Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1464/16.6T8BCL-E.G1
Relator: MARIA JOÃO MARQUES PINTO DE MATOS
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
PRAZO JUDICIAL PARA A DEDUÇÃO DE EMBARGOS
SUSPENSÃO DO PRAZO DURANTE FÉRIAS JUDICIAIS
CADUCIDADE DOS EMBARGOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. O prazo de 30 dias previsto no art. 344º, nº 2 do C.P.C. (para a dedução de embargos de terceiro) suspende-se durante as férias judiciais, nos termos do art. 138º, nº 1 e nº 4 do C.P.C., não consubstanciando os mesmos qualquer processo urgente, ainda que deduzidos por apenso a uma providência cautelar.

II. O tribunal perante o qual sejam deduzidos deve pronunciar-se oficiosamente sobre a caducidade do exercício do direito de embargar, desde que da petição inicial constem os factos que demonstrem de forma inequívoca em que data o embargante teve conhecimento da diligência ofensiva da sua posse ou do seu direito, e sobre a essa data já tenham decorridos 30 dias (reportados àquele em que a acção entrou em juízo).

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA e marido, BB, residentes na Rua de Santa Catarina, 159, freguesia de Carapeços, deduziram os presentes embargos de terceiro (por apenso a uma providência cautelar de arrolamento, ela própria apenso de uma acção especial de divórcio), contra CC, residente na Travessa, Silva, pedindo que
· fossem recebidos os embargos, e decretado o levantamento do arrolamento do recheio da sua casa de morada.

Alegaram para o efeito, em síntese, que encontrando-se o Embargado em processo de divórcio com X, filha deles próprios, promoveu o arrolamento do recheio da casa sita na Rua Santa, onde aquele casal chegou a viver.
Mais alegaram que o mesmo o fez por expressa permissão sua, já que o imóvel lhes pertence, estando registado em seu nome, e onerado com duas hipotecas, garantindo um empréstimo que em parte se destinou a mobilá-lo, pelo que também o respectivo recheio seria de sua exclusiva propriedade.
Alegram, por fim, que o prédio em causa é, e sempre foi, sua morada, vivendo com a Filha no mesmo, só por má fé tendo o Embargado alegado que era a sua própria casa de morada de família.

1.1.2. A Secretaria abriu conclusão, com a informação de «que me suscitam dúvidas sobe se os presentes embargos foram ou não deduzidos atempadamente, uma vez que o auto de arrolamento foi elaborado e notificado à requerida em 12-12-2016».

1.1.3. Foi então proferido despacho, rejeitando liminarmente os embargos de terceiro deduzidos, por alegada intempestividade, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
De harmonia com o disposto no art. 344º, n.º 2, do Código de Processo Civil, os embargos de terceiro devem ser deduzidos no prazo de 30 dias, contados desde a data da realização da apreensão que se pretende atacar ou da data em que o embargante teve conhecimento dessa apreensão.
Mas, tratando-se de um prazo judicial, e sendo os embargos terceiro deduzidos por apenso aos autos de providência cautelar (sendo por isso naturalmente urgentes nos termos previstos nos arts. 344º, nº 1 e 363º, nº 1 do Código de Processo Civil), o mesmo não se suspende durante as férias judiciais, nos termos previstos no art. 138º, nº 1 do mesmo diploma.
No caso em apreço, verificando que o arrolamento em questão foi realizado no dia 12 de Dezembro de 2016 e que os embargos foram intentados no dia 18 de Janeiro de 2017, verifica-se que os 30 dias para a sua apresentação eram artingidos a 11/01/2017 e que o 3º dia útil subsequente correspondia ao dia 16/01/2017.
Acresce dizer que, os embargantes não alegaram qualquer conhecimento posterior como podiam. Repare-se que até referem no seu articulado residir na habitação onde de resto reside a filha, pessoa que assinou o auto de arrolamento junto aos autos principais.
Ora, tendo os presentes embargos sido instaurados no dia 18 de Janeiro de 2017 concluímos que o foram já depois de decorrido o prazo de 30 dias e decorridos os três dias úteis subsequentes nos termos previsto nos arts. 138º, nº 1, 139º, nº 5, 363º, nº 1 e 344º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, por serem intempestivos, rejeito os presentes embargos de terceiro. Custas pelos embargantes sem prejuízo do apoio judiciário de que possam vir a beneficiar.
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1.2. Recurso (fundamentos)
Foi precisamente inconformados com esta decisão, que os Embargantes interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que lhe fosse dado provimento, revogando-se o despacho recorrido (e ordenando o prosseguimento dos autos).

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (sintetizadas, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais):

1ª - Sendo o prazo de dedução de embargos de terceiro de natureza processual, a sua contagem suspende-se nas férias judiciais (pelo que os deduzidos o foram tempestivamente).

3 - Nos termos do disposto no artº 344º nº2 do C. P. C., o prazo para dedução de embargos é de 30 dias, a contar do acto ou da data em que os embargantes tiveram conhecimento do mesmo.

4 - Aquele prazo de 30 dias é um prazo processual, por força do disposto no artº 138º do C. P. C..

5 - E por força do disposto no nº 4 daquele dispositivo, suspende-se em férias.

8 - Mesmo que o prazo se contasse a partir da data do arrolamento -12/12/2016- os 30 dias só ocorreriam a 24 de Janeiro de 2017, quase una semana depois da sua instauração.

9 - Pois, como se disse, aquele prazo não corre em férias.

2ª - Tratando-se de um prazo de caducidade, não é de conhecimento oficioso (não podendo o Tribunal a quo ter rejeitado os embargos com base em alegada intempestividade).

6 - Além disso, é um prazo de caducidade, que não é do conhecimento oficioso.

7 - O embargado é que teria que invocar e provar que os embargantes tiveram conhecimento do arrolamento, há mais de 30 dias, relativamente à data da dedução dos embargos.

3ª - Os embargos de terceiro não são um processo urgente, consubstanciando uma acção declarativa autónoma.

10 - Tanto mais que os embargos de terceiro não são um processo urgente. São um processo declarativo autónomo, embora apenso ao processo principal - acção de divórcio -, que também não é um processo urgente.

11 - Urgente é o arrolamento. Se a requerida, no arrolamento, deduzisse oposição ou recorresse do despacho que o ordenou, teria que levar em linha de conta que o prazo não se suspendia em férias. Agora, os embargantes, não. Os embargos de terceiro não são um processo urgente.
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1.3. Recurso (contra-alegações)
Não foram apresentadas contra-alegações
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, 02 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

1ª - O prazo de dedução dos embargos de terceiro suspende-se, ou não, nas férias judiciais?

2ª - Pode o juiz conhecer oficiosamente da intempestividade dos embargos de terceiro deduzidos ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com interesse para a apreciação das questões enunciadas, encontram-se assentes nos autos os factos elencados em «I - RELATÓRIO» (relativos ao seu processamento), que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Embargos de Terceiro - Prazo de dedução
4.1.1. Natureza (dos embargos de terceiro)
Lê-se no art. 342º, nº 1 do C.P.C. que se «a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro».
Logo, «para além da situação de facto juridicamente tutelada em que a posse se traduz, pode actualmente defender-se, através de embargos de terceiro, o direito de propriedade sobre coisas que foram indevidamente atingidas pela diligência judicial.
E para além do direito de propriedade plena, pode o terceiro defender, através de embargos, os seus direitos menores de gozo, por exemplo, o direito de usufruto ou o direito de nua propriedade que indevidamente tenha sido atingido pelo acto de penhora, como acontecerá se o executado só era radicário ou usufrutuário em relação à coisa penhorada» (Salvador da Costa, Os Incidentes Da Instância, 5ª edição, Almedina, Setembro de 2008, p. 208, com bold apócrifo).
O que seja, então, «direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência», será apurado em função da finalidade desta, aqui se compreendo a acção executiva, o procedimento cautelar de arresto, ou o procedimento cautelar de arrolamento.

Mais se lê, no nº 1 do art. 344º, nº 1 do C.P.C., que os «embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado ato ofensivo do direito do embargante».
Lê-se ainda, no art. 348º, nº 1 do C.P.C., que, recebidos «os embargos, as partes primitivas são notificadas para contestar, seguindo-se os termos do processo comum».
Dir-se-á, assim, que a «estrutura dos embargos de terceiro é essencialmente caracterizada, não tanto pela particularidade de se consubstanciarem numa acção declarativa que corre por apenso à acção ou ao procedimento de tipo executivo, com a especificidade de inserirem uma sub-fase introdutória de apreciação sumária da sua viabilidade, mas, sobretudo, por a pretensão do embargante se inserir num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de algum acto judicial de afectação ilegal de um direito patrimonial do embargante.
Apesar de regulados em sede de incidente da instância, configuram-se como uma verdadeira acção declarativa, autónoma e especial, conexa com determinado procedimento do tipo executivo» (Salvador da Costa, Os Incidentes Da Instância, 5ª edição, Almedina, Setembro de 2008, p. 201, com bold apócrifo. No mesmo sentido, José Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código de Processos Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra Editora, Fevereiro de 2014, p. 341).
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4.1.2. Prazo (de dedução) - Modo de contagem
Lê-se no art. 344º, nº 2 do C.P.C. que o «embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas».
Na contagem deste prazo de «30 dias» importa atender ao disposto no art. 138º do C.P.C.: o «prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração foi igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes» (nº 1); os «prazos para a propositura de acções previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores» (nº 4).
Foi-se sensível, nesta última disposição, à «crítica dirigida por LEBRE DE FREITAS ao proposto no nº 3 do Projecto de Revisão (“os prazos de propositura de acções e de interposição de recursos extraordinários correm em férias”), com base na possível ignorância da parte quanto ao decurso do prazo em férias, que poderia, quando ele terminasse antes de reabertos os tribunais, fazer caducar desculpavelmente o direito de propor a acção ou instruir o recurso» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 267).
Compreende-se, por isso, que se afirme que o «referido prazo, de caducidade, é de direito substantivo, mas é contado, por força do disposto no nº 4 do artigo 144º [do anterior C.P.C., hoje art. 138º, nº 4 do actual diploma] nos termos dos nºs 1 a 3 do mesmo artigo».
Com efeito, embora o nº 4 do artigo 144º se refira a ações, e os embargos de terceiro sejam legalmente configurados como incidente de oposição, o certo é que, conforme resulta do disposto no artigo 357º, têm a estrutura de uma acção e, por isso, também lhes é aplicável o disposto nos artigos 145º, nºs 5 a 8 e 146º» (Salvador da Costa, Os Incidentes Da Instância, 5ª edição, Almedina, Setembro de 2008, p. 224, por referência aos preceitos do C.P.C. então em vigor, mas que se mantêm inalterados - no seu conteúdo - no actual).
Logo, o prazo de 30 dias «suspende-se durante as férias» (José Duarte Pinheiro, Fase Introdutória dos Embargos de Terceiro, Almedina, Coimbra, 1992, p. 53. No mesmo sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 266. Na jurisprudência, Ac. da RE, de 11.06.2015, Alexandra Moura Santos, Processo nº 5809/13.2TBSTB-A.E1, com referência a outros conformes acórdãos, in www.dgsi.pt, como todos os demais sem indicação de origem).

Por fim, lê-se no art. 345º do C.P.C. que sendo «apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante».
Face à clara redacção deste preceito, «a petição inicial de embargos de terceiro deve ser liminarmente indeferida se não for apresentada em tempo, pelo que a excepção da caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso se os factos respectivos resultarem da petição inicial, configurando-se, assim, neste procedimento, mais uma excepção às regras constante do nº 2 do artigo 333º do Código Civil».
Contudo, tendo «em conta o disposto no artigo 342º, nº 2 do Código Civil, é ao embargado que incumbe o ónus de alegação e de prova da extemporaneidade dos embargos; e, não se provando a data do conhecimento do facto lesivo, devem considerar-se tempestivamente instaurados.
Assim, se apenas se verificar a extemporaneidade dos embargos de terceiro face à data do acto de penhora, ainda que o embargante não tenha alegado a data em que dela teve conhecimento, não pode o juiz rejeitá-los liminarmente, isto é, não pode conhecer oficiosamente da excepção peremptória em causa antes de sobre isso ser exercido o contraditório, porque o ónus de demonstrar a efectiva extemporaneidade recai sobre o embargado» (Salvador da Costa, Os Incidentes Da Instância, 5ª edição, Almedina, Setembro de 2008, p. 201, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, A acção executiva singular, Lex, Lisboa, 1998, p. 314, e José Maria Gonçalves Sampaio, A acção executiva e a problemática das execuções injustas, Almedina, Coimbra, 2008, p. 291. Contudo, discordando parcialmente, por entender que na fase introdutória dos embargos de terceiro cabe ao embargante o ónus de alegação da tempestividade dos embargos deduzidos, ao contrário do que sucederá na subsequente fase contraditória, em que caberá ao embargado o ónus de alegar e provar que o prazo foi excedido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 669. A jurisprudência dominante sufraga, porém, aquela outra posição, dela sendo exemplo o Ac. da RL, de 26.11.2009, Ilídio Sacarrão Martins, Processo nº 11372-F/1993.L1-8).
À mesma conclusão se chegará face ao disposto no art. 343º, nº 2 do C.C., segundo o qual nas «acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei».
Ora, não havendo aqui «outra solução especialmente consignada na lei», «deve ser o embargado a provar que o embargante entregou a petição conhecendo» a diligência ou tendo conhecimento da ofensa há mais de 30 dias, e não «ao autor demonstrar que, quanto a acção deu entrada», conhecia tais factos há menos de trinta dias (José Duarte Pinheiro, Fase Introdutória dos Embargos de Terceiro, Almedina, Coimbra, 1992, p. 53).
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4.2. Subsunção ao caso concreto
4.2.1. Concretizando, verifica-se que, tendo sido promovida uma providência cautelar de arrolamento, por apenso a uma acção e divórcio, sobre o recheio da casa de morada dos Embargantes, vieram os mesmos alegar serem proprietários exclusivos quer do imóvel, quer dos bens que o mobiliam e equipam.
Ora, e necessariamente, este direito de propriedade é incompatível com a realização daquele arrolamento, autorizando-os por isso a deduzirem os presentes embargos de terceiro (como forma de defenderem o dito direito, sem o necessário - e demorado - recurso à acção de reivindicação).
Mais se verifica que, tendo o dito arrolamento sido elaborado e notificado à Filha dos Embargantes em 12 de Dezembro de 2016, os embargos de terceiro viriam a ser interpostos em juízo no dia 18 de Janeiro de 2017.
Ora, dispondo os Embargantes de 30 dias para o efeito, contados ou da realização da diligência, ou do seu conhecimento, verifica-se que nada alegaram na petição inicial sobre o momento em que ocorreu este último, apenas ali referindo viver a Filha com eles, na precisa casa onde os móveis e equipamentos foram arrolados.
Contudo, estando aqui em causa um prazo previsto no C.P.C. para a propositura de uma acção (como tal se devendo entender o incidente em causa, atenta a respectiva natureza, tal como explicitada supra), o referido prazo suspendeu-se entre 22 de Dezembro de 2016 e 03 de Janeiro de 2017, inclusive, período correspondente às férias judiciais de natal.
Logo, quando em 18 de Janeiro de 2017 a petição inicial de embargos deu entrada em juízo, ainda se encontrava a decorrer o prazo de que os Embargante dispunham para o efeito.

Contra este entendimento não se diga que, sendo os embargos de terceiro em causa apensos a um arrolamento - providência cautelar - comungariam do seu carácter urgente (consagrado no art. 363º do C.P.C.).
Com efeito: só são urgentes os processos que a lei qualifica expressamente como tais; os embargos de terceiro consubstanciam verdadeira acção declarativa, autónoma e especial, e não um mero incidente contaminável pela natureza do processo onde se realizou a diligência a que reagem; e nem mesmo a «propositura da ação de que depende o procedimento cautelar (art. 373-1-a) ou sem a qual os seus efeitos se tornam definitivos (art. 371-1)» «é um ato urgente», pelo que «não pode ter lugar durante as férias judiciais» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 264, citando ainda conforme jurisprudência. Contudo, em sentido contrário, defendendo que «a urgência do incidente de intervenção de terceiros é aferida em função do processo a que respeita», pelo que «se este, por lei, for considerado urgente, urgentes são igualmente os meios de oposição que a lei consente que nele se insiram», veja-se o Ac. da RL, de 14.06.2008, Salazar Casanova, Processo nº 5225/2008-8).
Reafirma-se, por isso, terem os embargos de terceiro em causa sido deduzidos no prazo legal previsto para o efeito.
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4.2.2. Dir-se-á ainda que, ao contrário de defendido nos autos pelos Embargantes, o Tribunal a quo podia conhecer oficiosamente da caducidade dos embargos de terceiro deduzidos, desde que a mesma resultasse de forma suficiente da sua petição inicial, incluindo os documentos que a instruíram.
Assim, tendo aquele Tribunal a quo considerado que o prazo de 30 dias para a dedução dos embargos não se suspendia em férias, e mostrando-se desse modo o mesmo já integralmente decorrido, não só podia, como devia, declará-lo, rejeitando-os, por intempestivos.

Admite-se que de outro modo se poderia decidir, caso se sufragasse o seu entendimento (de que o dito prazo não se suspendera nas férias judiciais, por comungar da natureza urgente do procedimento cautelar de que os embargos de terceiro são apenso).
Com efeito, não tendo qualquer um dos Embargantes assinado o auto de arrolamento, não existindo notícia nos autos de que lhes tivesse sido notificado, e não alegando aqueles em que data o conheceram, não se poderia ficcionar a mesma (pese embora os Embargantes hajam reconhecido que viviam na casa cujo recheio foi arrolado, e com a Filha que assinou o auto de arrolamento, o que porém não impediria que dela se encontrassem temporariamente ausentes, e que a Filha tivesse decidido omitir-lhes a comunicação de tal acto).
Ora, para «que o tribunal se possa pronunciar oficiosamente sobre a caducidade do exercício do direito, têm de constar da petição factos que demonstrem de forma inequívoca em que data teve o embargante conhecimento da diligência ofensiva da sua posse ou do direito, ou factos de que se constate, também de forma inequívoca, que o embargante teve conhecimento da penhora ou da diligência ofensiva há mais de 30 dias relativamente à data em que a acção entrou em juízo.
Na falta desse carácter inequívoco, deverá receber os embargos, cabendo então ao embargado o ónus de invocar a caducidade da respectiva interposição» (Ac. da RL, de 14.05.2015, Teresa Albuquerque, Processo nº 18365/10.4YYLSB-B.L1-2).

Contudo, tendo-se previamente decidido pela suspensão, em férias judiciais de natal, do dito prazo, mostra-se a decisão desta segunda questão destituída aqui de efeito prático (já que, mesmo que os Embargantes tivessem tido conhecimento do arrolamento a que reagem na data da respectiva realização, quando instauraram em juízo os presentes embargos ainda não tinham decorrido trinta dias desde tais factos)
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Mostra-se, assim, totalmente fundado o recurso de apelação interposto, devendo ser revogado o despacho proferido pelo Tribunal a quo - que rejeitou os presentes embargos de terceiro, por alegada intempestividade -, sendo substituído por outro, que os receba e ordene o subsequente e conforme processamento dos autos.
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V- DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Terceiros Embargantes (Maria Amélia da Silva Rodrigues e marido, André Neco da Cunha) e, em consequência:
· revogam o despacho proferido pelo Tribunal a quo, rejeitando os embargos de terceiro por alegada intempestividade, devendo ser substituído por outro, a recebê-los, e a ordenar o subsequente e conforme processamento dos autos.
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Custas pelos Embargantes (art. 527º, nº 1 do C.P.C.).
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Guimarães, 16 de Fevereiro 2017.


(Relatora Maria João Marques Pinto de Matos)


(1ª Adjunta Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente)


(2º Adjunto Heitor Pereira Carvalho Gonçalves)