Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1503/15.8T8VRL.G2
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: AQUISIÇÃO PROPRIEDADE
REGISTO
ACESSÃO
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – São os factos jurídicos (a compra e venda, a permuta, a sucessão) e não as situações jurídicas a que se pretende dar publicidade (o direito de propriedade ou outros), pelo que o seu efeito não é, em regra atributivo de direitos reais, daí que, em caso de divergência entre a ordem substantiva e a ordem registal, seja a primeira a prevalecer.

II - Visando o instituto da acessão facilitar o funcionamento da usucapião, não faz sentido exigir para ela mais requisitos do que os colocados à própria usucapião, retirando-lhe o seu alcance e utilidade prática, na medida em que essencial e absolutamente indispensável é tão somente que haja transmissão da posse – por tradição ou por constituto possessório.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- Relatório

J. P., casado sob o regime de comunhão de adquiridos, residente na Rua … Belas, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra J. D. e mulher Maria, casados sob o regime da comunhão de bens adquiridos, residentes no Largo … Vila Real, formulando a seguinte pretensão:

1. Declarar-se que o Autor é o legítimo proprietário do prédio rústico identificado no artigo 1º da petição inicial e, consequentemente, condenar-se os Réus ao reconhecimento deste direito de propriedade;
2. Condenar-se os Réus a entregarem ao Autor, livre e devoluto, o identificado prédio rústico;
3. Condenar-se os Réus a pagarem ao Autor uma indemnização no montante de 11.250,00€ (onze mil duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros à taxa legal desde a citação, e para reparação dos prejuízos vertidos nos artigos 26º e 34º da petição inicial.

Para o efeito, alegou, em síntese, que é o legítimo proprietário do bem imóvel que identifica, inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...º e registado a seu favor, por o ter adquirido em 1998, por sucessão hereditária por óbito de seu pai, e que por si e antecessores o vem possuindo há mais de 60 anos, descrevendo os actos que vem praticando sobre o mesmo, concretamente que, no ano de 2005, foi sujeito a uma plantação de árvores de fruto e que em 2014 se encontrava devidamente demarcado com vedação em rede e marcos, quando ocorreu um incêndio florestal, no decurso do qual foi derrubada a vedação existente e que após a ocorrência do dito incêndio, os réus procederam à vedação desse prédio do autor, e ao corte e remoção das árvores de fruto aí existentes, fazendo sua a respectiva madeira, tendo também retirado os marcos que existiam, passando a intitular-se donos desse prédio do autor, sem qualquer título que o legitime, recusando entregá-lo ao autor, o que lhe causou danos, patrimoniais e não patrimoniais, que quantifica.
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Regularmente citados, os réus contestaram a acção, impugnando a factualidade alegada pelo autor e deduzindo reconvenção.

Alegando a aquisição de um prédio devidamente demarcado e vedado, que identificam, o qual integra a parcela reivindicada pelo autor que a havia vendido anteriormente a terceiros, os quais desde então praticaram actos de posse sobre esse prédio, incluindo a parcela em causa, até que lhes foi penhorada e adquirida em venda judicial pelos réus, os quais sucederam na posse dos anteriores proprietários, formulam os seguintes pedidos reconvencionais:

c.1) que se declare que os réus reconvintes são donos e legítimos possuidores do prédio identificado em 5º da contestação/reconvenção;
c.2) que o autor reconvindo seja condenado a reconhecer o pedido formulado em c.1) e a abster-se de por qualquer forma, via ou meio, perturbar, impedir, impossibilitar ou turbar o legal e legítimo direito dos réus ao uso, gozo e fruição do domínio e posse sobre o seu rústico referenciado;
c.3) que o autor reconvindo seja condenado a pagar a cada um dos réus a quantia indemnizatória de 5.000,00 euros a título de danos morais, num total e 10.000,00 euros, acrescidos de juros de mora à taxa lega desde a notificação da reconvenção até total e efectivo pagamento.
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O autor replicou, impugnando os factos alegados na contestação reconvenção, para além de alegar que não se verificam os requisitos da usucapião invocada pelos reconvintes, pelo que conclui pela improcedência da reconvenção.
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Dispensada a audiência prévia, foi admitida a reconvenção, proferido despacho saneador e fixado o objecto do litígio e os temas de prova, tendo o processo prosseguido para julgamento, ao qual se procedeu com observância das formalidades legais.
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Realizado o julgamento foi proferida decisão que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolveu os réus dos pedidos contra si formulados, e julgou parcialmente procedente a reconvenção, declarando, consequentemente, os réus reconvintes donos e legítimos possuidores do prédio identificado em 5º da contestação/reconvenção, e condenando o autor reconvindo a reconhecer o direito dos réus e a abster-se de por qualquer forma, via ou meio, perturbar, impedir, impossibilitar ou turbar o legal e legítimo direito dos réus ao uso, gozo e fruição do domínio e posse sobre o seu rústico referenciado, absolvendo o autor reconvindo do mais peticionado.
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O autor apresentou recurso que foi julgado procedente, tendo por douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães sido decidido anular a decisão proferida, determinando-se a repetição, ainda que parcial, do julgamento quanto aos pontos de facto constantes dos números 15, 16, 17 e 22 da matéria de facto provada, com vista a suprir as omissões e incoerências apontadas.
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Procedeu-se às diligências de prova consideradas necessárias e à realização de novo julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu os RR. dos pedidos contra si formulados e, por sua vez, a reconvenção parcialmente procedente, declarando os RR./Reconvintes como donos e legítimos possuidores do prédio identificado no art. 5.º, da contestação/reconvenção, condenando, em consequência o A./Reconvindo a reconhecer esse direito e a abster-se de por qualquer forma, via ou meio, perturbar, impedir, impossibilitar ou turbar esse direito dos RR. ao uso, gozo e fruição do domínio e posse sobre o referenciado prédio r´sutico, no mais absolvendo o A./Reconvindo do mais peticionado.
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II- Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida veio o A./Recorrente interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

1. Tendo por suporte a factualidade constante das alíneas 15), 16) e 22) da fundamentação de facto da sentença final proferida, concluiu o Tribunal a quo que o prédio rústico do Autor, correspondente ao artigo matricial ...°, com a área de 3.700m2, foi integrado num outro prédio rústico actualmente propriedade dos Réus identificado na alínea 14) da factualidade, o qual se encontra inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...°, e com a área total de 36.000m2;
Ora,
2. Nesta parte, o Tribunal a quo não respeitou o superiormente decidido no douto Acórdão deste venerando Tribunal da Relação, constante de fls. 344 a 368 dos autos, o qual considerou que importava solicitar aos respectivos serviços do registo predial os documentos que serviram de suporte a essa descrição registral, por forma a apurar, por essa via, se a parcela de terreno inscrita na matriz sob o art. ...° integrou a área daquele imóvel e compreender porque razão, a inscrição e descrição do terreno integrado continua pendente, para, posteriormente, se proceder, sendo o caso, às necessárias comunicações daí decorrentes; Pois, só em conformidade com o que vier a ser demonstrado documentalmente, será possível valorar a prova testemunhal produzida, uma vez que a força probatória de tais documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade;
Pois que,
3. No seguimento das notificações processadas a fls. 377 e 375 dos autos, foi junto aos autos a escritura de justificação e compra e venda constante de fls. 380 a 382 dos autos, e que serviu de base à abertura da descrição registral do identificado prédio rústico dos Réus, e da qual não resulta qualquer integração ou emparcelamento de um prédio no outro supra identificados;
Antes pelo contrário,
4. O que resulta do identificado documento junto pelos Réus e pela Conservatória, é a verdade documentada de forma autêntica, de que pelo menos desde o ano 1968, o prédio rústico dos Réus (artigo ...°), sempre dispôs e dispõe, da referida área declarada de 36.000m2, altura em que o mencionado J. C. e esposa, N. S., o adquiriram de forma verbal, e com a referida área a J. F. e esposaA. P.;
Pelo que,
5. Ao contrário do doutamente decidido pelo venerando Tribunal da Relação, os autos não demonstram documentalmente e de forma autêntica que o mencionado F. A. ou o J. C., enquanto antecessores dos Réus, tivessem processado em 1997, 2004, 2006 ou em qualquer outra data posterior, qualquer integração ou emparcelamento dos dois identificados imóveis, inexistindo nos autos outros documentos que atestem a integração do prédio rústico do autor com o dos réus, ainda que por via da usucapião, enquanto prédios distintos e autónomos que são;
Sendo certo que,
6. Apesar de resultar da motivação processada que o Tribunal a quo considerou que a integração de um prédio no outro teve sustentação na singela informação prestada pela Autoridade Tributária, e constante de fls. 404 dos autos, o certo é que o teor literal desta identificada informação não reflecte nem traduz que o prédio rústico do autor inscrito sob o artigo ...°, com a área de 3700m2, integrou em momento algum a área do imóvel dos réus inscrito sob o artigo ...°, com área de 36.000m2;
7. Resultando assim evidente, e sendo certo que o ónus da prova da alegada integração competia aos réus, que esta informação revela­sse manifestamente contraditória com o documento autêntico constante de fls. 380 a 382, indagado por este venerando Tribunal da Relação no douto Acórdão fls. 344 a 368 dos autos;
8. Ao supra exposto acresce o facto de nenhum dos intervenientes e anteriores proprietários nomeadamente o J. C. e esposa, e o F. A. e esposa tivessem prestado depoimentos sobre este assunto, limitando-se as declarações de parte dos réus a declarações de "ouvir dizer", pelo que também não se compreende de que forma o Tribunal a quo aditou a parte final da factualidade constante da alínea 22), o que se impugna;
Sem prescindir,
9. Não se descortina na fundamentação/motivação processada pelo Tribunal a quo em que meios probatórios fundamentou a concreta resposta dada ao ponto 15) da factualidade, e qual o raciocínio lógico que adoptou para dar como provada tal factualidade;
Pois que,
10. Nesta parte, o Tribunal a quo não respeitou o decidido pelo venerando Tribunal da Relação, não analisou criticamente as provas, não indicou qualquer ilação, nem especificou os fundamentos decisivos para a sua convicção, vício este que aqui expressamente se invoca com as legais consequências, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 607, n.º 4, do Código de Processo Civil, configurando-se ser também assim uma violação ao caso julgado ao douto Acórdão de fls. 344 a 368, que aqui também se invoca nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 619 e 620.º do mesmo diploma legal;
Assim,
11. Nesta parte e para este efeito, o Tribunal a quo não valorou a prova pericial, nem a prova testemunhal, no sentido de através dela se poder concluir inequivocamente que o concreto prédio rústico do Autor inscrito sob o artigo ...0 foi integrado num outro correspondente ao artigo matricial ...°;
E,
12. Ao contrário do exarado pelo Tribunal a quo, também a prova documental junta aos autos é tendente à conclusão que tal integração não se processou, pois que, para além da prova documental, nomeadamente a registral e matricial, revelarem a existência da autonomia entre os dois prédios, o certo é que tal prova documental revela nomeadamente que o prédio rústico do Autor dispõe da área de 3.700m2 desde o ano de 1988 e que o prédio rústico inscrito sob o artigo ...° dispõe da área de 36.000m2 desde o mesmo referido ano;
Ou seja,
13. Se o prédio do Autor, correspondente ao artigo ...° tivesse sido integrado no prédio dos Réus (artigo ...°) no decorrer do ano de 2006, certamente que em 2014, tal prédio destes últimos, que lhes foi adjudicado, teria necessariamente de dispor da área correspondente a 39.700m2, o que de todo não resulta da matéria de facto provada.
14. Além disso, e quanto às confrontações, da descrita documentária junta aos autos, bem como da conjugação das alíneas 1) e 14), apenas se poderá concluir que ambos os identificados prédios rústicos confrontam pelos seus lados norte com "caminho", diferindo em todas as demais confrontações;
15. Por outro lado, e quanto às declarações das partes, se por um lado, o Autor com a instauração da presente acção declarou que aquela integração não ocorreu, pois que reivindica o seu prédio rústico, por outro lado, as declarações prestadas pelos Réus não poderão ter o efeito de através delas se poder concluir que o prédio rústico do Autor (artigo ...°) foi integrado no prédio rústico correspondente ao artigo ...°, desde logo porque declararam os Réus, nomeadamente no respectivo articulado de Contestação, que não foram os próprios que processaram tal integração, decorrendo a respectiva razão de ciência quanto a esta matéria de factos relativamente aos quais não têm conhecimento directo, assentando as respectivas declarações em depoimento de "ouvir dizer";
Além disso,
16. A factualidade constante das descritas alíneas 15), 16) e 22) revela-se manifestamente ambígua e contraditória entre si, pois que se fica sem saber a quem o F. A. e esposa compraram o prédio rústico do Autor, ou seja a este no decorrer do ano de 2004, ou ao J. C. e esposa N. S., no decorrer do ano de 2006, e já integrado no artigo matricial ...°;
Por isso,
17. Em face do exposto, e ao contrário do decidido, não dispunha o tribunal a quo de elementos probatórios para ter considerado como provado, e tal como fez, a factualidade vertida no ponto 15) da fundamentação de facto, e que devia ter sido dada como não provada por ausência de prova concreta e segura que a sustente;
18. O recorrente impugna, pois, a decisão da matéria de facto constante do ponto 15) da fundamentação de facto da sentença proferida, a qual considera incorrectamente julgada, e sem suporte probatório, pois que em face da descrita prova pericial, testemunhal, documental e por declarações de parte, o Tribunal a quo deveria ter dado como não provada a descrita factualidade, assim requerendo a sua valoração "ex novo";
Além disso,
19. A factualidade constante das alíneas 15),16) e 22) revela-se manifestamente contraditória entre si e de cariz ambíguo, com sentido duplo, o que configura ser um evidente erro de julgamento que aqui expressamente se invoca nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 662.º, do Código de Processo Civil, com as legais consequências;
Por outro lado,
20. A factualidade constante das alíneas 16) e 22) da fundamentação de facto da sentença final proferida tinha por suporte expresso e como tema de prova a alegação processada pelos Réus nos art.ºs 6° a 12.º do articulado de contestação, no sentido de através deles se concluir que os identificados antecessores dos Réus, F. A. e A. B., adquiriram de forma verbal o prédio rústico do Autor (artigo ...°) no mencionado ano de 1994;
No entanto,
21. Sem qualquer correspondência com a factualidade inserta na base instrutória e objecto de prova, o Tribunal a quo mais não fez do que alterar a versão dos próprios Réus, diferindo, ex officio, esta forma aquisitiva (verbal) por cerca de 10 anos;
Ora,
22. Constitui princípio basilar do nosso ordenamento jurídico processual que são necessariamente os factos alegados pelas partes que hão-de constituir o suporte da decisão de mérito a proferir, e mais propriamente aqueles que constituem o objecto de prova insertos na base instrutória previamente e para assim poderem ser objecto do exercício do direito do contraditório e da indicação da prova;
23. Razões pelas quais, o Autor impugna a factualidade constante das alíneas 16) e 17) da fundamentação de facto, as quais não se poderão manter, devendo ser dada como não escrita ao abrigo do preceituado nos artigos 596.º, n.º 3 e 6080, do Código de Processo Civil.
Sem prescindir,
24. O Tribunal a quo fundamentou a factualidade constante dos pontos 16) e 17) com base em alegadas contradições que entendeu resultarem do depoimento prestado pelo Autor em audiência, e tendo ainda por suporte regras de experiência comum no sentido de através delas concluir que o autor vendeu uvas ao identificado F. A. que não lhas terá pago, tendo o autor decidido fazer-se pagar retomando o prédio que lhe vendera e como pagamento, compra e venda esta que situa em 2004, por o Autor não mais ter praticado qualquer acto de posse sobre o prédio;
Assim, em primeiro lugar,
25. Haverá que notar que nem as partes nem qualquer testemunha concretizaram quando e em que termos foi realizado qualquer negócio de compra e venda de uvas entre o Autor e o identificado F. A., o que aliás nem sequer constava do objecto da prova;
Por outro lado,
26. É o próprio Tribunal a quo que reconheceu as declarações do Autor no sentido de que o que ocorreu terá sido uma "intenção de venda" ao F. A., não se chegando a concretizar o negócio, por falta de pagamento do preço, o que resulta evidente das passagens do seu depoimento prestado em audiência de julgamento realizada no dia 30.09.2016, o qual se encontra gravado em suporte digital autónomo com recurso ao programa de gravação integrado no sistema habilus media studio, e que teve início às 10:36:27 horas e término às 10:52:51 horas;
Ora,
27. Estava vedado ao Tribunal a quo recorrer às regras da experiência comum tal como processou para considerar tal factualidade como provada, pois que no que se reporta aos juízos de experiência comum invocados, nos termos do preceituado no art. 351.º, do Cód. Civil, está vedado ao tribunal a quo tirar conclusões presuntivas contra a declaração negocial que, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito (art. 393, n.º l, do Código Civil), ou, contrariamente, o facto que esteja provado por documento ou por outro meio com força probatória plena (art. 393.º, n.º 2, do Código Civil), e ainda sobre matéria de direito;
28. Se assim é, e por maioria de razão, está também vedado ao Tribunal a quo invocar juízos de experiência comum para através deles suprir a falta de documento autêntico que a lei estipula como obrigatório para prova de declaração negocial inerente à compra e venda de bens imóveis, tal como resulta do preceituado no art.º 364, do Código de Processo Civil;
Acresce que,
29. Revela-se manifestamente conclusivo e até indeterminado que o Tribunal a quo tenha firmado a existência de um contrato de compra e venda de bem imóvel, sem para o efeito ter qualquer suporte documental, não o tendo minimamente situado no tempo, nem sequer ter por referência a prova do pagamento de qualquer preço;
30. Por isso, a factualidade constante dos pontos 16) e 17) também relata matéria conclusiva, enfermando de vício que determina a respectiva nulidade, por não poder ser objecto de prova, pelo que não deveria o Tribunal a quo ter proferido qualquer resposta, devendo considerar-se como não escrita, seja por aplicação analógica do art.º 646.º, n.º 4, do anterior Código de Processo Civil e art.°s 4100 e 6740, n.º 3, do actual Código de Processo Civil, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais;
31. Em face do exposto, e ao contrário do decidido, não dispunha o tribunal a quo de elementos probatórios para ter considerado como provado, e tal como fez, a factualidade vertida nos pontos 16) e 17) da fundamentação de facto, e que devia ter sido dada como não provada por ausência de prova concreta e segura que a sustente;
32. O recorrente impugna, pois, a decisão da matéria de facto constante dos pontos 16) e 17) da fundamentação de facto da sentença proferida, a qual considera incorrectamente julgada, e sem suporte probatório, pois que em face da descrita prova pericial, testemunhal, documental e por declarações de parte, o Tribunal a quo deveria ter dado como não provada a descrita factualidade, assim requerendo a sua valoração "ex novo".
Isto posto,
33. Com respeito ao imóvel objecto da presente acção, ou seja, o prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...°, da freguesia de ..., concelho de Vila Real, e de acordo com os pontos 1 a 4 da fundamentação de facto da sentença proferida, o Tribunal a quo considerou provada a aquisição originária e derivada do Autor sobre tal imóvel;
Ora,
34. Na fundamentação de direito processada pelo Tribunal a quo foi expressamente consignado que os Réus adquiriram este prédio rústico do Autor por via da aquisição originária da usucapião, sendo que esta conclusão assim exarada tem por suporte nomeadamente a factualidade constante da alínea 35), a qual, contudo, é omissa quanto ao hiato temporal de posse dos Réus sobre o prédio rústico do Autor;
35. Apesar do Tribunal a quo ter reconhecido a existência jurídica do prédio rústico do Autor inscrito sob o artigo ...0, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n, o 1969119990208, da freguesia de ..., concelho de Vila Real, tal como resulta, aliás, dos pontos 1) a 4) da factualidade e da fundamentação constante da pág. 28 da sentença final proferida, o certo é que em parte alguma da factualidade das alíneas 29) a 35) (matéria relativa à forma aquisitiva dos Réus) se extrai que os Réus adquiriram ainda que por venda judicial o prédio rústico do Autor, pois que aí é exclusivamente referida a aquisição do prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...0, descrito sob o n.º .../20060505, da referida freguesia e concelho;

Por isso,
36. Haverá que conceder que a invocada ocupação do prédio rústico do Autor não obedeceu ao requisito formal de escritura pública ou venda judicial, pelo que a posse que passou a ser exercida pelos Réus sobre esse imóvel terá necessariamente de considerar-se uma posse não titulada, pois que lhe falta o requisito formal para que o referido contrato de compra e venda se pudesse considerar válido;
E, assim,
37. Só a partir de Setembro de 2014 é que os Réus alegada e hipoteticamente poderiam ter passado a possuir o prédio rústico do Autor, e sobre o qual pretendem ver reconhecido o seu direito de propriedade, o que não constitui hiato temporal suficiente para lhes permitir usucapir;
38. Se a transmissão da posse do Autor para os antecessores (F. A. e A. B.) dos Réus, tal como o Tribunal a quo a configurou, resultou de um negócio formalmente inválido, também a transmissão da posse para os Réus não resultou de um ato formalmente válido quanto à concreta identificação e existência jurídica do prédio rústico que o Autor reivindica;

Pelo que,
39. A posse dos Réus declarada pelo Tribunal a quo sobre o prédio rústico do Autor não é titulada, uma vez que é fundada num modo ilegítimo de adquirir, por existência de vício formal, designadamente a preterição de escritura pública ou venda judicial que, à data, era conditio sine qua non para a transmissão de imóveis;

E, por isso,
40. Ao invés do que se entendeu na sentença recorrida, não se podia lançar mão da figura da acessão da posse.

Outrossim,
41. Os Réus também não adquiriram o prédio rústico do A. por virtude de qualquer aquisição derivada, pois que, para além de não se ter verificado qualquer integração, conforme alegado no ponto II da presente motivação, também a factualidade constante das alíneas 29) a 35) é completamente omissa quanto à transmissão do prédio rústico do Autor inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...0;
42. Porque assim não decidiu, o Tribunal a quo violou o preceituado nos arts. 12510 e segs., 12560, 12580 e segs., 12600, n.º 2, 12870 e segs., e 131r e segs., do Código Civil.
43. Em face de todo o exposto, e da alteração da factualidade considerada provada, deveria o Tribunal a quo ter condenado os Réus a entregarem ao Autor o prédio rústico reivindicado e por aqueles possuído, tal como foi peticionado, sob os números 1) e 2) da petição inicial;
Além disso,
44. Da conjugação das alíneas 5) a 9) e 13) da factualidade considerada provada, também resultou provado que no decorrer do ano de 2014, os Réus procederam ao corte e remoção de, pelo menos, 70 árvores de fruto existentes no prédio rústico do Autor, as quais aí foram plantadas no ano de 2005, fazendo sua a respectiva madeira, e que valiam, pelo menos, 5.250,00€ (cinco mil duzentos e cinquenta euros).
Sendo que,
45. Tais árvores de fruto integravam o prédio rústico do Autor, enquanto coisas imóveis, nos exactos termos resultantes do art.º 2040, n.º 1, al. c), do Código Civil.
Pelo que,
46. Deveria também o Tribunal a quo ter dado parcial procedência ao pedido formulado pelo Autor sob o n.º 3 da petição inicial, assim condenando os Réus ao pagamento de indemnização no montante de, pelo menos, 5.250,00 €, acrescido de juros à taxa legal desde a citação e para reparação desses prejuízos.
47. Porque assim não decidiu, o Tribunal a quo também desta forma violou o preceituado nos arts. 483°, 56r e segs., 1251° e segs., 1256°, 1258° e segs., 1260°, n.° 2, 1287° e segs., e 1311° e segs., do Código Civil.

Assim, revogando a sentença final proferida, substituindo-a por outra que declare a procedência integral da Acção com respeito aos pedidos formulados sob os n.ºs 1 e 2 da petição inicial e a procedência parcial do pedido formulado sob o n.º 3 daquele articulado, farão Vossas Excelências JUSTIÇA.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
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III. O objecto do recurso

Como resulta do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex. officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir se se verifica erro de julgamento e, consequentemente, é de alterar a decisão proferida.
*
- Fundamentação de facto

Factos provados

1- Mostra-se inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., da referida freguesia, um bem imóvel com a seguinte descrição: Prédio rústico sito no Lugar ..., com a área de 3700 m2, constituído por pinhal; que confronta do norte com caminho, sul com V. M., nascente com J. C., e do poente com M. M..
2- A inscrição de propriedade desse prédio a favor do Autor encontra-se feita sob a apresentação registral nº 9, de 1999/02/08, daquela descrição predial.
3- O Autor adquiriu a propriedade do identificado bem no decorrer do ano de 1998, por sucessão hereditária deferida em partilha judicial por óbito de seu pai, A. C., residente que foi em ..., freguesia de ..., deste concelho.
4- Por si e seus antecessores, o Autor há mais de 20, 30 ou 60 anos, continuada e ininterruptamente, vinha possuindo o referido prédio rústico, dele dispondo plenamente, sem a mais pequena oposição ou contestação de quem quer que fosse.
5- No decorrer do ano de 2005, o prédio rústico referido foi sujeito a um saibramento e alisamento de terras, tendo daí sido removidos os pinheiros e mato existente, e plantadas pelo menos 70 (setenta) árvores de fruta, constituídas nomeadamente por pelo menos 40 (quarenta) cerejeiras, macieiras, ameixoeiras, pereiras, nogueiras e castanheiros.
6- Tais árvores de fruto foram crescendo e sendo tratadas ao longo dos anos, apresentando em 2014 portes de árvores adultas devidamente tratadas e em plena produção.
7- No decorrer do verão de 2014, ocorreu um incêndio florestal.
8- Após a ocorrência do identificado incêndio, e ainda no decorrer do ano de 2014, os Réus procederam à vedação do prédio rústico, mediante a colocação de vedação em rede nos locais onde previamente existia, e que fora danificada/destruída pelos bombeiros.
9- Procederam ao corte e remoção das árvores de fruto aí existentes, fazendo sua a respectiva madeira.
10- Os Réus afirmam publicamente e perante quem os quiser ouvir que são os proprietários do identificado prédio rústico, cuja posse mantêm nas referidas circunstâncias.
11- O Autor já solicitou aos Réus a entrega do identificado prédio rústico, o que estes recusam fazer.
12- Invocando o descrito corte das árvores de fruto e a eliminação de marcos, o Autor procedeu à apresentação dos respectivos procedimentos criminais, os quais correram termos pela Secção de Inquéritos da Procuradoria desta Instância Local sob os nºs 1625/12.7PHSNT e 1153/14.6PHSNT, tendo sido objecto de arquivamento.
13- As árvores de fruto cortadas pelos Réus valiam pelo menos 75,00 € (setenta e cinco euros), cada uma, aqui contabilizada não apenas a sua capacidade produtiva, mas também o valor da respectiva madeira, nomeadamente a madeira das, pelo menos, 40 (quarenta) cerejeiras aí existentes.
14- Mostra-se inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...º, da freguesia de ..., concelho de Vila Real, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …, com inscrição de aquisição a favor dos réus pela AP. 41 de 2014/09/30, um bem imóvel com a seguinte descrição: Prédio rústico situado em …, com a área total e descoberta de 36.000 m2, composto de pinhal, monte, terreno de cultivo, vinha e pomar, a confrontar do norte e poente com caminho público, sul com estrada nacional e do nascente com FMB, Lda..
15- Deste prédio rústico, com a referida área total de 36.000 m2, faz parte integrante a parcela de terreno, reivindicada pelo autor.
16- Essa parcela de terreno foi comprada por F. A., casado, com A. B., ao autor, que, por sua vez, lha vendeu, pelo preço de oitocentos mil escudos, ou quantia equivalente em euros, pelo menos, no ano de 2004.
17- Tudo por mero acordo verbal.
18- O F. A. e a esposa entraram no domínio e posse da referida parcela de terreno.
19- De tal modo que a passaram a usar, gozar e fruir, cultivando-a, limpando-a, apanhando lenha e roçando mato, retirando e colhendo todos os seus frutos e rendimentos, ou consentindo que o fizessem, à vista de todas as pessoas, entre elas o autor, perante quem sempre se afirmaram donos e possuidores da parcela, sem oposição de quem quer que fosse, de forma ininterrupta e consecutiva, na intenção e convicção de que o prédio lhes pertencia.
20- O mesmo F. A. e esposa negociaram com J. C., casado com N. S., a compra e venda do rústico com o artigo matricial ...º.
21- Do qual estes eram donos e possuidores, em nome próprio, cultivando-o, colhendo os seus frutos, conservando-o, transformando-o e pagando os respectivos impostos, por mais de 20 anos, com exclusão de outras pessoas e como quem usou, fruiu e possuiu coisa própria, sem violência ou força de qualquer espécie, sem interrupção, sem oposição de ninguém e de modo a que tais actos pudessem ser vistos e conhecidos por quais quer interessados.
22- No ano de 2006, o J. C. e esposa N. S. venderam a A. B. e marido F. A., o prédio inscrito sob o artigo matricial ...º, depois de, previamente, terem acordado e procedido à rectificação da área desse prédio, o qual passou a ter a área total inscrita de 36.000 m2, área que originariamente era inferior e foi alterada para os referidos 36.000 m2, no ano de 2005, através de processo administrativo, a fim de passar a englobar num único prédio, o prédio adquirido verbalmente pelos compradores F. A. e esposa ao autor, bem como várias outras parcelas adquiridas pelos mesmos.
23- Pelo que a A. B. e o F. A. inscreveram no registo predial a aquisição do imóvel a seu favor, pela AP. 25 de 2006/05/05, na descrição .../20060505.
24- Passando a usá-lo, gozá-lo e fruí-lo, cultivando-o, limpando-o, apanhando lenha e roçando o mato, retirando e colhendo todos os seus frutos e rendimentos, ou consentindo que o fizessem, pagando as respectivas contribuições, à vista de todas as pessoas, entre elas o autor, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta e consecutiva, na intenção e convicção de que o prédio lhes pertencia.
25- O F. A. e a esposa vedaram o prédio com rede ovelheira.
26- E nele plantaram dezenas de árvores de fruto, entre elas, amendoeiras, pessegueiros, cerejeiras, ameixoeiras, maceiras, diospireiros, pereiras, marmeleiros e limoeiros.
27- No âmbito de projectos apresentados no Ministério da Agricultura.
28- O imóvel passou a ser composto de pinhal, monte, terreno de cultivo, vinha e pomar de árvores de fruto.
29- Em 3 de Outubro de 2009, o F. A. e a esposa celebraram com o réu marido um contrato de arrendamento rural que teve por objecto o prédio identificado, inscrito na matriz sob o artigo ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ....
30- Em 11 de Abril de 2011, esse imóvel com o artigo matricial ...º foi penhorado no âmbito do processo executivo nº 903/11.7T2OVR, Comarca do Baixo Vouga, Ovar, Juízo de Execução, no qual o F. A. e a esposa eram executados.
31- Foi determinada a venda por propostas em carta fechada, a qual ficou deserta.
32- Na sequência, os réus, como titulares do direito de preferência na alienação do imóvel, fizeram proposta de aquisição ao agente de execução, pelo valor de € 35.000,00, a qual foi aceite pelos credores, tendo os réus efectuado o pagamento dessa quantia, em 24 de Fevereiro de 2014, e liquidado o imposto de selo.
33- Em Setembro de 2014, foi-lhes adjudicado o imóvel, em venda judicial, no âmbito do referido processo executivo nº 903/11.7T2OVR, após o que se inscreveram como titulares do rendimento do imóvel na matriz predial do artigo ...º e inscreveram a seu favor a aquisição no registo predial pela AP. 41 de 2014/09/30, na descrição .../20060505.
34- O rústico foi transmitido livre de quaisquer ónus ou encargos e perfeitamente demarcado, autónomo, distinto e independente de qualquer outro, com esteios em madeira e rede em toda a extensão dos seus limites.
35- Os réus, a partir de Setembro de 2014, por si, antecessores e antepossuidores, passaram a usar, gozar e fruir o rústico, com a sua área total de 36.000 m2, vedando-o, cultivando-o, limpando-o, apanhando lenha e roçando o mato, granjeando a terra de cultura, a horta, a vinha, o pomar de árvores de fruto, retirando e colhendo todos os seus frutos e rendimentos, pagando as respectivas contribuições, há mais de vinte anos, à vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta e consecutiva, na intenção e convicção de que o prédio com essa área total lhes pertencia.
36- No verão de 2014, deflagrou um incêndio que se propagou ao imóvel descrito, aí tendo queimado o pomar de árvores de fruto, para cujo combate os bombeiros destruíram a vedação do prédio junto ao cainho público.
37- Por isso, os réus, em finais de 2014, repuseram a vedação do imóvel com esteios em madeira e rede, nos anteriores limites do imóvel, tendo também abatido as árvores queimadas e limpo a área, tendo praticado tais actos apenas dentro dos limites do prédio descrito.
*
Com interesse para a decisão não se provou que:

- O Autor é o legítimo proprietário do imóvel inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ....
- Já o pai do Autor havia adquirido a propriedade deste imóvel por sucessão hereditária por óbito de seu pai, avô do Autor, D. C., residente que também foi na identificada localidade de ....
- No dito imóvel, o autor tem praticado actos de posse, nomeadamente, plantando e cortando pinheiros para obtenção de lenha que utilizavam em benefício próprio ou para venda.
- Limpando e roçando o mato para obtenção de lenha e estrume.
- O que vem fazendo à vista de toda a gente, e na certeza de exercer um direito próprio e de não lesar direitos alheios.
- Procedendo ao seu granjeio, e nele introduzindo as transformações e melhoramentos que muito bem entende, pago a respectiva contribuição predial, e colhendo os seus frutos naturais e civis.
- No decorrer do ano de 2014, este identificado prédio rústico encontrava-se devidamente demarcado com a colocação e existência nas suas confinâncias, de vedação em rede suportada por esteios de madeira, acrescida da colocação e cravamento no terreno de marcos de pedra, o que foi processado pelo Autor.
- Foram removidos os marcos em pedra que delimitavam e demarcavam o prédio rústico do Autor.
- Os réus não possuem qualquer título que legitime a ocupação do prédio referido, ou autorização do seu dono para tal, aproveitando-se do facto do Autor não se encontrar presente, por residir na zona de Lisboa, e a mais de 400 Km de distância.
- A situação vertida é fonte geradora de grandes preocupações, incómodos e sofrimento do Autor.
- O qual se sente envergonhado e humilhado publicamente pelo comportamento dos Réus.
- Os quais não ignoram que não lhes assiste qualquer direito de assim procederem.
- Em consequência, o Autor apresenta-se trémulo, nervoso, de semblante triste, denunciando preocupação.
- Lamentando-se constantemente da sua infeliz sorte, manifestando perda de apetite e com dificuldades em adormecer e descansar.
- Os réus e os anteriores proprietários do rústico com o artigo matricial ...º acordaram na rectificação da área deste rústico com o artigo matricial ...º, que passou a englobar a área dos cerca de 1000 m2 da parcela que o F. A. havia adquirido ao autor.
- A conduta do autor gera preocupações, incómodos e sofrimento aos réus, os quais se sentem envergonhados e humilhados publicamente pelo comportamento do autor.
- Em consequência, passam por momentos de inquietação, angústia, abatimento moral e psicológico, têm arrelias e transtornos, com noites sem dormir, sentindo-se tristes, magoados e perturbados.
- O F. A. e esposa entraram na posse da parcela de terreno no ano de 1994.
- O prédio rústico vendido pelo autor ao F. A. tinha uma área de cerca de 1000 m2.
- A venda ocorreu por volta do ano de 1994.
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- Fundamentação de direito

Quanto à factualidade constante das alíneas 15), 16) e 22) dos factos provados, entende o recorrente que o Tribunal a quo não respeitou o decidido no Acórdão do Tribunal desta Relação, no sentido de solicitar aos respectivos serviços do registo predial os documentos que serviram de suporte a essa descrição registral, por forma a apurar, por essa via, se a parcela de terreno inscrita na matriz sob o art. ...° integrou a área daquele imóvel e compreender porque razão, a inscrição e descrição do terreno integrado continua pendente.

Ora, como se apontou no mencionado acórdão, não seria já possível a aquisição da parcela de terreno inscrita na matriz sob o art. ....º, pelo preço de oitocentos mil escudos, no ano de 2004, tal como se deu como provado na primeira decisão proferida, por já, nessa data, se encontrar em circulação o euro, mais se tendo considerado, face ao facto dessa questão ter de ser esclarecida, que necessário seria que as partes, ou oficiosamente o tribunal, solicitasse aos respectivos serviços do registo predial onde se procedeu à descrição do imóvel sob o n.º .../20060505, por via da Ap. 25 de 2006/05/05, os documentos que serviram de suporte a essa descrição registral.
Pois, como ai se referiu, só em conformidade com o que viesse a ser demonstrado documentalmente, seria possível valorar a prova testemunhal produzida, uma vez que a força probatória de tais documentos autênticos só podia ser ilidida com base na sua falsidade (arts. 369.º, 383.º e 372.º, do Cód. Civil).

Assim, perante as deficiências apontadas e falta de elementos/documentos necessários ao julgamento da causa, insusceptíveis de serem sanadas, em conformidade com o exposto e ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 2, al. c), do Cód. Proc. Civil, decidiu-se anular a decisão proferida na 1.ª instância e determinar que se proceda à repetição, ainda que parcial, do julgamento quanto aos pontos de facto constantes dos números 15, 16, 17 e 22, da matéria dada como provada, objecto de recurso.

Ora, perante o decidido o tribunal a quo ordenou a notificação das partes para juntarem aos autos os enunciados documentos, bem como se solicitou aos respectivos serviços notariais a informação pretendida, vindo os RR., para além dos esclarecimentos prestados, juntar, a fls. 380, do p.p., cópia da escritura de justificação e compra e venda celebrada a 16.3.2006, em que o 1.º outorgante J. C. declara encontrar-se na posse do prédio rústico composto de pinhal, monte terreno de cultivo, vinha, pomar de pessegueiros com a área de 36.000m2, inscrito na matriz predial rústica sob o art. ..., por aquisição verbal a J. F. e mulher no ano de 1968, e vender tal prédio à 3.ª outorgante A. B., com a confirmação pelos referidos serviços que foi esse o documento que serviu de suporte ao registo.

Posteriormente, o tribunal a quo decidiu, ainda, solicitar as serviços de Finanças de Vila Real informação sobre se, em relação ao art. ....º, da Freguesia de ..., houve alteração da área após a inscrição desse prédio em 1988, vindo essa entidade informar que a área de tal prédio foi alterada de 0,247ha para 3600ha através do processo administrativo 290/2005.

Daqui decorre que o tribunal a quo não só deu integral cumprimento ao determinado, como procedeu às demais diligências tidas por necessárias para esclarecer os apontados pontos que tinham sido colocados em crise e eram alvo do anterior recurso, tal como o são deste e de que cumpre, então, agora, decidir.

Nessa medida, entende o recorrente não se descortinar na fundamentação/motivação processada pelo Tribunal a quo em que meios probatórios fundamentou a concreta resposta dada ao ponto 15) da factualidade, e qual o raciocínio lógico que adoptou para dar como provada tal factualidade, requerendo, assim, que tal matéria se já dada como provada.

Por outro lado, considera ocorrer uma violação ao caso julgado ao Acórdão de fls. 344 a 368, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 619 e 620.º do Cód. Proc. Civil.

Entende, ainda, que a factualidade constante das descritas alíneas 15), 16) e 22) se revela manifestamente ambígua e contraditória entre si, por se ficar sem saber a quem o F. A. e esposa compraram o prédio rústico do Autor, ou seja a este no decorrer do ano de 2004, ou ao J. C. e esposa N. S., no decorrer do ano de 2006, e já integrado no artigo matricial ...°, o que consubstancia, em seu entender, um erro de julgamento.

Por outro lado, pugna pela alteração da resposta dada à factualidade constante das alíneas 16) e 22), por forma a passarem a constar dos factos não provados, ao abrigo do preceituado nos artigos 596.º, n.º 3 e 608 do Código de Processo Civil, aduzindo o facto do tribunal a quo ter alterado a versão dos próprios Réus alegada nos arts. 6° a 12.º do articulado de contestação, de que os seus antecessores, F. A. e A. B., adquiriram de forma verbal o prédio rústico do Autor (artigo ....°) no mencionado ano de 1994, ao dar como provada essa forma aquisitiva (verbal) por cerca de 10 anos e lhe estar vedada a possibilidade de recorrer às regras da experiência comum quanto a essa factualidade para suprir a falta de documento autêntico que a lei estipula como obrigatório para prova de declaração negocial inerente à compra e venda de bens imóveis, tal como resulta do preceituado no art.º 364, do Código de Processo Civil.

Para além de considerar que, ao contrário do decidido, não dispunha o tribunal a quo de elementos probatórios para ter considerado como provado, tal como fez, a factualidade vertida nos pontos 16) e 17), entende que, em tais pontos, se relata matéria conclusiva que, assim, devia ser tida como não escrita.

Por fim, refere que, ao invés do que se entendeu na sentença recorrida, não se podia lançar mão da figura da acessão da posse, por a transmissão da posse do Autor para os antecessores (F. A. e A. B.) dos Réus, tal como o Tribunal a quo a configurou, ter resultado de um negócio formalmente inválido.

Ora, quanto à reapreciação da matéria de facto, impera o ónus de especificação de cada um dos pontos da discórdia do recorrente com a decisão recorrida, seja quanto às normas jurídicas e à sua interpretação, seja a respeito dos factos que considera incorrectamente julgados e dos meios de prova que impunham uma decisão diferente, devendo, neste caso, indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cf. artºs 639º, nº. 2 e 640º, nºs 1 e 2 do NCPC).

Assim, face ao disposto no citado artº. 640º, nº. 1 do NCPC, quando seja impugnada a decisão da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados [alínea a)]; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [alínea b)]; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [alínea c)].

Recai, assim, sobre a parte Recorrente um triplo ónus:

- primeiro, o de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
- segundo, o de fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
- terceiro, o de enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.

Acresce que, apesar do art.º 662.º do mesmo diploma legal permitir a este Tribunal julgar a matéria de facto, não permite a repetição do julgamento, tal como rejeita a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto (cfr. neste sentido António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 2016, Almedina).

Importa, no entanto, ter em conta, numa primeira linha, que o objecto precípuo de cognição por parte deste tribunal não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes a apreciação e valoração da prova produzida, orientado para a detecção de qualquer erro de julgamento naquela decisão da matéria de facto, pelo que não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento.

Vejamos se tal se verifica.

De acordo com o disposto no artigo 655.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

Tal preceito consagra o princípio da prova livre, o que significa que a prova produzida em audiência (seja a prova testemunhal ou outra) é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, tendo em consideração a sua vivência da vida e do mundo que o rodeia.

De acordo com Alberto dos Reis prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” (Código de Processo Civil, anotado, vol. IV, pág. 570), e que o julgador deve “tomar em consideração todas as provas produzidas” (art.º 515º do Código de Processo Civil), e não somente parte ou parcela dessas provas.

Importa, também, ter em consideração que a impugnação da decisão da matéria de facto não se pode transformar numa mera manifestação de inconsequente inconformismo, tal como o refere Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., pág. 139 a 141, pág. 129, por forma a que apenas a visão da parte recorrente vingue, olvidando a demais prova produzida que aponte num outro sentido.

Por outro lado, é certo que o julgador de 1ª instância dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que este tribunal ad quem não detém (v.g. a inquirição presencial da parte e testemunhas - os princípios da imediação e oralidade), devendo, ainda, ter presente que o relacionamento familiar ou profissional, apesar de não dever, à partida, constituir um partis pris, exige a recolha de outros elementos indiciadores dos factos que dêem maior consistência ao depoimento.

Posto isto, e após audição dos depoimentos prestados, devidamente conjugados com a demais prova documental junta aos autos, conclui-se ser de aderir in totum à valoração do Tribunal a quo.

De facto, o tribunal a quo, para além de ter considerado a versão do réu J. D., por si prestada em sede de declarações de parte, porquanto corroborada pelo teor da informação da Autoridade Tributária, solicitada pelo tribunal, da qual resulta que o prédio com o artigo matricial ..., por este adquirido, passou a ter uma área superior à que tinha, dai sendo possível aferir que tal se deverá, tal como declarado, à aquisição por parte do anterior proprietário, F. A., de várias parcelas inclusas naquele prédio, considerou, de forma conjugada as declarações do autor J. P., que referiu, em 2004, ter existido da sua parte uma “intenção de venda” do seu prédio inscrito na matriz sob o art. ... ao dito F. A., dado que este tinha um projecto para plantar lá árvores, sem, contudo, conseguir explicar o facto de, a não se ter concretizado o negócio, a razão deste ter tomado posse do prédio, o ter vedado e aí plantado as árvores que queria, sem qualquer oposição do A. até 2012.

Tal, como é evidente, e assim o concluiu o tribunal a quo, indicia fortemente a alegada venda e não apenas uma intenção não concretizada, na medida em que acabou por dizer que o F. A. lhe “comprou” verbalmente o prédio, mas não lhe pagou.

Por outro lado, o facto é que igualmente confirmou o fornecimento por si ao dito F. A. de uvas, sem o respectivo pagamento, e que é referido pelas testemunhas inquiridas a esta matéria, como sendo a justificação para agora o A. vir exercer a pretensão de reaver o prédio que reivindica como forma de se fazer pagar pelo valor que não recebeu deste negócio.

O facto incontornável é que até então o A., apesar da posse exercida pelo dito F. A., nada fez para lhe pôr fim.

Aliás, também a testemunha C. P., irmã do autor e prima do réu marido, não soube explicar por que motivo, se não houve negócio, o F. A. usou e fruiu o prédio durante vários anos, confirmando, no entanto, quanto à questão das uvas que o F. A. não terá pago ao autor.

Já, por sua vez, de forma complementar, as testemunhas A. V. e J. O. confirmaram terem sido eles a cortar as árvores de fruto queimadas, a mando do réu, no prédio que o A. diz ser seu, atestando a testemunha A. F., por ter trabalhado no prédio durante 10 anos, para o F. A., que este tinha tudo vedado com rede e paus e ter sido ele quem o saibrou, plantou, colheu, fez estufas, sem qualquer reclamação, e que tal imóvel era constituído por várias parcelas que o F. A. comprou a várias pessoas e juntou, mais corroborando o facto do autor vender uvas para a adega do F. A..

Revelando também conhecimento sobre a situação, a testemunha M. F. confirmou esse depoimento, especificando o facto de terem sido juntas várias parcelas num só prédio, no seu todo tendo sido feitas as plantações e estufas, como constatou por passar no local para ir para a sua propriedade. Disse, ainda, que enquanto saibraram e plantaram, nunca o autor se queixou e até vendia as uvas para a adega do F. A., tendo apenas surgido esta questão, quando a adega fechou e que foi devido ao facto de não ter recebido o valor das uvas que surgiu este processo.

Igualmente as testemunhas R. L., que trabalhou nesse terreno, quando o F. A. saibrou, fez estufas e plantou árvores, e A. T., que granjeia um prédio que faz extrema com o prédio em causa, confirmaram a versão dos RR., ambos atestando que nunca ninguém se queixou, até o F. A. ir à falência e ter vindo o autor dizer que aquilo era dele.

Por sua vez, a testemunha Manuel, que tem no local duas propriedades e passa lá todos os dias, esclareceu que, antes, esse prédio era monte de, pelo menos, duas ou três pessoas, incluindo o autor, que acha que ficava no meio, e que quem vedou o prédio foi o F. A., em toda a dimensão do prédio, após ter comprado as várias parcelas, cortou os pinheiros, surribou e plantou um pomar, tendo cuidado durante vários anos desse prédio, até ter problemas com a adega.

Referiu que são os réus que agora lavram o terreno e deitam herbicida, tendo sido também eles a limpar o terreno após ter ardido, sendo, por toda a gente, tidos como sendo os seus donos.

Acresce que a testemunha J. A., vizinho dos réus, afirmou ter vendido verbalmente duas matas ao F. A. que lhe pagou logo em dinheiro, contra entrega das cadernetas prediais, em 2001, incluídas no prédio vedado, e que também outras pessoas venderam parcelas ao F. A..

Por último, M. A., mãe da ré, afirmou inclusive ter sido ela a dar o dinheiro para a compra das matas pelo seu filho F. A., que da parcela do autor precisava para fazer as estufas e receber o dinheiro do projecto, e que, desde então, quando o autor vinha a casa da mãe, nunca mais quis saber daquilo.

Já quanto à aquisição do prédio pelos RR. resulta dos autos a respectiva prova documental da sua adjudicação a estes, por via de venda judicial, tal como resulta de ffls. 199, do p.p., com registo desse facto lavrado a 30.9.2014 que o comprova, bem como a respectiva documentação que serviu de suporte ao seu registo a favor de A. B. e F. A. por compra a J. C. como o demonstra a escritura de justificação e compra e venda junta a fls. 380, do p.p.
Acresce que, as certidões da matriz e dos registos integram documentos de prova livre, não formal ou vinculada (como acontece com a prova plena), que deve ser conexionada com as demais provas, tal como o fez o tribunal a quo.

Pois, como decorre inequivocamente do art. 2.º do C. Registo Predial, são os factos jurídicos (a compra e venda, a permuta, a sucessão) e não as situações jurídicas a que se pretende dar publicidade (o direito de propriedade ou outros), pelo que o seu efeito não é, em regra atributivo de direitos reais, daí que, em caso de divergência entre a ordem substantiva e a ordem registal, seja a primeira a prevalecer.

Assim, decorre de toda a prova produzida que a mesma aponta para considerar como provada a versão alegada pelos RR., ainda que, em parte, com recurso a ilações lógicas, suportadas numa forte e preponderante probabilidade, de diversos factos relatados e conhecidos para afirmar e concluir no sentido em que o fez, apresentando uma valoração discursiva da prova, justificando o seu convencimento acerca dos factos e indicando os motivos pelos quais considerou uns provados e outros não provados.

Ora, como se sabe, a presunção, prevista no art. 349.º, do Cód. Civil, consiste no resultado de uma dedução lógica, baseado nas máximas da experiência, através de todo o conhecimento adquirido da observação dos factos e conhecimento do decurso das coisas ou como naturalmente acontecem; do conhecimento do homem médio e da sociedade em que se insere (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, p. 215).

É um meio a que o juiz recorre para apreciar os factos que não são objecto de prova directa ou cuja presunção não se encontra legalmente prevista, de forma a formular a sua convicção.

Este tipo de presunções são analisadas e formuladas tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, como se encontra previsto do artigo 351.º do Código Civil, e são permitidas nos casos em que é admissível a prova testemunhal (cfr. Vaz Serra, in Provas: Direito Probatório Material, p. 125).

Em face do exposto, do que ouvimos e constatamos, não há, pois, motivo para concluir que, no julgamento da questão de facto, nos pontos impugnados, a Sra. Juíza de Direito tenha incorrido num error in iudicando por erro na valoração das provas ou por nessa apreciação ter violado regras da ciência, da lógica ou da experiência, pelo que é de manter, tanto mais que o A. não aponta, em concreto, de forma precisa, porque razão o tribunal a quo devia ter decidido de outra forma.

Aliás, contrariamente ao que é referido pelo A., e tal como consta da factualidade vertida no ponto 22, dos factos dados como provados, a situação encontra-se aí explicada, ou seja, que o prédio do A. foi a este adquirido pelo F. A., figurando a escritura de justificação e de compra e venda como forma de formalizar a situação no seu todo, por forma a abranger toda a área que resultava já da junção dos demais prédios entretanto adquiridos pelo dito F. A. e esposa.

Foi, assim, esta a explicação para essa situação resultante da conjugação lógica e plausível de toda a prova, que exclui a ambiguidade e contradição entre a factualidade constante das descritas alíneas 15), 16) e 22), dos factos dados como provados.

Já quanto à violação ao caso julgado ao Acórdão de fls. 344 a 368, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 619 e 620.º do Cód. Proc. Civil, há que ter em conta que a excepção de caso julgado não se confunde com autoridade do caso julgado, respeitante à determinação dos seus limites e eficácia, na medida em que passa pela interpretação do conteúdo da decisão (despacho, sentença ou acórdão), nomeadamente quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado, tal como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/01/2015, in Revista n.º 227/12.2TBSAT.C1.S1 – 1ª Secção.

Desta forma se evita a incoerência dos julgamentos, em homenagem ao prestígio da justiça, princípio da estabilidade e certeza das relações jurídicas, além de importar evidente economia processual.

Enquanto a excepção do caso julgado constitui a sua vertente negativa, obstando a que se discuta no processo o que já foi antes decidido, a autoridade do caso julgado encerra a vertente positiva, determinando que no segundo processo se acate o que foi decidido no primeiro.

Esta distinção é formal porquanto, quer perante a primeira das vertentes, quer perante a segunda, tem lugar obstáculo a que no segundo processo se discuta a solução da questão, em ambos se impondo antes o acolhimento do que foi decidido anteriormente, sendo de acentuar que "como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto ou de direito) o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos.

Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão" – Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lisboa, 1997, págs. 578 e 579.

Ora, como se começou por dizer, o tribunal a quo deu cumprimento ao determinado por este tribunal, sem que daí tivesse resultado qualquer outra decisão susceptível de se impor ao tribunal da 1.ª instância, pelo que, por essa básica razão, decaí o recorrente quanto à alegada existência de caso julgado.

Por outro lado, o facto dos RR. terem alegado nos arts. 6° a 12.º do articulado de contestação, que os seus antecessores, F. A. e A. B., adquiriram de forma verbal o prédio rústico do Autor (artigo ....°) no ano de 1994, e só se ter logrado provar que tal ocorreu, pelo menos, no ano de 2004, não constitui qualquer alteração à factualidade alegada, mas, tão só, que a prova não permitiu concluir ter-se verificado o acto exactamente naquele preciso ano, apenas ocorrendo a garantia de que, pelo menos, em 20014 foi.

Já quanto ao facto da matéria vertida nos pontos 16) e 17), ser conclusiva, reafirma-se aqui a mesma posição já explanada no acórdão anteriormente proferido, com base nos mesmos argumentos.

Pois, in casu, o que aí se deu como provado foi a aquisição verbal da parcela de terreno do A. pelo F. A., por um determinado preço, consubstanciada no tempo, sem que quanto ao seu concreto teor, aponte o recorrente qual o conceito, expressão ou referência aí plasmados que encerre em si qualquer matéria de direito ou mesmo um juízo de valor, especificando concretamente qual o conceito de direito ou juízo susceptível de integrar o vício que aponta e que se entende não se verificar.

Por último, importa considerar a questão de saber se os RR. acederam na posse dos seus antecessores, por o imóvel ter advindo a estes por via de acordo verbal e não através de escritura pública e, assim, se encontrar ferido de nulidade tal contrato, o que lhes confere uma posse não titulada (art. 1259º, nº 1, do CC).

Em causa está a interpretação e aplicação do instituto da acessão da posse, previsto no artigo 1256.º do Código Civil, que refere o seguinte:

n.º 1 - Aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor.
n.º 2 - Se, porém, a posse do antecessor for de natureza diferente da posse do sucessor, a acessão só se dará dentro dos limites daquela que tem menor âmbito.

A acessão é, assim, a faculdade de, designadamente para efeitos de usucapião, o possuidor juntar à sua posse a do seu antecessor (art. 1256º nº 1 do CC). Trata-se de duas posses, a anterior e a posterior, que a lei permite ao novo possuidor, se quiser, somar.

No seu trabalho de referência nesta matéria, o Dr. Abílio Vassalo de Abreu, in ROA (Outubro/Dezembro 2012), pág. 1247-1322, refere que a acessão da posse, “é[É] o instituto pelo qual o possuidor pode juntar ao lapso de tempo da sua posse o da posse do seu antecessor, desde que ambas as posses estejam ligadas entre si por um nexo de aquisição derivada diverso da sucessão por morte, para efeitos, nomeadamente, de usucapião”, visando facilitar a aquisição do direito de propriedade e de outros direitos reais de gozo por usucapião, nos termos previstos nos art.ºs 1287.º e seguintes do CC.

Com efeito, por meio da acessão, o possuidor deixa de ficar limitado ao seu tempo de posse, podendo juntar à sua – quer dizer, ao seu tempo de posse – a posse do seu antecessor.

Na verdade, só a posse pública – a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados (art.º 1262.º CC), e pacífica – a que foi adquirida sem violência (artº 1261.º CC) - é susceptível de conduzir à usucapião. A lei, no entanto, não exige para o efeito que ela seja titulada, isto é, fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico (art.º 1259.º, n.º 1, CC); se o não for, a usucapião poderá ainda ter lugar, desde que se verifiquem os dois indicados requisitos (cfr, para os imóveis, o art.º 1296.º); a existência ou não de título da posse, bem como de boa ou má fé, influenciam apenas o prazo da usucapião, mas não impedem a sua verificação.

Deste modo, visando o instituto da acessão, como se disse, facilitar o funcionamento da usucapião, não parece que faça sentido exigir para ela mais requisitos do que os colocados à própria usucapião, retirando-lhe assim em larga medida alcance e utilidade prática. Essencial e absolutamente indispensável é tão somente que haja transmissão da posse – por tradição ou por constituto possessório (art.º 1263.º, b) e c), do CC) – já que, como afirma o Prof. Menezes Cordeiro, “em parte alguma a lei portuguesa exige, para a transmissão da posse, títulos, negócios ou “vínculos” válidos” –cfr. neste mesmo sentido José Alberto Vieira, Direitos Reais, pág.414 e sgs, Coimbra Editora (2008); Paulo Soares do Nascimento, anotação ao acórdão do STJ de 22.11.05, Proc. 3304/05, em CDP n.º 21, Janeiro/Março 2008, pág. 41 e sgs ; Abílio Vassalo de Abreu, A necessidade de Uma Mudança Jurisprudencial em Matéria de Acessão da Posse, ROA (Outubro/Dezembro 2012), pág. 1247-1322.

Assim, se a posse for adquirida através da entrega ou tradição real e houver inobservância de uma forma ad substantiam apenas sucede que essa posse não é titulada (cfr. o art.º 1259.º, n.º 1) e, logo, presumida “iuris tantum”) de má fé (cfr. artº 1260.º, nº 2). Donde flui, tão só, que se quiser beneficiar da acessão, a posse valerá como não titulada (e, logo, presumida de má fé), cumprindo-se, assim, o requisito do “menor âmbito” (cfr. o art.º 1256.º, n.º 2). É o que a nossa lei exige – e não mais nem menos do que isso (cfr. Abílio Vassalo de Abreu, Uma relectio sobre a acessão da posse (art.º 1256.º do CC), nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, Volume II, Coimbra Editora, 2007, pág. 187).

Neste sentido também a jurisprudência vem progressivamente adoptando, nos anos mais recentes, idêntica posição, merecendo destaque, por último, o acórdão do STJ de 2/12/14 (Proc.º 94/07.8TBSCD.C1.S1).

Acresce que, nos termos do art. 1260.º, do Código Civil, a posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem (n.º 1), presumindo-se de boa fé a que é titulada e, de má fé, quando não é titulada (n.º 2).

Assim, pese embora a posse dos antecessores dos RR. não seja titulada, por na sua base estar um negócio formalmente inválido, todavia é uma posse de boa-fé, pelo que se tem de considerar ilidida a presunção de que a posse não titulada é de má-fé pelo facto de a terem adquirido de quem era o dono da fracção e ao adquiri-la não se ter provado que lesavam direitos de outrem.

Como tal, em face do exposto, provados os factos concretos que permitem concluir que a posse exercida, somada à de quem lha transmitiu, foi boa para usucapião (isto é, pública e pacífica) e exercida durante o tempo legalmente exigido para o efeito, é de manter o decidido, tanto mais que os réus têm na origem da sua posse um acto válido de aquisição – a venda judicial -, pelo que nada impede que possam beneficiar da acessão da posse.
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IV-Decisão

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, consequentemente, a decisão recorrida
Custas pelo recorrente.
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TRG, 17.1.2019
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida