Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1358/13.7TTBCL.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: PESSOA COLECTIVA
PERSONALIDADE JURÍDICA
DESCONSIDERAÇÃO
CONTRATO DE TRABALHO
PATRIMÓNIO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: I – Cumpre desconsiderar a personalidade jurídica colectiva quando a mesma é usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, nomeadamente para retirar ou frustrar direitos e garantias de trabalhadores.
II – Provando-se que a 1.ª ré tinha a sua sede nas instalações da 2.ª ré, e, para além da partilha dessas instalações e dos equipamentos administrativos, incluindo o programa informático, os representantes de uma e outra eram filho e pai, respectivamente, limitando-se a primeira a contratar e pagar motoristas que eram cedidos à segunda para prossecução do objecto social desta, que, por seu turno, não tinha motoristas próprios, em obediência a uma estratégia empresarial criada e mantida com o fim de proteger o património da 2.ª ré da responsabilidade perante os trabalhadores que lhe prestavam trabalho, designadamente o autor, tem de concluir-se que o contrato de trabalho deste tinha como empregadores ambas as rés, sendo abusiva nos termos do art. 334.º do Código Civil a invocação pelas mesmas de serem pessoas colectivas distintas.
Decisão Texto Integral:
APELAÇÃO - PROCESSO N.º 1358/13.7TTBCL.G1


1. Relatório

AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra BB Limited – Sucursal em Portugal e CC S.A., pedindo a condenação solidária das rés a pagarem-lhe a quantia total de 12.117,40€, assim discriminada:
a) diferenças devidas a título de “ajudas de custo”: 5.382,06€;
b) diferenças devidas a título de cláusula 74.ª, n.º 7 e Prémio TIR: 2.049,76€;
c) diferenças devidas a título de férias gozadas (2012): 781,04€;
d) diferenças devidas a título de subsídio de férias (2012): 458,37€;
e) diferenças devidas a título de subsídio de Natal (2012): 460,24€;
f) férias não gozadas no ano de 2012: 482,19€;
g) salário base de Dezembro de 2012: 550,00€;
h) 1 dia de trabalho prestado no ano de 2013: 25,00€;
i) férias vencidas (e não gozadas) no dia 01/01/2013: 964,37€;
j) subsídio de férias vencido igualmente no dia 01/01/2013: 964,37€;
tudo acrescido de juros de mora calculados à taxa legal sobre o capital em dívida, desde a data da citação até efectivo pagamento.
Alega, em síntese, que celebrou com a ré Rotas Aleatórias um contrato de trabalho para o exercício das funções de motorista de transportes rodoviários internacionais de mercadorias, mediante o pagamento da retribuição mensal base de 550,00€, acrescida de “cláusula 74.ª”, “prémio TIR” e uma quantia denominada “ajudas de custo”, que substituiria a compensação por trabalho suplementar e nocturno, em dia de descanso semanal, complementar ou feriado e refeições no estrangeiro, e que seria calculada à razão de 0,05€ a 0,08€ por quilómetro percorrido. Logo após a celebração do contrato, foi cedido por aquela ré à ré Stop Trans, para quem desde sempre prestou a sua actividade, recebendo todas as ordens e instruções de representantes seus e sem que alguma vez a ré Rotas Aleatórias lhe tenha dado quaisquer ordens ou instruções.
Alega ainda que as rés constituem um grupo empresarial, sendo detidas pelos mesmos accionistas ou familiares com eles relacionados e que a ré Rotas Aleatórias foi constituída como um estratagema para a ré Stop Trans se furtar às suas responsabilidades laborais perante os motoristas. O contrato cessou por sua iniciativa em 01/01/2013, dizendo o autor que ficaram por pagar-lhe diversas quantias que especifica, pelas quais entende serem solidariamente responsáveis as duas rés.
As rés contestaram, tendo a Stop Trans arguido a sua ilegitimidade, dizendo que nunca celebrou qualquer contrato com o autor, pelo que não tem qualquer interesse em contradizer a acção. Quanto à ré Rotas Aleatórias, aceita a existência do contrato de trabalho e o seu teor, mas nega que tenha imposto unilateralmente ao autor o sistema de pagamento de ajudas de custo, antes tendo o mesmo sido livremente acordado e mais favorável ao autor, pelo que é legal. De todo o modo, a ser declarado nulo, deve o autor restituir o que tenha recebido a mais do que aquilo a que teria direito por força da aplicação do CCT, valor que pretende compensar com o que eventualmente deva. Alega estarem todas as quantias devidas ao autor inteiramente pagas, com excepção da retribuição base, cláusula 74.ª e prémio TIR de Dezembro de 2012 e de 1 de Janeiro de 2013, num total de 996,24€. Por último, diz ter o autor no final do contrato ficado com a quantia de 83,26€ de fundo de maneio, quantia que pretende ver compensada com alguma que se entenda ser por si devida.
Terminam pedindo a absolvição da instância da ré CC e a improcedência da acção e absolvição da ré BB do pedido, com excepção das quantias confessadas relativas a Dezembro de 2012 e Janeiro de 2013.
O autor apresentou resposta, pedindo a improcedência das excepções e a condenação das rés como litigantes de má fé, em multa e indemnização a fixar pelo tribunal.
Realizou-se audiência prévia e proferiu-se despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva invocada na contestação e foram enunciados o objecto do litígio e os temas da prova.
A fls. 211 foi dado conhecimento aos autos da insolvência da ré BB Limited, na sequência do que foi declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto a tal ré, por sentença proferida a fls. 258.
Procedeu-se a julgamento, após o que pelo Mmo. Juiz a quo foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Assim e nos termos expostos, julgo a ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente.
a) condeno a ré CC S.A. a pagar ao autor AA as seguintes quantias:
- 3.766,32€ (três mil, setecentos e sessenta e seis euros e trinta e dois cêntimos) a título de parte em falta de ajudas de custo devidas pelos quilómetros percorridos;
- 1.777,25€ (mil, setecentos e setenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos) a título de parte em falta de retribuição relativa a Cláusula 74.ª e Prémio TIR devida ao longo do contrato;
- 458,82€ (quatrocentos e cinquenta e oito euros e oitenta e dois cêntimos) a título de parte em falta de subsídio de férias;
- 643,37€ (seiscentos e quarenta e três euros e trinta e sete cêntimos) a título de férias não gozadas;
- 45,87€ (quarenta e cinco euros e oitenta e sete cêntimos) a título de parte em falta de subsídio de Natal;
- 568,33€ (quinhentos e sessenta e oito euros e trinta e três cêntimos), a título de retribuição de Dezembro de 2012 e de um dia de Janeiro de 2013;
sendo todas as quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação para estes autos, até efetivo e integral pagamento;
b) condeno a ré CC, S.A. como litigante de má fé:
- no pagamento de uma multa de montante equivalente a 30 (trinta) unidades de conta; e de
- no pagamento ao autor AA de uma indemnização a fixar por despacho posterior à presente sentença, nos termos do disposto no art.º 543.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Custas da ação por autor e ré, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 40,09% para o primeiro e 59,91% para a segunda – art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil – sem prejuízo do apoio de que beneficia o autor.»
A ré CC, inconformada, veio arguir a nulidade e interpor recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«Nulidade da sentença:
1. Nos termos dos artigos 77.º do C.P.T e 615.º n.º 1 al. b), c), d) e e) do C.P.C., a douta sentença é nula.
2. Em primeiro lugar, o Meritíssimo Juiz a quo condena a R., CC, no pedido, sem citar um único artigo ou disposição legal, em que se enquadre que uma empresa que NÃO era entidade patronal do A., possa ser condenada nos termos em que o foi.
3. Porquanto, a ora Recorrente, além de não ser a entidade patronal do A., era apenas a proprietária das viaturas que este conduzia.
4. Ora, efetivamente, não existe no nosso ordenamento jurídico, nenhuma figura para condenar a R., Recorrente.
5. Aliás, não existe, sequer, nenhuma disposição legal – artigo no C.T., C.C ou no C.P.C. - que possa levar à condenação da R/Recorrente.
6. Pelo que, na fundamentação da douta sentença recorrida, não foi, sequer, citado um único artigo, nem fundamentada a condenação da Recorrente.
7. Ora, é óbvio que, apenas pelo simples factos dos trabalhadores serem cedidos de uma empresa para outra, para conduzirem os seus camiões, não faz com que, automaticamente, estas empresas, se tornem a sua entidade patronal.
8. Caso assim o fosse, teríamos os trabalhadores das empresas de trabalho temporário a intentarem acções contra as empresas para a qual são cedidos. Pasme-se!
9. Face ao exposto, nos termos e para os efeitos do artigo 615º nº 1 al. b) do C.P.C., a douta sentença recorrida é nula, pois não especifica os fundamentos de facto e de direito, que justificam a condenação da R./Recorrente.
10. Os fundamentos elencados pelo Meritíssimo juiz a quo, estão em clara contradição com a factualidade dada como provada, a fls. 14 da douta sentença consta que na p.i., o A., alegou que o sistema de pagamento praticado pela Recorrente, era mais favorável.
11. E disto não resultam dúvidas – porque o A. assim o confessa desde logo na p.i. – bem como, resulta da factualidade provada – ponto AA), BB), DD).
12. Não obstante, o que o douto tribunal a quo fez, no caso dos presentes autos, foi proferir uma sentença, na qual o A., é pago em duplicado.
13. Condenar a ora Recorrente a pagar 2 vezes a mesma quantia ao ora A.
14. O A. acordou com a R., receber um valor por km, que era a base de calculo da clª 74 , do P.tir e das ajudas de custo, tal como foi dado como provado.
15. Não obstante, o Tribunal condenou a ora Recorrente, no pagamento ao A., da clª 74, do Premio tir, acrescido dos kms na totalidade.
16. O A.ou recebia por km e deduzia aqueles valores e o remanescente era para ajudas de custo, que foi o que, efetivamente acordou.
17. Ou, recebia a clª 74 nº 7, o Premio Tir e as factura das despesas das refeições.
18. O A., ora Recorrido, não pode é querer o melhor dos dois mundos.
19. Ou seja, primeiramente, receber pelo sistema de pagamento e, agora, em jeito de confusão, receber pelo CCT.
20. Pelo que, a Recorrente nada deve ao A., a título de kms.
21. NÃO existindo qualquer diferença no pagamento dos kms percorridos.
22. Face ao exposto, a sentença recorrida é nula, porquanto os fundamentos da condenação da Recorrente, estão em clara e manifesta oposição com a factualidade provada, tendo o douto tribunal a quo, conhecido de questões que não deveria pronunciar-se porque não ficaram provadas - artº 615º nº 1 al.c) e d) do C.P.C.
Reapareciação da prova produzida e da factualidade provada e não provada:
23. Deverá ser retirada a expressão “de forma unilateral” da alínea O).
24. Deverá ser alterada a redacção da alínea S), retirando-se a expressão “limitou-se”, uma vez que a intervenção da Ré BB, não se limitou apenas ao pagamento dos créditos resultantes da prestação de trabalho por parte do autor, mas também a de o contratar, elaborar os respectivos recibos e dá-los ao A. para assinar, emitir a declaração de actividade inicial, dar-lhe ordens todos os dias, e ainda, recepcionar as duas cartas enviadas pelo A., a rescindir o contrato de trabalho.
25. Assim, a aliena S) passará a ter a seguinte redacção: “Durante a vigência do contrato, a R. Rotas Aleatórias efectuou por transferência bancária o pagamento dos créditos resultantes da prestação de trabalho por parte do Autor”.
26. Deverá a alínea Y) ser eliminada por ser conclusiva.
27. Deverá a alínea CC) ser dada como não provada.
28. Deverão os factos 3.5.6 e 7 de fls. 9 da douta sentença serem dados como provados.
29. Deverão os factos alegados nos artigos 84º e 87º da contestação ser dados como provados.
30. Aliás, têm que ser aditados os seguintes factos como provados:
31. - “O sitema de pagamento praticado pela R. era mais favorável”
32. - “Os pagamentos efectuados pela R. substituíram, na totalidade, os previstos no CCT e no CT”
33. Isto porque, tal factualidade resulta do contrato de trabalho, dos recibos de vencimento, dos recibos das ajudas de custo, da fundamentação a fls. 14 da douta sentença, mas acima de tudo, da petição inicial.
Condenação da R. CC:
34. O Tribunal a quo condena a R. CC porque conclui que existiu fraude à Lei, só porque “empresas uniram esforços para efectuar o transporte rodoviário de mercadorias por estrada?”
35. Venerandos Desembargadores, questiona-se, será que duas entidades / duas empresas não podem conjugar esforços para prosseguir a sua actividade comercial?
36. Uma contratando trabalhadores e outra fornecendo as máquinas / viaturas?
37. A R., BB, não foi nenhuma fraude à Lei.
38. Foi uma empresa que contratou centenas de trabalhadores.
39. Foi uma empresa que durante 2 (dois) anos, reitere-se, 2 (dois) anos, Dezembro de 2011 a Dezembro de 2013), pagou mais de 700.000,00€ de contribuições para a Segurança Social, conforme Documento n.º 1, que ora se junta e se dá aqui por integralmente reproduzido.
40. Uma empresa que teve os seus processos em Tribunal, como qualquer outra, que cumpriu ESCRUPULOSAMENTE os acordo que efectuou, e que a titulo de exemplo se citam os processos de algumas sentenças e acórdãos já TRANSITADOS EM JULGADO nos quais a R. CC foi ABSOLVIDA ou foi reconhecido que NÃO era entidade patronal dos trabalhadores.
41. – Processo n.º 879/12.3TTVIS – Os Autores, desistiram do pedido formulado contra a R./CC e, reconheceram que a sua entidade patronal era a 1ª R. – BB;
42. – Processo n.º 181/13.3TTTVD – o A. desistiu do pedido formulado contra a R./CC e reconheceu que a sua entidade patronal é a 1ª R. – BB;
43. – Processo n.º 60/14.7TTVLG – o A. desistiu do pedido formulado contra a 2ª R-CC;
44. – Processo n.º 441/13.3TTTVD – estando a R. BB, já insolvente, o A. desistiu do pedido formulado contra a 2ª R- CC.
45. Dos julgamentos efectuados temos ainda:
46. – Processo n.º 1341/13.2TTLRS – sentença que absolveu a R. CC do pedido.
47. – Processo n.º 416/12 – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – 4ª secção – Recurso interposto pela R. CC que culminou na sua absolvição, do pedido – nestes autos a questão a discutir, é EXACTAMENTE IGUAL – à dos presentes autos.
48. E, trabalhadores houve que, a trabalharem exactamente nas mesmas circunstâncias com as RR., tal como estava o A., intentaram acções apenas contra a BB – (proc.1034/12.8TTLRA – proc.78/13.7TTLRA – proc. 216/13.0T4AVR – proc. 243/13.8T4AVR – proc. 253/13.4TTTVD – Proc. 1260/13.2TTPRT – proc. 1763/13.6T1LSB).
49. Pelo que, se alguém litiga de má-fé nos presentes, não é certamente a ora Recorrente.
50. Não existindo qualquer fraude à lei e, muito menos, abuso de personalidade jurídica.
51. Assim sendo, como é possível, Venerandos Desembargadores, o Tribunal a quo utilizar a palavra “forjar”, ao dizer que a R. BB ”forjou um contrato de trabalho”.
52. Fojar no dicionário, a palavra forjar significa Inventar; Mentir; inventar de maneira mentirosa:
53. Ou seja, face ao significado da palavra forjar, será que o douto tribunal a quo, esta a dizer que a R. BB, manipulou / inventou um contrato de trabalho?
54. E, será, igualmente, que os mais de 700.000,00€ pagos à Segurança Social também foram “inventados”?
55. Com o devido respeito, além de tal expressão ser descabida do contexto, não resulta de NADA que eventualmente possa ter sido dito pelas testemunhas.
56. Aliás, a Recorrente junta em anexo toda a prova que foi produzida em sede de audiência de discussão e julgamento para que V. Exas, Venerandos Desembargadores, possam apreciar o que, efetivamente foi dito.- Cfr. Documento n.º 2.
57. E, nada, mas nada, do que foi dito, resulta em supostas fraudes à lei ou invenções de contratos, os quais foram, indevidamente, dados como justificação pelo Meritíssimo Juiz a quo, para condenar a Recorrente, CC.
58. Apenas existe neste processo, como em centenas ou milhares, ou, até mesmo, em TODOS os processos que correm termos nos Tribunais portugueses, uma versão diferente dos factos alegados pelo Autor.
59. Resulta da decisão recorrida uma única conclusão: - a condenação da R., CC, é assente no simples facto da entidade patronal do A., ora Recorrido, ter sido declarada insolvente.
60. Ora, na iminência do A., não vir receber nada, o douto tribunal a quo, arranjou outra empresa para pagar.
61. Consequência direta, temos uma sentença odiosa contra uma empresa, aqui Recorrente, só porque a empregadora BB, isto é, a verdadeira entidade empregadora, quem o contratou, quem lhe pagou mensalmente, para quem assinava 2 recibos todos os meses, e para quem enviou a carta de rescisão do contrato, foi declarada insolvente.
62. Mal andaria o país se assim fosse.
63. Mal anda o país se assim for.
64. Ou seja, Venerandos Desembargadores resulta muito claro que a Recorrente nem era entidade patronal do A. nem, sequer, litigou de má-fé no processo.
Venerandos Desembargadores,
65. A empresa BB pagou, mensalmente, ordenados, seguros, segurança social, cujas quantias ascendem a milhares de euros, como supra se referiu.
66. A ora Recorrente, CC SA, pelo contrário, era proprietária de veículos pesados e reboques.
67. E, sem qualquer fundamento, vem o Tribunal a quo alegar que a R., CC, tem que ser a entidade patronal deste motorista, apenas porque o A., Recorrido, conduziu um camião, propriedade da CC SA., e circulava com declarações de actividade da proprietária das viaturas.
68. Ora, será possível que, todas as empresas que prestam serviços para as BB, também serão responsáveis pelo pagamento de eventuais dívidas daquela?
69. Não faz qualquer sentido.
70. No caso, as RR., apenas conjugaram meios próprios de cada uma delas, ou seja, os trabalhadores afectos à BB, desempenham funções inerentes à sua categoria profissional para a Recorrente e para terceiros.
71. Para tanto a ora Recorrente, contratou à Rotas e demais empresas, motoristas destas, com quem o A., Recorrido, subscreveu o contrato de trabalho.
72. Reitere-se que foi a R. BB que SEMPRE pagou os salários ao A., tal como confessado pelo A. e dado como provado.
73. Foi a R. BB que transferiu mensalmente as quantias para a conta do A., NUNCA aparecendo o nome da Recorrente nas transferências.
74. Também não percebemos como é possível ao douto Tribunal a quo, fazer espécie o facto da licença do processamento dos salários, ser realizado pela firma da Recorrente, quando só por mero desconhecimento se pode fazer tal afirmação.
75. Porquanto, aquela licença dá para contabilizar 30 empresas – basta fazerem uma breve pesquisa na internet – ou seja, é um facto de conhecimento notório que carece de alegação!
76. Termos em que e, com o douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, devem decidir-se pela absolvição da R., CC SA., do pedido. Porquanto, ao não decidir assim, violou o Meritíssimo juiz a quo o disposto nas normas em que se baseou, para fundamentar a sentença, que, efetivamente, desconhecemos quais são, pois não são sequer alegadas ou indicadas, não se aplicando sequer, o disposto no artigo 101.º do Código do Trabalho.
Sistema de pagamento mais favorável que o previsto na CCT:
77. Também não parecem restar dúvidas, de que o sistema de pagamento praticado entre a R., BB - e dá-se desde já de barato também entre a R. CC - que ERA MAIS FAVORÁVEL que o previsto na CCT.
78. Se era mais favorável, não percebemos o que tem a Recorrente a pagar ao Recorrido, que lhe tenha ficado a dever em relação ao acordado sistema de pagamento.
79. Em substituição das rubricas previstas na CCT, foi acordado receber um montante de salário e ajudas de custo – recebia assim salário base, clª 74 nº 7, prémio Tir e ajudas de custo.- facto DD)
80. A RECORRENTE, NADA deve a título de ajudas de custo, ou, sequer, a título de diferença de Kms.
81. Isto porque, o A. NÃO se dignou a provar – como lhe competia – que fez Kms que a Recorrente não lhe pagou.
82. Ou seja, inexiste qualquer prova junta ou produzida em Tribunal, que efetivamente comprove as ajudas de custo, alegadamente, por liquidar.
83. Não vemos dos documentos que foram juntos – que foram elaborados pelo punho do A. e que foram impugnados – e pelos depoimentos das testemunhas – que tenha sido provado UM ÚNICO KM QUE TENHA FICADO POR PAGAR.
84. Venerandos Desembargadores, está transcrito supra, o referido pela ÚNICA testemunha do A. George, a qual peca pela credibilidade por ter um processo contra a Recorrente, a correr em Tribunal.
85. Assim, não resultam dúvidas – porque o A. assim o confessa, desde logo na p.i., – que o sistema de pagamento era mais favorável e era o que resulta da factualidade provada – ponto AA), BB), DD).
86. O que o Tribunal quer fazer é, conforme se explicou, pagar em duplicado ao A.
87. Condenar a Recorrente a pagar duas vezes as mesmas quantias.
88. Pois, o Recorrido acordou com a R., receber um valor por km, que era a base de cálculo da clª 74 , do P.tir e das ajudas de custo.
89. Sistema de pagamento dado como provado e aceite pelo A.- ver fls 14 da douta sentença.
90. Em suma, nada é devido ao ora Recorrido, a título de kms, NÃO existindo qualquer diferença no pagamento dos kms percorridos.
Acresce ao exposto que,
91. consta do alínea S) dos factos provados da douta sentença, que a R. BB pagou os créditos resultantes da prestação de trabalho por parte do autor.
92. Ora, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do C. Civil: “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
93. A R. BB PAGOU os créditos resultantes da prestação de trabalho por parte do A. conforme confessado pelo A.
94. Ao condenar no pagamento da diferença de kms violou o Mº Juiz a quo os normativos em que se baseiou.
Da litigância de má-fé – condenação em multa e indemnização:
95. A ora Recorrente foi condenada no pagamento de uma multa, fixada em 30 UC, ou seja, € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), e numa indemnização a fixar posteriormente, por uma alegada litigância de má-fé.
96. O que só se poderá explicar, partindo do princípio que o douto tribunal a quo, poderá estar, eventualmente, a confundir as noções de litigância de má-fé, com as de direito de acesso aos tribunais, de direito de ação, e do principio da verdade material.
97. Porquanto, a Recorrente, defende, convictamente, a sua posição, o que não significa que tenha alterado a verdade dos factos ou que, com tal atuação, tenha feito um uso do processo, manifestamente, reprovável.
98. Essencialmente, a ora Recorrente, têm consciência da razão que lhe assiste, tendo procedido sempre nessa orientação.
99. Ou seja, fez a reconstituição dos factos, junção de prova e o enquadramento jurídico, tal como, efetivamente se verificaram.
100. Pelo que, não se compreende uma condenação em multa e indemnização, por litigância de má-fé, no valor desproporcional fixado pelo tribunal a quo.
101. Isto porque, em momento algum, fosse em sede de contestação ou requerimentos juntos aos autos, fosse em sede de audiência de discussão e julgamento, a Recorrente litigou de má-fé.
102. Limitando-se a relatar o que efetivamente aconteceu com o A.,
103. E, não, uma qualquer história, por este, inventada ou forjada.
104. Assim, para que efetivamente exista uma má-fé processual: “A parte tem o dever de não deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; de não praticar omissão grave do dever de cooperação (…)”. – Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 2326/11.09 TBLLE.E1.S1.
105. E, “A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 456º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, todavia se não forem observados os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, patenteia-se litigância de má fé.”
106. Ora, no caso dos presentes autos, a Recorrente sempre colaborou com o douto tribunal a quo, juntando ao processo todos os documentos solicitados, bem como fornecendo todos os elementos de prova que estiveram ao seu alcance.
107. Pelo que, é incompreensível que a Recorrente seja condenada como litigante de má-fé, por, alegadamente, ter “uma estratégia previamente delineada” para se “furtar às suas responsabilidades”.
108. Aliás, não só é incompreensível tal condenação, como é, igualmente, inadmissível o valor da multa a que a R. CC foi condenada. E, isto, pelo facto de “sendo ela a única ré no processo a partir da insolvência da ré BB”.
109. Ora, o Meritíssimo juiz a quo também nunca poderia condenar a Recorrente no pagamento de uma multa, no valor excessivo e desproporcional que condenou, pelo simples factos de uma das R., ter sido declarada insolvente.
110. E numa futura indemnização a favor do A., mal anda a justiça se assim for, porque:
111. O A. assinou um contrato com R. BB;
112. O A. recebeu todos os meses, durante mais de 1 ano, por transferência bancária, na qual aparece na sua conta o nome da empresa BB;
113. Assinou, todos os meses, dois recibos em nome da empresa Rotas Aleatórias, um recibo de salário e outro das ajudas de custo;
114. Enviou duas, repita-se, duas cartas para a R. Rotas Aleatórias, a rescindir o contrato de trabalho.
115. NUNCA, reitere-se, NUNCA solicitou, durante a relação laboral qualquer falta de pagamento à R. CC.
116. E, agora, o Tribunal ainda, e sem qualquer justificação, o beneficia, com o recebimento de uma eventual quantia de multa?
117. Neste sentido, não assiste qualquer razão ou fundamento, ao douto tribunal a quo, para condenar a Recorrente como litigante de má-fé, independentemente da questão, que por dever de raciocínio se admite, de poder ser a R. CC responsável pelo eventual pagamento de quantias ao A.
118. Em suma, Venerandos Desembargadores, mesmo que V. Exas., entendam ser a Recorrente CC “entidade empregadora” do A., o que só por mero dever de patrocinio se concebe, esta nada lhe deve.
119. Mesmo que V. Exas, entendam ser a R. CC “entidade empregadora” e responsável pelas quantias em divida ao A., aquela não litiga de má-fé, pelo que nunca pode ser condenada em multa e indemnização.
120. Ao decidir assim, violou a douta sentença o disposto no artº 542º e 543º do Código de Processo Civil.»
O autor apresentou resposta ao recurso da ré, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo, tendo o Mmo. Juiz recorrido proferido despacho a não reconhecer a verificação de nulidades da sentença.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em parecer, no sentido de o mesmo ser julgado improcedente.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2.Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:
1. junção de documento com as alegações;
2. nulidade da sentença;
3. modificação da decisão sobre a matéria de facto;
4. responsabilidade da ré CC;
5. admissibilidade do sistema de pagamento da retribuição do autor;
6. litigância de má fé.

3. Fundamentação de facto

Os factos relevantes para a decisão da causa são os seguintes:
A) A ré BB tem como objecto social “transportes, armazenagem e serviços conexos”;
B) A ré CC tem como objecto social “indústria de transportes e tudo o que estiver relacionado com transportes de mercadorias nacionais e internacionais”;
C) No exercício dessa sua actividade, a ré BB e o autor assinaram o contrato junto a fls. 23 e ss. (que aqui se dá por inteiramente reproduzido), intitulado “contrato de trabalho a termo certo”, com a duração inicial de 12 meses e início no dia 02 de Janeiro de 2012;
D) O autor foi contratado para exercer as funções inerentes à categoria de motorista de transportes rodoviários internacionais de mercadorias;
E) O horário de trabalho do aqui autor seria de 40 horas semanais;
F) Como contrapartida da prestação a cargo do autor, foi estabelecido o pagamento de uma retribuição mensal de 550,00€ (quinhentos e cinquenta euros);
G) Foi estipulado na cláusula 10.ª, em acréscimo a tal remuneração, o recebimento pelo autor das seguintes retribuições:
“a) Retribuição extraordinária prevista na cl. 74.ª, n.º 7 e anexo 1 à tabela salarial do CCTV);
b) Prémio TIR;
c) Todas as demais quantias que resultem do CCTV aplicável, as quais serão pagas de acordo com a cláusula seguinte”;
H) Por sua vez, nas alíneas a) e b) da cláusula 11.ª do referido contrato estipula-se que as quantias devidas a titulo de trabalho suplementar e nocturno, trabalho realizado em dia de descanso complementar, semanal ou feriado e refeições no estrangeiro, ao invés de se processarem nos termos do indicado CCTV, seriam “pagas através de uma única rubrica intitulada “ajudas de custo”” (cláusula 11.ª do contrato de trabalho);
I) Sendo que na alínea c) da mesma clausula 11.ª se refere que o “valor global que será liquidado a título de ajudas de custo decorre do sistema de pagamento em função da distância percorrida ajustada entre entidade empregadora e o trabalhador”;
J) O contrato veio a cessar por iniciativa do autor que, por carta datada de 04 de Dezembro de 2012, comunicou à ré BB a sua intenção de não renovação do mesmo, tendo o dia 01 de Janeiro de 2013 sido o último dia de trabalho do autor;
K) A ré BB liquidou ao autor as seguintes quantias, a título de:
- férias gozadas (2012): 183,33€;
- subsídio de férias (2012): 506,00€;
- subsídio de Natal (2012): 504,13€;
L) Nenhuma das rés pagou ao autor a retribuição base, prémio TIR e cláusula 74.ª relativos a Dezembro de 2012 e 1 de Janeiro de 2013;
M) A ré BB é uma sociedade com sede na Suite …, Victória House, … Main Street, Gibraltar, com uma representação em Portugal através da sua sucursal BB Limited – Sucursal em Portugal, a quem não se conhece qualquer património;
N) Por carta datada de 15 de Abril de 2013 e através do seu mandatário, o autor reclamou das rés o pagamento de “todos os créditos salariais emergentes do contrato de trabalho celebrado no passado dia 02 de Janeiro de 2012” (documento junto a fls. 55, que aqui se dá por integralmente reproduzido);
O) A substituição do pagamento do trabalho suplementar e nocturno, realizado em dias de descanso complementar, semanal ou feriado e as respectivas compensações monetárias, bem como das refeições no estrangeiro, pelo pagamento de uma determinada importância calculada com base no quilómetro percorrido, já constava do contrato de trabalho que a ré BB apresentou ao autor para assinatura (alteração introduzida em resultado da apreciação nos termos constantes do ponto 4.3.);
P) Imediatamente após a celebração do contrato, o autor foi cedido pela ré BB à ré CC, para que, ao serviço desta e com recurso aos veículos da propriedade desta última, passasse a exercer a função de motorista para que fora contratado;
Q) Era a ré CC que dava as ordens, definia as viagens a realizar, as cargas a efectuar, assim como disponibilizava os camiões para o autor utilizar em cada um dos transportes por ela definidos;
R) Durante o ano em que esteve ao serviço, o autor efectuou todos os transportes rodoviários de mercadorias que lhe foram determinados pela ré CC, os quais se traduziram sempre em transporte de mercadorias para países estrangeiros tais como Inglaterra, Escócia, França, Luxemburgo, Bélgica, Holanda;
S) Durante toda a vigência do contrato, a ré BB procedeu ao pagamento dos créditos resultantes da prestação de trabalho por parte do autor (alteração introduzida em resultado da apreciação nos termos constantes do ponto 4.3.);
T) A actividade efectiva da BB reduzia-se à celebração de contratos com motoristas de transporte internacionais (e processamento dos respectivos salários), que eram posteriormente cedidos a outras empresas, essas sim dedicadas ao transporte internacional de mercadorias;
U) O representante da BB é filho do presidente do conselho de administração da ré CC;
V) A sucursal da ré BB em Portugal tem a sua sede nas instalações da ré CC;
W) Serve-se das suas instalações e dos seus equipamentos para desenvolver a única actividade a que efectivamente se dedica: elaboração de contratos e processamento de salários;
X) A licença do programa informático utilizado para o processamento de salários pela ré BB é pertença da ré CC;
Y) Tudo se inserindo numa estratégia da empresa CC, de forma a proteger o seu património das responsabilidades perante os seus trabalhadores, colocando-os numa empresa sem qualquer activo para depois os afectar no dia a dia a uma actividade desenvolvida por outra empresa, essa sim dedicada à actividade de transporte de mercadorias e dona de todos os meios logísticos necessários para o efeito;
Z) A ré CC era quem decidia no dia a dia quais os trabalhos a realizar pelo autor e os seus colegas motoristas, definindo os transportes a realizar e os meios a afectar à sua prossecução;
AA) O valor praticado por quilómetro percorrido variava entre os 0,05€ e os 0,08€, sendo que quantos mais quilómetros percorridos pelo autor maior era o valor pago por km;
BB) A retribuição remuneração devida a título de “ajudas de custo” era calculada com base nos kms percorridos pelo autor entre o dia 16 de um determinado mês e o dia 15 do mês imediatamente seguinte, sendo o respectivo valor pago no dia 15 do mês seguinte e incluído no recibo do mês do recebimento;
CC) Durante o período em que esteve ao serviço, o autor:
i. entre 16/02 e 15/03 percorreu 11.734km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 821,38€, tendo na retribuição de Abril a ré nada pago a título de “ajudas de custo”;
ii. entre 16/03 e 15/04 percorreu 11.217km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 729,11€, tendo na retribuição de Maio a ré pago a título de “ajudas de custo” a quantia de 314,74€;
iii. entre 16/04 e 15/05 percorreu 6.700km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 368,59€, tendo na retribuição de Junho a ré pago a título de “ajudas de custo” a quantia de 218,50€;
iv. entre 16/05 e 15/06 percorreu 10.184Km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 611,04€, tendo na retribuição de Julho a ré pago a título de “ajudas de custo” a quantia de 196,67€;
v. entre 16/06 e 15/07 percorreu 12.674km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 887,18€, tendo na retribuição de Agosto a ré pago a título de “ajudas de custo” a quantia de 472,81€;
vi. entre 16/07 e 15/08 percorreu 11.189Km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 727,28€, tendo na retribuição de Setembro a ré pago a título de “ajudas de custo” a quantia de 312,91€;
vii. entre 16/09 e 15/10 percorreu 10.073Km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 604,38€, tendo na retribuição de Novembro a ré pago a título de “ajudas de custo” a quantia de 190,01€;
viii. entre 16/10 e 15/11 percorreu 11.130Km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 723,00€, tendo na retribuição de Dezembro a ré nada pago a título de “ajudas de custo”;
DD) Em todos os meses em que eram pagas “ajudas de custo”, eram deduzidas pela ré BB ao valor devido a título de “ajudas de custo” as quantias que eram pagas ao trabalhador a título de cláusula 74.ª e Prémio TIR;
EE) No que toca à cláusula 74.ª e a Prémio TIR, a ré Rotas Aleatórias:
- em Janeiro de 2012 nada pagou ao autor;
- em Fevereiro de 2012 pagou 100,00€ a título de cláusula 74.ª e 50,00€ a título de Prémio TIR;
- em Março de 2012 pagou 308,63€ a título de cláusula 74.ª e 105,74€ a título de Prémio TIR;
- em Abril de 2012 nada pagou;
- em Maio de 2012 pagou 308,63€ a título de cláusula 74.ª e 105,74€ a título de Prémio TIR;
- em Junho de 2012 pagou 100,00€ a título de cláusula 74.ª e 50,00€ a título de Prémio TIR;
- em Julho de 2012 pagou 308,63€ a título de cláusula 74.ª e 105,74€ a título de Prémio TIR;
- em Agosto de 2012 pagou 308,63€ a título de cláusula 74.ª e 105,74€ a título de Prémio TIR;
- em Setembro de 2012 pagou 308,63€ a título de cláusula 74.ª e 105,74€ a título de Prémio TIR;
- em Outubro de 2012 pagou 308,63€ a título de cláusula 74.ª e 105,74€ a título de Prémio TIR;
- em Novembro de 2012 pagou 308,63€ a título de cláusula 74.ª e 105,74€ a título de Prémio TIR;
- em Dezembro de 2012 e Janeiro de 2013 nada pagou;
FF) O autor gozou férias entre 09/09/2012 e 21/09/2012;
GG) No dia 22/11/2012 o autor entrou de baixa médica;
HH) No dia 04/12/2012 enviou duas missivas (carta e fax) à ré Rotas Aleatórias a comunicar a rescisão do contrato para 01/01/2013;
II) O autor recebia todos os meses, com base no salário base, os proporcionais de subsídio de férias e de subsídio de natal;
JJ) As “Declarações de Actividade” entregues ao autor, com excepção da primeira, foram emitidas pela ré CC;
KK) Os transportes realizados pelo autor correspondem a transportes contratados por terceiros junto da ré CC;
LL) Os camiões utilizados para o efeito e conduzidos pelo autor ao longo de todo o contrato pertenciam à ré CC.

4. Fundamentação de direito

4.1. Levanta-se a questão da admissibilidade de junção pela Apelante de um documento com as suas alegações (fls. 429).
Dispõe o art. 651.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art. 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Estabelece, por seu turno, o art. 425.º do mesmo diploma que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Sobre esta questão, acolhe-se o que escreve Antunes Varela Na RLJ, Ano 115.º, pág. 95, citado no Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Janeiro de 2012 (in www.dgsi.pt).: “A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1.ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz, nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artigos 514.º e 665.º do CPC). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (arts. 264.º n.º 3, 535.º, 612.º, etc.) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (art. 664.º-1.ª parte).
A decisão de primeira instância pode, por isso, criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar”.
Ora, no caso em apreço, o documento junto (extracto de conta de pagamentos à Segurança Social pela BB) tem em vista a prova de factos anteriores ao encerramento da discussão na 1.ª instância, estando ele mesmo disponível também em data anterior, não sendo caso de produção de prova que só se tenha tornado necessária em virtude do julgamento ali proferido, nem de impossibilidade de junção em momento anterior.
A Recorrente, aliás, limitou-se a anexar o documento ao recurso, sem dizer uma só palavra para justificar a apresentação tardia.
Não se admite, por isso, a junção aos autos do mencionado documento, cujo desentranhamento se ordenará a final.
4.2. A Apelante veio arguir a nulidade da sentença perante o tribunal recorrido, invocando as alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil, sendo certo que nada veio argumentar em concreto no que toca à alínea d), pelo que a sua pretensão nessa parte se considera prejudicada.
O preceito mencionado estabelece o seguinte:
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
(…)
Em rigor, os casos das alíneas b) a e) constituem situações de anulabilidade da sentença e não de verdadeira nulidade, respeitando à sua estrutura (falta de fundamentação e oposição entre os fundamentos e a decisão) ou aos seus limites (omissão ou excesso de pronúncia e pronuncia ultra petitum) Cfr. José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, p. 703..
No que respeita à alínea b), a Apelante invoca a falta de indicação de normas jurídicas para fundamentar a sua responsabilidade perante o autor.
Porém, no que toca à causa de nulidade em apreço, é pacífico que, como diz Fernando Amâncio Ferreira Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.ª edição, p. 52., “[a] falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos, quer estes respeitem aos factos, quer ao direito (…)”.
No mesmo sentido, pronunciou-se Artur Anselmo de Castro Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pp. 141-142., afirmando que “[t]ambém a falta de fundamentação constitui causa de nulidade da sentença, quer a omissão respeite aos fundamentos de facto, quer aos de direito. Da falta absoluta de motivação jurídica ou factual – única que a lei considera como causa de nulidade – há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade (…)”.
Ora, da leitura da sentença recorrida não ressalta uma absoluta carência de fundamentação, designadamente de direito e quanto à questão da responsabilidade da Recorrente perante o autor, na medida em que o Mmo. Juiz recorrido explica expressa e abundantemente as razões jurídicas (inclusive com citação de normas e princípios jurídicos) pelas quais entende proceder a pretensão do segundo.
Com efeito, o que se extrai da alegação da Apelante é simplesmente a sua discordância quanto à análise e solução da situação, o que se reconduz a invocação de erro de julgamento, que não se confunde com a questão da validade formal da sentença e antes a pressupõe.
No que concerne à alínea c), a Recorrente sustenta que resulta dos autos que o sistema de pagamento da retribuição ao autor era mais favorável, pelo que a condenação daquela acarreta o recebimento em duplicado das quantias a que este tinha direito, de onde se conclui que a pretensão da Apelante nada tem a ver com aquela nulidade da sentença tal como a mesma deve ser entendida – de haver uma contradição lógica absoluta e insuperável – mas sim com o próprio mérito da decisão nela contida, em virtude de, no seu entender, se dever ter retirado dos factos provados conclusão diversa da que se retirou.
A alegação em causa reconduz-se, pois, mais uma vez, a invocação de erro de julgamento traduzido no incorrecto enquadramento jurídico da situação em apreço, questão essa que não se confunde com a da validade formal da sentença e antes a pressupõe.
Em face do exposto, e sem prejuízo da apreciação dos pretensos vícios no local próprio (isto é, em sede de reapreciação das questões em referência, como também pedido), improcedem as arguidas nulidades de sentença.
4.3. Cumpre, em 3.º lugar, apreciar a pretensão da Apelante de modificação da decisão sobre a matéria de facto.
Por força do art. 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, interessa ter em conta o art. 662.º do Código de Processo Civil, que, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», estabelece no seu n.º 1 que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por sua vez, o art. 640.º, n.ºs 1 e 2, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Retornando ao caso em apreço, vejamos a pretensão da Recorrente nesta sede.
Sustenta, desde logo, que deve ser retirada a expressão “de forma unilateral” da alínea O), tendo em conta os documentos juntos, o depoimento do autor e a posição deste nos articulados.
Ora, considerando o que resulta das alíneas C), G), H) e I), parece-nos que a actual redacção da alínea O) se mostra algo equívoca e ambígua, pelo que, atendendo aos elementos indicados, designadamente o depoimento de parte do autor, decide-se conferir-lhe a seguinte redacção:
O) A substituição do pagamento do trabalho suplementar e nocturno, realizado em dias de descanso complementar, semanal ou feriado e as respectivas compensações monetárias, bem como das refeições no estrangeiro, pelo pagamento de uma determinada importância calculada com base no quilómetro percorrido, já constava do contrato de trabalho que a ré BB apresentou ao autor para assinatura (alteração introduzida supra no local próprio).
A Apelante pretende, em 2.º lugar, que se retire a expressão “limitou-se” da alínea S), uma vez que a intervenção da BB não se confinou apenas ao pagamento dos créditos resultantes da prestação de trabalho por parte do autor.
Ora, considerando o que resulta das alíneas C), J), K), T), W), HH) e JJ), parece-nos que a actual redacção da alínea O) se mostra equívoca e redundante, pelo que decide-se conferir-lhe a seguinte redacção:
S) Durante toda a vigência do contrato, a ré BB procedeu ao pagamento dos créditos resultantes da prestação de trabalho por parte do autor (alteração introduzida supra no local próprio).
Em 3.º lugar, defende a Apelante que a alínea Y) deve ser eliminada por ser conclusiva, na medida em que o seu teor não foi confirmado pelas testemunhas e a ré BB sempre cumpriu com os trabalhadores, Segurança Social e Autoridade Tributária.
Aquela alínea tem a seguinte redacção: «Tudo se inserindo numa estratégia da empresa CC, de forma a proteger o seu património das responsabilidades perante os seus trabalhadores, colocando-os numa empresa sem qualquer activo para depois os afectar no dia a dia a uma actividade desenvolvida por outra empresa, essa sim dedicada à actividade de transporte de mercadorias e dona de todos os meios logísticos necessários para o efeito».
Por outro lado, verifica-se que o tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre a matéria de facto atinente a esta temática do seguinte modo:
«No que toca à cedência do autor à ré CC e ao exercício exclusivo da sua atividade para esta ré, da própria contestação apresentada pelas rés se deduzia essa realidade, tendo da prova produzida ficado claríssimo que efetivamente ao longo de todo o contrato o autor desempenhou a sua atividade de motorista em exclusivo para a ré CC, limitando se a BB à celebração de contratos de trabalho e pagamento de retribuições. Desde logo o depoimento de António … (representante da BB e filho do presidente do conselho de administração da CC) foi claro, tendo declarado expressamente em juízo que “eu como representante não fazia grande coisa, era só para fazer pagamentos à Segurança Social”. Do depoimento desta testemunha ficou claríssimo que a BB não tinha qualquer atividade para além da celebração de contratos com trabalhadores, que a partir desse momento ficavam ao serviço exclusivo da CC. Foi notório ao longo de todo o depoimento o desconhecimento total que a testemunha tinha sobre questões que deveriam ser essenciais para quem desempenhava o cargo naquela empresa, como o teor do suposto contrato de prestação de serviços entre as rés (afirmou a testemunha: “não faço ideia dos parâmetros do contrato, deve ter sido com empresa mãe em Marrocos”), quanto seria pago pela CC à BB, como era determinado esse pagamento ou mesmo quem seriam as pessoas da empresa em Marrocos a quem reportaria (soube apenas referir de forma muito genérica e nada credível o nome Ali), o que muito dificilmente se pode crer, tendo em conta que se tratava do representante da empresa em Portugal que, nos termos da certidão do registo comercial junta a fls. 296, tinha “todos os poderes para a prossecução do objeto da sucursal”. Aliado a este depoimento temos o do acima referido Georgy …, que foi perentório ao afirmar que apesar de o contrato ser assinado com a BB e ser em nome desta que a retribuição era paga, era apenas e só para a CC que o trabalho era prestado, que Luís … (legal representante da CC) era por todos considerado o patrão e era quem efetivamente tinha todo o poder relativamente aos motoristas. Por outro lado, o depoimento de Eliana … (contabilista, afirmou que tinha contrato com a CC até finais de 2011, tendo nesta data passado a ser trabalhadora da Rotas, mas “manteve prestação de serviços com a CC”, tendo em 2014 regressado à CC), apesar de notoriamente tentando furtar-se inicialmente a responder diretamente às questões relativas ao relacionamento entre as duas sociedades, acabou por evidenciar que foi efetivamente estratégia da CC em determinado momento que todos os seus trabalhadores passassem para a BB (foi a própria testemunha quem utilizou a expressão “era estratégia da empresa”). A outra testemunha apresentada pela ré – Nuno … (funcionário da CC desde Novembro de 2015, tendo sido funcionário da BB entre Março de 2012 e Abril de 2014) – foi claro ao afirmar que os camiões eram da CC mas os funcionários eram da BB, tendo dito que “a CC, que soubéssemos, não tinha motoristas”. Decorreu ainda claramente destes depoimentos que as instalações onde a BB exercia a sua atividade eram da CC e que o programa informático usado pela BB estava licenciado para a CC (nenhuma prova tendo sido apresentada para comprovar o alegado quanto a dar tal licença para mais de 20 empresas). Some se a tudo quanto vem de ser dito o facto de à BB não ser conhecido qualquer património, como na sentença de declaração de insolvência junta a fls. 256 e ss. claramente se deu como provado e facilmente se deduz ser verdadeiro o que alegava o autor quanto a tratar se de uma estratégia da CC para proteger o seu património das responsabilidades perante os seus trabalhadores, que ficavam “estacionados” numa empresa sem qualquer ativo. Em consequência da convicção vinda de referir, o tribunal considerou como não provado o que no art.º 10.º da contestação se alegava quanto a ser a CC quem cedia os veículos à BB para que esta exercesse a atividade de transporte de mercadorias (antes era o contrário que sucedia – a atividade de transporte era exercida pela CC, para o que utilizava os funcionários contratados pela BB).»
Conclui-se, assim, que o tribunal recorrido alicerçou a prova dos factos de base em meios probatórios concretos e directos, cuja credibilidade fundamentou, e que inferiu dos mesmos outros factos que daqueles decorrem de acordo com as regras da experiência, explicitando devidamente o seu raciocínio (arts. 349.º e 351.º do Código Civil).
A Recorrente não infirmou a prova daqueles factos de base, cumprindo os ónus legais a seu cargo, nem invocou razões válidas para não se retirar a ilação que o tribunal retirou, não valendo como tal o mero cumprimento pela BB das obrigações formais decorrentes do contrato de trabalho, uma vez que aquela ilação, ou a necessidade de a extrair, pressupõe precisamente que assim tivesse acontecido.
Em face do exposto, improcede a pretensão da Apelante nesta parte.
Em 4.º lugar, a Apelante pretende que a alínea CC) – onde se consignou que o autor percorreu determinados quilómetros, as quantias devidas pelos mesmos e as que recebeu – seja dada como não provada, dizendo que se desconhece em que alicerçou o tribunal a sua convicção e que impugnou os documentos juntos pelo autor e as testemunhas não confirmaram tal factualidade.
Não obstante, não corresponde à verdade que o tribunal recorrido não tenha fundamentado devidamente a sua convicção, pois fê-lo do seguinte modo:
«Sobre os quilómetros que o autor alegava ter percorrido em cada mês, não ficaram quaisquer dúvidas no tribunal quanto a corresponderem os documentos juntos a fls. 132 e ss. às folhas elaboradas pela ré BB, com base nas quais processava os pagamentos e das quais constavam os quilómetros percorridos e respetivo valor de “ajudas de custo”. Tal foi desde logo confirmado sem qualquer hesitação pela testemunha Gyorgy …, que também afirmou sem qualquer margem para dúvidas que a BB repartia o valor relativo a quilómetros percorridos pelas rubricas “ajudas de custo”, “cláusula 74.ª” e “prémio TIR”. Ora, do simples confronto dos valores constantes de tais folhas como sendo relativos a quilómetros percorridos com o que consta nos recibos de vencimento juntos pela própria ré a fls. 96 e ss. retira-se essa realidade: a soma dos valores dos recibos relativos a “ajudas de custo”, “cláusula 74.ª” e “prémio TIR” correspondem ao cêntimo ao valor que nas folhas juntas a fls. 132 e ss. consta como retribuição devida pelos quilómetros percorridos. Deu, por isso, o tribunal como provado o que a esse propósito alegava o autor, quer quanto aos quilómetros percorridos em cada mês e retribuição que por esses quilómetros era devida (tendo apenas considerado como não provados os meses em relação aos quais não foram juntas folhas), quer quanto aos valores pagos pela BB em relação a cada uma das rubricas.»
Os documentos mencionados, ainda que meramente particulares e objecto da posição que a Apelante tomou sobre os mesmos, não são destituídos de toda e qualquer força probatória, sendo esta apreciada livremente pelo tribunal (art. 366.º do Código Civil), sendo que no caso em apreço merecem credibilidade, atendendo a que o seu teor está corroborado pelo teor dos recibos de retribuição, nos termos explicitados, e, por outro lado, pelo depoimento da testemunha Gyorgy …, cujo depoimento a Recorrente invocou de modo fragmentado e descontextualizado, pois o mesmo explicou detalhadamente como se processava o pagamento mediante quilómetros e a obrigação de elaborar um relatório por cada viagem com a respectiva discriminação, tendo à vista dos documentos que lhe foram apresentados reconhecido os mesmos como sendo os que estavam em uso (cfr. a totalidade do seu depoimento transcrito).
Em face do exposto, improcede a pretensão da Recorrente nesta parte.
A Apelante, em 5.º lugar, sustenta que devem ser dados como provados os factos 3., 5., 6. e 7. que na sentença foram considerados como não provados, a saber:
3) Que a ré CC cedesse os veículos à ré BB para esta exercer a sua actividade de transporte rodoviário de mercadorias por estrada, como cedia a outras empresas de transportes;
5) Que o autor aquando da sua contratação tenha acordado com a ré BB que em vez do pagamento das quantias previstas no CCT e no Código do Trabalho recebesse o sistema de pagamento acordado com os motoristas na empresa;
6) Que tudo tenha sido minuciosamente explicado ao autor;
7) Que na BB fosse feita uma primeira reunião onde tudo é explicado ao motorista, em especial as componentes retributivas, antes de serem contratados, e posteriormente, se e quando fossem chamados, lhes fosse novamente explicado.
Relativamente ao ponto 3), a testemunha Eliana …, no excerto do depoimento que a Recorrente invoca, perguntada sobre se a CC contratava o serviço da Rotas, nomeadamente os motoristas, para lhe prestarem a actividade de transporte internacional, respondeu afirmativamente, pelo que aquele não pode ser dado como provado.
Quanto aos pontos 5), 6) e 7), além de redundantes em face do provado sob as alíneas C), F), G), H), I) e O), verifica-se que a testemunha Eliana …, no excerto do depoimento que a Recorrente invoca, evidencia não ter conhecimento directo e pessoal de mais do que aquilo que consta precisamente dessas alíneas.
Finalmente, a Apelante sustenta que deve ser dado como provado o alegado nos artigos 84.º e 87.º da contestação, com base no contrato de trabalho, nos recibos de vencimento, nos recibos das ajudas de custo, na fundamentação a fls. 14 da sentença e na petição inicial, a saber:
- «O sitema de pagamento praticado pela ré era mais favorável»;
- «Os pagamentos efectuados pela ré substituíram, na totalidade, os previstos no CCT e no CT».
Trata-se, todavia, não de factos, mas de juízos valorativos e conclusivos, que ao tribunal cabe retirar da factualidade provada e não provada, à luz do direito aplicável.
Nestes termos, improcede a pretensão da Recorrente nesta parte.
4.4. Importa, então, apreciar e decidir a questão da responsabilidade da ré CC perante o autor.
Conforme se alcança da factualidade provada, a ré BB tem como objecto social “transportes, armazenagem e serviços conexos” e a ré CC tem como objecto social “indústria de transportes e tudo o que estiver relacionado com transportes de mercadorias nacionais e internacionais”.
No exercício dessa sua actividade, a ré BB e o autor assinaram o contrato junto a fls. 23 e ss., para este exercer as funções inerentes à categoria de motorista de transportes rodoviários internacionais de mercadorias.
A ré BB é uma sociedade com sede na Suite …, Victória House, … Main Street, Gibraltar, com uma representação em Portugal através da sua sucursal BB Limited – Sucursal em Portugal, a quem não se conhece qualquer património.
Imediatamente após a celebração do contrato, o autor foi cedido pela ré BB à ré CC, para que, ao serviço desta e com recurso aos veículos da propriedade desta última, passasse a exercer a função de motorista para que fora contratado.
Era a ré CC que dava as ordens, definia as viagens a realizar, as cargas a efectuar, assim como disponibilizava os camiões para o autor utilizar em cada um dos transportes por ela definidos.
Durante o ano em que esteve ao serviço, o autor efectuou todos os transportes rodoviários de mercadorias que lhe foram determinados pela ré CC, os quais se traduziram sempre em transporte de mercadorias para países estrangeiros tais como Inglaterra, Escócia, França, Luxemburgo, Bélgica, Holanda.
Durante toda a vigência do contrato, a ré BB procedeu ao pagamento dos créditos resultantes da prestação de trabalho por parte do autor.
A actividade efectiva da BB reduzia-se à celebração de contratos com motoristas de transporte internacionais (e processamento dos respectivos salários), que eram posteriormente cedidos a outras empresas, essas sim dedicadas ao transporte internacional de mercadorias.
O representante da BB é filho do presidente do conselho de administração da ré CC.
A sucursal da ré BB em Portugal tem a sua sede nas instalações da ré CC e serve-se das suas instalações e dos seus equipamentos para desenvolver a única actividade a que efectivamente se dedica: elaboração de contratos e processamento de salários.
A licença do programa informático utilizado para o processamento de salários pela ré BB é pertença da ré CC.
Tudo se inserindo numa estratégia da empresa CC, de forma a proteger o seu património das responsabilidades perante os seus trabalhadores, colocando-os numa empresa sem qualquer activo para depois os afectar no dia a dia a uma actividade desenvolvida por outra empresa, essa sim dedicada à actividade de transporte de mercadorias e dona de todos os meios logísticos necessários para o efeito.
A ré CC era quem decidia no dia a dia quais os trabalhos a realizar pelo autor e os seus colegas motoristas, definindo os transportes a realizar e os meios a afectar à sua prossecução.
As “Declarações de Actividade” entregues ao autor, com excepção da primeira, foram emitidas pela ré CC.
Os transportes realizados pelo autor correspondem a transportes contratados por terceiros junto da ré CC.
Os camiões utilizados para o efeito e conduzidos pelo autor ao longo de todo o contrato pertenciam à ré CC.
Em face desta factualidade, o tribunal recorrido entendeu, fundamentando abundantemente, que é abusiva a invocação pela CC das normais consequências jurídicas decorrentes de as ora rés serem formalmente duas pessoas colectivas distintas, dizendo, além do mais:
«A invocação pela ré CC de que apesar de todos esses factos o autor estava apenas vinculado por uma relação laboral à BB consiste, pois, num claro abuso do direito. Com efeito, segundo o artigo 334.º do Código Civil é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico dum direito.
(…)
Ora, tudo quanto vem de ser explanado se enquadra perfeitamente na situação aqui em apreço – a ré CC delineou uma estratégia que visava eximir-se às responsabilidades inerentes à contratação do autor e dos demais trabalhadores, sendo estes colocados numa outra empresa apenas formalmente, mas sendo o seu trabalho prestado apenas e só à CC (alínea Y) dos factos provados). Tal conduta da ré é claramente contrária às regras da boa fé e dos bons costumes, nos termos acima enunciados, pelo que a invocação do contrato celebrado pelo autor com a BB pela ré CC para se eximir à condenação no pagamento das quantias a que acima se concluiu ter o autor direito é um manifesto abuso do direito. Por o ser, não deve merecer acolhimento por parte do tribunal, devendo a ré CC ser condenada no pagamento daquelas quantias.»
Desde já se adianta que se concorda inteiramente com esta solução, acertadamente fundamentada nos termos da sentença, para que se remete.
Com efeito, resulta da factualidade apurada que a ré BB tinha o objecto social de transportes, armazenagem e serviços conexos mas não o exercia, nem tinha meios logísticos próprios para o efeito, limitando-se a contratar e pagar motoristas que eram cedidos à ré CC para prossecução do objecto social desta, que, por seu turno, não tinha motoristas próprios, numa situação que faz lembrar a que ocorre no âmbito do contrato de trabalho temporário, mas sem que a BB estivesse licenciada para o efeito (nem, consequentemente, tivesse prestado caução para garantia dos créditos dos trabalhadores contratados) e sem que existisse um contrato de prestação de serviços entre as duas rés semelhante ao de utilização de trabalho temporário, tratando-se de mera situação de facto criada e mantida pelos respectivos representantes, pai e filho, com o fim de proteger o património da CC da responsabilidade perante os trabalhadores que lhe prestavam trabalho.
Ora, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Novembro de 2012, proferido no âmbito do processo n.º 229/08.3TTBGC.P1.S1 (Relator Pinto Hespanhol), acessível em www.dgsi.pt, “[n]o dizer de MENEZES CORDEIRO (Tratado de Direito Civil Português, I (Parte Geral), Tomo III, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 627-649), o levantamento da personalidade colectiva [que outros designam por desconsideração da personalidade jurídica, cf. PEDRO CORDEIRO, A desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais (1989), referido por MENEZES CORDEIRO, ob. cit., p. 625, nota de rodapé n.º 2074] trata-se dum instituto surgido para sistematizar e explicar diversas soluções concretas, estabelecidas para resolver problemas reais postos pela personalidade colectiva, e que se manifestam na confusão de esferas jurídicas, na subcapitalização e no atentado a terceiros e abuso da personalidade.
Para MENEZES CORDEIRO, «a confusão de esferas jurídicas verifica-se quando, por inobservância de certas regras societárias ou, mesmo, por decorrências puramente objectivas, não fique clara, na prática, a separação entre o património da sociedade e a do sócio ou sócios» (ob. cit., p. 628); «verifica-se uma subcapitalização relevante, para efeitos de levantamento da personalidade, sempre que uma sociedade tenha sido constituída com um capital insuficiente. A insuficiência é aferida em função do seu próprio objecto ou da sua actuação surgindo, assim, como tecnicamente abusiva» (ob. cit., p. 629); já o atentado a terceiros verifica-se sempre que a personalidade colectiva seja usada, de modo ilícito ou abusivo, para os prejudicar. Como resulta da própria fórmula encontrada, não basta uma ocorrência de prejuízo, causada a terceiros através da pessoa colectiva: para haver levantamento será antes necessário que se assista a uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios» (ob. cit., p. 633).
Como fundamentar, porém, a responsabilização das pessoas envolvidas em casos que reúnam os pressupostos do levantamento da personalidade colectiva?
Segundo BRITO CORREIA (Direito Comercial, 2.º volume, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1989, p. 244), «tal responsabilidade pode fundamentar-se no artigo 334.º do Código Civil, sobre o abuso de direito, entendendo que a generalidade das pessoas têm direito de constituir pessoas colectivas e de exercer actividades por intermédio delas, mas que esse direito tem limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Já para BERNARDO DA GAMA XAVIER e OUTROS (Manual de Direito do Trabalho, Verbo – Babel, Lisboa, 2011, p. 382) «justifica-se adoptar uma solução que conduza à chamada desconsideração da personalidade (isto é, não se considera a autonomia dos sujeitos empregadores em presença e de cada uma das relações jurídico-laborais), por forma a garantir que o trabalhador não fique prejudicado», o que sucede «quando se verifique uma utilização abusiva da personalização autónoma de cada sociedade membro do grupo», tecendo as seguintes considerações acerca dos requisitos que podem justificar essa solução de recurso:
«Pensamos que a reconstrução da “unidade” que pode estar por detrás do grupo de empresas ou de sociedades só se justifica quando o grupo apresente características tais que permitam detectar a efectiva presença de uma especial “unidade”, que se mantém apesar das personalizações das suas várias componentes e que, em termos de boa-fé, exija a desconsideração dessas personalizações.
É o que sucede, por exemplo: quando as várias sociedades prosseguem um mesmo objectivo económico, com meios comuns (os mesmos dirigentes, a utilização dos mesmos locais, serviços e meios de produção, ou o mesmo pessoal); ou quando, embora as actividades das diferentes sociedades não se confundam, as relações entre elas são de tal forma estreitas que se pode dizer que a sociedade que efectivamente detém os poderes patronais — que realmente dirige o trabalhador em causa — não é quem formalmente ocupa a posição de empregador, mas sim uma outra de quem depende afinal o trabalhador.
Por outro lado, terão de verificar-se nos vínculos laborais formalmente autónomos conexões que os permitam unificar.»
Por seu turno, PEDRO ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 434-435) aproveita para sublinhar que «[a] procura do empregador real está relacionada com uma ideia de justiça, na tentativa de levar a defesa do trabalhador até onde for juridicamente possível», sendo certo que, «juridicamente, para se chegar à entidade patronal real, sem atender só ao empregador efectivo, pode recorrer-se à figura da desconsideração da personalidade jurídica.
Em princípio, quando se fala no levantamento da personalidade jurídica, pretende-se responsabilizar as pessoas singulares que estão “encobertas” pela pessoa colectiva.
Neste caso, não é essa a finalidade, pois cabe verificar quem são as outras pessoas colectivas que agem em conjunto com aquele empregador efectivo. Interessa, deste modo, “passar por cima” do empregador efectivo, desconsiderando-o, ou melhor, não atendendo exclusivamente a essa situação, e procurar o grupo empresarial em que aquele empregador se insere» — cita, a propósito, RAPOSO BERNARDO, in «O Exercício dos Direitos dos Trabalhadores nos Grupos de Sociedades», Relatório de Mestrado, Lisboa, 1995, p. 47), o qual refere que o recurso à desconsideração deve relacionar-se com os princípios da aparência e da confiança legítima, ancorados no princípio da boa-fé.”
Ora, tal como entendeu o tribunal recorrido, a matéria de facto apurada justifica a desconsideração da autonomia e da individualidade jurídica das rés, que fizeram uma utilização abusiva da personalidade jurídica colectiva por forma a afectar a garantia dos seus credores, no caso os seus trabalhadores, que, por não o serem formalmente da sociedade que detém activos, se defrontam com uma empregadora que nenhum património tem, estando, aliás, insolvente. Isto é, como se provou, a situação insere-se numa estratégia de evitar a responsabilização da CC, sendo que, relativamente à BB, a questão não se colocaria por nenhum património ter.
Estamos, pois, perante um caso em que as rés fizeram uma utilização abusiva da personalidade jurídica colectiva, com o fim de dar cobertura a uma situação em que os trabalhadores estivessem afectos à ré sem património e os activos (instalações, equipamentos, veículos e clientela) afectos à outra, formalmente protegidos da responsabilização perante aqueles.
Ora, é essa aparência formal, sem correspondência na situação de facto, e criada com um fim ilícito, que ao direito cumpre contornar, com o objectivo de impedir a consumação de tal fim ilícito, através do recurso à desconsideração da personalidade colectiva do empregador formal e pela via da unificação dos vínculos laborais estabelecidos entre o autor e as rés, a operar por via judicial.
Só dessa forma se evita que com a estratégia utilizada pelas rés se logre o afastamento da aplicação de normas imperativas relativas aos direitos do trabalhador em causa, nomeadamente, em sede de segurança no emprego e garantia salarial.
Como se refere no supra citado aresto, “[é] certo que a atribuição da qualidade de empregador às rés, tal como adverte MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO (Grupo Empresariais e Societários – Incidências Laborais, Coimbra, Almedina, 2008, p. 410), «consubstancia, de facto, uma situação de contitularidade na posição jurídica de empregador, que se reconduz materialmente a um caso de pluralidade de empregadores, na modalidade da pluralidade sucessiva e a par das situações previstas no art. 92.º do CT».
Todavia, como bem sublinha a mesma AUTORA:
«[…] o facto de este caso de pluralidade não estar previsto na lei nem obedecer aos requisitos de admissibilidade legalmente previstos para aquela figura não tem aqui um escopo negocial e voluntário, mas um escopo judicial e correctivo — o que, só por si, retira sentido às exigências dos requisitos de forma e do requisito substancial do acordo das partes (art. 92.º, n.º 1, alíneas a) a c) do CT).
Uma vez admitida a constituição de uma situação de contitularidade da posição de empregador, crê-se que dela são de retirar as devidas consequências, nomeadamente para efeitos da sujeição desta situação ao regime especial de responsabilidade solidária pelos créditos laborais, consagrado no art. 92.º, n.º 3, do CT, e que parece poder aqui aplicar-se por analogia […].»
E assim é, porquanto «[h]á analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei» (artigo 10.º, n.º 2, do Código Civil), sendo que, no caso, embora falte o acordo expresso das partes na constituição do vínculo laboral com a contitularidade da posição de empregador, bem como os requisitos formais da redução do acordo a escrito e as menções obrigatórias no respectivo documento constitutivo (artigo 92.º, n.º 1, alíneas a) a c), do Código do Trabalho de 2003), verifica-se o pressuposto material do instituto da pluralidade de empregadores, na forma mais ampla contemplada no n.º 2 do citado artigo 92.º, que pressupõe que os empregadores mantenham estruturas organizativas comuns, cuja existência ficou demonstrada.”
No caso em apreço, a ré BB Limited – Sucursal em Portugal tinha a sua sede nas instalações da CC, e, para além da partilha dessas instalações e dos equipamentos administrativos, incluindo o programa informático, os representantes de uma e outra eram filho e pai, respectivamente, e a situação foi criada e mantida pelos mesmos como estratégia empresarial, sendo manifesto que, quando consideradas de forma isolada, nenhuma delas podia levar a cabo a respectiva actividade social só com os meios próprios, tendo tal sido possível apenas porque o fizeram em conjugação de meios e esforços, sendo evidente a complementaridade entre ambas.
Por todo o exposto, como fez o tribunal recorrido, tem de concluir-se que o contrato de trabalho do autor tinha como empregadores ambas as rés, sendo abusiva nos termos do art. 334.º do Código Civil a invocação pelas mesmas de serem pessoas colectivas distintas.
Em sentido semelhante se decidiu, aliás, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Março de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 122/13.8TTTVD-4 (Relator Leopoldo Soares), disponível em www.dgsi.pt, precisamente em acção instaurada por outro trabalhador contra as oras rés, e que, pelo seu acerto e pertinência, se seguiu de perto.
4.5. Posto isto, importa analisar a questão da admissibilidade do sistema de pagamento da retribuição do autor.
Resulta da factualidade apurada, com interesse, que, como contrapartida da prestação a cargo do autor, foi estabelecido o pagamento de uma retribuição mensal de 550,00€ e estipulado na cláusula 10.ª, em acréscimo a tal remuneração, o recebimento pelo autor das seguintes retribuições:
a) Retribuição extraordinária prevista na cl. 74.ª, n.º 7 e anexo 1 à tabela salarial do CCTV;
b) Prémio TIR;
c) Todas as demais quantias que resultem do CCTV aplicável, as quais serão pagas de acordo com a cláusula seguinte.
Por sua vez, nas alíneas a) e b) da cláusula 11.ª do referido contrato estipula-se que as quantias devidas a titulo de trabalho suplementar e nocturno, trabalho realizado em dia de descanso complementar, semanal ou feriado e refeições no estrangeiro, ao invés de se processarem nos termos do indicado CCTV, seriam “pagas através de uma única rubrica intitulada “ajudas de custo””, sendo que na alínea c) da mesma clausula 11.ª se refere que o “valor global que será liquidado a título de ajudas de custo decorre do sistema de pagamento em função da distância percorrida ajustada entre entidade empregadora e o trabalhador”.
Assim, nos estritos termos do contrato, o autor tinha direito a receber:
- retribuição base de 550,00€;
- “Cláusula 74.ª”;
- “Prémio TIR”;
- “ajudas de custo”.
Diz-se na sentença recorrida:
«Na petição inicial, apesar de alegar que o sistema de substituição por ajudas de custo calculadas ao quilómetro da retribuição devida por trabalho suplementar e noturno, trabalho realizado em dia de descanso complementar, semanal ou feriado e refeições no estrangeiro, foi determinado “de forma unilateral e no seu exclusivo interesse” (art.º 12.º), o autor não põe em causa que tal regime retributivo seja efetivamente mais favorável para si, de tal forma que o seu pedido consiste precisamente no pagamento das quantias que em seu entender são devidas em aplicação desse mesmo sistema. Com efeito, o autor pede a condenação das rés no pagamento, além do mais, das quantias que diz estarem em falta a título de “ajudas de custo” por quilómetro percorrido, não pedindo qualquer compensação por trabalho suplementar e noturno, trabalho realizado em dia de descanso complementar, semanal ou feriado e por refeições no estrangeiro. De tal forma assim é que chega mesmo a alegar que as quantias que lhe eram devidas a título de tais ajudas de custo eram indevidamente repartidas pela ré pelas rubricas Prémio TIR e Cláusula 74.ª, pedindo a diferença entre o que lhe deveria ter sido pago e aquilo que efetivamente foi.
Face a esta estruturação da ação por parte do autor, a contestação das rés baseada na defesa do sistema retributivo fixado no contrato de trabalho é inócua, na medida em que ambas as partes estão de acordo quanto a ser tal sistema mais favorável e quanto a dever a relação laboral que se estabeleceu entre as partes reger se por ele. Com efeito, autor e rés concordam na aplicação do regime estabelecido no contrato, sendo perfeitamente indiferente (porque dela não retira o autor qualquer consequência) a alegação feita pelo autor quanto a ter sido estabelecida de forma unilateral pela ré – ainda que o tenha sido (como se provou que foi, face ao elenco de factos provados e não provados acima constante), o autor expressamente com ele concorda e pede o seu cumprimento integral. Assim, e também porque o contrato já cessou e, nessa medida, não estamos perante direitos indisponíveis, nada há a apreciar quanto à validade desse sistema ou às hipotéticas consequências da sua declaração de nulidade (nomeadamente a restituição pelo autor das quantias que tivesse recebido, conforme invocam as rés na contestação).»
Posto isto, não se vislumbra o alcance da argumentação da Apelante, uma vez que o tribunal recorrido, em face da causa de pedir e do pedido do autor, delineados em função do sistema remuneratório acordado no contrato de trabalho, já cessado, deu como assente que este era admissível legalmente e procedeu ao cálculo dos créditos do trabalhador de acordo com o mesmo.
Na verdade, provou-se também que, durante o período em que esteve ao serviço, o autor:
i. entre 16/02 e 15/03 percorreu 11.734km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 821,38€, tendo na retribuição de Abril a ré nada pago a título de “ajudas de custo”;
ii. entre 16/03 e 15/04 percorreu 11.217km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 729,11€, tendo na retribuição de Maio a ré pago a título de “ajudas de custo” a quantia de 314,74€;
iii. entre 16/04 e 15/05 percorreu 6.700km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 368,59€, tendo na retribuição de Junho a ré pago a título de “ajudas de custo” a quantia de 218,50€;
iv. entre 16/05 e 15/06 percorreu 10.184Km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 611,04€, tendo na retribuição de Julho a ré pago a título de “ajudas de custo” a quantia de 196,67€;
v. entre 16/06 e 15/07 percorreu 12.674km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 887,18€, tendo na retribuição de Agosto a ré pago a título de “ajudas de custo” a quantia de 472,81€;
vi. entre 16/07 e 15/08 percorreu 11.189Km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 727,28€, tendo na retribuição de Setembro a ré pago a título de “ajudas de custo” a quantia de 312,91€;
vii. entre 16/09 e 15/10 percorreu 10.073Km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 604,38€, tendo na retribuição de Novembro a ré pago a título de “ajudas de custo” a quantia de 190,01€;
viii. entre 16/10 e 15/11 percorreu 11.130Km, pelos quais deveria ter recebido a quantia de 723,00€, tendo na retribuição de Dezembro a ré nada pago a título de “ajudas de custo”;
Mais se provou que, em todos os meses em que eram pagas “ajudas de custo”, eram deduzidas pela ré BB ao valor devido a título de “ajudas de custo” as quantias que eram pagas ao trabalhador a título de cláusula 74.ª e Prémio TIR.
Assim, no que toca à cláusula 74.ª e a Prémio TIR, a ré BB:
- em Janeiro de 2012 nada pagou ao autor;
- em Fevereiro de 2012 pagou 100,00€ a título de cláusula 74.ª e 50,00€ a título de Prémio TIR;
- em Março de 2012 pagou 308,63€ a título de cláusula 74.ª e 105,74€ a título de Prémio TIR;
- em Abril de 2012 nada pagou;
- em Maio de 2012 pagou 308,63€ a título de cláusula 74.ª e 105,74€ a título de Prémio TIR;
- em Junho de 2012 pagou 100,00€ a título de cláusula 74.ª e 50,00€ a título de Prémio TIR;
- em Julho de 2012 pagou 308,63€ a título de cláusula 74.ª e 105,74€ a título de Prémio TIR;
- em Agosto de 2012 pagou 308,63€ a título de cláusula 74.ª e 105,74€ a título de Prémio TIR;
- em Setembro de 2012 pagou 308,63€ a título de cláusula 74.ª e 105,74€ a título de Prémio TIR;
- em Outubro de 2012 pagou 308,63€ a título de cláusula 74.ª e 105,74€ a título de Prémio TIR;
- em Novembro de 2012 pagou 308,63€ a título de cláusula 74.ª e 105,74€ a título de Prémio TIR;
- em Dezembro de 2012 e Janeiro de 2013 nada pagou.
Em conformidade, entendeu-se na sentença recorrida:
«No que toca aos valores devidos a título de ajudas de custo, provou se (alínea CC) dos factos provados) que ao longo do contrato de trabalho o autor percorreu quilómetros pelos quais deveria ter recebido um total de 5.471,96€, tendo recebido a esse título apenas a retribuição de 1.705,64€, pelo que lhe é devida a quantia de 3.766,32€.
Quanto a Cláusula 74.ª, tendo em conta o valor de retribuição base do autor (550,00€), a sua retribuição horária (tendo em conta a forma de cálculo constante do art.º 271.º, n.º 1 do Código do Trabalho) era de 3,17€. Assim, a título de Cláusula 74.ª tinha o autor direito a receber mensalmente a quantia de 309,08€, atendendo aos valores de retribuição horária de trabalho suplementar previstos na cláusula 40.ª da CCT aplicável. (…)
No que toca a Prémio TIR, conforme ambas as partes estão de acordo, o valor mensal devido ao autor era de 105,74€.
Atentos os valores vindos de referir, tinha o autor direito pelos doze meses de duração do contrato ao recebimento da quantia global de 4.977,84€ [(309,08€ + 105,74€) X 12]. Provou-se que recebeu apenas a quantia global de 3.200,59€ (alínea EE) dos factos provados), pelo que tem direito ao recebimento da diferença de 1.777,25€.»
Em suma, o tribunal recorrido, em vista da causa de pedir e do pedido, considerou admissível que o autor fosse pago, nos termos do contrato de trabalho já cessado, em função dum sistema remuneratório que incluía retribuição base, “Cláusula 74.ª”, “Prémio TIR” e “ajudas de custo” em substituição das demais verbas previstas no CCT, tendo-se limitado a calcular o que a tais títulos ficou por pagar ao trabalhador.
Em face do exposto, improcede a pretensão da Recorrente nesta parte.
4.6. Finalmente, cabe apreciar a questão da condenação da Apelante como litigante de má fé.
Nos termos do disposto no art. 542.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, tiver praticado omissão grave do dever de cooperação, tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 2 de Março de 2012 (in www.dgsi.pt), “[a] conclusão da litigância de má fé é casuística, dependendo das circunstâncias do caso concreto, devendo o tribunal ser prudente na sua apreciação, só devendo condenar a parte, como litigante de má fé, no caso de se estar perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.”
E, como se sublinha no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Setembro de 2012 (in www.dgsi.pt), “[a] litigância de má fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão.”
Ora, no caso em apreço, a ré BB tinha a sua sede nas instalações da CC, e, para além da partilha dessas instalações e dos equipamentos administrativos, incluindo o programa informático, os representantes de uma e outra eram filho e pai, respectivamente, limitando-se a primeira a contratar e pagar motoristas que eram cedidos à ré CC para prossecução do objecto social desta, que, por seu turno, não tinha motoristas próprios, em obediência a uma estratégia empresarial criada e mantida com o fim de proteger o património da CC da responsabilidade perante os trabalhadores que lhe prestavam trabalho.
Como se refere na sentença recorrida, «(…) na contestação a ré CC chega mesmo ao ponto de negar por desconhecimento (afirmando não serem pessoais seus) todos e quaisquer factos alegados pelo autor na petição inicial, incluindo o contrato celebrado e as concretas condições em que foi executado, quando se demonstrou em juízo que tinha perfeito conhecimento de toda a factualidade, por sempre ter o trabalho sido para si prestado, conforme desde o início havia sido por si pretendido.»
Efectivamente, no contexto factual acima delineado, não se trata apenas de não se terem provado factos que a ré CC alegou, ou de se ter julgado improcedente uma argumentação jurídica razoável e defensável, trata-se, isso sim, de se terem provado factos de sentido contrário de que a ré tinha necessariamente conhecimento e que implicam que foi com dolo ou negligência grave que deduziu oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar e que foi com dolo ou negligência grave que alterou a verdade dos factos.
Quanto ao concreto montante da multa, que é a favor do Estado e não do autor, mostra-se acertado em função da conduta processual censurável da Recorrente, cuja gravidade não se mostra atenuada pelos factos que a mesma invoca e imputa àquele, na medida em que, como se viu, integram a situação global de conjugação de meios e esforços entre as duas rés para prossecução da aludida estratégia empresarial de protecção da única que tinha património.
Em face do exposto, improcede necessariamente o recurso também nesta parte.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida.
Mais se determina o desentranhamento e restituição à Apelante do documento junto com as alegações a fls. 429.
Custas, incluindo do desentranhamento, pela Apelante.


Guimarães, 19 de Janeiro de 2017


Alda Martins
Eduardo Azevedo
Vera Maria Sottomayor


Sumário (elaborado pela Relatora):
I – Cumpre desconsiderar a personalidade jurídica colectiva quando a mesma é usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, nomeadamente para retirar ou frustrar direitos e garantias de trabalhadores.
II – Provando-se que a 1.ª ré tinha a sua sede nas instalações da 2.ª ré, e, para além da partilha dessas instalações e dos equipamentos administrativos, incluindo o programa informático, os representantes de uma e outra eram filho e pai, respectivamente, limitando-se a primeira a contratar e pagar motoristas que eram cedidos à segunda para prossecução do objecto social desta, que, por seu turno, não tinha motoristas próprios, em obediência a uma estratégia empresarial criada e mantida com o fim de proteger o património da 2.ª ré da responsabilidade perante os trabalhadores que lhe prestavam trabalho, designadamente o autor, tem de concluir-se que o contrato de trabalho deste tinha como empregadores ambas as rés, sendo abusiva nos termos do art. 334.º do Código Civil a invocação pelas mesmas de serem pessoas colectivas distintas.

(Alda Martins)