesma dos deveres (legais) profissionais.
Tendo-se qualificado a eventual responsabilidade civil em que o notário incorra no exercício da sua atividade profissional como extracontratual, temos necessariamente que concluir que o prazo de prescrição aplicável é, efectivamente, o previsto no artigo 498.º, n.º 1, do CC.
2. Nos termos deste normativo legal, «[o] direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso».
Para além do prazo de três anos, esta norma consagra igualmente um critério especial para o início do curso desse prazo mais curto de prescrição, que se sobrepõe à regra geral e supletiva prevista no artigo 306.º do CC. Nos termos desta norma, «[o] prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido». Diferentemente, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 1, começa a correr quando o lesado tem conhecimento do direito que lhe compete, mesmo que desconheça a pessoa do responsável e a extensão dos danos.
Como vem sendo entendido pela jurisprudência e pela doutrina nacionais, o que releva para o início da contagem do prazo não é o conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, mas, tão só, o conhecimento dos factos constitutivos desse direito, isto é, o conhecimento de que o acto foi praticado e que dessa prática resultaram para si danos.
Como se escreve no acórdão do STJ de 23.06.2016, proferido no proc. n.º 54/14.2TBCMN-B.G1.S1 (disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem indicação da respectiva fonte), «o legislador consignou que o início de contagem do prazo apenas exige do lesado o conhecimento do direito de indemnização, ou seja a percepção da titularidade do direito de ser indemnizado pelos danos que sofreu (Rev. dos Trib., ano 86º, pág. 159), reportando esse conhecimento não tanto à consciência da possibilidade legal de formulação do pedido de condenação, nem à comprovação da ilicitude da actuação, mas ao conhecimento da generalidade dos pressupostos de facto do direito de indemnização (Acs. do STJ, de 27-11-73, BMJ 231º/162, e de 6-10-83, BMJ 330º/495)». No mesmo sentido vide, entre outros, os acórdãos do STJ de 18.04.2002 (prc. n.º 02B950) e da RG de 25.05.2017 (proc. n.º 7605/08.0TBBRG-AN.G1).
Assim, acrescenta-se no mesmo acórdão do STJ de 23.06.2016, «o lesado tem o ónus de agir judicialmente a partir da sua percepção dos pressupostos da responsabilidade civil. Nada permite afirmar que a contagem do prazo pode ser diferida para o momento em que for judicialmente reconhecida a existência da ilicitude da conduta do agente. A ilicitude do agente constitui um dos diversos pressupostos do direito de indemnização e, por isso, faz todo o sentido que seja apreciado no âmbito da acção em que seja reclamado o ressarcimento dos danos imputados a uma conduta ilícita do agente».
Claro que, conforme afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, esta solução «não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a prescrição ordinária se não tiver consumado, o lesado requeira a indemnização correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores» (Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., p. 504).

No caso concreto, na interpretação que a ré e as intervenientes fazem deste normativo, o prazo de prescrição começa a contar-se desde a data em que os autores tomaram conhecimento do teor da carta enviada aos proprietários dos prédios confinantes para exercerem, querendo, o seu direito de preferência e em que foi celebrada a escritura pública de compra e venda, mais concretamente 26.04.2012, ou, pelo menos, desde a data em que foram citados para a acção de preferência, pois foi naquela primeira data ou, pelo menos, na última que os autores se depararam com todos os pressupostos necessários ao exercício do direito de acção indemnizatória, ainda que não conhecessem a amplitude total dos danos e que a sua produção se protelasse no tempo, sendo certo que a eventualidade de vir ser julgada improcedente a acção de preferência não legitima opção por tese diversa, visto que a mesma apenas se repercutiria na improcedência do pedido indemnizatório e que o “conhecimento do direito” de indemnização que competia aos autores não dependia da prévia confirmação judicial da existência do facto ilícito.
Diferente interpretação é feita pelos autores, os quais consideram que o prazo de prescrição apenas se iniciou com o trânsito em julgado da decisão da acção de preferência, pois só então os factos imputados à ré se tornaram danosos, sendo certo que a referida acção de preferência sempre se configuraria como causa prejudicial da presente acção indemnizatória.
Ainda que não sufraguemos integralmente a interpretação da ré, cremos que é, ainda assim, a que mais se aproxima da jurisprudência antes analisada e que aqui preconizamos.
O facto ilícito em que os autores baseiam o seu pedido consiste, como vimos, no erro em que a ré incorreu ao redigir a carta destinada a comunicar o projecto de venda dos sete prédios acima mencionados aos proprietários dos prédios confinantes, para estes exercerem, querendo, o seu direito de preferência, bem como na circunstância de ter efectivamente celebrado a aludida escritura pública apesar de estar consciente do erro em que incorrera, factos que configuram uma violação dos seus deveres profissionais enquanto notária.
Os danos que afirmam decorrer desse facto ilícito correspondem às despesas com a escritura e os respectivos registos, aos custos da acção de preferência e às perturbações e aborrecimentos que vêm sofrendo desde que se aperceberam da conduta lesiva da ré, a qual conduziu a um longo processo judicial.
Perante estes dados, afigura-se de meridiana clareza que, no momento em que foi celebrada a escritura pública, os autores ainda não tinham conhecimento do seu direito indemnizatório. Na verdade, mesmo que estivessem cientes do teor da carta redigida pela ré e, portanto, do erro em esta incorreu ao omitir um dos prédios incluídos no projecto de venda, não foi alegado que nesse momento já tivessem conhecimento de algum dano decorrente desse comportamento, não tendo sido, designadamente, alegado que lhes tivesse sido comunicada ou que, de alguma forma, conhecessem a intenção de algum dos proprietários confinantes exercer o seu direito de preferência. É certo que D. E. já havia anteriormente manifestado a sua pretensão de exercer tal preferência, mas sem viabilidade, por pretender um negócio diferente do que lhe foi comunicado, não havendo qualquer motivo para que os autores presumissem (ou devessem presumir) que aquele pretendia exercer o seu direito de preferência nos termos em que o negócio foi efectivamente concretizado.
Mas afigura-se igualmente claro que a conclusão é, necessariamente, outra a partir do momento em que os autores foram citados para a acção de preferência. Com essa citação os autores ficaram cientes de que os aí autores, proprietários de prédios confinantes, queriam exercer o seu direito de preferência, tal como ficaram cientes de que teriam de suportar os custos dessa acção se quisessem contestá-la, como fizeram, tendo os próprios autores alegado que vêm sofrendo enormes perturbações e aborrecimentos desde que se aperceberam da conduta lesiva da ré.
Em contrapartida, a decisão final da acção de preferência em nada contribuiu para o conhecimento que os autores têm do seu direito, a não ser, eventualmente, para a melhor definição da extensão do dano.
Já vimos em que termos a jurisprudência rejeita o diferimento do início do prazo de prescrição para o momento do reconhecimento judicial da ilicitude da conduta do lesante. Não ignoramos que essa jurisprudência admite algumas excepções a esta regra, nomeadamente «em situações em que o direito violado esteja dependente de reconhecimento judicial, através de sentença proferida em acção de natureza constitutiva» (cfr. ac. STJ de 23.06.2016, antes citado).
Mas, no caso concreto, estas questões nem sequer se suscitam.
Nas situações apreciadas nos acórdãos antes citados, as decisões judiciais invocadas para justificar o diferimento do início do prazo prescricional tinham como objecto imediato a declaração da ilicitude dos comportamentos que serviram de fundamento aos pedidos indemnizatórios – a venda de um imóvel, pertencente aos autores, por procurador sem poderes para esse acto (ac. do STJ de 2016); a ocupação ilegítima de um prédio da autora (ac. STJ de 2002); a apreensão indevida de um imóvel do autor para a massa insolvente e a omissão do dever de guarda do mesmo, o qual acabou por ser vandalizado (ac. TRG de 2017).
No caso vertente, a ligação entre as duas acções é significativamente mais ténue. A acção invocada para fundamentar o diferimento da prescrição tinha como objecto o exercício do direito de preferência, baseado na celebração de um contrato de compra e venda sem prévia e adequada comunicação aos preferentes, independentemente das razões e dos responsáveis pela insuficiência da comunicação efectuada. Tal decisão não se destinava a aferir, como não aferiu, da licitude ou ilicitude do comportamento da aqui ré, pois essa questão era totalmente irrelevante para o desfecho da acção, sendo certo que a ré nem sequer interveio na mesma e, por isso, nunca estaria sujeita ao respectivo caso julgado.
Acresce que, como é absolutamente evidente, apesar de ter natureza constitutiva, a acção de preferência invocada pelos autores não se destinou a reconhecer judicialmente o direito que os autores aqui afirmam ter sido violado.
De resto, embora aleguem que a referida acção de preferência constituía causa prejudicial da presente acção indemnizatória, os autores parecem não reportar essa prejudicialidade ao pressuposto da ilicitude, mas antes ao pressuposto do dano, ao afirmar que os factos praticados pela ré – a elaboração da carta enviada para os proprietários dos prédios confinantes e a celebração da escritura pública apesar de constatado o erro cometido naquela carta – não se tornaram efectivamente danosos na data da redacção da carta ou da celebração da escritura, nem na data da entrada da acção de preferência ou da citação dos aqui autores para essa acção, mas sim quando transitou em julgado a sentença que decidiu no sentido favorável aos preferentes, bem como ao acrescentar que o dano nunca se produziria se a sentença fosse no sentido da improcedência da acção de preferência.
Mas não lhes assiste razão.
Parece-nos inegável que os danos começaram a produzir-se muito antes da acção de preferência ter sido decidida, como é afirmado pelos próprios autores na petição inicial desta acção, designadamente nos artigos 62 e seguintes do seu articulado inicial, podendo ler-se seguinte logo no primeiro desses artigos: «Desde que os autores de aperceberam da conduta lesiva da ré, a qual conduziu a um longo processo judicial, têm sofrido enormes perturbações e aborrecimentos».
Cremos ser igualmente inegável que a improcedência da acção de preferência não teria a virtualidade de apagar as perturbações e os aborrecimentos já sofridos. Quando muito, poderíamos admitir que tal improcedência pudesse predispor os autores a prescindir da indemnização desses danos, sendo essa opção legítima, visto estarmos perante direitos disponíveis. O que não podemos é admitir a existência de danos não patrimoniais sujeitos a uma espécie de “condição resolutiva”.
Por outro lado, ao serem citados para a acção de preferência, os autores tiveram de recorrer aos serviços de um advogado e pagar taxas de justiça para poder intervir na causa. E não se diga que, improcedendo a acção de preferência, estes danos não teriam ocorrido, pois a ré seria reembolsada dos valores despendidos. Desde logo porque as normas processuais vigentes não consagram o direito ao reembolso dos montantes despendidos com os honorários dos advogados, mas tão-só alguns mecanismos (queremos referir-nos, essencialmente, ao regime legal das custas de parte consagrado nos artigos 25.º e seguintes do Regulamento das Custas Processuais, maxime o artigo 26.º, n.º 3, al. c), mas também ao instituto da litigância da má fé) que visam algum grau de compensação sem, todavia garantir um reembolso total, sendo certo que esses mecanismos estão sujeitos a requisitos e vicissitudes que podem determinar – e determinam frequentemente - a sua não aplicação. Mas também porque, ainda que estes mecanismos funcionem, não está nunca garantido o efectivo pagamento pela parte vencida.
Flui do exposto, por um lado, que a improcedência da acção de preferência não obstaria à produção dos danos alegados nesta acção e, por outro lado, que a procedência dessa acção não gera, por si mesma, danos novos, sem prejuízo desse desfecho poder condicionar a extensão dos danos patrimoniais e, mesmo, não patrimoniais já espoletados pelo comportamento imputado à ré.
Mas, como vimos, o facto de os danos não estarem determinados não impede o início do prazo prescricional, tanto mais que a lei, tanto substantiva como adjectiva, fornece os meios adequados para superar essa indeterminabilidade, nomeadamente a possibilidade de a parte deduzir pedidos genéricos, os termos previstos no artigo 556.º, n.º 1, al. b), do CPC.
A única dúvida que poderia suscitar-se diz respeito ao dano correspondente aos custos com a escritura pública de compra e venda e aos registos dessa aquisição, cancelados por força da procedência da acção de preferência.
Mas também neste caso não estamos perante um dano novo, hipótese em que seríamos obrigados a admitir que o mesmo tinha sido gerado por uma decisão judicial, tanto mais que o facto ilícito imputado à ré não configura um facto ilícito continuado, nos termos definidos no acórdão do STJ de 18.04.2002 acima citado, apto a gerar continuamente, até à sua cessação, novos danos.
Estamos, isso sim, perante a mera constatação do esvaziamento da utilidade de uma despesa anterior, que radica no mesmo acto ilícito imputado à ré – a errada notificação dos preferentes e a celebração da escritura apesar desse erro – e que sempre se prefigurou como a consequência inevitável do exercício do direito de preferência.
Em suma, mais do que um dano futuro, que apenas chega ao conhecimento dos autores com o trânsito em jugado da decisão da acção de preferência, o que está em causa é, tão-só, a definição concreta da extensão do dano.
Podemos, deste modo, concluir que os autores, logo que foram citados para a acção de preferência, se depararam com todos os pressupostos necessários ao exercício do seu direito de acção ressarcitória, posto que ainda não conhecessem a amplitude total dos danos.
O prazo de prescrição do direito que os autores pretendem efectivar por via da presente acção começou, assim, a correr no dia da referida citação. E embora não esteja junta a estes autos prova documental da data dessa citação, sabemos que a mesma ocorreu antes de 23.11.2012, pois foi nesta data que os aqui autores contestaram aquela acção de preferência, conforme documento n.º 2 junto com a contestação.
Assim, o prazo de prescrição de 3 anos terminou necessariamente antes de 23.11.2015.
Visto que os autores exerceram o seu direito em 13.04.2018 e que o exercício deste direito só produziu efeitos em relação à ré com a citação desta em 18.04.2018 (1.ª parte, do n.º 2, do artigo 259.º, do CPC), é isento de dúvida que o autor não exerceu o direito de indemnização em causa durante o lapso de tempo estabelecido na lei.
Pelo exposto, impõe-se julgar procedente a excepção de prescrição, e consequentemente, absolver a ré e demais intervenientes do pedido.

Fundamentação de direito.

Como fundamento da pretensão recursória que deduzem, invocam os Recorrentes a argumentação sinteticamente aduzida nas conclusões da apelação supra transcritas, em que discordam da decisão perfilhada na sentença recorrida que foi no sentido de que a eventual responsabilidade civil em que o notário incorra no exercício da sua actividade profissional deverá ser assumida como extracontratual, pelo que necessariamente concluiu que o prazo de prescrição aplicável é, efectivamente, o previsto no artigo 498.º, n.º 1, do CC, portanto o prazo de três anos.
Definidos os termos da controvérsia, e admitindo-se que sobre ela incidem divergentes e consistentes posições, passemos então à sua análise, ou seja, à determinação do regime de responsabilidade que se deve aplicar na relação que se estabelece entre o notário e o cliente.
Como é consabido, não existe absoluto consenso nesta matéria, sendo que, no sentido da existência de responsabilidade contratual pode ler-se no bem estruturado e aprofundado estudo de Juliana Miranda Marques Silva (1), o seguinte:
(…)
Sem dúvida que entendemos que estamos perante uma relação contratual. Se o contrato se define como uma relação entre duas pessoas em que uma se obriga a realizar uma prestação ou a entregar uma coisa e a outra se obriga a pagar uma quantia, então não há como fugir desta conclusão, de que a relação entre o notário e o cliente é um contrato. Sendo uma relação contratual não há dúvida alguma que a responsabilidade a aplicar será a responsabilidade contratual e não a responsabilidade extracontratual.
De forma a que deixassem de existir lacunas seria positivo que se procedesse a algumas alterações legislativas, de forma a colmatar a lacuna que existe em relação a esta matéria.
No artigo primeiro do EN já se considera o notário como profissional liberal, logo, não há como negar que estamos perante uma relação contratual e quanto a este aspeto não haveria necessidade de fazer nenhuma outra alteração.
Mas, relativamente ao regime de responsabilidade a aplicar, seria útil a existência de um artigo que nos remetesse para o regime da responsabilidade contratual. Assim a nossa proposta seria que se procedesse à alteração do artigo 184º do CN que atualmente tem a seguinte redação: “A revalidação ou sanação dos actos notariais não exime os funcionários da responsabilidade pelos danos que hajam causado.”
Este artigo deveria sim deixar claro que tanto o notário como os seus funcionários são responsáveis pelos danos que causam na prática da sua função, mas também remeter para o regime de responsabilidade a aplicar. Passando a ter a seguinte redação: “A revalidação ou sanação dos actos notariais não exime o notário e os seus funcionários da responsabilidade pelos danos que hajam causado, devendo observar-se as regras da responsabilidade previstas nos artigos 798º e seguintes do Código Civil.”
Desta forma, não surgiriam mais dúvidas e teríamos uma aplicação da lei uniforme e de acordo com a realidade do nosso ordenamento.
Esta seria a única forma de o CN estar em harmonia e não haver espaço a outras interpretações.
Vejamos, o CN trata os notários como profissionais liberais, logo ao considera-los profissionais liberais está a admitir que exercem as suas funções enquadradas no contrato de prestação de serviços, assim sendo 70 outra solução não há a não ser a de aplicar o regime de responsabilidade contratual.
Se tivermos uma norma que nos diz isto mesmo, então cria-se a dita harmonia e o problema fica solucionado.
(…)
Todavia, e salvo o muito e devido respeito, sem embargo do reconhecimento da complexidade da questão suscitada, e sendo certo que o direito é uma ciência da verosimilhança ou argumentação, que não comporta verdades absolutas, parece-nos mais consistente a tesse que vai no sentido da existência de exclusiva responsabilidade extracontratual.

E a propósito desta posição jurisprudencial pode ler-se no Acórdão da Relação do Porto, de 11/07/2018 (2), o seguinte:
(…)
Dispõe, com efeito, o nº 1 do art. 483º que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Do inciso normativo transcrito resulta, como, praticamente una voce, tem sido considerado pela doutrina[(3)2], que os pressupostos, requisitos ou elementos da responsabilidade civil por factos ilícitos são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Assim, para que exista obrigação de indemnizar, baseada em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, torna-se mister que se verifiquem todos os descritos pressupostos, sendo certo que, por força do critério geral estabelecido no art. 342º, complementado neste particular pelo disposto no art. 487º, incumbe a quem invoque a seu favor o direito à indemnização alegar e provar os factos pertinentes.
No acto decisório sob censura considerou-se não estarem, in casu, reunidos os pertinentes pressupostos ou requisitos da aludida fonte de obrigações, mormente por ausência de demonstração de nexo de causalidade entre o comportamento do réu C… e os danos cuja reparação o autor reclama na presente demanda.
É exactamente neste ponto que se situa o âmago do objecto do presente recurso, já que é primordialmente em relação à afirmação da ausência do apontado nexo causal que se reporta, em termos úteis, a divergência recursiva apresentada pelo apelante, que esgrime argumentação no sentido de que é manifesta a existência de nexo de causalidade entre o comportamento omissivo do réu e os danos que afirma ter sofrido em consequência do mesmo.
Na resolução da enunciada questão importa, como prius, caraterizar, ainda que em termos necessariamente sumários, o concreto estatuto dos notários, sendo que nos autos não é fundadamente posto em crise que a ajuizada escritura pública foi formalizada pelo réu na sua qualidade de notário.
Como é consabido, desde, pelo menos, a reforma levada a cabo pelos Decretos-Leis nºs 26/2004 (que aprovou o Estatuto do Notariado) e 27/2004 (que criou a Ordem dos Notários e o respetivo Estatuto), ambos de 4 de fevereiro, mostra-se consagrado entre nós o denominado sistema ou modelo do notariado latino (4), sendo que à luz deste sistema o notário é um profissional de direito encarregado de receber, interpretar e dar forma legal à vontade das partes, redigindo os instrumentos adequados a esse fim e conferindo-lhes autenticidade.
Ou seja, notário é um jurista ao serviço das relações jurídico-privadas mas ao mesmo tempo é um oficial público que recebe uma delegação da autoridade pública para redigir documentos autênticos dotados de fé pública.
Assim, é simultaneamente um oficial público e um profissional do direito, como, aliás, expressamente preceitua o nº 2 do art. 1º do DL nº 24/2004, dispondo ainda o nº 3 do mesmo normativo que “a natureza pública e privada da função notarial é incindível”.
Como oficial público exerce a fé pública notarial que tem e sustenta um duplo conteúdo: na esfera dos factos, a exactidão dos que o notário vê, ouve ou percebe pelos seus sentidos; na esfera do direito, a autenticidade e força probatória das declarações de vontade das partes no instrumento público, redigido segundo as leis. Deste modo, exerce uma função pública, documental ou de autenticação; função dirigida ao documento, na sua expressão externa de autenticidade dos factos ou das declarações de vontade, do acto ou da relação jurídica.
Já como profissional de Direito exerce uma função jurídica privada: função assessora, de assistência, conselho e formação da vontade das partes e de adequação ou conformação daquela vontade ao ordenamento jurídico. Dito de outro modo, a função jurídica privada refere-se à preparação do documento, à recolha da vontade das partes, ao conselho, à pedagogia e auxílio dessa vontade e à sua interpretação, bem como à expressão da vontade das partes, à redacção e conformação do acto ou relação jurídica.
Daí que o notário venha sendo considerado um terceiro imparcial, que deve estar sempre acima dos interesses comprometidos: a sua profissão obriga-o a proteger as partes com igualdade, libertando-as, com as suas explicações imparciais e oportunas, dos enganos a que poderia conduzi-las a sua ignorância.
O notário tem pois o dever (legal) de cuidar dos interesses de ambas as partes e, buscando o ponto de equilíbrio, servir a vontade comum, obtendo uma composição duradoura, e se possível definitiva, dos interesses opostos. O notário serve as partes e nenhuma em particular.
Para o notário não há clientes, há apenas outorgantes, e todos merecem o mesmo tratamento e proteção. Por via disso, não se estabelecendo entre o notário e as partes qualquer vínculo de cariz negocial, propendemos, pois, a considerar que a eventual responsabilidade em que aquele incorra no exercício das suas funções assumirá natureza aquiliana, que não contratual.
Portanto, no exercício desse múnus o notário (latino), a par da função estritamente documental, desempenha outrossim uma função jurídica privada (5) – que corresponde, além de outras tarefas, à adaptação, adequação ou conformação da vontade dos particulares ao ordenamento jurídico.
É certo que a segurança que o notário proporciona é, antes de tudo, uma segurança documental, derivada da eficácia do instrumento público, dotado de autenticidade, eficácia essa que se expande pelo tráfico jurídico, pelo processo e em variadas outras direções (eficácia probatória, executiva, legitimadora, etc.).
Mas a importância desta segurança formal não pode fazer esquecer que antes dela há uma outra – a segurança substancial – que requer que o ato ou contrato documentado seja válido e eficaz, segundo as prescrições do ordenamento jurídico.
O instrumento público só pode ter por conteúdo um negócio válido. A função do notário não consiste em dar fé a tudo o que veja ou oiça, seja válido ou nulo, mas em dar fé em conformidade com a lei. Existe, por conseguinte, um controlo (6) da legalidade do negócio, cabendo ao notário detetar incapacidades, erros de direito ou de facto, coações encobertas, fraudes à lei, e, eventualmente, reservas mentais e simulações, absolutas ou relativas. Por isso se tem justamente afirmado que a segurança preventiva é uma consequência ou resultado normal da sua intervenção (7).
Como se assinalou, o notário enquanto operador jurídico, da lei e da vontade das partes, tem de ser (é, por definição) completamente independente no exercício da sua função, autónomo e responsável, não subordinado, devendo obediência apenas à lei e à vontade das partes, encontrando-se outrossim obrigado a proteger os outorgantes com igualdade e imparcialidade, deveres estes que resultam juspositivados, designadamente, nos arts. 10º, 11º, 12º, 13º e 15º do DL nº 26/2004.
É com o assinalado propósito de defesa dos interesses das partes que surge um comando normativo como o que se mostra vertido no art. 11º do último diploma citado, que no seu nº 1 expressamente preceitua que “o notário deve apreciar a viabilidade de todos os atos cuja prática lhe é requerida, em face das disposições legais aplicáveis e dos documentos apresentados ou exibidos, verificando especialmente a legitimidade dos interessados, a regularidade formal e substancial dos referidos documentos e a legalidade substancial do ato solicitado”.
Ainda com o mesmo desiderato, dispõe o seu nº 3 que “o notário não pode recusar a sua intervenção com fundamento na anulabilidade ou ineficácia do acto, devendo, contudo, advertir os interessados da existência do vício e consignar no instrumento a advertência feita”.
Como se referiu, o demandante procura arrimo jurídico para a concreta pretensão de tutela jurisdicional que formula nos presentes autos, precisamente, na inobservância por banda do réu C… do dever (legal) estabelecido no último inciso normativo transcrito.
Tendo-se qualificado a (eventual) responsabilidade civil em que o notário incorra no exercício da sua actividade profissional como extracontratual, questão que, desde logo, se coloca é a de saber qual a natureza dessa norma.
Ora, na economia do preceito, a mencionada advertência (rectius, dever de informação legalmente imposto) destina-se a colocar os outorgantes em ato notarial em condições de emitirem as suas declarações negociais de forma esclarecida, livre e ponderada, visando outrossim afastar, tanto quanto possível, a ocorrência de vício que possa inquinar o respectivo processo volitivo.
Como assim, o cumprimento desse dever impõe-se com particular acuidade quando os outorgantes não estejam assessorados por técnico de direito (v.g. advogado) ou, como parece ser o caso (cfr. art. 9º da petição inicial), um deles seja cidadão estrangeiro e não domine a língua portuguesa.
Deste modo, perante a assinalada ratio essendi, afigura-se-nos pois que a norma em causa assume natureza de norma de protecção (8), porquanto - ao impor ao notário (qual “conselheiro” das partes (9) o dever de advertir os outorgantes da existência de qualquer vício que, em alguma medida, possa condicionar a manifestação da sua vontade negocial - visa tutelar o interesse destes últimos, obstando à prática de ato que possa revelar-se patrimonialmente lesivo.
Como assim, a sua violação será subsumível à segunda modalidade de ilicitude contemplada no nº 1 do art. 483º (10).
(…)

Assim, e concluindo, como se sumaria no citado aresto:

(…)
“I- Mostra-se consagrado entre nós o denominado sistema ou modelo do notariado latino, sendo que à luz deste sistema o notário é um jurista ao serviço das relações jurídico - privadas encarregado de receber, interpretar e dar forma legal à vontade das partes, redigindo os instrumentos adequados a esse fim, mas ao mesmo tempo é um oficial público que recebe uma delegação da autoridade pública para redigir documentos autênticos dotados de fé pública.
II - Entre o notário e as partes não se estabelece qualquer vínculo de cariz negocial, pelo que a eventual responsabilidade em que aquele incorra no exercício das suas funções assumirá natureza extracontratual.
III - A função do notário não consiste em dar fé a tudo o que veja ou oiça, seja válido ou nulo, mas em dar fé em conformidade com a lei, competindo-lhe, por isso, o controlo da legalidade do negócio, visando, designadamente, detectar incapacidades, erros de direito ou de facto, coacções encobertas, fraudes à lei, e, eventualmente, reservas mentais e simulações, absolutas ou relativas.
IV - O notário, enquanto operador jurídico, da lei e da vontade das partes, não pode recusar a sua intervenção com fundamento na anulabilidade ou ineficácia do acto, devendo, contudo, por mor do disposto no nº 3 do art. 11º do DL nº 26/2004, de 4 de fevereiro, advertir os interessados da existência do vício e consignar no instrumento a advertência feita.
V - O referido normativo assume natureza de norma de protecção, porquanto - ao impor ao notário (qual “conselheiro” das partes) o dever de advertir os outorgantes da existência de qualquer vício que, em alguma medida, possa condicionar a manifestação da sua vontade negocial - visa tutelar o interesse destes últimos, obstando à prática de acto que possa revelar-se patrimonialmente lesivo.
VI - Considera-se como causa jurídica do prejuízo a condição que, pela sua natureza e em face das circunstâncias do caso, se mostre apropriada para o gerar ou, dito de outro modo, é necessário não só que o facto tenha sido, em concreto, condição sine qua non do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção”.
Ora, pela argumentação aduzida neste acórdão, é também nosso entendimento que a (eventual) responsabilidade civil em que o notário incorra no exercício da sua actividade profissional deve ser qualificada como extracontratual.
Isto considerado, temos que, no caso em apreço, mediante escritura pública de compra e venda datada de 26.04.2012, outorgada no cartório notarial da Ré, os autores, ora Recorrentes adquiriram seis prédios rústicos e um prédio urbano, tendo em vista a produção de frutos vermelhos.
Previamente à celebração desta escritura, os outorgantes, por intermédio da vendedora M. J., recorreram à ajuda especializada da ré para que todos os procedimentos legais necessários à boa concretização do negócio fossem cumpridos, nomeadamente a comunicação aos preferentes da intenção de venda, para que estes pudessem exercer o seu direito de preferência, querendo; na carta que a ré redigiu e que foi enviada aos preferentes foram mencionados os seis prédios rústicos, mas não o prédio urbano.
Posteriormente à celebração da escritura pública de compra e venda acima referida, com fundamento na circunstância de o negócio celebrado ser diferente do que lhes foi comunicado, por incluir um prédio urbano não mencionado na notificação que lhes foi endereçada, D. E. e M. B. intentaram uma acção de preferência contra os respectivos outorgantes, a qual veio a ser julgada procedente, por decisão já transitada em julgado.
Considerado tudo o exposto, dada a assertividade das conclusões extraídas, mais não resta do que concluir, como se faz na decisão recorrida, quando aí refere:
(…)
Como se assinalou, o notário, enquanto operador jurídico da lei e da vontade das partes, tem de ser – é, por definição – completamente independente no exercício da sua função, autónomo e responsável, não subordinado, devendo obediência apenas à lei e à vontade das partes, encontrando-se outrossim obrigado a proteger os outorgantes com igualdade e imparcialidade, deveres estes que estão consagrados, designadamente, nos artigos 10.º, 11.º, 12.º, 13.º e 15.º do DL n.º 26/2004.
É com o assinalado propósito de defesa dos interesses das partes que surge um comando normativo como o que se mostra vertido no artigo 11.º do último diploma citado, que no seu n.º 1 expressamente preceitua que «[o] notário deve apreciar a viabilidade de todos os actos cuja prática lhe é requerida, em face das disposições legais aplicáveis e dos documentos apresentados ou exibidos, verificando especialmente a legitimidade dos interessados, a regularidade formal e substancial dos referidos documentos e a legalidade substancial do acto solicitado». Ainda com o mesmo desiderato, dispõe o seu n.º 3 que «[o] notário não pode recusar a sua intervenção com fundamento na anulabilidade ou ineficácia do ato, devendo, contudo, advertir os interessados da existência do vício e consignar no instrumento a advertência feita».
Em face de tudo quanto ficou exposto, não suscita dúvidas a conclusão de que entre o notário e as partes não se estabelece qualquer vínculo de cariz negocial, pelo que a responsabilidade em que aquele eventualmente incorra no exercício das suas funções assumirá natureza delitual ou aquiliana, que não contratual.
Como se referiu, os demandantes fundamentam a sua concreta pretensão de tutela jurisdicional contra a ré notária, precisamente, na inobservância por parte da mesma dos deveres (legais) profissionais.
Tendo-se qualificado a eventual responsabilidade civil em que o notário incorra no exercício da sua actividade profissional como extracontratual, temos necessariamente que concluir que o prazo de prescrição aplicável é, efectivamente, o previsto no artigo 498.º, n.º 1, do CC.
2. Nos termos deste normativo legal, «[o] direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso».
Para além do prazo de três anos, esta norma consagra igualmente um critério especial para o início do curso desse prazo mais curto de prescrição, que se sobrepõe à regra geral e supletiva prevista no artigo 306.º do CC. Nos termos desta norma, «[o] prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido». Diferentemente, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 1, começa a correr quando o lesado tem conhecimento do direito que lhe compete, mesmo que desconheça a pessoa do responsável e a extensão dos danos.
Como vem sendo entendido pela jurisprudência e pela doutrina nacionais, o que releva para o início da contagem do prazo não é o conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, mas, tão só, o conhecimento dos factos constitutivos desse direito, isto é, o conhecimento de que o acto foi praticado e que dessa prática resultaram para si danos.
Como se escreve no acórdão do STJ de 23.06.2016, proferido no proc. n.º 54/14.2TBCMN-B.G1.S1 (disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem indicação da respectiva fonte), «o legislador consignou que o início de contagem do prazo apenas exige do lesado o conhecimento do direito de indemnização, ou seja a percepção da titularidade do direito de ser indemnizado pelos danos que sofreu (Rev. dos Trib., ano 86º, pág. 159), reportando esse conhecimento não tanto à consciência da possibilidade legal de formulação do pedido de condenação, nem à comprovação da ilicitude da actuação, mas ao conhecimento da generalidade dos pressupostos de facto do direito de indemnização (Acs. do STJ, de 27-11-73, BMJ 231º/162, e de 6-10-83, BMJ 330º/495)». No mesmo sentido vide, entre outros, os acórdãos do STJ de 18.04.2002 (prc. n.º 02B950) e da RG de 25.05.2017 (proc. n.º 7605/08.0TBBRG-AN.G1).
Assim, acrescenta-se no mesmo acórdão do STJ de 23.06.2016, «o lesado tem o ónus de agir judicialmente a partir da sua percepção dos pressupostos da responsabilidade civil. Nada permite afirmar que a contagem do prazo pode ser diferida para o momento em que for judicialmente reconhecida a existência da ilicitude da conduta do agente. A ilicitude do agente constitui um dos diversos pressupostos do direito de indemnização e, por isso, faz todo o sentido que seja apreciado no âmbito da acção em que seja reclamado o ressarcimento dos danos imputados a uma conduta ilícita do agente».
Claro que, conforme afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, esta solução «não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a prescrição ordinária se não tiver consumado, o lesado requeira a indemnização correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores» (Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., p. 504).
No caso concreto, na interpretação que a ré e as intervenientes fazem deste normativo, o prazo de prescrição começa a contar-se desde a data em que os autores tomaram conhecimento do teor da carta enviada aos proprietários dos prédios confinantes para exercerem, querendo, o seu direito de preferência e em que foi celebrada a escritura pública de compra e venda, mais concretamente 26.04.2012, ou, pelo menos, desde a data em que foram citados para a acção de preferência, pois foi naquela primeira data ou, pelo menos, na última que os autores se depararam com todos os pressupostos necessários ao exercício do direito de acção indemnizatória, ainda que não conhecessem a amplitude total dos danos e que a sua produção se protelasse no tempo, sendo certo que a eventualidade de vir ser julgada improcedente a acção de preferência não legitima opção por tese diversa, visto que a mesma apenas se repercutiria na improcedência do pedido indemnizatório e que o “conhecimento do direito” de indemnização que competia aos autores não dependia da prévia confirmação judicial da existência do facto ilícito.
Diferente interpretação é feita pelos autores, os quais consideram que o prazo de prescrição apenas se iniciou com o trânsito em julgado da decisão da acção de preferência, pois só então os factos imputados à ré se tornaram danosos, sendo certo que a referida acção de preferência sempre se configuraria como causa prejudicial da presente acção indemnizatória.
Ainda que não sufraguemos integralmente a interpretação da ré, cremos que é, ainda assim, a que mais se aproxima da jurisprudência antes analisada e que aqui preconizamos.
O facto ilícito em que os autores baseiam o seu pedido consiste, como vimos, no erro em que a ré incorreu ao redigir a carta destinada a comunicar o projecto de venda dos sete prédios acima mencionados aos proprietários dos prédios confinantes, para estes exercerem, querendo, o seu direito de preferência, bem como na circunstância de ter efectivamente celebrado a aludida escritura pública apesar de estar consciente do erro em que incorrera, factos que configuram uma violação dos seus deveres profissionais enquanto notária.
Os danos que afirmam decorrer desse facto ilícito correspondem às despesas com a escritura e os respectivos registos, aos custos da acção de preferência e às perturbações e aborrecimentos que vêm sofrendo desde que se aperceberam da conduta lesiva da ré, a qual conduziu a um longo processo judicial.
Perante estes dados, afigura-se de meridiana clareza que, no momento em que foi celebrada a escritura pública, os autores ainda não tinham conhecimento do seu direito indemnizatório. Na verdade, mesmo que estivessem cientes do teor da carta redigida pela ré e, portanto, do erro em esta incorreu ao omitir um dos prédios incluídos no projecto de venda, não foi alegado que nesse momento já tivessem conhecimento de algum dano decorrente desse comportamento, não tendo sido, designadamente, alegado que lhes tivesse sido comunicada ou que, de alguma forma, conhecessem a intenção de algum dos proprietários confinantes exercer o seu direito de preferência. É certo que D. E. já havia anteriormente manifestado a sua pretensão de exercer tal preferência, mas sem viabilidade, por pretender um negócio diferente do que lhe foi comunicado, não havendo qualquer motivo para que os autores presumissem (ou devessem presumir) que aquele pretendia exercer o seu direito de preferência nos termos em que o negócio foi efectivamente concretizado.
Mas afigura-se igualmente claro que a conclusão é, necessariamente, outra a partir do momento em que os autores foram citados para a acção de preferência. Com essa citação os autores ficaram cientes de que os aí autores, proprietários de prédios confinantes, queriam exercer o seu direito de preferência, tal como ficaram cientes de que teriam de suportar os custos dessa acção se quisessem contestá-la, como fizeram, tendo os próprios autores alegado que vêm sofrendo enormes perturbações e aborrecimentos desde que se aperceberam da conduta lesiva da ré.
Em contrapartida, a decisão final da acção de preferência em nada contribuiu para o conhecimento que os autores têm do seu direito, a não ser, eventualmente, para a melhor definição da extensão do dano.
Já vimos em que termos a jurisprudência rejeita o diferimento do início do prazo de prescrição para o momento do reconhecimento judicial da ilicitude da conduta do lesante. Não ignoramos que essa jurisprudência admite algumas excepções a esta regra, nomeadamente «em situações em que o direito violado esteja dependente de reconhecimento judicial, através de sentença proferida em acção de natureza constitutiva» (cfr. ac. STJ de 23.06.2016, antes citado).
Nas situações apreciadas nos acórdãos antes citados, as decisões judiciais invocadas para justificar o diferimento do início do prazo prescricional tinham como objecto imediato a declaração da ilicitude dos comportamentos que serviram de fundamento aos pedidos indemnizatórios – a venda de um imóvel, pertencente aos autores, por procurador sem poderes para esse acto (ac. do STJ de 2016); a ocupação ilegítima de um prédio da autora (ac. STJ de 2002); a apreensão indevida de um imóvel do autor para a massa insolvente e a omissão do dever de guarda do mesmo, o qual acabou por ser vandalizado (ac. TRG de 2017).

No caso vertente, a ligação entre as duas acções é significativamente mais ténue. A acção invocada para fundamentar o diferimento da prescrição tinha como objecto o exercício do direito de preferência, baseado na celebração de um contrato de compra e venda sem prévia e adequada comunicação aos preferentes, independentemente das razões e dos responsáveis pela insuficiência da comunicação efectuada. Tal decisão não se destinava a aferir, como não aferiu, da licitude ou ilicitude do comportamento da aqui ré, pois essa questão era totalmente irrelevante para o desfecho da acção, sendo certo que a ré nem sequer interveio na mesma e, por isso, nunca estaria sujeita ao respectivo caso julgado.
Acresce que, como é absolutamente evidente, apesar de ter natureza constitutiva, a acção de preferência invocada pelos autores não se destinou a reconhecer judicialmente o direito que os autores aqui afirmam ter sido violado.
De resto, embora aleguem que a referida acção de preferência constituía causa prejudicial da presente acção indemnizatória, os autores parecem não reportar essa prejudicialidade ao pressuposto da ilicitude, mas antes ao pressuposto do dano, ao afirmar que os factos praticados pela ré – a elaboração da carta enviada para os proprietários dos prédios confinantes e a celebração da escritura pública apesar de constatado o erro cometido naquela carta – não se tornaram efectivamente danosos na data da redacção da carta ou da celebração da escritura, nem na data da entrada da acção de preferência ou da citação dos aqui autores para essa acção, mas sim quando transitou em julgado a sentença que decidiu no sentido favorável aos preferentes, bem como ao acrescentar que o dano nunca se produziria se a sentença fosse no sentido da improcedência da acção de preferência.
Mas não lhes assiste razão.
Parece-nos inegável que os danos começaram a produzir-se muito antes da acção de preferência ter sido decidida, como é afirmado pelos próprios autores na petição inicial desta acção, designadamente nos artigos 62 e seguintes do seu articulado inicial, podendo ler-se seguinte logo no primeiro desses artigos: «Desde que os autores de aperceberam da conduta lesiva da ré, a qual conduziu a um longo processo judicial, têm sofrido enormes perturbações e aborrecimentos».
Cremos ser igualmente inegável que a improcedência da acção de preferência não teria a virtualidade de apagar as perturbações e os aborrecimentos já sofridos. Quando muito, poderíamos admitir que tal improcedência pudesse predispor os autores a prescindir da indemnização desses danos, sendo essa opção legítima, visto estarmos perante direitos disponíveis. O que não podemos é admitir a existência de danos não patrimoniais sujeitos a uma espécie de “condição resolutiva”.
Por outro lado, ao serem citados para a acção de preferência, os autores tiveram de recorrer aos serviços de um advogado e pagar taxas de justiça para poder intervir na causa. E não se diga que, improcedendo a acção de preferência, estes danos não teriam ocorrido, pois a ré seria reembolsada dos valores despendidos. Desde logo porque as normas processuais vigentes não consagram o direito ao reembolso dos montantes despendidos com os honorários dos advogados, mas tão-só alguns mecanismos (queremos referir-nos, essencialmente, ao regime legal das custas de parte consagrado nos artigos 25.º e seguintes do Regulamento das Custas Processuais, maxime o artigo 26.º, n.º 3, al. c), mas também ao instituto da litigância da má fé) que visam algum grau de compensação sem, todavia garantir um reembolso total, sendo certo que esses mecanismos estão sujeitos a requisitos e vicissitudes que podem determinar – e determinam frequentemente - a sua não aplicação. Mas também porque, ainda que estes mecanismos funcionem, não está nunca garantido o efectivo pagamento pela parte vencida.
Flui do exposto, por um lado, que a improcedência da acção de preferência não obstaria à produção dos danos alegados nesta acção e, por outro lado, que a procedência dessa acção não gera, por si mesma, danos novos, sem prejuízo desse desfecho poder condicionar a extensão dos danos patrimoniais e, mesmo, não patrimoniais já espoletados pelo comportamento imputado à ré.
Mas, como vimos, o facto de os danos não estarem determinados não impede o início do prazo prescricional, tanto mais que a lei, tanto substantiva como adjectiva, fornece os meios adequados para superar essa indeterminabilidade, nomeadamente a possibilidade de a parte deduzir pedidos genéricos, os termos previstos no artigo 556.º, n.º 1, al. b), do CPC.
A única dúvida que poderia suscitar-se diz respeito ao dano correspondente aos custos com a escritura pública de compra e venda e aos registos dessa aquisição, cancelados por força da procedência da acção de preferência.
Mas também neste caso não estamos perante um dano novo, hipótese em que seríamos obrigados a admitir que o mesmo tinha sido gerado por uma decisão judicial, tanto mais que o facto ilícito imputado à ré não configura um facto ilícito continuado, nos termos definidos no acórdão do STJ de 18.04.2002 acima citado, apto a gerar continuamente, até à sua cessação, novos danos.
Estamos, isso sim, perante a mera constatação do esvaziamento da utilidade de uma despesa anterior, que radica no mesmo acto ilícito imputado à ré – a errada notificação dos preferentes e a celebração da escritura apesar desse erro – e que sempre se prefigurou como a consequência inevitável do exercício do direito de preferência.
Em suma, mais do que um dano futuro, que apenas chega ao conhecimento dos autores com o trânsito em jugado da decisão da acção de preferência, o que está em causa é, tão-só, a definição concreta da extensão do dano.
Podemos, deste modo, concluir que os autores, logo que foram citados para a acção de preferência, se depararam com todos os pressupostos necessários ao exercício do seu direito de acção ressarcitória, posto que ainda não conhecessem a amplitude total dos danos.
O prazo de prescrição do direito que os autores pretendem efectivar por via da presente acção começou, assim, a correr no dia da referida citação. E embora não esteja junta a estes autos prova documental da data dessa citação, sabemos que a mesma ocorreu antes de 23.11.2012, pois foi nesta data que os aqui autores contestaram aquela acção de preferência, conforme documento n.º 2 junto com a contestação.
Assim, o prazo de prescrição de 3 anos terminou necessariamente antes de 23.11.2015.
Visto que os autores exerceram o seu direito em 13.04.2018 e que o exercício deste direito só produziu efeitos em relação à ré com a citação desta em 18.04.2018 (1.ª parte, do n.º 2, do artigo 259.º, do CPC), é isento de dúvida que o autor não exerceu o direito de indemnização em causa durante o lapso de tempo estabelecido na lei.
(…)
A isto acresce que, como refere a Recorrida, “mesmo que se entenda que na data da escritura não tomaram conhecimento do teor da carta e do alegado erro constante da mesma, os aqui Recorrentes não tinham como ignorar tais factos, pressupostos do exercício do seu direito de acção, após a citação para a acção de preferência intentada por D. E. e M. B., sob o n.º 3153/12.1TBBCL”.
É pelo menos aí, com a citação para essa acção e não com a sentença proferida, como alegam, que os Recorrentes passam a ter conhecimento dos seus direitos e dos factos que servem de base à presente acção. Como doutamente se refere na sentença, é “inegável que os danos começaram a produzir-se muito antes da acção de preferência ter sido decidida.”
Aliás, mais uma vez, são os próprios Autores que o afirmam na sua petição inicial, “designadamente nos artigos 62 e seguintes do seu articulado inicial, podendo ler-se seguinte logo no primeiro desses artigos: «Desde que os autores de aperceberam da conduta lesiva da ré, a qual conduziu a um longo processo judicial, têm sofrido enormes perturbações e aborrecimentos».
Desenvolve a sentença que “a improcedência da acção de preferência não teria a virtualidade de apagar as perturbações e os aborrecimentos já sofridos. Quando muito, poderíamos admitir que tal improcedência pudesse predispor os autores a prescindir da indemnização desses danos, sendo essa opção legítima, visto estarmos perante direitos disponíveis. O que não podemos é admitir a existência de danos não patrimoniais sujeitos a uma espécie de “condição resolutiva
Como decorre dos autos, os aqui Recorrentes contestaram aquela acção em 23 de novembro de 2012, pelo que foram para ela citados necessariamente antes dessa data.
Portanto, já antes de 23 de novembro de 2012, os Autores tiveram “conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos” (Cfr. n.º 1, art.º 498.º CC). Não tendo havido lugar a qualquer interrupção do prazo de prescrição, quer isto dizer que, quando a presente ação foi intentada, em 13 de abril de 2018, já há muito que estava ultrapassado o prazo prescricional de três anos fixado no artigo 498.º do Código Civil.
Assim, a existir um direito de indemnização dos Autores contra a Ré e contra a Interveniente, este já antes de 23 de novembro de 2015 se encontrava prescrito”.
Improcede, assim, na íntegra, a presente apelação, com a consequente manutenção da decisão recorrida.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 31/ 03/ 2022.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relator: Jorge Alberto Martins Teixeira.
Adjuntos: Desembargador José Manuel Alves Flores.
Desembargadora Sandra Melo.



1. Cfr. Responsabilidade Civil do Notário: na sua relação com o cliente, Juliana Miranda Marques Silva, Orientadora: Professora Doutora Mónica Vanderleia Alves de Sousa Jardim, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra de 2017, pgs. 68 e segs.
2. Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 11/07/2018, proferido no processo nº 406/14.8TBMAI.P2, in www.dgsi.pt.
3. Cfr., por todos, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, págs. 418 e seguintes; ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, págs. 367 e seguintes e GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, págs. 215 e seguintes.
4. Para uma análise do atual regime do notariado, vide, inter alia, ALBINO MATOS, O estatuto natural do notário, in Temas de Direito Notarial, págs. 181 e seguintes e MÓNICA JARDIM, in Escritos de Direito Notarial e Registal, págs. 25 e seguintes, passim.
5. Tem-se, de facto, entendido que a função do notário é de exercício privado, uma vez que nela vão indissociavelmente ligados aspetos de interesse privado, em causa estão relações privadas, dos particulares entre si, não qualquer relação indivíduo-Estado, ou seja, interesses somente privados que os respetivos sujeitos particulares dispõem ou regulamentam, como entendem, exercendo a autonomia privada.
6. Sendo que para uma correta e diligente realização desse controlo, o notário deve, por mor do disposto no nº 2 do art. 38º do DL nº 27/2006, “estudar com cuidado e tratar com zelo as questões que lhe são solicitadas no exercício das suas funções, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade”.
7. Isso mesmo é posto em evidência por MÓNICA JARDIM, A segurança jurídica preventiva como corolário da atividade notarial, in Escritos de Direito Notarial e Direito Registal, págs. 7-17, onde sublinha que a função do notário (latino), com o seu amplo conteúdo de assessoria, assegura a realização pacífica e espontânea do Direito, prevenindo futuros litígios baseados no desconhecimento do ordenamento jurídico. A certeza que acompanha a intervenção notarial, gera verdade, credibilidade, confiança e, assim, segurança jurídica.
8. Cfr., sobre a caracterização das normas de proteção, inter alia, ADELAIDE MENEZES LEITÃO, Normas de proteção e danos puramente patrimoniais, págs. 569 e seguintes e MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II
9. Na expressão de MAIA RODRIGUES, A responsabilidade civil dos notários, in Boletim dos Registos e do Notariado nº 2/2003, pág. 20, o qual salienta igualmente que, não raras vezes, as partes recorrem ao notário levando consigo apenas “o problema a resolver”, alguns documentos que lhe confiam e esperam que seja este a encontrar a solução legal que se aproxime o mais possível dos efeitos práticos pretendidos.
10. Sendo de registar, contudo, que a doutrina pátria (cfr., por todos, MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. I, pág. 297, ALMEIDA COSTA, ob. citada, pág. 563 e ANTUNES VARELA, ob. citada, pág. 533) vem considerando que a inobservância de uma norma deste tipo somente legitimará a reclamação de uma indemnização caso se mostre preenchida uma grelha de requisitos relativa à sua aplicação, concretamente: i) exige-se, em primeiro lugar, que alguém tenha desrespeitado determinado comando, sem o que não haverá base para estabelecer o juízo de ilicitude; ii) exige-se que o fim da norma consista especificamente na tutela de interesses particulares e não do interesse geral - se a norma for dirigida a proteger o interesse público e só reflexamente atingir interesses particulares, estará naturalmente excluída a possibilidade de um particular exigir indemnização -; iii) finalmente, exige-se que o dano se verifique no círculo de interesses que a norma visa tutelar.