Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
415/08.6GBVVD.G1
Relator: FÁTIMA FURTADO
Descritores: ARGUIDO AUSENTE NO ESTRANGEIRO
CONTUMÁCIA
CADUCIDADE
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) A autorização para a realização da audiência na sua ausência, dada pelo arguido contumaz, localizado no estrangeiro, mas na particular condição de recluso e em cumprimento de pena de prisão, para além de integrar a sua única apresentação possível em juízo, garante o prosseguimento do processo, tendo de se considerar válida para efeitos da caducidade da contumácia a que alude o n.º 1 do artigo 336.º do Código de Processo Penal.

II) Esta situação não assume os mesmos contornos da pressuposta no acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2014.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
(Secção Penal)
Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Laura Maurício.

I. RELATÓRIO

No processo abreviado n.º 415/08.6GBVVD, da instância local de Vila Verde, secção criminal, juiz 1, da comarca de Braga, em que é arguido H. C., com os demais sinais dos autos, foi delarada cessada a situação de contumácia em que este se encontrava, por despacho datado de 23 de setembro de 2016, com o seguinte teor:
«O arguido veio requerer o seu julgamento na ausência, o que configura uma das situações em não pode ser declarado contumaz, conforme dispõe o artigo 335º n.º 1 do Código de Processo Penal, que exclui da possibilidade de declaração de contumácia, os casos do artigo 334.° n.° 2. Ora, se nessa situação nem sequer se poderia declarar o arguido contumaz, não faz qualquer sentido «força-lo» a manter-se nessa situação só porque as coisas aconteceram pela ordem inversa, ou seja, primeiro foi declarado contumaz e depois veio requerer o julgamento na sua ausência... Atento o escopo do instituto da contumácia, entendemos que o requerimento para julgamento na ausência poderá equiparar-se à apresentação a juízo.
Cumpre notar que este caso não tem exatamente os mesmos pressupostos daquele sobre o qual versa o Acórdão de fixação de Jurisprudência n.º 5/2014, de 21-5-2014, neste caso o arguido colocou-se ao dispor do Tribunal para ser julgado, fez o que estava ao seu alcance para tal, pretendendo exatamente que o processo prossiga. Cumpre notar que não está ao alcance do arguido fazer mais do que aquilo que já requereu de modo a impulsionar os autos, o arguido está em cumprimento de pena num país estrangeiro, não está na sua disposição deslocar-se a Portugal para se apresentar ou para prestar termo de identidade residência... Não permitir que o arguido seja julgado, conforme é sua pretensão, prejudica o arguido, prejudica o processo e prejudica a descoberta da verdade material.
Assim, e salvo o devido respeito pela orientação seguida na promoção que antecede, entendemos que, no caso concreto a atitude do arguido tem que ser entendida como apresentação a julgamento, isto é claramente «uma atuação do arguido de colocação à disposição do processo, de forma a que se mostre assegurada a possibilidade da sua ulterior tramitação».

Pelo exposto, decide-se:

1.º julgar cessada a contumácia;
2.º insistir pelo cumprimento da carta rogatória.
Notifique, sendo o arguido para esclarecer se tomou conhecimento das datas de julgamento e comunique.»
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Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso deste despacho intercalar de 23.09.2016, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:
A. «1.ª) — De acordo com o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, o julgador deve presumir que o legislador se exprimiu em termos hábeis, pelo que o entendimento plasmado na decisão recorrida - de que é admissível ao arguido declarado contumaz requerer o julgamento na sua ausência e, em consequência, considerar que tal requerimento equivale à sua apresentação em juízo, constituindo assim causa de cessação de contumácia - não é sufragável, pois viola a lei e contraria a unidade do sistema jurídico.
2.ª) O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 333.º e 334.º do Código de Processo Penal ao autorizar o julgamento do arguido (declarado contumaz) na ausência.
3.ª) — O artigo 333.° do Código de Processo Penal prevê as situações em que, estando o arguido regularmente notificado para audiência de discussão e julgamento, o Tribunal pode efetuar o julgamento na sua ausência, não tendo por isso aplicabilidade nas situações em que o arguido está declarado contumaz.
4.ª) 4— Por sua vez, o artigo 334.º, n.º 2, do Código de Processo Penal prevê a realização do julgamento na ausência do arguido quando este requerer ou consentir, com fundamento na comprovada impossibilidade prática de comparecer, que a audiência decorra sem a sua presença.
5.ª) — Da conjugação deste preceito legal com o n.º 1 do artigo 335.° do Código de Processo Penal resulta forçosamente que não pode ser declarada a contumácia de um arguido que tenha requerido o julgamento na ausência e, por outro lado, que não pode requerer o julgamento na ausência quem já tenha sido declarado contumaz.
6.ª) — O Tribunal a quo violou igualmente o disposto no artigo 336.° do Código de Processo Penal e ainda a jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.° 5/2014, de 26/3/2014, publicado no DR, 1 a série, de 21 de maio, ao considerar que o requerimento para julgamento do arguido na ausência equivale à sua apresentação em juízo.
7.ª) — Na verdade, a caducidade da declaração de contumácia depende exclusivamente da apresentação pessoal ou detenção do arguido (cf. neste sentido, cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.° 5/2014, de 26/3/2014).
8.ª) — As divergências relativas à jurisprudência fixada têm de ser fundamentadas na decisão, o que não sucedeu no caso dos autos, violando assim o disposto no n.° 3 do artigo 445.° do Código de Processo Penal.
9.ª) Por outro lado, declarar cessada a contumácia com o requerimento do arguido para ser julgado na ausência não acautela a situação prevista no n.º 3 do artigo 336.º do Código de Processo Penal, pois, não se permite ao mesmo requerer a abertura de instrução relativamente aos factos que lhe são imputados, violando assim as garantias de defesa do arguido.
10.ª) — Contrariamente ao referido na decisão recorrida, a posição assumida pelo Ministério Público (ora recorrente) - de que não deverá ser autorizado o julgamento do arguido na ausência, permanecendo por isso o mesmo declarado contumaz -, não prejudica o arguido, nem o processo nem a descoberta da verdade material.
11.ª) — Não prejudica o arguido na medida em que lhe são assegurados todos os meios de defesa. Não prejudica o processo, uma vez que o cumprimento no estrangeiro pelo arguido de pena privativa da liberdade constitui uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal [cf. artigo 120°, o.° 1, alinea f), do Código Penal]. Não prejudica a descoberta da verdade material, uma vez que o arguido se encontra acusado da prática de um crime de condução sem habilitação legal que, em grande parte, poderá ser provado com base em prova documental.»
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O recurso do despacho intercalar foi admitido na 1ª instância, por despacho datado de 28 de outubro de 2016, retificado nesta Relação por despacho datado de 6 de novembro de 2017, com efeito meramente devolutivo, a subir a final, com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa.
Respondeu o arguido, pugnando pela improcedência deste recurso.
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O processo prosseguiu os seus termos, tendo o arguido H. C. sido submetido a julgamento.
A sentença, proferida a 6 de dezembro de 2016, tem o seguinte dispositivo:
«Em face de todo o exposto, condena-se o arguido H. C. pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º1 e 2, do Decreto-Lei n.º2/98, de 2 de janeiro, na pena de dez meses de prisão, que cumprirá.
Condena-se ainda o arguido no pagamento das custas do processo, por força do disposto nos artigos 513.º e 514.º do CPP, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC – artigo 8.º n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.
Após trânsito, remeta boletim ao registo criminal - e comunique a presente sentença à ANSR (cfr. artigo 69º/4, do C. Penal e artº.500º nº1, do CPP.).
Proceder-se-á ao depósito da presente sentença (cf. artigo 372º, n.º5, do CPPenal).»
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Inconformados, quer o arguido quer o Ministério Público interpuseram recursos da sentença, apresentando as competentes motivações, que rematam com as seguintes conclusões:

B. Conclusões do recurso do Ministério Público

«1ª) Nos termos e para os efeitos do artigo 412.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, reitera-se o interesse na apreciação do recurso intercalar interposto pelo Ministério Público relativamente à decisão de fis. 405.
2.ª — Entende o Ministério Público que, nesse despacho, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 333.º e 334.º do Código de Processo Penal ao autorizar o julgamento do arguido (declarado contumaz) na ausência.
3.ª) — Efetivamente, da conjugação do artigo 334.º, n.º 2, com o artigo 335.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, resulta forçosamente que não pode ser declarada a contumácia de um arguido que tenha requerido o julgamento na ausência e, por outro lado, não pode requerer o julgamento na ausência quem já tenha sido declarado contumaz.
4.ª) — Ademais, ao considerar que o requerimento para julgamento do arguido na ausência equivale à sua apresentação em juízo o Tribunal a quo violou igualmente o disposto no artigo 336.º do Código de Processo Penal e ainda a jurisprudência umformizadora fixada no Acórdão do STJ n.° 5/2014, de 26/3/2014, já que a caducidade da declaração de conttnnácia depende exclusivamente da apresentação pessoal ou detenção do arguido.
5.ª) — Tal decisão – aao ter julgado cessada a contumácia e autorizado o julgamento na ausência do arguido – inquinou toda a posterior tramitação processual.
6.ª) — Efetivamente, a ausência do arguido no julgamento em tais circunstâncias configura uma nulidade insanável, ex vi do art.° 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal, ferindo, assim, também de nulidade a própria sentença de que agora se recorre.»
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C. Conclusões do recurso do arguido

«I. - São insuficientes os factos apurados para legitimar um prognóstico negativo de não suspensão da pena de prisão, não podendo aquele assentar em meras presunções.
II — Tanto assim que atento o grande lapso de tempo ocorrido entre a prática dos factos e o julgamento dos mesmos; o facto de ter merecido recentemente (14/12/2015) por parte do tribunal (Proc. n.º 371/08.OGAMR — Instância Local de Amares – julgamento por iguais factos, praticados em data posterior aos dos autos - 03/Agosto/2008) um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão e encontrar-se preso à data destes julgamentos em cumprimento de uma longa pena de prisão (doze anos), será previsível que após o cumprimento daquela pena o recorrente tenha incutido os valores jurídicos penais que associado a uma ameaça de cumprimento de nova pena de prisão seja suficiente e adequada para acautelar as finalidades da punição.
III - Não estão, assim, esgotadas todas as possibilidades de aplicação de penas alternativas à prisão efectiva.
IV- O tribunal a quo ao optar por uma pena de prisão efectiva, violou o disposto no art.º. 50º do C. Penal tinha o “poder-dever vinculado” de substituí-la pela suspensão da execução da pena de prisão, já que se verificavam os seus pressupostos formais e materiais;
V- Assim, a douta sentença recorrida viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e necessidade das penas criminais.
VI- Face às exigências de prevenção geral e, sobretudo, especial a nível positivo, a pena de prisão efectiva decretada deverá ser substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão.»
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Os recursos da sentença interpostos pelo Ministério Público e pelo arguido foram admitidos, com o regime e efeito próprios, por despacho datado de 10 de fevereiro de 2017.
O arguido respondeu ao recurso do Ministério Público e o Ministério Público respondeu ao recurso do arguido, ambos pugnando pelas respetivas improcedências.
Nesta Relação, a ex.ma senhora procuradora-geral adjunta emitiu douto parecer, no sentido do não provimento de todos os recursos.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer(1).
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1. - Questões a decidir –

A. - Recurso do despacho intercalar de 23.09.2016, interposto pelo Ministério Público –
A questão a decidir neste recurso é a de saber se é legalmente admissível declarar a caducidade da contumácia do arguido, preso no estrangeiro, em cumprimento de pena, notificado pessoalmente, por carta rogatória, da acusação e do despacho que designa dia para a audiência, e que autorizou a realização desta na sua ausência.

B. - Recurso interposto da sentença pelo Ministério Público –
A questão a decidir neste recurso circunscreve-se a saber se ocorreu a nulidade insanável prevista na al. c), do artigo 119.º, do Código de Processo Penal, decorrente da realização do julgamento na ausência do arguido.

C. - Recurso interposto da sentença pelo arguido H. C. -
A questão a decidir neste recurso é a da oportunidade da substituição da pena de prisão efetiva aplicada ao arguido por pena de prisão com execução suspensa.
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2.1. Segue-se a indicação das ocorrências processuais com interesse (2) para a decisão do recurso do despacho intercalar e do recurso da sentença interposto pelo Ministério Público.

a. Por despacho de 29.08.2008, o Ministério Público requereu o julgamento do arguido H. C. em processo abreviado, imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro (fls. 29 a 31);
b. A 11.11.2008 foi proferido o despacho que designa dia para a audiência (fls. 41);
c. O arguido não foi notificado dos referidos despachos nem prestou T.I.R.;
d. Por despacho de 14.06.2010 o arguido foi declarado contumaz e emitidos mandados de detenção contra o mesmo (fls. 143);
e. A 17.10.2014 o Tribunal teve conhecimento, através das autoridades judiciárias do Luxemburgo, de que o arguido se encontrava preso, preventivamente, naquele país (fls. 209);
f. A 25.11.2014 o Tribunal foi informado de que o arguido tinha sido condenado, no dia 18.11.2014, a uma pena de prisão de 12 anos e que o prazo de recurso terminava no dia 19.12.2014 (fls. 224);
g. O arguido foi notificado pessoalmente, no dia 22.05.2015, através de carta rogatória, da acusação e do despacho que designa dia para a audiência (fls. 265 a 268);
h. No dia 29.01.2016 foi emitido mandado de detenção europeu contra o arguido, com vista a assegurar a sua comparência na audiência de julgamento (fls. 333 a 340);
i. No dia 09.09.2016 o arguido fez juntar ao processo um requerimento em que comunicava que estava impossibilitado de se apresentar em tribunal, a fim de fazer cessar a contumácia e de comparecer na audiência de julgamento agendada para o dia 11.10.2016, atento o facto de se encontrar preso, no Luxemburgo, em cumprimento de longa pena de prisão efetiva, e em que declarava que aceitava que o julgamento fosse realizado na sua ausência e requeria que fosse ordenado o levantamento da contumácia (fls. 394);
j. Na sequência do que foi proferido o despacho recorrido, datado de 23.09.2016, já supra transcrito, logo no início deste acórdão.
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2.2. Enumeram-se de seguida os factos provados constantes da sentença recorrida.

«Cerca das 19.00 horas do dia 06 de julho de 2008, o arguido conduziu o motociclo, de cor azul, com o motor na 4BL … e a que estão atribuídos o quadro n° J… e a matrícula TM, pela Estrada Municipal n.º 531, junto à Rotunda de Coucieiro, em Vila Verde, sem que fosse titular de carta de condução que o habilitasse para tanto.
Pelas 22.30 horas do mesmo dia, o arguido voltou a conduzir o referido veículo, desde, pelo menos, o Km 75,500, da Estrada Nacional n.º 101, até às Bombas de Gasolina da "…" sitas no Lugar de …, em Vila Verde.
Bem sabia o arguido que não podia conduzir aquele veículo por Vias públicas sem estar habilitado com a correspondente carta de condução ou documento equivalente para o efeito, e, apesar disso, agindo livre e deliberadamente, não se absteve de levar por diante a sua conduta, que bem sabia proibida e punida por lei.
O arguido encontra-se em cumprimento de pena no Luxemburgo, nunca lhe foi conhecida atividade profissional e residia com mãe antes de emigrar.
O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:

- Por sentença datada de 19/11/2008, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 12/01/2008, na pena de 42 períodos de prisão, no processo comum singular nº 29/08.0GBVVD, do Tribunal Judicial de Vila Verde.
- Por sentença datada de 27/03/2009, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 16/08/2008, na pena de 42 períodos de prisão, no processo comum singular nº 534/08.9GBVVD, de Vila Verde, da Inst. Local Sec. Criminal- J1.
- Por sentença datada de 08/05/2003, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 07/05/2003, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 4,00€, o que perfaz o total de 320,00€, no processo sumário nº 220/03.6GBVVD, do Tribuna Judicial de Vila Verde.
- Por sentença datada de 09/09/2002, foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 09/09/2002, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 2,00€, o que perfaz o total de 300,00€, no processo comum singular nº 514/02.8GBVVD, do Tribunal de Vila Verde.
- Por sentença datada de 03/03/2004, foi condenado pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva, praticado em 19/11/2002, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de 4,00€ o que perfaz o total de 960,00€, no processo comum singular nº 658/02.6GBVVD, do Tribunal Judicial de Vila Verde.
- Por sentença datada de 03/07/2006, foi condenado pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, praticado em 07/12/2004, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de 3,00€, o que perfaz o total de 480,00€, no processo comum singular nº 2848/04.8PBBRG, de Braga, 1º Juízo Criminal.
- Por sentença datada de 21/06/2005, foi condenado pela prática de um crime de Condução perigosa de veículo rodoviário, praticado em 07/05/2004, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de 3,00€, o que perfaz o total de 480,00€, e na pena acessória de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 6 meses, no processo comum singular nº 129/03.3TAVVD, Tribunal de Vila Verde, 1º Juízo
- Por sentença datada de 31/03/2006, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 31/03/2006, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, o que perfaz o total de 1000,00€, no processo comum singular nº 189/06.5GAPTB, do Tribunal Judicial de Ponte da Barca – secção única.
- Por sentença datada de 26/05/2008, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 13/11/2007, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 7,00€, o que perfaz o total de 1260,00 €, no processo comum singular nº 842/07.6GAPFR, DO Tribunal Judicial de Paços de Ferreira.
- Por sentença datada de 25/11/2010, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 13/11/2007, na pena de 6 meses de prisão substituída por 180 dias dias de multa, à taxa diária de 7,00€, o que perfaz o total de 1260,00€, no processo comum singular nº 842/07.6GAPFR do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira.
- Por sentença datada de 06-12/2007, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 15/10/2006, na pena de prisão de 2 anos suspensa por 2 anos, no processo comum singular nº 681/06.1GBVVD, de Tribunal Judicial de Vila Verde.
- Por sentença datada de 04/01/2010, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 23/11/2007, na pena de 5 meses de prisão suspensa por um ano, no processo sumário nº 695/07.4GBVVD, do Tribunal Judicial de Vila Verde.
- Por sentença datada de 14/12/2015, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 03/08/2008, na pena de 10 meses de prisão, suspensa por 10 meses, no processo comum singular nº 371/08.0GAAMR, de Amares, da Inst. Local Sec. Com. Gen. –J1.

b) FACTOS NÃO PROVADOS
INEXISTEM.»
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3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

A. RECURSO DO DESPACHO INTERCALAR DE 23.09.2016
O despacho recorrido declarou a caducidade da contumácia do arguido, preso no estrangeiro, em cumprimento de pena, notificado pessoalmente, por carta rogatória, da acusação e do despacho que designa dia para a audiência, sobre quem impendiam mandados de detenção europeu para assegurar a sua comparência na audiência, e que, nessas circunstâncias, autorizou a realização da audiência na sua ausência.
A norma de referência na caducidade da declaração de contumácia é o artigo 336.º do Código de Processo Penal, que no seu n.º 1 estatui: «A declaração de contumácia caduca logo que o arguido se apresentar ou for detido, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo anterior.» (3)
A propósito desta norma, na particular situação em que o arguido contumaz é localizado no estrangeiro, foi já proferido o acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2014 (4), com o seguinte sumário:
«Ainda que seja conhecida a morada de arguido contumaz residente em país estrangeiro, não deve ser expedida carta rogatória dirigida às justiças desse país para ele prestar termo de identidade e residência, porque essa prestação não faz caducar a contumácia.»
Ora, tendo no caso em apreço o arguido sido efetivamente localizado no estrangeiro, o recorrente argumenta que o despacho recorrido, que declarou a caducidade da situação de contumácia em que ele se encontrava, vai contra esta jurisprudência.
É contudo bom de ver, que embora nos presentes autos o arguido contumaz também haja sido localizado num país estrangeiro, a situação em que ele se encontra não assume os mesmos contornos da pressuposta no acórdão uniformizador, assentando até numa realidade bem diversa.
Repare-se que aquele acórdão sindicou a posição de que a contumácia só caduca quando se verifica um contacto pessoal do arguido com o tribunal, ocorrido por meio da sua detenção ou da apresentação em juízo, que assegure a efetiva possibilidade da ulterior tramitação do processo, nos termos do disposto no artigo 336º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal. Decidindo que não constitui apresentação válida para esse efeito a mera informação do arguido de que reside no estrangeiro, requerendo que seja emitida carta rogatória dirigida às autoridades judiciárias competentes do respetivo país, a fim de aí prestar termo de identidade e residência (TIR), precisamente por dessa forma não ficar assegurada a efetiva possibilidade da ulterior tramitação do processo (5).
No caso dos autos o arguido está no estrangeiro, no Luxemburgo, mas na particular condição de recluso, em cumprimento de pena de prisão. Situação que lhe retira totalmente a disponibilidade para se deslocar a Portugal por iniciativa própria, embora, simultaneamente, garanta a possibilidade de se obter a sua comparência em juízo, através do uso dos competentes instrumentos jurídicos que possibilitam nestes casos a entrega temporária do arguido às autoridades portuguesas.
O que, aliás, se encontra bem explícito nos autos, no âmbito dos quais foi emitido, em 29.01.2016, mandado de detenção europeu contra o arguido, na sequência do que o Gabinete da Procuradoria-Geral da República veio informar que as autoridades do Estado do Ducado do Luxemburgo tinham comunicado a sua total disponibilidade para a entrega temporária do arguido às autoridades portuguesas, ainda que por período que não podia exceder duas semanas, findas as quais o mesmo deveria ser devolvido àquele país.
Acontece que o arguido, que já havia sido notificado pessoalmente da acusação e do despacho que designa dia para a audiência, veio autorizar a realização da audiência na sua ausência, o que na particular situação em que se encontrava era o único meio de que dispunha para garantir a possibilidade de prosseguimento dos autos e realização da audiência. Já que na sua condição de recluso, em cumprimento de pena em país estrangeiro, não tinha nenhuma outra forma possível para se apresentar em juízo e por fim à suspensão do processo.
Perante o que o Tribunal prescindiu do uso do instrumento jurídico que permitia a sua entrega temporária, o que se justifica pela simplicidade dos factos imputados ao arguido – de condução sem habilitação legal – presenciados por dois agentes da GNR.
Neste contexto, não faz naturalmente sentido manter a contumácia em que o arguido se encontrava e, com ela, também os mecanismos inerentes a essa situação, destinados a «encorajar» a apresentação do arguido em juízo. Pois as concretas circunstâncias em que este arguido contumaz se encontra impedem-no totalmente de proceder, voluntariamente, a qualquer tipo de contacto pessoal com o tribunal.
Acresce, ainda, que a conduta assumida pelo arguido, ao autorizar a realização do julgamento na sua ausência, no uso do direito que o artigo 334.º, n.º 2 do Código de Processo Penal lhe concede (6), para além de integar a sua única apresentação possível em juízo, garante validamente o prosseguimento do processo, tendo consequentemente de se considerar válida para efeitos da caducidade da contumácia a que alude o n.º 1 do artigo 336.º do Código de Processo Penal.
Aliás, se assim não se entendesse, ocorreria neste caso uma transfiguração do instituto da contumácia numa figura de contornos kafkianos, cujos efeitos penalizadores o arguido localizado no estrangeiro, em cumprimento de pena de prisão, teria de suportar, sem qualquer hipótese de lhes por cobro, mesmo garantindo validamente o prosseguimento do processo, com autorização para a realização da audiência de julgamento na sua ausência.
Nenhuma censura nos merecendo pois o depacho recorrido quando, nas concretas circunstâncias dos autos, declarou a caducidade da contumácia do arguido.
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B. RECURSO DA SENTENÇA INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
O recorrente Ministério Público arguiu a nulidade insanável decorrente da realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, prevista no artigo 119.º, al. c) do Código de Processo Penal.
Compulsados os autos, constata-se que a audiência decorreu efetivamente sem a presença do arguido.
Sendo igualmente inquestionável o direito do arguido a «estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito», que decorre logo da al. a) do artigo 61.º do Código de Processo Penal, tendo depois consagração específica relativamente à audência de julgamento no artigo 332.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Sancionando a lei com nulidade insanável a ausência do arguido nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência, no artigo 119º, al. c), do Código de Processo Penal.
Porém, o direito de presença do arguido comporta exceções, designadamente no que respeita à audiência de julgamento.
Uma delas é precisamente o julgamento na ausência do arguido por iniciativa deste, dentro do condicionalismo previsto no artigo 334.º, n.ºs 2 e 3, do Código Processo Penal.
Estabelecendo aquele n.º 2 a possibilidade de o arguido requerer ou consentir que a audiência de julgamento tenha lugar na sua ausência, quando a ela esteja praticamente impossibilitado de comparecer, e indicando, em seguida, três situações em que tem por verificada a aquela impossibilidade prática: idade (excessiva), doença grave ou residência no estrangeiro; numa enunciação não taxativa, como decorre claramente da utilização do advérbio «nomeadamente» colocado antes da enumeração.
No caso em apreço, do requerimento junto a fls. 394, subscrito pelo próprio arguido e, também, pelo seu defensor, dúvidas não subsistem de que aquele autoriza a realização da audiência na sua ausência, invocando a sua impossibilidade de a ela comparecer, por se encontrar preso, no Luxemburgo, em cumprimento de uma pena de 12 anos de prisão.
Situação que se encontrava então já devidamente comprovada nos autos e integra, manifestamente, uma das hipóteses em que o arguido pode requerer ou consentir na realização da audiência na sua ausência, nos termos do já citado artigo 334.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Ficando o Tribunal sempre com a possibilidade de, ainda assim, ordenar a presença do arguido, caso a venha a considerar absolutamente indispensável, podendo para tal interromper a audiência, quando necessário, como dispõe o n.º 3 do mesmo artigo 334.º. Prerrogativa que no caso o Tribunal a quo não utilizou, o que se justifica pela manifesta simplicidade dos factos imputados ao arguido, de condução sem habilitação legal, presenciados inclusive por dois agentes da GNR.
De tudo assim decorrendo que nas circunstâncias concretas do caso a lei processual penal permite a realização da audiência de julgamento sem a presença do arguido, pelo que a sua ausência não integra a situação prevista como nulidade insanável na al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal.
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C. RECURSO DA SENTENÇA INTERPOSTO PELO ARGUIDO

O arguido/recorrente insurge-se com a sua condenação em dez meses de prisão efetiva, por entender verificarem-se os pressupostos da suspensão da sua execução.
Tem assim este recurso como objeto apenas a oportunidade da aplicação do regime da suspensão da execução das penas de prisão, que o Tribunal a quo apreciou e afastou.
Vejamos.
O instituto da suspensão da execução da pena de prisão, previsto e regulado nos artigos 50.º e segs. do Código Penal, refletindo a premissa que a pena de prisão constitui sempre uma ultima ratio, visa proporcionar ao condenado o cumprimento da pena em liberdade, desde que o Tribunal conclua que dessa forma se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, que dessa forma se previne o adequado grau de censura, as exigências de reprovação, de prevenção geral e especial, sempre com referência à pessoa em concreto submetida a julgamento.
No caso sub judice, e em favor do arguido, o único fator de relevância a assinalar é o tempo decorrido desde a prática dos factos, em 2008.
Não se pode contudo olvidar que, antes deles, o arguido havia já praticado e sido condenado por três crimes precisamente da mesma natureza do agora em causa (condução sem habilitação legal), pelos quais havia sido condenado em penas de multa. Para além de, e igualmente antes da prática dos factos destes autos, ter praticado e sido condenado também por um crime furto qualificado, um crime de ofensa a pessoa coletiva, um crime de emissão de cheque sem provisão, e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, todos sancionados com penas de multa e, o último, também com uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
Por outro lado, no período que decorreu entre a data da prática dos factos e o respectivo julgamento, o arguido praticou e foi condenado por mais seis crimes de condução sem habilitação legal, pelos quais lhe foram aplicadas uma pena de prisão substituída por multa, três penas de prisão com execução suspensa e duas penas de prisão efetiva.
Ora, este passado criminal do arguido, patente nos seus antecedentes criminais, revela já objetivamente um percurso criminoso com manifesta indiferença perante os valores jurídicos criminais vigentes e pela censura implícita em cada uma das condenações sofridas antes da prática dos factos dos autos.
O que, numa avaliação global, dá enquadramento ao conjunto de factos criminosos, reconduzindo-os a uma tendência que radica na personalidade do condenado, que não permitir fundar, com o mínimo de segurança, a prognose positiva exigida para a escolha da pena de substituição de suspensão da execução, a qual, comprovadamente, já se viu que o arguido não respeita nem surtiu efeito num passado muito recente, já que não o impediu de voltar a delinquir.
Igualmente com relevância há ainda que atentar que a conduta criminosa do arguido, pela sua reiteração, é já de molde a gerar algum alarme social.
Em face de todo este contexto fáctico, não é obviamente possível concluir que a simples ameaça da pena e a censura dos factos sejam suficientes para assegurar as finalidades da punição, designadamente na vertente da prevenção especial, que é a vertente fulcral neste momento do processo punitivo.
Não sendo os argumentos invocados pelo recorrente – designadamente o longo período entretanto decorrido desde a prática dos factos – por qualquer forma bastantes para convencer da suficiência de uma ressocialização do condenado em liberdade, desde logo por também antes deles o arguido já ter praticado e sido condenado por vários crimes.
Irrelevante sendo também a argumentação da recente condenação, em 14.12.2015, no proc. n.º 371/08.OGAMR, da instância local de Amares, em pena de prisão com execução suspensa, por factos da mesma natureza, praticados em data posterior aos dos autos (03.08.2008), precisamente por se ter apurado que o arguido se encontra atualmente detido, em cumprimento de pena, no Luxemburgo, e dos autos resultar que essa situação já se verificava desde 2012, o que retira qualquer significado à abstenção da prática de crimes no decurso da suspensão da execução daquela pena.
Acresce, ainda, que o momento para aferir dos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos é o presente e não a situação hipotética em que o recorrente se encontrará quando terminar o cumprimento da pena de doze anos de prisão pela qual está preso, como também sustenta no seu recurso.
Não há pois dúvida que as caraterísticas da personalidade do recorrente demonstram que só a privação de liberdade lhe permitirá refletir sobre as sérias e graves consequências que para si advirão se repetir o seu comportamento delituoso e, desse modo, conseguir-se a desejada ressocialização.
Surgindo como absolutamente justificado o juízo de afastamento do instituto da suspensão da execução da pena de prisão efetuado na sentença recorrida, que não merece qualquer censura.
Improcedendo o recurso do arguido.
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III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães em:

A. Negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público do do despacho de 23 de setembro de 2016.
Sem tributação, por dela estar isento o recorrente.
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B. Negar provimento ao recurso da sentença interposto pelo Ministério Público.
Sem tributação, por dela estar isento o recorrente.
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C. Negar provimento ao recurso da sentença interposto pelo arguido H. C..
Vai o recorrente condenado em custas, fixando-se em 3 (três) Ucs a taxa de justiça.
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Guimarães, 20 de novembro de 2017
(Elaborado e revisto pela relatora)


1. Cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
2. Aproveitando-se a seleção e redação das ocorrências processuais relevantes efetuada pela senhora procuradora-geral adjunta, no seu douto parecer.
3. Não tendo este n.º 4 do artigo 335.º qualquer relevância para o caso em apreço, por respeitar exclusivamente a situações de conexão de processos, que aqui não ocorrem.
4. Publicado no DR, I Série, de 21.05.2014
5. Pois – como se argumenta no acórdão uniformizador – a simples prestação de TIR por arguido contumaz a residir no estrangeiro, ainda que fosse admissível, não garantiria a disponibilidade do arguido para os ulteriores trâmites do processo, designadamente para a possibilidade de realização do julgamento na sua ausência, desde que regularmente notificado (artigo 333º, nº 1, do Código de Processo Penal), na morada do TIR, através de via postal simples, com prova de depósito, (nºs 3 e 4 do art. 113º do CPP). Pela simples razão de este procedimento de notificação não ser extensível aos serviços postais de outros países, não valendo assim como notificação as comunicações para o estrangeiro por via postal simples. Não podendo, por outro lado, substituir-se a carta com prova de depósito pela carta registada, já que esta não apresenta a mesma fiabilidade de ser rececionadas pelo destinatário, por não haver uma declaração do distribuidor postal a atestar o seu depósito na morada indicada no TIR, na qual o arguido se responsabilizou pela recolha da correspondência que aí recebesse.
6. Por a ela estar de facto praticamente impossibilitado de comparecer, devido à sua situação de recluso, em cumprimento de pena, no estrangeiro.