Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
215/20.5T8EPS.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: MAIOR ACOMPANHADO
NOMEAÇÃO DO ACOMPANHANTE
REGIME DE ROTATIVIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/20/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - No novo paradigma do regime do maior acompanhado abandona-se a adoção de medidas generalistas, rígidas, tipificadas, inflexíveis, aplicáveis indistintamente a todos os beneficiários, e privilegia-se a adoção de soluções individualizadas, adaptadas às especificidades e necessidades da concreta pessoa que delas irá beneficiar, dando primazia à criação de uma “solução à sua medida” a qual deve respeitar a sua vontade e autodeterminação, deve limitar-se ao necessário e contribuir para alcançar o objetivo do acompanhamento que é o de assegurar o bem-estar, a recuperação e o pleno exercício da capacidade de agir.
Estas linhas orientadoras aplicam-se transversalmente a todo o regime do maior acompanhado, sendo válidas quer no que toca à definição da concreta medida a decretar, quer no que concerne à escolha do acompanhante.
II - No que respeita à nomeação do acompanhante, apresentam-se como legalmente possíveis as seguintes soluções:
a) nomeação de único acompanhante;
b) nomeação de um único acompanhante e de um acompanhante substituto;
c) nomeação de vários acompanhantes, com diferentes funções;
d) nomeação de vários acompanhantes que exercerão funções de forma rotativa, por períodos de tempo definidos.
III - De entre o conjunto de soluções de nomeação de acompanhantes legalmente admissíveis, deverá ser adotada aquela que, no caso concreto, analisado nas suas diversas vertentes, dimensões e especificidades, se revele ser a que melhor salvaguarda o interesse imperioso do beneficiário, critério último das decisões a adotar sobre esta temática.
IV - Numa situação em que todos os cinco filhos da beneficiária manifestam indisponibilidade para exercer o cargo de acompanhante, o qual se resume a assuntos de natureza patrimonial e burocrática, visto a beneficiária estar a residir num Lar e a generalidade das suas despesas ser paga por débito direto em conta bancária, justifica-se a nomeação de todos os filhos como acompanhantes, em regime de rotatividade, por períodos temporais de seis meses, por ser a que melhor salvaguarda o imperioso interesse da beneficiária.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

O Ministério Público intentou ação especial de acompanhamento de maior relativamente a R. C. pedindo que seja decretado o seu acompanhamento.
Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que a beneficiária sofre de síndrome demencial e de outros problemas de saúde que a tornam dependente de terceiros para a realização das atividades básicas da sua vida diária necessitando, por isso, de alguém que a acompanhe e que legalmente a represente posto que se mostra impossibilitada de o fazer ela própria.
Pediu que fosse nomeado como acompanhante da beneficiária o seu genro C. M. e que fossem nomeadas para constituir o Conselho de Família as suas filhas T. M. e A. C..
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Determinada a realização da citação pessoal da beneficiária, a mesma não se concretizou em virtude de se ter verificado que a citanda não se encontrava capaz de receber a citação.
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Procedeu-se à nomeação de defensor oficioso à beneficiária o qual, citado em sua representação, não apresentou contestação.
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Realizou-se a audição pessoal da beneficiária.
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Realizou-se o exame pericial da beneficiária e, em 28.9.2020, foi junto aos autos o relatório de perícia psiquiátrica médico-legal.
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Em 4.12.2020, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser decretado o acompanhamento da beneficiária R. C., determinando-se que o regime de acompanhamento seja o da representação geral e nomeando-se como sua acompanhante a sua filha M. C., sendo o Conselho de Família constituído pelos seus filhos identificados a fls. 41 vs.
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Em 24.12.2020, M. C. veio solicitar que, além de si, sejam nomeados outros acompanhantes por não ter qualquer outra pessoa que a possa substituir nesse cargo visto viver sozinha e não ter relacionamento com a família.
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O defensor da beneficiária pronunciou-se em sentido concordante com esta posição, dizendo que deverão ser designados vários acompanhantes ou um regime de acompanhamento partilhado.
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Determinou-se a notificação de M. C. para indicar quem deveria ser nomeado acompanhante e especificar as funções que cada um deverá assumir, na sequência do que a mesma se pronunciou, por requerimento de 31.12.2020, no qual, em síntese, propôs que sejam nomeados acompanhantes todos os filhos da beneficiária, os quais exercerão tais funções de forma rotativa e com periodicidade anual.
Discriminou ainda, para o caso de o tribunal optar por nomear apenas a requerente como acompanhante, quais as funções a exercer pelos demais irmãos em sua substituição para as situações em que se encontrasse impedida de exercer esse cargo.
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O defensor da beneficiária pronunciou-se em sentido concordante com esta posição.
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Em 20.1.2021, A. C., C. M. e T. M. vieram dizer, em pronúncia sobre o requerimento atrás referido, que, por questões de saúde, não podem exercer qualquer função de acompanhantes da beneficiária, mas que não se opõem que as funções de acompanhante sejam exercidas por M. C..
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Em 8.2.2021, M. C. veio dizer que padece de Perturbação Depressiva Major situação que determina a tomada diária de medicação. Além disso, é acompanhante do seu pai desde maio de 2020, sendo ela que trata da sua alimentação e higiene diária, tarefas que implicam grande desgaste físico e psíquico.
Por isso, não possui condições para exercer sozinha o cargo de acompanhante da beneficiária, sua mãe.
Insiste no estabelecimento de acompanhamento partilhado ou de vários acompanhantes.
Juntou declaração médica comprovativa da doença que padece e medicação que tem de tomar.
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Na sequência deste requerimento, determinou-se a notificação dos demais filhos da beneficiária para se pronunciarem e indicarem quem estará em melhores condições para exercer o cargo de acompanhante da beneficiária.
Solicitou-se ainda ao Lar onde a beneficiária reside informação sobre quem são os filhos que visitam a beneficiária e contactam a mesma e a instituição com vista a acompanhar a sua situação e quem é a pessoa que a instituição contacta com vista a tratar dos assuntos relativos à beneficiária, designadamente, pagamentos e aquisição de bens essenciais e vestuário.
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O defensor da beneficiária pronunciou-se no sentido de ser fixado um regime de acompanhamento partilhado ou designados vários acompanhantes.
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Em resposta à solicitação do Tribunal, o Lar onde a beneficiária reside veio dizer que a filha que mais regularmente contacta a beneficiária é M. C.. Porém, durante o ano anterior (2020) também recebeu visitas do genro C. M. e das filhas T. M. e A. C..
Mais informou que quem trata habitualmente dos assuntos dos pagamentos é o genro C. M..
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Em 18.2.2021, A. C., C. M. e T. M. vieram reiterar a posição assumida no requerimento de 20.1.2021, acrescentando que não têm conhecimento que M. C. tenha qualquer problema de saúde.
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Determinou-se a notificação de J. C. e H. J., filhos da beneficiária, para informarem se têm disponibilidade para serem nomeados acompanhantes da beneficiária e indicarem as pessoas que entendem reunir melhores condições para o efeito.
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Em 16.4.2021, H. J. veio informar que não tem disponibilidade para ser acompanhante da beneficiária e, quanto a outras pessoas que a possam ter, indicou os demais filhos da beneficiária.
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Em 16.4.2021, J. C. veio informar que não pretende ser o único acompanhante da beneficiária e sugeriu que tal papel fosse exercido por todos os cinco filhos de forma anual e rotativa, começando pelo filho mais velho.
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Em 26.4.2021, M. C. veio dizer que, não obstante o agravamento do seu estado de saúde, mantém vontade de ser acompanhante da beneficiária, juntamente com os demais irmãos, de forma rotativa. Requereu, porém, que o exercício das suas funções ocorresse em último lugar.
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Em 3.5.2021, A. C. e T. M. vieram novamente reiterar a posição assumida no requerimento de 20.1.2021, mantendo que não têm conhecimento que M. C. tenha qualquer problema de saúde e reforçando que não têm possibilidade de exercer o cargo de acompanhantes.
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Realizou-se a audição dos cinco filhos da beneficiária com vista à designação do acompanhante e constituição do Conselho de Família.
A filha M. C. declarou que, atualmente, devido à sua situação de saúde, não tem possibilidade de assumir sozinha o cargo de acompanhante. Está de acordo que sejam nomeados vários acompanhantes ou que se institua acompanhamento em regime rotativo ou até que outro irmão assuma o cargo de acompanhante. No entanto, ela própria, sozinha, não consegue neste momento desempenhar tal cargo.
As filhas A. C. e T. M. declararam que têm problemas de saúde e que não têm disponibilidade para exercer o cargo de acompanhante.
Os filhos J. C. e H. J. também não revelaram disponibilidade para assumirem sozinhos o referido cargo de acompanhante.
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Em 7.7.2021, o diretor do Lar onde a beneficiária se encontra internada, inquirido sobre a possibilidade de exercer o cargo de acompanhante, veio dizer não ter disponibilidade de tempo para exercer tal função.
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Em 14.7.2021, foi proferido despacho que determinou como medida cautelar:

“a) Que todas as despesas mensais relativas ao acolhimento, alimentação, vestuário e cuidados de saúde da beneficiária, efetuadas pelo Lar da Santa Casa da Misericórdia de ... (Lar ...) sejam pagas por débito direto da conta bancária de que é titular a beneficiária, com o IBAN n.º .....................74, do Banco ..., Agência de Barcelos;
b) Que todas as despesas mensais relativas à medicação e serviços farmacêuticos prestados à beneficiária pela “Farmácia ...” (melhor identificada nos autos), ou outra em colaboração com o Lar da Santa Casa da Misericórdia de ... (Lar ...), sejam pagas por débito direto da conta bancária de que é titular a beneficiária, com o IBAN n.º .....................74, do Banco ..., Agência de Barcelos.”
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Foram notificados os netos maiores da beneficiária para informarem da sua disponibilidade para exercerem o cargo de acompanhante e todos informaram não ter disponibilidade para o efeito.
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O Ministério Público promoveu que se nomeie como acompanhante o filho que resida mais próximo da beneficiária, indicando-se os outros dois filhos para integrarem o Conselho de Família.
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Foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
Nestes termos:
a) Declaro que a beneficiária R. C. beneficiará de medida de acompanhamento de representação geral.
b) Nomeio como acompanhantes da beneficiária os seus filhos, nos seguintes termos:
- desde a presente data e até 30/6/2022, a filha mais velha, T. M.;
- 1/7/2022 a 31/12/2022, a filha A. C.;
- de 1/1/2023 a 30/6/2023, a filha M. C.;
- de 1/7/2023 a 31/12/2023, o filho J. C.
- de 1/1/2024 a 30/6/2024, o filho H. J.;
E assim alternando pelos períodos de tempo subsequentes.
c) Em caso de impossibilidade, por razões de saúde e devidamente documentadas, de um dos acompanhantes em exercício, o mesmo será substituído pelo seguinte, sendo que o mais novo será substituído pelo mais velho;
d) Ao acompanhante incumbe, no exercício da sua função, privilegiar o bem-estar e a recuperação da acompanhada, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada.
e) O acompanhante deterá o poder de representação geral da requerida, com administração total de bens.
f) Além de outras visitas, o acompanhante deverá visitar a beneficiária pelo menos, uma vez por mês.
g) Determina-se ainda o impedimento da beneficiária celebrar negócios, bem como exercer os direitos pessoais estatuídos no nº 2 do artigo 147º do Código Civil e os de outorgar procuração ou celebrar contrato de mandato, consentir ou recusar tratamento médico, e votar.
h) Determina-se que todas as despesas mensais relativas ao acolhimento, alimentação, vestuário e cuidados de saúde da beneficiária, efetuadas pelo Lar da Santa Casa da Misericórdia de ... (Lar ...) sejam pagas por débito direto da conta bancária de que é titular a beneficiária, com o IBAN n.º .....................74, do Banco ..., Agência de Barcelos;
i) Determina-se ainda que todas as despesas mensais relativas à medicação e serviços farmacêuticos prestados à beneficiária pela “Farmácia ...” (melhor identificada nos autos), ou outra em colaboração com o Lar da Santa Casa da Misericórdia de ... (Lar ...), sejam pagas por débito direto da conta bancária de que é titular a beneficiária, com o IBAN n.º .....................74, do Banco ..., Agência de Barcelos.
j) Fixa-se em 23/9/2020, o momento a partir do qual tal medida se tornou conveniente.
k) Dispensa-se, por agora, a constituição de Conselho de Família;
l) Determino a revisão da medida acima decretada no prazo de 5 anos, a contar da presente data.
m) Consignar que à beneficiária não é conhecido qualquer testamento vital ou procuração para cuidados de saúde.
Fixo o valor da presente causa em € 30.000,01 – cfr. arts. 303.º, n.º 1 e 306.º, n.º 1 do CPC.
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As acompanhantes A. C. e T. M. não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1º - As Recorrentes não podem conformar-se com a douta decisão proferida nos presentes autos, que decidiu nomear todos os filhos da Beneficiária R. C. acompanhantes em regime rotativo, de acordo com a decisão que aqui damos por integral reproduzida e que consta do corpo das alegações.
2º - Salvo o devido respeito - e que é muito - tentaremos demonstrar que não se decidiu bem, não só porque a mesma não reflecte todos os termos das questões que foram colocadas ao M§ Juiz, mas sobretudo porque há errónea interpretação dos factos e inadequada aplicação do direito, salvo o devido respeito por opinião contrária.
3º - O fundamento específico de recorribilidade, nos termos do artigo 637º n.º 2 do C.P.C. é o seguinte:
- Qual a pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso da beneficiária na falta de escolha pela mesma, nos termos do artigo 143º do C.C.
4º - A douta decisão em crise padece de insuficiência de matéria de facto para dar uma resposta cabal e necessária à designação do acompanhante, e por isso, nos termos do artigo 662º n.º 2 al. c) do C.P.C., tem a mesma que ser revogada e proceder-se à ampliação da matéria de facto para apurar a matéria fáctica que permita apurar qual o acompanhante em melhores condições para exercer o cargo em questão.
5º - Reportando-nos à matéria de facto dada como provada, constatamos que só foram dados como provados factos atinentes à Acompanhante M. C., sendo a mesma totalmente omissa quanto aos demais acompanhantes.
ORA,
6º - A Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto veio criar, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil (de ora em diante designado apenas por CC), e procedendo à alteração de diversos diplomas, aliás conforme expressamente consignado no seu artigo 1º, concretizando vários princípios internacionais, designadamente consagrados na Convenção das Nações Unidas de 30 de março de 2007 sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em Nova Iorque (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2009, de 07 de maio, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de julho) em cujo artigo 1º se estabelece que o seu objecto é “promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”, comprometendo-se os Estados Partes nos termos do artigo 4º “a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência sem qualquer discriminação com base na deficiência”.
7º - Assim, o novo regime jurídico do maior acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto veio introduzir um regime monista e flexível norteado pelos princípios da “primazia da autonomia da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite do possível” - (v. a Proposta de Lei n.º 110/XIII).
8º - Por isso, estabeleceu-se no artigo 140º do CC que o acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença (n.º 1) e que a medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam (n.º 2).
9º - E conferiu-se ao futuro acompanhado a escolha do acompanhante, sujeita, no entanto, a confirmação pelo Tribunal, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 143º do CC.
10º - Apesar do quadro clínico da Beneficiária, não há na sentença qualquer menção à escolha do acompanhante por parte desta, nem qualquer justificação para esse efeito, isto é, que não se reconhece essa faculdade legal aquela em virtude da síndrome demencial de que padece, e por isso, não foi respeitado num primeiro momento a autonomia e a vontade da beneficiária, pois, nos termos do disposto neste artigo 143º o acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente (n.º 1).
11º - Num segundo momento, e só na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente, conforme já mencionado:
a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;
b) Ao unido de facto;
c) A qualquer dos pais;
d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;
e) Aos filhos maiores (…). – cfr. artigo 143º n.º 2 do C.C.
12º - Acresce ainda que, o artigo 146º estabelece que no exercício da sua função, o acompanhante privilegia o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada, mantendo um contacto permanente com o acompanhado, devendo visitá-lo, no mínimo, com uma periodicidade mensal, ou outra periodicidade que o tribunal considere adequada.
13º - Volvendo ao caso concreto, e face ao preceituado no referido artigo 143º do CC será de concluir, pelo menos em abstracto, que o cargo de acompanhante poderia ser atribuído a qualquer um dos filhos maiores da Acompanhada. Mas o artigo 143º do C.C. impõe que deve ser nomeado, em concreto, aquele que melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário.
14º - A este propósito (nomeação de todos os filhos da beneficiária como acompanhantes) o Tribunal a quo limitou-se a consignar que um regime de acompanhamento distribuído entre todos os filhos, rotativamente no tempo, é o sistema mais justo e que corresponderia à vontade da beneficiária.
15º - Ora, dos factos provados nada resulta quanto a tal matéria que permita concluir qual dos filhos é o que melhor salvaguarda o interesse imperioso do beneficiário. Interessante salientar que quanto à filha M. C., o tribunal entende que não pode atribuir-lhe o cargo, mesmo quando pode ser a única que salvaguarda o interesse imperioso do beneficiário, de forma exclusiva, pois seria injusto e penalizador!!!!!!!!!
16º - Mas quanto às aqui Recorrentes na matéria de facto não consta qualquer facto que permita aferir se têm ou não condições para serem nomeadas acompanhantes, inexistindo na fundamentação da decisão recorrida qualquer menção e qualquer justificação que permita perceber qual o critério que presidiu à nomeação de todos os filhos como acompanhantes ao abrigo do citado critério.
17º - Entendemos que, ainda que a escolha recaia sobre alguém do círculo familiar do acompanhado, a sua nomeação deverá ser sempre precedida da realização de diligências que permitam perceber se os mesmos reúnem condições para exercerem o cargo de acompanhante e qual dos familiares, designadamente os filhos, reúne as melhores condições para o exercício do cargo, considerando que no exercício da sua função, o acompanhante deve sempre privilegiar o bem-estar e a recuperação do acompanhado, mantendo um contacto permanente com o mesmo, devendo visitá-lo, no mínimo, com uma periodicidade mensal, ou outra periodicidade que o tribunal considere adequada, e tendo sempre presente o interesse do beneficiário.
18º - Entendemos, por isso, que nos presente autos se mostra necessário realizar diligências para determinar se os filhos do beneficiário reúnem condições para o exercício do cargo de acompanhante e qual dos filhos reúne as melhores condições para o exercício desse cargo. (cfr. artigo 143º n.º 1 e 2 do C.C.).
19º - Do exposto decorre que deve ser revogada a decisão recorrida na parte respeitante à nomeação das aqui Recorrentes como acompanhantes e devem ser realizadas diligências para determinar qual dos familiares do acompanhado, designadamente dos filhos, deverá ser nomeado acompanhante, e na sequência, proceder-se à constituição do Conselho de Família.
20º - Foram violadas as disposições legais constantes dos seguintes artigos: artigos 662 n.º 2 al. c) do C.P.C. e artigo 143º, n.º 1 e 2 do C.C.”

Terminam pedindo que a decisão seja revogada e se proceda à ampliação da matéria de facto para nomeação do acompanhante que melhor defenda o interesse imperioso da beneficiária.
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O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. O Ministério Público intentou a acção especial de acompanhamento de maior em benefício de R. C. onde, em síntese, se alegou que a beneficiária, em virtude da síndrome demencial de que padece, se encontra impedida de gerir a sua pessoa e o seu património, requerendo fosse decretado o acompanhamento daquela e constituído conselho de família, que a possa representar em todos os atos de disposição de bens entre vivos, procedendo à administração total dos seus bens.
2. Pelo tribunal a quo foi decretado o acompanhamento de R. C., tendo sido designados, para o cargo de acompanhantes e em regime rotativo semestral, os seus filhos.
3. A tal decisão não se apontam quaisquer erros de julgamento, não se impondo uma decisão diferente da adotada pelo tribunal a quo.
4. No que tange à escolha dos filhos, em regime rotativo semestral, para o cargo de acompanhantes, cumpre referir que ter o Tribunal recorrido decidido da forma ora posta em crise porquanto a mesma assegura uma participação equilibrada e equitativa de todos os membros do círculo familiar na vida da beneficiária, bem como os interesses desta.
5. Ademais, entendeu-se ser esta a vontade da beneficiária e ser esta a solução que melhor assegura os seus interesses.
6. Pelo exposto, andou bem o Tribunal a quo, devendo manter-se a sentença recorrida na sua integralidade.”
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito suspensivo.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, a questão relevante a decidir consiste em saber se a matéria de facto é suficiente para decidir quem deve ser nomeado acompanhante ou se se mostra necessário ampliá-la realizando, previamente, diligências para determinar se os filhos da beneficiária reúnem condições para o exercício do cargo de acompanhante e qual deles reúne as melhores condições para o exercício desse cargo.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

1) A Beneficiária R. C. nasceu a ..-09-1944 e é filha de T. S..
2) A requerida padece de síndrome demencial, doença que a impede de compreender o alcance e o sentido dos seus atos, bem como das respetivas consequências.
3) A requerida depende do apoio de terceira pessoa para cuidar da sua higiene pessoal, vestuário, alimentação e toma da medicação.
4) Já não consegue situar-se no tempo, desconhecendo os dias da semana, o mês ou o ano em que se encontra.
5) É incapaz de se localizar espacialmente.
6) Já não mantém uma conversa simples e com sentido, apresentando ideação delirante.
7) Não consegue ler nem escrever, apenas assinar o seu nome.
8) Conhece o valor facial do dinheiro- das notas, mas não o seu valor real.
9) Já não é capaz de realizar cálculos aritméticos elementares e não possui discernimento suficiente para concretizar negócios do dia a dia.
10) Não exerce qualquer profissão ou atividade, devido às limitações físicas e cognitivas de que padece.
11) A requerida encontra-se institucionalizada no Lar da Santa Casa da Misericórdia em ….
12) A requerida tem 5 filhos: M. C., A. C., T. M.; J. C.; H. J..
13) Dos seus filhos quem mais vezes a visita é a filha M. C..
14) A filha M. C. padece de perturbação depressiva Major, com ideação suicida estruturada, devido ao falecimento de uma filha.
15) É acompanhada em consultas de psiquiatria e psicologia no Hospital de Viana do Castelo.
16) Apesar de cumprir a terapêutica, apresenta queixas ansiosas e depressivas importantes, com global funcionamento deficitário a nível social e ocupacional.
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A par destes factos há a ainda a considerar a factualidade que se mostra descrita no relatório e que resulta da consulta do processo.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Cumpre apreciar e decidir.

Nos presentes autos não se encontra questionada a necessidade de a beneficiária ser sujeita a acompanhamento nem a escolha da medida de acompanhamento decretada, razão pela qual não nos deteremos na análise de tais matérias.
A questão controversa prende-se unicamente com a escolha dos acompanhantes.
O tribunal a quo decidiu nomear como acompanhantes os cinco filhos da beneficiária, por períodos de seis meses, em regime de rotatividade.
As recorrentes discordam da decisão que as nomeou como acompanhantes neste regime e consideram que a matéria de facto é insuficiente para decidir quem deve ser nomeado acompanhante e se mostra necessário ampliá-la realizando, previamente, diligências para determinar se os filhos da beneficiária reúnem condições para o exercício do cargo de acompanhante e qual deles reúne as melhores condições para o efeito.

Vejamos, então, se tal insuficiência factual ocorre no caso sub judice e se existe necessidade de realização de diligência adicionais.

Como é sabido, a Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, veio criar o Regime Jurídico do Maior Acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil.
Este novo regime assentou no reconhecimento de que o anterior sistema dualista e rígido alicerçado nas figuras da interdição e inabilitação se mostrava desadequado e desajustado à realidade, face à evolução socioeconómica e demográfica do país, e visou dar concretização aos instrumentos internacionais vinculantes para a República Portuguesa, com relevo para a Convenção das Nações Unidas de 30 de março de 2007 sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em Nova Iorque (1), em cujo artigo 1º se estabelece que o seu objeto é “promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”, comprometendo-se os Estados Partes, nos termos do artigo 4º, “a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência sem qualquer discriminação com base na deficiência”.
Como se pode ler na Proposta de Lei n.º 110/XIII (2), a qual esteve na génese da Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, assumem-se como objetivos prosseguidos com o novo regime “a primazia da autonomia da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite do possível; a subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade (...), a flexibilização da interdição/inabilitação, dentro da ideia de singularidade da situação; (...) o primado dos seus interesses pessoais e patrimoniais”.
Pretendeu-se uma “radical mudança de paradigma” e a introdução de um modelo que “é o que melhor traduz o respeito pela dignidade da pessoa visada, que é tratada não como mero objeto das decisões de outrem, mas como pessoa inteira, com direito à solidariedade, ao apoio e proteção especial reclamadas pela sua situação de vulnerabilidade”.
O novo regime do Código Civil relativo aos maiores acompanhados “pretende ser a realização infraconstitucional das liberdades e direitos das pessoas portadoras de deficiência com vista a encontrar soluções individualizadas, que ultrapassem a rigidez da interdição e da inabilitação, garantindo à pessoa acompanhada a sua autodeterminação, e promovendo, na medida do possível, a sua vida autónoma e independente, de acordo com o princípio da máxima preservação da capacidade do sujeito” (Acórdão do STJ, de 17.12.2020, Relatora Maria Clara Sottomayor, in www.dgsi.pt).

Neste novo paradigma considera-se a pessoa com deficiência como pessoa igual, sem prejuízo das suas necessidades especiais, elege-se como objetivo estratégico a inclusão das pessoas com deficiência ou incapacidade e institui-se “um modelo de acompanhamento e não de substituição, em que a pessoa incapaz é simplesmente apoiada, e não substituída, na formação e exteriorização da sua vontade”.
“Proteger sem incapacitar” constitui, hoje, a palavra de ordem, de acordo com os princípios perfilhados pela referida Convenção da ONU e em conformidade com a transição do modelo de substituição para o modelo de acompanhamento ou de apoio na tomada de decisão. Há́, assim, (...) uma mudança de paradigma, deixando a pessoa deficiente de ser vista como mero alvo de políticas assistencialistas e paternalistas, para se reforçar a sua qualidade de sujeito de direitos.”
“De um modelo, do passado, rígido e dualista, de tudo ou nada, em que prepondera a substituição, deve partir-se para um modelo flexível e humanista, baseado em medidas adoptadas casuisticamente e periodicamente revistas, prioritariamente destinadas a apoiar quem delas necessite, (...), sempre com respeito pelos princípios da adequação, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana”(António Pinto Monteiro, Das incapacidades ao maior acompanhado - Breve apresentação da Lei n.º 49/2018, E-book CEJ O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, págs. 31 e 33).

E neste novo paradigma, assente nos princípios referenciados, aos quais acrescem ainda os princípios da subsidiariedade e da necessidade, abandona-se a adoção de medidas generalistas, rígidas, tipificadas, inflexíveis, aplicáveis indistintamente a todos os beneficiários, e privilegia-se a adoção de soluções individualizadas, adaptadas às especificidades e necessidades da concreta pessoa que delas irá beneficiar, dando primazia à criação de uma “solução à sua medida” a qual deve respeitar a sua vontade e autodeterminação, deve limitar-se ao necessário e contribuir para alcançar o objetivo do acompanhamento que é o de assegurar o bem-estar, a recuperação e o pleno exercício da capacidade de agir.
Estas linhas orientadoras aplicam-se transversalmente a todo o regime do maior acompanhado, sendo válidas quer no que toca à definição da concreta medida a decretar, quer no que concerne à escolha do acompanhante.
Neste enquadramento, estabelece o artigo 140º, nº 1, do CC, que o acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença.
No que concerne ao acompanhamento dispõe o art. 143º, nº 1, do CC que o acompanhante é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente.
Portanto, em harmonia com os princípios que presidem ao novo regime, designadamente o da primazia e respeito pela vontade do acompanhado, a regra geral é a de que compete ao acompanhado escolher quem pretende que seja o seu acompanhante.

Na falta dessa escolha haverá então que recorrer ao disposto no nº 2 do art. 143º, do CC, o qual determina que, nessa situação, o acompanhamento é deferido à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente:
a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;
b) Ao unido de facto;
c) A qualquer dos pais;
d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;
e) Aos filhos maiores;
f) A qualquer dos avós;
g) À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado;
h) Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de representação;
i) A outra pessoa idónea.

No exercício da sua função, o acompanhante privilegia o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada, e mantém um contacto permanente com o acompanhado, devendo visitá-lo, no mínimo, com uma periodicidade mensal, ou outra periodicidade que o tribunal considere adequada (art. 146º, do CC).
Quer na escolha do acompanhante quer no exercício das respetivas funções a tónica é sempre colocada na salvaguarda do interesse imperioso do beneficiário, no seu bem-estar e na sua recuperação, sendo estes os critérios norteadores das decisões a tomar sobre as aludidas matérias e tendo sempre em consideração as especificidades e particularidades do caso concreto.

O elenco de pessoas indicadas nas várias alíneas do nº 2 do artigo 143º do CC é meramente exemplificativo, como claramente decorre do uso da expressão “designadamente”.
A sequência pela qual elas são indicadas também não constitui uma ordenação que importe uma regra de precedência obrigatória para o tribunal. No entanto, a ordem apresentada revela uma graduação decorrente das regras da experiência que traduz a proximidade e a existência de relações afetivas entre as pessoas indicadas e o beneficiário devendo, nessa medida, ser atendida, ainda que sem caráter de obrigatoriedade.
O critério norteador da escolha há-de ser sempre o interesse imperioso do beneficiário, devendo ser nomeada como acompanhante a pessoa que, perante a concreta situação do beneficiário, analisada em todas as suas vertentes e especificidades, melhor possa garantir o seu bem-estar e a sua recuperação, independentemente do lugar onde o acompanhante se encontre posicionado no elenco exemplificativo do art. 143º, nº 2, do CC.
Demonstrativo de que a ordenação constante do art. 143º, nº 2, do CC, traduz, segundo as regras da experiência comum, a ordem natural de nomeação decorrente da maior proximidade das relações existentes entre o beneficiário e o acompanhante é o facto de o cônjuge, os descendentes e os ascendentes não poderem escusar-se nem serem exonerados das funções de acompanhante, sendo que apenas os descendentes podem pedir exoneração ao fim de cinco anos se houver outros descendentes igualmente idóneos. Já os demais acompanhantes podem pedir escusa com os fundamentos indicados no art. 1934º e podem pedir a sua substituição ao fim de cinco anos (art. 144º, nºs 2 e 3, do CC).
De relembrar ainda que os cônjuges se encontram reciprocamente vinculados por vários deveres, onde se inclui o dever de cooperação, traduzido este na obrigação de socorro e auxílio mútuos (arts. 1672º e 1674º, do CC) e os pais e filhos estão também mutuamente vinculados aos deveres de respeito, auxílio e assistência (art. 1874º, do CC).

Focando-se na ideia de flexibilidade e adaptação da solução a alcançar às especificidades de cada caso concreto, o legislador previu no nº 3, do art. 143º, do CC, a possibilidade de poderem ser designados vários acompanhantes com diferentes funções, com especificação das atribuições de cada um deles, “permitindo-se o desdobramento, por exemplo, de acompanhamento pessoal – por alguém mais íntimo do beneficiário, independentemente das suas aptidões financeiras – e o acompanhamento patrimonial, relacionado com a administração do seu património – por alguém que, embora pessoalmente mais distante, possua essas mesmas qualidades” (Nuno Luís Lopes Ribeiro, O Maior Acompanhado – Lei nº 49/2018, de 14 de Agosto, E-book CEJ O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, pág. 96).
Portanto, desde que a situação concreta o justifique, designadamente para salvaguarda do interesse imperioso do beneficiário, é possível, ao abrigo do art. 143º, nº 3, do CC, nomear simultaneamente vários acompanhantes, os quais exercerão diferentes funções devidamente especificadas.
Também é possível nomear um único acompanhante, com um acompanhante substituto, o qual intervirá nas situações em que o primeiro se encontre impedido, solução permitida pelo art. 900º, nº 2, do CPC.
Finalmente, também nos parece que as normas dos arts. 143º, nº 3, do CC e 900º, nº 2, do CPC, interpretadas à luz do espírito que preside a todo o regime do maior acompanhado bem como dos princípios pelos quais o mesmo se rege, permitem a possibilidade de nomeação de vários acompanhantes que exercerão as funções de forma rotativa, durante um período de tempo previamente estabelecido. Se, perante as especificidades do caso concreto, essa for a solução que melhor garante o imperioso interesse do beneficiário, a mesma deve ser a adotada, não se encontrando na lei qualquer óbice à opção por essa solução.
Na verdade, afigura-se-nos que a norma do art. 143º, nº 3, do CC, apenas afasta a possibilidade de nomeação de mais do que um acompanhante, de forma simultânea, para o exercício das mesmas funções pois tal solução, na prática, é suscetível de dificultar ou inviabilizar o acompanhamento no caso de os acompanhantes terem posições divergentes ou antagónicas sobre a mesma questão.

Portanto, e em suma, no que respeita à nomeação do acompanhante, apresentam-se como legalmente possíveis as seguintes soluções:

a) nomeação de único acompanhante;
b) nomeação de um único acompanhante e de um acompanhante substituto;
c) nomeação de vários acompanhantes com diferentes funções;
d) nomeação de vários acompanhantes que exercerão funções de forma rotativa, por períodos de tempo definidos.

De entre o conjunto de soluções de nomeação de acompanhantes legalmente admissíveis deverá ser adotada aquela que, no caso concreto, analisado nas suas diversas vertentes, dimensões e especificidades, se revele ser a que melhor salvaguarda o interesse imperioso do beneficiário, critério último das decisões a adotar sobre esta temática.

Assentes nestas premissas, e volvendo ao caso concreto, vejamos, se se justifica a opção pela nomeação dos cinco filhos como acompanhantes, conforme foi decidido pelo tribunal a quo.
Já supra concluímos que esta é uma solução legalmente admissível. Importa, todavia, determinar se, no concreto caso sub judice, essa é a solução que melhor salvaguarda o imperioso interesse da beneficiária.
Para o efeito há considerar os factos considerados provados na 1ª instância e os factos descritos no relatório supra.
Verifica-se que a beneficiária tem cinco filhos.
Todos os filhos se recusaram a exercer as funções de acompanhantes. Fizeram-no quer por escrito, quer nas declarações que prestaram no tribunal a quo.
A filha M. C. declarou que, atualmente, devido à sua situação de saúde, não tem possibilidade de assumir sozinha o cargo de acompanhante. Está de acordo que sejam nomeados vários acompanhantes, ou que se institua acompanhamento em regime rotativo ou até que outro irmão assuma o cargo de acompanhante. No entanto, ela própria, sozinha, não consegue neste momento desempenhar tal cargo.
As filhas A. C. e T. M., ora recorrentes, declararam que têm problemas de saúde e que não têm disponibilidade para exercer o cargo de acompanhante.
Os filhos J. C. e H. J. também não revelaram disponibilidade para assumirem sozinhos o referido cargo de acompanhante.
Assim, três dos filhos da beneficiária apenas se manifestaram indisponíveis para exercer o cargo de forma exclusiva, ao passo que as ora recorrentes se manifestaram indisponíveis de forma absoluta.
As recorrentes alegaram problemas de saúde, mas não especificaram nem comprovaram a existência dos mesmos. Como tal, não faria qualquer sentido que a matéria de facto incluísse essa alegação.
Relembre-se que os filhos não podem escusar-se a ser acompanhantes, pelo que os problemas de saúde nunca relevariam como fundamento da alegada indisponibilidade. Esses problemas de saúde, a existirem, o que está por demonstrar, apenas poderiam levar à não nomeação como acompanhante por a pessoa por eles afetada não ter condições para exercer as funções e, nessa medida, a sua nomeação não salvaguardar o interesse imperioso da beneficiária.
Portanto, e em suma, no caso em apreço, das pessoas sobre quem deve recair em primeira linha o exercício do cargo de acompanhante, e que são os filhos da beneficiária, nenhuma delas se voluntariou para o efeito.
Só a filha M. C. apresentou motivos comprovados por declarações médicas dos seus problemas de saúde, os quais se encontram provados nos factos 14 a 16 e constituem motivos válidos e atendíveis para concluir que a mesma não pode ser nomeada em exclusivo como acompanhante da beneficiária sua mãe por esses problemas de saúde se poderem refletir no concreto modo de exercício das suas funções, não tendo a mesma condições para garantir o bem estar da beneficiária, o que compromete a salvaguarda do seu imperioso interesse.
Temos então cinco pessoas, com o mesmo grau de parentesco relativamente à beneficiária que se recusam a exercer o cargo de acompanhante de forma exclusiva, sem qualquer justificação válida, à exceção da filha M. C..
Ora, não impondo a lei que se escolha um único acompanhante, e sendo permitido, como vimos, a nomeação de vários acompanhantes em regime de rotatividade, perante a indisponibilidade de todos os filhos quanto ao exercício exclusivo das funções de acompanhante, entende-se que a solução mais justa, mais equitativa e que melhor satisfaz o interesse da beneficiária é precisamente a que foi adotada e que se traduz no exercício das funções por todos os filhos da beneficiária, de forma rotativa.
Impor, em exclusivo, a um dos filhos, contra a sua vontade, o exercício do cargo de acompanhante é que se poderia revelar, na prática, absolutamente contrário ao interesse da beneficiária, por ser acompanhada por alguém que declaradamente já manifestou a sua total indisponibilidade para desempenhar tal função, sendo de presumir que quem é forçado a uma determinada tarefa dificilmente a irá desempenhar em conformidade com as exigências impostas pelo art. 146º, nº 1, do CC.
Destarte, consideramos que, no caso concreto, o interesse da beneficiária fica melhor garantido e salvaguardado dividindo por todos os filhos o encargo de exercerem as funções de acompanhante, de forma rotativa e sucessiva, sendo de adotar esta solução em detrimento da escolha de um único acompanhante.
Convém referir que ao processo especial de acompanhamento de maiores se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (art.º 891º, n.º 1, do CPC). Por via desta remissão para o regime dos processos de jurisdição voluntária, no processo de maior acompanhado o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes e só serão admitidas as provas que o juiz considere necessárias para a boa decisão da causa (art.º 986º, nº 2, do CPC) e, no que concerne ao critério de julgamento, nas providências a tomar, o tribunal deve adotar, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna (artº 987º, do CPC).
A solução de nomeação dos cinco filhos da beneficiária como acompanhantes, em regime de rotatividade, no caso concreto, é a mais justa e equitativa, satisfaz o imperioso interesse da beneficiária e tem pleno acolhimento e sustentação na factualidade que se encontra assente nos autos e que é a que está descrita no relatório supra e nos factos provados nºs 1 a 16.

As recorrentes entendem que há “insuficiência de matéria de facto para dar uma resposta cabal e necessária à designação do acompanhante” visto a sentença só conter factos quanto à filha M. C. e não ter factos quanto aos demais filhos, e defendem que “se mostra necessário realizar diligências para determinar se os filhos do beneficiário reúnem condições para o exercício do cargo de acompanhante e qual dos filhos reúne as melhores condições para o exercício desse cargo”.
Ora, com exceção da filha M. C., os demais filhos limitaram-se a manifestar a sua indisponibilidade para o cargo, não tendo apresentado quaisquer motivos concretos justificativos dessa indisponibilidade.
No que concerne às ora recorrentes A. C. e T. M. as mesmas justificaram a sua indisponibilidade com a invocação de problemas de saúde. Não obstante as inúmeras vezes em que se pronunciaram nos autos sobre a matéria referente à escolha do acompanhante, nos termos que supra se encontram descritos, nunca alegaram quaisquer problemas de saúde concretos e especificados, tendo-se limitado a uma afirmação generalista como fundamento da sua indisponibilidade para serem acompanhantes.
Esta justificação, dado o seu caráter genérico, vago e abstrato, sem qualquer concretização, não é apta para permitir concluir que as recorrentes não têm condições para exercer de forma adequada o cargo de acompanhantes.
Por isso, não constitui matéria de facto relevante para a decisão a proferir e que importe apurar.
Os filhos J. C. e H. J. também não invocaram qualquer facto indiciador de que não têm condições para exercer de forma adequada o cargo de acompanhantes.
Como tal, também quanto a estes não existe matéria de facto relevante para a decisão a proferir e que importe apurar.

Por outro lado, no caso em apreço, estando a beneficiária institucionalizada e sendo as despesas mensais relativas ao acolhimento, alimentação, vestuário e cuidados de saúde efetuadas pelo Lar e as despesas mensais relativas à medicação e serviços farmacêuticos prestados à beneficiária pagas mediante débito direto em conta bancária, as funções que os acompanhantes terão que desempenhar resumem-se basicamente a funções de natureza patrimonial e burocrática.
Do que foi alegado nos autos pelos filhos da beneficiária, apenas os factos invocados pela filha M. C. são suscetíveis de poder interferir com o exercício de atos dessa natureza.
Por conseguinte, justifica-se plenamente que na matéria de facto apenas se tenham feito constar os factos relativos à filha M. C. e não já quaisquer factos quanto aos demais quatro filhos, designadamente as recorrentes, pois nada indicia que os mesmos não tenham condições para exercer o cargo de acompanhante atentas as concretas funções a desempenhar. O que resulta dos autos e das posições assumidas por estes quatro filhos é que não estão disponíveis para exercer as funções de acompanhante e não que não tenham condições para as exercer, o que é algo de muito diferente.
Deste modo, entende-se que, no caso, atentas as concretas posições assumidas e manifestadas nos autos, não se mostra necessário realizar diligências adicionais para determinar se os filhos da beneficiária reúnem condições para o exercício do cargo de acompanhante.
E também não se mostra necessário realizar diligências adicionais para apurar qual dos filhos reúne as melhores condições para o exercício do cargo de acompanhante.
Se houvesse que optar pela nomeação de um único acompanhante, poderia justificar-se a realização de diligências com vista a apurar qual dos cinco filhos era a pessoa mais indicada para tal nomeação, por ser a que reunia condições para melhor garantir o bem-estar da beneficiária.
Mas não é esta a situação que se coloca nos autos pois, como já supra analisámos e concluímos, face à indisponibilidade manifestada por todos os filhos para serem acompanhantes, a solução que no caso concreto melhor salvaguarda o imperioso interesse da beneficiária consiste na nomeação de todos os filhos como acompanhantes, e não na escolha de apenas um deles.
E, perante esta conclusão, a matéria de facto que consta dos autos é absolutamente suficiente para a decisão a proferir, não se justificando a sua ampliação, igualmente não se justificando a realização de quaisquer diligências adicionais pois não há que optar por nenhum dos filhos em detrimento dos outros.
Importa ainda acrescentar que nos presentes autos foram feitas todas as diligências pertinentes, como resulta da matéria factual descrita no relatório, no que toca à escolha do acompanhante: para além de se terem ouvido todos os filhos, os quais se pronunciaram por escrito sobre a matéria, os mesmos prestaram ainda declarações presenciais; foram ainda ouvidos os netos maiores e foi auscultado o diretor do lar onde a beneficiária reside. Todos, sem exceção, se manifestaram indisponíveis para o exercício do cargo de acompanhante.
Naturalmente que, não havendo voluntários, o encargo deve recair, em primeira linha, sobre os filhos, por serem os parentes mais próximos e estarem vinculados reciprocamente pelos deveres de auxílio e assistência.
No que concerne as diligências atinentes à escolha do acompanhante note-se que as mesmas decorreram nestes autos desde dezembro de 2020 até outubro de 2021, ou seja, cerca de dez meses.
Para além do longo período que abarcaram, num processo que reveste natureza urgente, foram feitas todas as diligências pertinentes e que se impunham perante os concretos contornos do caso em apreço. Reafirma-se que diligências adicionais para saber qual o filho que tem melhores condições para ser acompanhante não se justificam num caso, como o dos autos, em que todos os filhos se manifestam indisponíveis para o exercício do cargo e, como tal, é inócuo saber qual deles tem as melhores condições posto que o interesse imperioso do beneficiário impõe, não a escolha de um dos filhos, mas o exercício do cargo por todos os filhos, de forma rotativa. Portanto, as diligências adicionais seriam absolutamente inócuas e irrelevantes face à solução que se afigura ser a melhor nesta concreta situação e que foi a seguida na decisão recorrida, a qual não merce reparo.
Sendo a matéria de facto suficiente para sustentar a decisão proferida e não se justificando para o efeito a realização de quaisquer diligências adicionais, resta concluir pela improcedência do recurso.
*
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado improcedente na totalidade, são as recorrentes responsáveis pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação pelas recorrentes.
Notifique.
*
Guimarães, 20 de janeiro de 2022

(Relatora) Rosália Cunha
(1ª Adjunta) Lígia Venade
(2º Adjunto) Fernando Barroso Cabanelas


1. Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n° 56/2009, de 7 de maio, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de julho.
2. Disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42175.