Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1292/12.8TBPTL.G2
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: BALDIOS
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OCUPAÇÃO ABUSIVA
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

1. Pedindo o Conselho Directivo de um Baldio a condenação da ré sociedade a pagar aos respectivos Compartes uma indemnização em dinheiro, correspondente ao valor da renda, por “prejuízos sofridos e a sofrer” pela ocupação de duas parcelas que esta vem fazendo, uma que fora objecto de contrato de arrendamento nulo e outra sem qualquer título, alegando que esta impossibilita aqueles de fruírem e disporem, como faziam, da parcela (para apascentar gado, produzir e cortar matos, lenhas e madeiras, auferindo da distribuição do produto da venda desta), fundamentando-se na tese de que, mesmo não se provando um prejuízo concreto e efectivo nem a utilização ou destino que lhes seria dado, e invocando jurisprudência de que aquela configura uma situação de ingerência ou de intromissão nos bens jurídicos alheios que tanto pode dar lugar a um crédito baseado na responsabilidade civil extracontratual nos termos do artº 483º CC, como no enriquecimento sem causa, de acordo com o artº 473º, a sentença que condenou “a pagar … a quantia que se vier a apurar em posterior incidente de liquidação, correspondente ao valor locativo” com fundamento, apesar de considerar não provado dano integrador dos pressupostos da responsabilidade civil, em que a privação do uso gera enriquecimento sem causa e obrigação de restituir o correspondente valor de tal aproveitamento económico, não é nula por excesso de pronúncia nem por condenação ultra petitum.

2. Com efeito, a realidade tomada em conta, para tal, não se aparta daquela que foi retratada na petição para fundamentar o efeito prático-jurídico visado, muito menos configura outra individualmente considerável, mormente por referência ao estatuído no quadro normativo convocável para solucionar o respectivo litígio.

3. Apesar de terem decorrido mais de treze anos desde que o contrato foi celebrado até à propositura da acção (mais de oito, enquanto a administração do Baldio era exercida pela Junta de Freguesia); de concomitantemente esta ter autorizado a locatária a vedar o terreno; de o contrato escrito ter sido elaborado pelos seus próprios serviços; de ela se ter conformado com a forma documental adoptada; de ter recebido o valor das rendas correspondentes ao período dos primeiros seis anos; de não ter reagido à falta de qualquer pagamento até terem cessado os seus poderes de administração e comunicado que, por isso, cessava o contrato; de não questionar a validade formal daquele e, pelo contrário, quer aquela quer o Conselho Directivo que lhe sucedeu na administração terem tolerado a manutenção pela ré de instalações e actividade comercial próprias no terreno locado diversas das previstas no acordo (estaleiro, depósito, fossa, contentor, veículos, equipamentos e outros utensílios, instalação de água e luz, asfaltamento de piso em betão), não se verifica abuso de direito na invocação, nesta acção, da nulidade do arrendamento por vício formal na modalidade de venire contra factum proprium, uma vez que deve, por princípio prevalecer a inalegabilidade do vício e não se demonstra ter havido má-fé por parte do Conselho Directivo e contradição com o seu comportamento anterior, nem que aquela e este tenham gerado, sem conhecimento e culpa da ré (que deixou de pagar as rendas a partir de 2006), a confiança com que esta se determinou naquelas circunstâncias e, portanto, que a declaração de nulidade constitua uma situação limite de clamorosa injustiça justificativa da prevalência do negócio nulo.

4. A obrigação de “desocupar e restituir” as duas parcelas “livres de pessoas e coisas” não consubstancia prestação de facto infungível.

5. Dada a especial natureza, função, destino e titularidade do terreno baldio e tendo em conta que a parcela de terreno foi cedida para depósito de madeiras e apenas nele autorizada a colocação de uma vedação, a instalação, pela sociedade ré, nesse local, de água e luz, do depósito de combustível, da fossa de lubrificação e a colocação de betão (cujos custos ascenderam ao valor de 7.100€ ora pretendido), não se compreendam no conceito de despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa nem que, mesmo a assim serem consideradas, elas tenham tido por fim evitar a perda, destruição ou deterioração dela ou, não sendo indispensáveis à sua conservação, lhe tenham aumentado o valor, muito menos sirvam para recreio da benfeitorizante, assim não se tratando de benfeitorias necessárias nem de benfeitorias úteis a preservar e pelas quais o autor deva indemnizar a ré.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

O autor CONSELHO DIRECTIVO DOS BALDIOS (…), em representação do Universo de Compartes dos Baldios dessa Freguesia – concelho de (…) –, intentou, em 06-12-2012, no respectivo Tribunal Judicial, a presente acção declarativa de condenação contra a ré sociedade (…) MADEIRAS (…) LDA.

Peticionou:

A título principal:

a) que se declare que as [duas] parcelas de terreno referidas nos artigos 3º, 15º e 28º [1] da petição inicial são baldio da freguesia de (…);
b) que se condene a ré a reconhecer essa natureza das parcelas e o domínio das mesmas pelos representados do autor;
c) que se declare nulo, por falta de forma, o contrato de arrendamento junto aos autos e referido nos artigos 14º e 15º da petição inicial.

E a título subsidiário:

d) que se declare a caducidade do referido contrato de arrendamento no termo da única renovação nele prevista;

Ainda subsidiariamente,

e) que se declare que o referido contrato de arrendamento foi devidamente denunciado para o termo da sua única renovação nele prevista;

Ainda subsidiariamente,

f) que se declare a resolução do referido contrato de arrendamento.

Pediu, ainda, em qualquer dos casos:

g) que se declarem nulos todos os actos de apropriação da ré sobre as parcelas de baldio identificadas nos artigos 15º e 28º da petição inicial;
h) que se condene a ré a restituir as referidas parcelas aos moradores da Freguesia de (..) e Compartes do citado baldio, devendo as mesmas ser restituídas completamente livres de pessoas e bens, sejam de que natureza forem;
i) que se condene a ré a abster-se da prática de quaisquer actos que impeçam ou turbem os direitos dos compartes dos baldios da freguesia de (…) sobre os baldios da freguesia, nomeadamente com a apropriação ou ocupação de qualquer parcela de baldio;
j) que se condene a ré a pagar aos moradores da Freguesia de (…) e Compartes do citado baldio a indemnização de € 2.500,00, acrescida de juros à taxa legal em vigor de 4% a contar da citação até efectivo pagamento;
k) que se condene a ré a pagar aos moradores da Freguesia (…) e Compartes do citado baldio a indemnização que vier a liquidar-se em incidente de liquidação pelos prejuízos sofridos e a sofrer a partir da data de instauração da presente acção;
l) que se fixe uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 50,00 ou outro julgado conveniente a pagar pela ré ao autor por cada dia de atraso na restituição das referidas parcelas, completamente livres de pessoas e bens, seja de que natureza for, contados da notificação à ré da sentença que venha a ser proferida;
m) que se condene a ré nas custas e legais acréscimos.

Alegou, na petição, resumindo, que, entre os Baldios da freguesia de (…), existe um, denominado do Monte (…), propriedade comunitária dos respectivos moradores, cuja administração o autor vem exercendo.

Em 01-07-1999, quando tal administração era exercida pela Junta de Freguesia, esta celebrou com a ré um contrato de arrendamento que tinha por objecto uma parcela daquele, com 900m2 de área, nos termos do contrato escrito junto.

Em 07-04-2008, por carta, a referida Junta denunciou o contrato com efeitos a 30-06-2009 (termo do prazo), justificando que, a partir de 14-11-2007, deixara de ter aqueles poderes de administração.

Sucede que a ré, além de ter feito inscrever na Matriz, em 2001, um contentor metálico que integra o estaleiro que montou no terreno, mantém a ocupação da aludida parcela, tal como, a partir de 2007, de uma outra, no mesmo baldio, com 500m2, para o que nunca teve qualquer título.

Uma vez que o arrendamento se destinava a fins comerciais, mas não foi celebrado por escritura pública, ele é formalmente nulo.

Ademais, o contrato caducou, pela referida denúncia, em 30-06-2009.

Acresce que, desde o ano de 2007 (inclusive), a ré não pagou qualquer renda, o que fundamentaria a resolução.

Deve a ré indemnizar a autora pelos danos sofridos, presentes e futuros, resultantes da não restituição e ocupação das duas parcelas (a locada e a outra). (2)

Deve, além disso, pagar, enquanto as não restituir – prestação de facto que entende não poder ser realizada por terceiros e ser infungível –, uma sanção pecuniária compulsória de 50€/dia.

Juntou documentos.

Na sua contestação, a ré aceitou alguns dos factos, impugnou outros (por falsidade ou desconhecimento) e ainda alegou que acordou com a Junta de Freguesia – incumbida da administração da parcela de terreno arrendada e dos baldios – que o contrato de arrendamento seria objecto de renovações sucessivas por novos períodos de 5 anos, tendo sido esta a formalizar o contrato por escrito.

A eventual nulidade é atípica e só invocável pelo arrendatário.

No pressuposto de que o uso do terreno era por mais de 10 ou 15 anos e se renovaria até ao limite legal por períodos de 5 anos, conforme a Junta de Freguesia afirmara garantir, a ré, entre 1999 e 2002, levou a cabo uma série de obras no arrendado (3), com conhecimento e autorização do respectivo Presidente, enquanto esta mantinha a referida administração, ambas as partes tendo considerado que era desnecessário formalizar o acordo.

Foi a Junta quem, a partir de 2007, apesar das tentativas de lha pagar, deixou de aceitar o pagamento da renda, sem justificação (pelo que, à cautela e apesar da mora do credor, as depositou).
É certo que recebeu dela o doc. 21 (carta de denúncia do arrendamento). Porém, à data, já a autarquia não tinha poderes de administração. Tal declaração foi, por isso, ineficaz.
Não há fundamentos para a indemnização nem para a sanção pecuniária compulsória (uma vez que a prestação não é de facto mas de entrega de coisa certa).

Em reconvenção, com fundamento na realização de benfeitorias, pediu a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de €13.300,00, e juros, para cuja garantia invoca ter direito de retenção, a reconhecer.

Também juntou documentos.

O autor respondeu, impugnando a matéria de excepção e da reconvenção.

O pedido reconvencional deduzido pela ré foi admitido, por verificados os respectivos pressupostos processuais.

Foi proferido saneador tabelar e determinado o prosseguimento dos autos, tendo-se seleccionado e elencado os factos já assentes e, com os controvertidos, organizado a base instrutória.

Após reclamação do autor, parcialmente deferida, apreciaram-se os requerimentos probatórios e ordenou-se e realizou-se perícia, de que também houve reclamação e consequentes esclarecimentos complementares escritos.

Realizou-se a audiência de julgamento, nos termos e com as formalidades narradas nas actas respectivas, com prestação de novos esclarecimentos orais pelos peritos e inquirição de várias testemunhas de ambas as partes.

Em subsequente sentença de 16-01-2017, decidiu-se:

“julgar procedentes as exceções de falta de deliberação que o autor devesse obter e de ilegitimidade da ré (..) Madeiras – (…), Lda., e, em consequência, absolver esta da instância (artigos 278º, nº 1, alínea d), 576º, nº 2, 577º, alíneas d) e e), 578º e 608º, nº 1, todos do C.P.C.”

Decisão esta que, por Acórdão desta Relação, datado de 04-05-2017, foi revogada.

Regressados os autos à 1ª Instância, ali foi proferida, em 28-11-2017, nova sentença (fls. 391 a 420), que culminou na seguinte decisão:

“Em face do exposto, o tribunal decide julgar a presente ação procedente e a reconvenção improcedente, e, em consequência:

a) declara que as parcelas de terreno referidas nos factos provados 3. e 21. [4] são baldio da freguesia de (..); [5]
b) declara a nulidade, por falta de forma, do contrato de arrendamento celebrado em 01 de julho de 1999 entre a Junta de Freguesia de (..) e a ré, aludido no facto provado 3., e que tinha como objeto a parcela de terreno baldio aí identificada;
c) condena a ré a desocupar e restituir as referidas parcelas aos moradores da freguesia de (..) e compartes do baldio do Monte (..), livres de pessoas e bens, no prazo de 30 (trinta) dias contados do trânsito em julgado da presente sentença;
d) condena a ré a pagar aos moradores da freguesia de (…) e compartes do baldio do Monte (…) a quantia que se vier a apurar em posterior incidente de liquidação, correspondente ao valor locativo anual das parcelas identificadas nos factos provados 3. e 21., durante os anos de 2007 a 2012, com o limite máximo de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), bem como a quantia que se venha a apurar, nos mesmos moldes, relativamente aos anos de 2012 em diante até cessar a ocupação, quantias essas acrescidas dos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação;
e) condena a ré a pagar aos moradores da freguesia de (...) e compartes do baldio do Monte da(…) a quantia de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de incumprimento do determinado em c);
f) absolve o autor do pedido reconvencional deduzido pela ré. [6]
Custas pela ré - artigo 527º, n.º 1 e 2, do C.P.C.
Registe e notifique.”

A ré sociedade, inconformada, interpôs recurso para esta Relação, alegando e concluindo assim:


1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na parte em que, julgando a acção procedente e a reconvenção improcedente, decidiu:
[…] (7)
2. O Tribunal recorrido fixou uma sanção pecuniária compulsória como complemento de uma obrigação de entrega de coisa certa, quando tal lhe estava expressamente vedado, já que o art. 829.º-A, n.º 1 do Cód. Civil restringe esse instituto jurídico a obrigações de prestação de facto positivo ou negativo de carácter infungível – tal como, de resto, já se havia afirmado no art. 63.º da contestação.
3. Ao fazê-lo, o Tribunal recorrido violou o n.º 1 do art. 829.º-A do Cód. Civil, o que é quanto baste para determinar a procedência do recurso e a revogação do ponto e) do segmento decisório, com a consequente absolvição da Ré do pedido de fixação de sanção pecuniária compulsória.
4. A nulidade do contrato de arrendamento, por vício de forma, é uma nulidade atípica.
5. Num quadro factual como o apurado, a invocação da nulidade acima referida, depois de mais de 10 (dez) anos de aceitação da validade do contrato, é salvo melhor opinião, susceptível de constituir abuso de direito, na modalidade de venirum contra factum proprium – o que expressamente se invoca, nos termos e para os efeitos previstos no art. 334.º do Cód. Civil.
6. Ao decidir como decidiu, julgando procedente a nulidade invocada pelo Autor, o Tribunal recorrido desconsiderou a aplicação ao caso do art. 334.º, n.º 1 do Cód. Civil – disposição que foi violada.
7. Daí que se imponha a revogação da douta decisão recorrida e substituição por douto acórdão que julgue improcedente o pedido de declaração de nulidade do contrato de arrendamento, absolvendo a Ré desse pedido.
8. Face ao art. 118.º, n.º 1 do RAU e ao art. 1054.º, n.º 1 do Cód. Civil (aplicável aos contratos de arrendamento em geral), na redacção em vigor em 2009, não é sustentável que o contrato de arrendamento cessasse, por caducidade, no seu termo, pois o que resulta da lei é precisamente o contrário, ou seja, no silêncio das partes, a renovação do contrato.
9. Tudo quanto se expôs leva a concluir pela falta de fundamento da invocação de uma suposta “caducidade” do contrato de arrendamento, no termo da sua suposta única renovação.
10. A denúncia contratual operada pela Junta de Freguesia, quando despida de poderes de administração do baldio, seria, quando muito, enquadrável no conceito de gestão de negócios, previsto nos artºs. 464.º e seguintes do Cód. Civil.
11. Resulta dos artºs. 471.º e 268.º do Cód. Civil que para a denúncia contratual operada pela Junta de Freguesia de (…) ser válida, ela teria de ser ratificada pelo Autor, sendo certo que tal ratificação estava, nos termos do n.º 2 do art. 268.º do Cód. Civil, sujeita a forma escrita.
12. Não tendo sido alegada qualquer factualidade, relativa a uma suposta ratificação da denúncia do contrato de arrendamento, nem tendo a mesma sido objecto de prova, nem tendo, por fim, qualquer alcance na factualidade provada, terá forçosamente de se concluir que não ocorreu ratificação válida da denúncia contratual operada pela Junta de Freguesia de (…).
13. Daí que, do ponto de vista da Ré, se tenha de concluir que o contrato de arrendamento em questão (que se renovou em 1 de Julho de 2009) não foi validamente denunciado, o que levou à sua renovação, por igual período de 5 (cinco) anos.
14. Com a contestação, a Ré juntou documento comprovativo do pagamento de todas as rendas em dívida, à data de entrada desta acção, acrescidas de indemnização correspondente a 50 % do valor das rendas em dívida – cf. artºs. 54.º a 56.º da contestação.
15. Podia, por isso, beneficiar do regime do art. 1048.º, n.º 1 do Cód. Civil.
16. Todos os fundamentos acima expendidos conduzem a uma única conclusão: a da falta de fundamento para a declaração de nulidade, denúncia ou resolução do contrato de arrendamento que o Autor pretende operar e, por inerência, a manutenção da vigência do mesmo.
17. Mantendo-se o contrato de arrendamento em vigor, terão necessariamente de improceder os pedidos contidos nas als. c) e d) do segmento decisório, com a consequente prolação de douta sentença que absolva a Ré desses pedidos.
18. Neste particular, a decisão recorrida violou as disposições dos artºs. 1031.º, als. a) e b) do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue improcedentes os pedidos de condenação da Ré a desocupar e restituir as parcelas identificada nos autos e, bem assim, o pedido de condenação da Ré no pagamento de quantia correspondente ao valor locativo anual das parcelas identificadas nos factos provados 3 e 21.
19. Resulta da fundamentação da decisão recorrida que o Tribunal condenou a Ré no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.
20. Ao condenar a Ré no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, sem que a invocação de tal instituto conste do pedido ou da causa de pedir, o Tribunal não só condenou ultra petitum como conheceu “de questões de que não podia tomar conhecimento”, por tal lhe ser vedado pelo n.º 1 do art. 5.º do Cód. Proc. Civil.
21. De acordo com o disposto no art. 668.º, n.º 1, als. d) e e) do Cód. Proc. Civil, é nula a sentença quando o Juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento e condene em objecto diverso do pedido.
22. É essa nulidade que expressamente se invoca e cuja procedência deverá determinar a revogação da douta sentença recorrida e sua substituição por douto Acórdão que julgue improcedentes os pedidos indemnizatórios formulados pelo Autor.
23. Os pedidos indemnizatórios formulados pelo Autor assentam no instituto da responsabilidade civil.
24. Sendo assim, a constituição da Ré na obrigação de indemnizar, pela privação do uso, pressupunha a ocorrência de um prejuízo para o proprietário do bem, o qual, por sua vez, no plano processual, teria de ser corporizado na alegação de factos concretos que definissem e delimitassem esse prejuízo.
25. Analisada a factualidade dada como provada, constata-se que inexiste qualquer referência, sequer perfunctória, a um qualquer prejuízo supostamente sofrido pelo Autor, como consequência da privação do uso da parcela de terreno em questão.
26. Inexistindo qualquer prejuízo apurado, no leque dos factos provados, forçosa se torna a conclusão – que se extrai na esteira do acórdão acima transcrito – de que os pedidos indemnizatórios formulados pelo Autor não poderiam deixar de improceder.
27. De tal modo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou, além de outras, as disposições dos artºs. 562.º e 564.º, n.º 1 do Cód. Civil.
28. Deve, pois, revogar-se a douta decisão recorrida, que deverá ser substituída por Douto Acórdão que julgue improcedentes os pedidos de indemnização formulados pelo Autor.
29. Face à factualidade dada como provada e ao teor dos documentos juntos na sessão da audiência de julgamento realizada em 10 de Dezembro de 2015, o pedido reconvencional reunia condições para proceder, ao menos em parte.
30. Assim sendo, a Ré entende que a decisão recorrida violou, além de outras, as disposições dos artºs. 1046.º, n.º 1, 1273.º, n.º 1 e 754.º do Cód. Civil.
31. Deve, pois, ser revogada e substituída por Douto Acórdão que julgue a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência:

a) condene a Reconvinda a pagar à Reconvinte:
a. 1) € 1 500,00, respeitantes ao custo da instalação de água e luz;
b. 2) € 1 800,00, respeitantes ao custo da instalação de um depósito;
c. 3) € 3 8000, correspondentes ao custo da aplicação de betão e instalação de uma fossa, num total de € 7 100,00 (sete mil e cem euros).
b) reconheça à Reconvinte o direito de retenção por ela invocado na reconvenção.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da sentença recorrida e prolação, em sua substituição, de Douto Acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas, com o que se fará Justiça!”.

O autor Conselho Directivo contra-alegou, deduziu pedido de ampliação do recurso e concluiu:

I. Não merece qualquer crítica a douta decisão recorrida no que respeita à sanção pecuniária fixada, uma vez que não está em causa a mera entrega das parcelas, mas antes a entrega delas livres de pessoas e bens, ou seja, sem qualquer ocupação, o que implica necessariamente que, antes de mais, e antes da entrega, tenham de ser removidos das mesmas as madeiras, as lenhas, o contentor, o depósito de combustível, a fossa para a lubrificação de veículos, revestida de piso em betão, bem como as instalações de água e luz, o que se revela, de resto, de particular dificuldade, e o que implica que esteja em causa, antes de mais, uma prestação de facto infungível positivo, seguida da entrega de coisa certa.
II. O contrato referido no ponto 3. do elenco dos factos provados é um contrato de arrendamento para fins comerciais.
III. Por não ter sido reduzido a escritura pública, que era a formalidade exigível à data para os arrendamentos para fins comerciais, o contrato celebrado é nulo.
IV. Não se verifica qualquer abuso de direito na invocação da nulidade do contrato, não apenas porque não foi, sequer, o Autor e ora recorrido que celebrou o contrato, mas antes a Junta de Freguesia, que ao tempo tinha a seu cargo a administração do baldio em causa nos autos, como não teve a mais leve intervenção no mesmo, como também porque não assumiu perante a recorrente qualquer conduta ou postura de vinculação e cumprimento do contrato, nem nunca sequer ele próprio recebeu da mesma quaisquer rendas, nem tentou recebê-las, como, finalmente, o contrato durou os 10 anos nele previstos (e está a parcela ainda por restituir), que era o prazo máximo que à recorrente era legítimo esperar com base nas estipulações contratuais.
V. E também não existe nos autos qualquer matéria de facto donde pudesse resultar que o recorrido agiu com abuso de direito ao invocar a nulidade do contrato de arrendamento, nem sequer a Autora – ora recorrente – alegou o mais leve facto a tal respeito.
VI. Não faz sentido a alegação da recorrente constante do ponto III. das suas alegações, na medida em que o Tribunal, por a considerar prejudicada, não a apreciou, sendo que o recurso ordinário, por definição, se destina a atacar os fundamentos da sentença, visa o reexame da decisão proferida pelo tribunal recorrido, ou seja, é um meio de impugnação e de correção de decisões judiciais.
VII. A douta sentença recorrida fixou os prejuízos dos compartes pela privação de uso de duas parcelas de baldio (uma objecto de contrato nulo e outra de uma ocupação sem o consentimento e contra a vontade do recorrido) e não apenas de uma, sendo que, quanto à matéria de direito, o Tribunal não está limitado pela invocação das partes sendo que, em todo o caso, o recorrido não deixou de invocar o enriquecimento sem causa no seu articulado inicial, conforme resulta da matéria dos itens 95º e 98º da mesma, como ao invocar e remeter para a lição do Ac. Rel. Coimbra de 04.03.2008, onde se decidiu, justamente, haver direito a indemnização em situações como a dos autos com base no enriquecimento sem causa ( item 101º da contestação).
VIII. Aos compartes representados pelo Autor recorrido é devida indemnização, não apenas pela não restituição da parcela de baldio objecto do contrato de arrendamento celebrado pela Junta de Freguesia de (…), como também pela ocupação da parcela de baldio que sem qualquer título a ré recorrente vem fazendo no baldio do Monte da (…), sendo que, no mínimo, a impossibilidade de ocupação pelos compartes das duas parcelas de terreno baldio que a Ré recorrente ocupa ilegítima e abusivamente desde 2007, uma com base num contrato de arrendamento nulo e a outra, com base numa ocupação de facto completamente abusiva, e a consequente impossibilidade de fruição e disposição pelo universo de compartes dos baldios durante o mesmo período, implicam, como implicaram, um prejuízo óbvio, não merecendo qualquer crítica a douta decisão recorrida na parte em que condenou a recorrente a pagar os prejuízos nela referidos.
IX. Não se verificou qualquer condenação ultra petitum, por ter decidido com base no instituto do enriquecimento sem causa que pretensamente não teria sido invocado na p.i., como não é verdade que a sentença tenha conhecido de matéria que não podia conhecer, não apenas porque nas suas decisões o Tribunal não está vinculado à matéria de direito alegada pelas partes, como porque o Autor recorrido invocou, efectivamente, o instituto do enriquecimento sem causa, sendo que a douta sentença se pronunciou sobre o direito à indemnização pelos prejuízos sofridos pelos compartes do baldio – questão que lhe competia conhecer -, sendo irrelevante se o fez com base no instituto do enriquecimento sem causa, se com base em qualquer outro instituto.
X. A indemnização pela privação do uso das duas parcelas ocupadas pela recorrente foi correctamente arbitrada e não merece crítica.
XI. O pedido reconvencional sempre teria de ser julgado totalmente improcedente, em face de se estar perante obras não autorizadas pelo Autor recorrido ou pela Junta de Freguesia de … e constituírem benfeitorias voluptuárias, levadas a efeito exclusivamente para satisfação dos interesses comerciais da recorrente, as quais, de resto, foram feitas em baldio, que se destina, genérica e tipicamente, à florestação, produção e corte de madeiras e de matos, bem como à apascentação de gado, não acrescentam qualquer valor à parcela onde foram implantadas pela recorrente, sendo, pelo contrário, incompatíveis com o uso normal de um baldio, reduzindo-lhe o seu valor e em nada enriquecendo os interesses ou o património dos compartes.

B. AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – ARTIGO 636º/2 DO CPC:

XII. Salvo o devido respeito, verifica-se a nulidade da douta sentença proferida por omissão de pronúncia (artigos 608º/2 e 615º/1/d) do CPC) que se argui subsidiariamente, nos termos do artigo 636º/2 do mesmo diploma, na medida em que a mesma é absolutamente omissa quanto à apreciação da caducidade do contrato de arrendamento, da sua denúncia e da sua resolução, invocadas nos itens 57º a 86º da p.i., em consequência da qual foram deduzidos os pedidos das alíneas D), E) e F) da parte final da petição inicial, sendo que a não entrega da parcela findo o contrato gerava a obrigação de indemnizar por parte da Ré/recorrente, o que igualmente justificou os pedidos formulados na petição inicial a tal respeito e que a que a Mª. Juíza a quo apenas apreciou em função da nulidade do contrato.
XIII. Tais questões eram da maior relevância, como é evidente, para o caso, aliás improvável, mas ainda assim possível, de procedência do recurso interposto e de se vir a entender, contra aquilo que se espera e admite, que o contrato de arrendamento em causa não seria nulo.
XIV. Ao abrigo do disposto no artigo 636º/2 do CPC, invoca-se, a título subsidiário, a nulidade da douta sentença, prevenindo-se, justamente, o caso improvável de procedência do recurso interposto pela recorrente, caso em que deverá ser apreciada a matéria referente à caducidade do contrato de arrendamento, a sua denúncia e a resolução do mesmo e, consequentemente, e de seguida, os consequentes pedidos de restituição e de indemnização com base na falta de entrega da parcela pela verificação dessas caducidade, denúncia ou resolução.

PEDIDO:

TERMOS EM QUE, E NOS DO DOUTO SUPRIMENTO DE V. EX.AS, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO, MANTENDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA;

SUBSIDIARIAMENTE, DEVE SER AMPLIADO O OBJECTO DO RECURSO NOS PRECISOS TERMOS CONSTANTES DO PONTOS 9., 10. E 11. DAS PRESENTES CONTRA-ALEGAÇÕES E DAS CONCLUSÕES XII, XIII E XIV., E COM AS CONSEQUÊNCIAS AÍ REFERIDAS;
TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COMO É, ALIÁS, DE INTEIRA
J U S T I Ç A.”

A apelante respondeu que a ampliação do recurso é inadmissível e, de qualquer modo, improcedente.

O recurso foi, em 1ª instância, admitido (despacho tabelar de 03-05-2018) como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo. (8)

Uma vez distribuídos (em 21-05-2018) os autos nesta Relação, foi, por despacho liminar do Relator, proferido em 14-06-2018:

I) Indeferido (cf. despacho de fls. 458) o requerimento de ampliação do objecto do recurso (sobre o qual nada fora dito no tribunal recorrido).
II) Determinada a remessa dos autos à 1ª instância a fim de, ali, sobre uma nulidade da sentença arguida, ser dado cumprimento ao disposto no nº 1, do artº 617º, CPC.

Ao referido ponto I, não houve qualquer reacção, tendo os autos sido enviados àquele tribunal em 05-07-2018.

Em 10-12-2018, foi, sobre o ponto II, ali exarado o seguinte despacho:

“Nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 617º, nº 1, e 641º, nº 1, do C.P.C., entendemos não se verificar a nulidade da sentença proferida apontada pela recorrente, porquanto, conforme se sublinha na própria sentença – cf. 1º parágrafo da página 24 - o próprio autor, na petição inicial, invoca como fundamento jurídico do seu pedido de indemnização não só o instituto da responsabilidade civil, mas também o do enriquecimento sem causa. Assim, o tribunal não se pronunciou sobre questões de que não podia tomar conhecimento nem condenou em objeto diverso do pedido.
Em face do exposto, entendemos ser de indeferir a nulidade requerida”.

Tendo os autos reentrado nesta Relação em 17-01-2019, correram os Vistos legais, com o projecto de acórdão, cumprindo agora decidir, uma vez que nada mais se nos afigura a tal obstar.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, tendo em conta o destino já dado ao pedido de ampliação do objecto do recurso, importa decidir, pela ordem juridicamente lógica, se:

a) A sentença é nula quanto à alínea d) da decisão, por ter condenado em indemnização, pela privação das duas parcelas, com um fundamento (enriquecimento sem causa) não alegado e numa compensação a esse título não pedida.
b) Deve revogar-se a decisão, quanto à alínea b) – nulidade do contrato por vício de forma – por ser nulidade atípica e por a sua invocação, no caso, pela apelada, constituir abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
c) Nesta hipótese (de o contrato se considerar válido, por não invocável a nulidade) e relativamente aos pedidos subsidiários d), e) e f) – extinção do mesmo no termo da única renovação por caducidade, por denúncia ou por resolução (por falta de pagamento de rendas) –, se estes devem ser julgados improcedentes.
d) Neste caso (validade e vigência do contrato), se, consequentemente, deve revogar-se a sentença quanto à alínea c) do dispositivo – desocupação e restituição.
e) Em todo o caso, se deve revogar-se a sentença quanto à alínea d) do dispositivo – condenação no pagamento do que se vier a liquidar –, e julgar-se improcedente o correspondente pedido por inexistir prejuízo apurado, sequer alegado.
f) Em todo o caso também, se apelante deve ser absolvida da sanção pecuniária compulsória por a condenação “a desocupar e restituir as referidas parcelas … livres de pessoas e bens” não constituir típica obrigação de prestação de facto positivo caracteristicamente infungível – alíneas c) e e), da decisão recorrida.
g) Deve ser julgado procedente o pedido reconvencional, nos moldes defendidos pela apelante, quanto à indemnização por benfeitorias e reconhecimento do direito de retenção em garantia dela.

III. FACTOS

O tribunal recorrido deu como provados e consideram-se fixados, por não impugnados nem ser caso de qualquer modificação oficiosa ao abrigo do artº 662º, do CPC, os seguintes factos:

1. Ao autor - Conselho Diretivo dos Baldios (…) - compete a administração dos baldios da freguesia de (…) cuja administração não esteja delegada na Junta de Freguesia de (…) e a defesa em juízo dos direitos e interesses legítimos dos compartes dos mesmos;
2. Em 1999 era a Junta de Freguesia de (..) que exercia a administração do baldio conhecido como Baldio do Monte da (…);
3. Por escrito particular, datado de 01 de julho de 1999, subscrito pela Junta de Freguesia de (…) e pela ré, denominado “Contrato de Arrendamento de Terreno”, ficou acordado, entre o mais, que: “(…) O primeiro outorgante [a Junta de Freguesia] cede em regime de aluguer ao segundo outorgante [a ré], uma parcela de terreno baldio do artigo número (…) desta freguesia, com a área de 900 m2, situado no Lugar de (…) – (…).. Este terreno destina-se única e exclusivamente a um depósito de madeiras e a fins. O segundo outorgante poderá efectuar a vedação do terreno com estacas de madeira e malhasol. O arrendamento do terreno terá a duração de cinco anos, renovável por igual período. Caso uma das partes queira cessar ou alterar o presente contrato, deverá expressar por escrito e registado, com a antecedência de seis meses à outra parte as suas pretensões. O exposto no presente contrato, tem como data de início o dia um de Julho de mil novecentos e noventa e nove e termo a trinta de Junho de dois mil e quatro. O montante a pagar anualmente é de 20.000$00 (Vinte mil escudos), procedendo o segundo outorgante ao respectivo pagamento no início de cada ano de aluguer (…)” – cf. documento junto a fls. 201, do p. p., cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
4. O escrito referido em 3. foi elaborado pelos serviços da Junta de Freguesia de (…);
5. A ré pagou à Junta de Freguesia de (…), a título de renda e com base no escrito aludido em 3., as seguintes importâncias, nas seguintes datas:

a) Esc.20.000$00 [correspondentes, na moeda atual, a € 99,76 (noventa e nove euros e setenta e seis cêntimos)], no dia 10 de setembro de 1999, referente ao período de 10 de setembro de 1999 a 10 de setembro de 2000 (cf. documento junto a fls.29, do p. p., cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido);
b) Esc.20.000$00 [correspondentes, na moeda atual, a € 99,76 (noventa e nove euros e setenta e seis cêntimos)], no dia 12 de setembro de 2000, referente ao período de 10 de setembro de 2000 a 10 de setembro de 2001 (cf. documento junto a fls.30, do p. p., cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido);
c) €300,00 (trezentos euros), no dia 23 de setembro de 2004, referentes aos anos de 2002, 2003 e 2004 (cf. documento junto afls.31, do p. p., cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido);
d) €200,00 (duzentos euros), no dia 05 de janeiro de 2006, referentes aos anos de 2005 e 2006 (cf. documento junto a fls.32, do p. p., cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido);
6. A partir de então, a ré não pagou à Junta de Freguesia de (…), ao autor, ou a qualquer outro órgão legítimo representante do universo dos compartes dos baldios da freguesia;
7. No ano de 2001, a ré fez inscrever na matriz, a seu favor, “um contentor metálico para comércio com 1 divisão”, a confrontar de todos os lados com “terreno da Junta de Freguesia”, no lugar de (…), freguesia de (…), a que foi atribuído o artigo (…) urbano, da mesma freguesia, com a superfície coberta de 18,00m2 e o valor patrimonial atual de €1.696,30 (mil seiscentos e noventa e seis euros e trinta cêntimos) – cf. documento junto a fls.4 0, do p. p., cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
8. Após a realização do escrito particular aludido em 3., a ré instalou na parcela em causa um contentor e um depósito de combustível e implantou uma fossa para proceder à lubrificação de veículos usados no seu comércio;
9. A Junta de Freguesia de (…), através de carta registada, com aviso de receção, datada de 07 de abril de 2008, remetida e recebida no dia 09 de abril de 2008, comunicou à ré, entre o mais, que: “(…) vem, para os devidos e legais efeitos, proceder à denúncia do “contrato de arrendamento de terreno”, celebrado no dia 01 de Julho de 1999 com a firma “(…) Madeiras - Comércio de Madeiras, LDª”, com sede no lugar de (…), (…), Ponte de Lima, relativo a uma parcela de terreno baldio do artigo n.º(…), da freguesia de (…), referida, com a área de 900m2, sito no lugar de (…) (…), para o dia 30 de Junho de 2009, em virtude de, a partir de 14 de Novembro de 2007, ter deixado de ter poderes de administração do terreno baldio da (…), passando a respectiva administração para o Conselho Directivo de Baldios de (…), com quem a firma “(…) Madeiras, Ld.ª” poderá negociar novo contrato, se assim for entendido (…)” – cf. documentos juntos a fls. 38 e 39, do p. p., cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
10. Após o descrito em 9., a ré continuou a ocupar a parcela aludida em 3., mantendo nela um estaleiro montado, do qual fazem parte o contentor metálico referido em 7., com a área de 14,88 m2, o depósito de combustível e a fossa para proceder à lubrificação de veículos referidos em 8.;
11. O uso da parcela descrito em 10. visa apoiar o desenvolvimento da atividade comercial da ré de compra e venda de madeiras;
12. No âmbito da referida ocupação, a ré manteve no local camiões, atrelados, ferramentas e utensílios de corte e tratamento de madeira para revenda, usando o contentor referido em 7. para permitir o armazenamento de tais ferramentas e utensílios;
13. E instalou no local água e luz de modo a permitir o corte e o depósito de madeira a qualquer hora do dia, e o depósito de combustível e a fossa para proceder à lubrificação de veículos de modo a facilitar o uso da maquinaria e dos camiões referidos;
14. A instalação no local de água e luz custou à ré cerca de € 1.500,00;
15. A instalação do contentor referido em 7. custou à ré, pelo menos, € 2.500,00;
16. A instalação do depósito de combustível custou à ré cerca de € 1.800,00;
17. A referida fossa é revestida com piso em betão;
18. A ré aplicou betão simples na parcela referida com vista a facilitar a circulação de veículos pesados no local e para carga e descarga de madeira;
19. A aplicação do betão e a construção da fossa custaram à ré cerca de € 3.800,00;
20. O contentor e o depósito de combustível referidos podem ser removidos da parcela sem que tal implique a destruição do solo e subsolo;
21. A partir de 2007, a ré passou a ocupar uma outra parcela de terreno, com a área de cerca de 360 m2, junto à estrada florestal – atualmente designada por rua do Monte da (…), sita no mesmo baldio do Monte da (…), ocupação essa que se mantém até aos dias de hoje;
22. A ré usa a parcela referida em 21. como um depósito de madeiras ao ar livre, em particular, de lenhas que depois comercializa;
23. A ocupação e uso da parcela referida em 21. pela ré nunca foi autorizada pelo autor nem qualquer administrador da mesma.

IV. DIREITO

Questão primeira

Prevenindo eventual reflexo prejudicial no conhecimento das demais questões, comecemos pela da nulidade da sentença inserta nas conclusões 19ª a 23ª e alvo do ponto V, alínea a), das alegações apresentadas pela recorrente.

Para uma sentença ser válida (o que não corresponde a juridicamente estar certa), devem, na sua elaboração, ter-se em conta regras legalmente para tal definidas.

No artº 615º, nº 1, do CPC, prevêem-se diversas violações delas, aí sancionadas com nulidade.

A recorrente foi condenada “a pagar aos moradores da freguesia de (…) e compartes do baldio do Monte da (…) a quantia que se vier a apurar em posterior incidente de liquidação, correspondente ao valor locativo anual das parcelas identificadas nos factos provados 3. e 21., durante os anos de 2007 a 2012, com o limite máximo de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), bem como a quantia que se venha a apurar, nos mesmos moldes, relativamente aos anos de 2012 em diante até cessar a ocupação, quantias essas acrescidas dos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação” (alínea d), do dispositivo final).

Sustenta aquela, porém, que o tribunal a quo fundamentou tal condenação no enriquecimento sem causa mas que a alegação, seja dos factos inerentes seja de tal instituto jurídico, que devia basear a pretensão indemnizatória formulada (causa de pedir), “não se vislumbra”, como diz, na petição.

Por isso, conclui que o tribunal não só condenou além do pedido como conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento – alíneas d) e e), do nº 1, do artº 615º, CPC. (9)

Efectivamente, na fundamentação da sentença, depois de se ter dado como provado que, conforme pontos 10, 12, 21 e 22, a ré, não obstante lhe ter sido comunicada a denúncia do contrato de arrendamento (não formalizado por escritura) quanto a uma parcela e não dispor de autorização para ocupar a outra, continuou a lá manter e usar equipamentos aí instalados ou colocados, afectos à sua actividade comercial, não as tendo restituído, considerou o tribunal recorrido que, sendo formalmente nulo o contrato relativo à primeira e por isso inexistente qualquer título que legitime a sua ocupação da mesma, a ré tem de a entregar ao autor, e que, não tendo também qualquer autorização para ocupar a segunda, deve tal estado de coisas cessar e restituí-la.

E, além disso, depois de anunciar a passagem “à apreciação da questão atinente ao direito dos compartes à indemnização pela ré dos prejuízos causados pela ocupação”, expôs o seguinte:

“Para que a ré possa ser constituída na obrigação de indemnizar, com fundamento na responsabilidade civil por factos ilícitos, é necessária a verificação dos pressupostos enunciados no artigo 483º, do C.C., […]. (10)

No caso dos autos, resultou provado que a ré ocupa duas parcelas de terreno integrantes do baldio ora administrado pelo autor, sendo que uma das parcelas foi objeto de um contrato de arrendamento nulo e a outra foi, pura e simplesmente, ocupada pela ré sem autorização de quem quer que fosse.

Assim, a ocupação da parcela objeto do contrato de arrendamento é ilícita desde o ano de 2007 – altura em que a ré deixa de pagar qualquer renda pela ocupação – e da outra parcela, desde o início da ocupação, que também se deu em 2007.

Pelo menos desde esse ano que a ré sabia não poder ocupar as duas parcelas, ocupação essa que fez voluntariamente, donde se retira a censurabilidade da sua conduta.

Porém, será que tal atuação causou danos aos compartes?

Seguimos o entendimento de que, em princípio, a privação do uso de uma coisa constituirá um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o respetivo proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, impede-o de usar a coisa, fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria, enfim, impede-o de dela dispor (artigo 1305º, do C.C.). Porém, não basta a simples privação em si mesma, já que se nos afigura essencial a alegação e prova da frustração de um propósito real, concreto e efetivo, de proceder à utilização do bem de que se viu privado. Assim, não será de exigir a prova de todos os danos concretos emergentes da privação bem; não é de exigir, por exemplo, que o lesado prove que teve de substituir o bem de que se viu privado por outro de natureza análoga e que isso lhe causou prejuízos que tem de quantificar. Bastará que demonstre que se tivesse disponível o seu bem, o utilizaria normalmente, isto é, que dele retiraria as utilidades que ele está apto a proporcionar a um utilizador normal. Tanto bastará para poder concluir-se que a privação do uso do bem foi geradora de um prejuízo indemnizável.

O autor não provou nos autos qualquer prejuízo concretamente havido em consequência da ocupação das parcelas por parte da ré.

Tal obstará a que seja ressarcido pela ocupação que lhe foi imposta pela ré?

Entendemos que não, pelos motivos elencados e cristalinamente explicados no Acórdão do S.T.J. de 10/03/2013 (P1261/07.0TBOLHE.E1. S1, disponível in www.dgsi.pt), que passamos a transcrever (por entendermos nada mais haver a acrescentar): “Poderá o Direito ficar indiferente a uma tal situação de alguém que beneficia de bens alheios à custa e contra a vontade do respectivo dono?

Seguramente que não, pois tal solução repugnaria ao mais elementar senso jurídico. E o certo é que o Direito tem solução: o instituto do enriquecimento sem causa. Segundo o respectivo princípio geral, “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem, é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou” (art. 474º nº1 CC).

Ora, um dos casos típicos de crédito por restituição do enriquecimento é o da intromissão em direitos ou bens jurídicos alheios sob a forma de uso ou fruição (cf. Antunes Varela, Direito das Obrigações, vol I, 10ª ed., p.473 e 479).

Quando tal acontece, opera-se uma deslocação patrimonial, ou seja, aumenta-se o património de alguém à custa de outrem.

(…)
O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, podendo essa vantagem consistir no uso ou exercício de direitos alheios, como é ocaso da instalação em casa alheia ou o apascentamento de rebanho no lameiro de outrem (cf. A. Varela, ob cit, p. 481).

(…)
A ausência de causa justificativa reconduz-se, grosso modo, à ausência de título ou fundamento jurídico ou, de outro modo dito, quando a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito impunha que o enriquecimento pertencesse a outrem que não o enriquecido. (…)

Por fim, é necessário que o enriquecimento seja obtido à custa de quem requer a restituição.

“À custa” não significa necessariamente que o credor da restituição seja empobrecido, quer dizer e contemplando a deslocação patrimonial, que o valor que entra no património do enriquecido corresponda ao que sai do empobrecido.

(…)
Consagra-se assim, a chamada doutrina da destinação ou da afectação dos direitos absolutos, segundo a qual, “os direitos reais não constituem simples direitos de exclusão assentes sobre o dever geral de não ingerência (de terceiros) na ligação do titular com a res,…Mais do que isso, os direitos reais …reservam para o respectivo titular o aproveitamento económico dos bens correspondentes, expresso nas vantagens provenientes do seu uso, fruição,…”.

(…)
Diz-nos o nº2 do art. 473º que um dos objectos da obrigação de restituir é o que foi indevidamente recebido e o nº1 do art. 479º que tal obrigação compreende tudo quanto se haja obtido à custa do empobrecido ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

Como é óbvio, é impossível restituir em espécie o uso e o aproveitamento que os RR fizeram do prédio dos AA ao longo dos anos em que a acção esteve pendente.

Qual então o valor correspondente a esse “tudo …obtido à custa do empobrecido”?

(…)
Ora, uma das vias para neutralizar as deslocações patrimoniais em que se analisa o enriquecimento por intervenção em bens alheios (como é o caso sub judice) é a restituição pelo interventor do valor da utilização desses bens na impossibilidade óbvia de “desfazer” o passado e restituir a própria utilização em si; o valor da restituição corresponderá ao preço objectivo, comum e adequado da utilização dos bens alheios e não ao interesse do lesado, maxime aos lucros cessantes que lhe causou a intervenção; não se trata, pois, de uma indemnização por dano, mas tão só de uma restituição (“indemnização”) de valor…(cf. Karl Larenz, Derecho de Obligaciones, vol. II, p. 553).

Este critério do valor objectivo do uso dos bens alheios é o mais conforme aos princípios que regem o enriquecimento sem causa, nos casos como o presente, em que ao enriquecimento de um não corresponde (ou não s demonstra que exista) uma diminuição do património do outro, como acontece quando, de acordo com o exemplo apresentado pelo Prof. Almeida Costa, alguém ocupa, por certo tempo, uma casa de outrem que se encontra desabitada, locupletando-se, sem que o proprietário tenha qualquer redução patrimonial, pois não tencionava arrendá-la (cfr. Direito das Obrigações, 8ª ed., 2000, p. 461-462).

No caso em apreço, também não foi demonstrada qualquer diminuição patrimonial dos AA.

Por conseguinte, o objecto da restituição nos casos de enriquecimento sem causa fundado na utilização de bens alheios ´o chamado “valor de exploração” de tais bens (…)

Pode afirmar-se que, nesses casos, quem aproveitou as vantagens da utilização que fez de coisa alheia, poupou despesas, a saber, a do valor correspondente a essa utilização, sendo que a poupança de despesas é também uma das fontes de enriquecimento sem causa. (…)

O valor locativo do prédio como medida da obrigação de restituição, nos casos de enriquecimento por intervenção consistente na utilização de imóveis alheios no aproveitamento das respectivas vantagens representa, portanto, o valor equivalente a “tudo o que foi obtido à custa do empobrecido” na impossibilidade de restituição in natura do aproveitamento.

De notar, antes de mais, que o próprio autor, na petição inicial, invoca como fundamento jurídico do seu pedido de indemnização não só o instituto da responsabilidade civil, mas também o do enriquecimento sem causa.

Ademais, não logrou nos autos a prova de qualquer prejuízo concreto com a privação do uso das parcelas (como afirmamos supra), mas logrou a prova de que a ré vem ocupando as mesmas como “plataformas” de apoio à sua atividade comercial o que, naturalmente, se traduz em vantagens patrimoniais inequívocas. Com efeito, as parcelas ocupadas pelas rés assumem-se como estaleiro e depósito de materiais destinados à prossecução da atividade comercial da ré, o que vem acontecendo desde 2007. Ou seja, no caso dos autos, pese embora se não tenha demonstrado que o autor tirasse qualquer vantagem das parcelas no caso de não estarem ocupadas pela ré, demonstrou o autor que não foi o próprio, desde 2007, enquanto titular do direito real correspondente, a titular o aproveitamento económico das parcelas, expresso nas vantagens provenientes do seu uso, fruição. E tanto basta, conforme se retira do Acórdão citado, para fundar a pretensão de restituição com base no enriquecimento sem causa.

E, seguindo os ensinamentos do Acórdão, a medida da restituição será, então, o valor de exploração ou o valor locativo das parcelas ocupadas desde 2007.

Nesta sede, a primeira ideia a vincar é a de que, relativamente à parcela objeto do contrato de arrendamento, até 2007 a ré entregou uma quantia monetária – a renda – como contrapartida do uso que dela fez. Esta renda é, portanto, a medida da compensação pelo uso da dita parcela. E, assim, temos que até 2007, a privação do uso que os compartes sofreram da dita parcela foi compensada pela ré mediante a entrega da contrapartida monetária – a dita renda.

De 2007 em diante, a ré poupou, pelo menos, o valor da referida renda quanto àquela parcela, sendo esta a sua fonte do enriquecimento sem causa.

Sucede que a renda foi estabelecida num acordo feito em 1999, sem que se retire das circunstâncias em que o mesmo foi feito quais os critérios para a sua quantificação, pelo que nem sequer se pode concluir pela adequação de tal valor ao valor de exploração justo. E dos autos não se pode retirar qualquer facto que nos sugira um valor de exploração ou locativo adequado e justo para as parcelas em causa.

Assim sendo, conclui-se que não é possível, neste momento, apurar o respetivo valor.

A este propósito dispõe o artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil: “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que seja já líquida.

Atento o exposto, nada mais resta ao tribunal que não a condenação genérica da ré no pagamento ao autor da quantia correspondente ao valor locativo anual das parcelas identificadas nos factos provados 3. e 21., durante os anos de 2007 a 2012, nos termos do artigo 609º, nº 2, do C.P.C. (e 358º, nº 2, do mesmo Código) - quantia essa que não pode exceder os € 2.500,00, uma vez que o tribunal está vinculado ao pedido formulado, nos termos do artigo 609º, nº 1, do C.P.C. -, bem como da quantia que se venha a apurar, nos mesmos moldes, relativamente aos anos de 2012 em diante até cessar a ocupação. ”

Perante isto, recordemos o articulado inicial do autor.

Nele se pediu a condenação da ré a pagar aos compartes do baldio a indemnização no valor de 2.500,00€.

Bem assim, a indemnização que vier a liquidar-se “pelos prejuízos sofridos e a sofrer” a partir da data da propositura da acção.

Para o efeito, alegou-se, a partir dos itens 94 e sgs, que, nos termos do artº 1045º, CC, findo o contrato de arrendamento por qualquer causa, o locatário é obrigado a pagar o valor da renda que havia sido estipulada, a título de indemnização.

Alegou-se também, como fundamento, jurisprudência citada ora no sentido de que a ocupação, mesmo sem gerar um prejuízo concreto, pode basear pedido de indemnização pelo rendimento possível, não fora ela, e de que, mesmo nada se provando a respeito da utilização ou do destino que seria dado ao bem, sempre o lesado deve ser compensado monetariamente, quiçá por equidade; ora no sentido de que ela configura uma situação de ingerência ou de intromissão nos bens jurídicos alheios que tanto pode dar lugar a um crédito baseado na responsabilidade civil extracontratual nos termos do artº 483º CC, como no enriquecimento sem causa, de acordo com o artº 473º, mesmo que não se prove um prejuízo efectivo do dono.

E acrescentou-se, ainda, que a ocupação impossibilita os compartes de fruírem e disporem, como faziam, da parcela (para apascentar gado, produzir e cortar matos, lenhas e madeiras, auferindo da distribuição do produto da venda desta).

Quantificou-se, por fim, em 2.500,00€ o valor do “prejuízo” até à data da propositura da acção e remeteu-se para liquidação “os prejuízos” que estão ainda “em curso”, até à entrega das duas parcelas.
Estaremos, em face disto, ante excesso de pronúncia ou condenação ultra petitum?

Nos termos do artº 608º, nº 2, in fine, o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

As questões, como definem pacificamente a Doutrina e a Jurisprudência, são os pedidos deduzidos pelo autor e as excepções ao mesmo opostas pelo réu.

Dispõe-se na segunda parte da alínea d), do artº 615º, que a sentença é nula quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

O autor peticionou uma indemnização pela ocupação das duas parcelas de terreno baldio, parte em quantia certa e parte a liquidar, e, para o efeito, alegou fundamentos de facto e de direito, conforme se viu.

Embora a ré apelante, na contestação, tenha alegado ora que tais pedidos são “destituídos de fundamento” ora que “não se vislumbra sequer causa de pedir” (item 61), reconhece agora que ela, afinal, existe.

Só que – defende – “é uma e única: a fixação de indemnização pela privação do uso, ao abrigo do regime da responsabilidade civil”, pois, a seu ver, não consta do pedido e da causa de pedir o instituto do enriquecimento sem causa.

Ora, a questão submetida à apreciação do tribunal consistia em saber se, com base nas alegadas circunstâncias relativas à ocupação e não entrega das duas parcelas, o autor tinha direito a receber da ré, e esta a obrigação de lhe pagar, as referidas quantias.

Chame-se-lhe restituição ou indemnização, a questão respeita ao alegado crédito. A fonte do correspondente dever seja ela a responsabilidade civil extracontratual, seja o enriquecimento sem causa, é matéria de direito. A indagação, interpretação e aplicação das respectivas regras constitui tarefa livre do tribunal, que a alegação das partes pode influenciar mas não limitar – artº 5º, nº 3, CPC: da mihi factum dabo tibi jus.

Apreciar a pretensão, subsumir os factos – cujo núcleo essencial é o mesmo – num ou noutro regime legal e julgar procedente o pedido com base em normas porventura diversas das, para o efeito, invocadas, não constitui questão diversa vedada ao conhecimento do tribunal.

De toda a maneira, resultando embora a alegação do autor mais conformada – até pelos termos literais usados – à responsabilidade civil, não deixou ele, justamente em face da conhecida e subsistente controvérsia sobre o enquadramento jurídico respeitante a situações de facto congéneres, em que também ocorre uma ocupação dos bens e, portanto, ofensa do domínio sobre eles mas não resulta demonstrado um prejuízo concreto, de admitir e até preconizar, mediante citação de arestos jurisprudenciais em tal sentido, a aplicação do regime do artº 473º e sgs, em alternativa ao do artº 483º e sgs, CC.

O tribunal não conheceu, portanto, de questão que não podia tomar conhecimento. Por isso, não há nulidade.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 23-03-1999 (11), “Os dois institutos – responsabilidade civil e enriquecimento sem causa – podem concorrer, por conseguinte, na qualificação da mesma situação, «principalmente nos casos de intromissão nos bens ou direitos alheiros».

Assim, se a intromissão não envolve responsabilidade civil – porque, por exemplo, não há dano –, mas há enriquecimento sem causa justificativa, «o carácter subsidiário da obrigação de restituir nele fundada não impede, como é óbvio, a sua aplicabilidade.

[…] apesar de o lesado entender que os factos alegados integram um caso de responsabilidade civil e não de enriquecimento, nada impede que o tribunal, na falta de dano reparável, ordene a restituição do montante do enriquecimento, à luz do artº 473º do Cód. Civil”.

Também não há nulidade por condenação além do pedido.

Na verdade, de acordo com a alínea e), do já referido nº 1, do artº 615º, a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do formulado, pois, como estipula nº 1, do artº 609º, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

Trata-se do princípio ne eat iudex ultra vel extra petita partium, corolário do dispositivo.

O objecto do processo é definido pelo pedido e pela causa de pedir (artºs 264º, nº 1, 268º, 273º, e 467º, nº 1, alíneas d) e e), do velho Código).

Aquele refere-se ao efeito jurídico pretendido e esta ao facto concreto que se invoca para fundamentar e obter tal efeito (artº 498º, nºs 3 e 4).

O efeito jurídico pretendido – no caso, condenação no pagamento de certa prestação pecuniária – tanto poderia representar um crédito constituído e fundamentado na responsabilidade extracontratual ou aquiliana derivada de factos ilícitos violadores de direitos ou interesses alheios (artº 483º, e sgs) como no instituto do enriquecimento sem causa subsidiariamente previsto na lei para obrigar a restituir aquilo com que alguém se locupletou injustamente à custa de outrem (artº 473º, e sgs).

O núcleo essencial dos factos para o efeito alegados a partir da ocupação e não entrega das duas parcelas pela ré e correspondente lesão do direito dos Compartes a usufruí-las sem qualquer estorvo é o mesmo.

A diferença reside apenas em que a responsabilidade civil exige a ocorrência de um prejuízo presente (emergente ou lucro cessante) ou futuro, enquanto que no enriquecimento sem causa pode não ocorrer uma diminuição patrimonial do titular do direito lesado mas apenas a privação de uma faculdade, vantagem ou utilidade.

Por isso o autor alegou um prejuízo mas sem o concretizar e, pressentindo a inconsequência disso, invocou também que o mesmo pode traduzir-se numa restituição daquilo com que a ré enriqueceu.

Embora não tendo a sentença condenado em prestação pecuniária certa mas apenas no que se vier a liquidar em execução de sentença, como permite aliás o nº 2, do artº 609º, CPC, não é por aí que se diferencia o objecto em causa.

É, com efeito, na causa de pedir que reside o critério de distinção mais seguro.

Contrapondo-a à da individualização, em que, segundo A. Anselmo de Castro (12), “a alegação dos factos é apenas condição do êxito da acção, não elemento individualizador”, para a teoria da substanciação, a causa de pedir, enquanto “facto gerador do direito”, tem uma função distintiva, “divergindo a acção sempre que seja diferente o facto constitutivo invocado (diferente como acontecimento concreto)” e, assim, à luz dela, “todas as acções se configurarão por ambos os elementos: pedido e causa de pedir concreta.(13)

Também para Lebre de Freitas (14), que considera ser a teoria da substanciação a inequivocamente adoptada pela nossa lei, “a afirmação da situação jurídica tem de ser fundada em factos que, ao mesmo tempo que integram, tal como os outros factos alegados pelas partes, a matéria fáctica da causa, exercem a função de individualizar a pretensão para o efeito de conformação do objecto do processo.

Abrantes Geraldes (15) entendia, à luz do nº 4, do artº 498º, do Código anterior, hoje reproduzido no artº 581º, nº 4, do Código actual, que é clara a opção legislativa pelo sistema da substanciação da causa de pedir em detrimento do da individualização.

Neste, “bastaria a indicação do pedido, devendo a sentença esgotar todas as possíveis causas de pedir da situação jurídica enunciada pelo autor, impedindo-se que após a sentença houvesse alegação de factos anteriores e que porventura não tivessem sido alegados ou apreciados”.

Naquele, é necessário “articular os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado, apenas relativamente aos factos integradores da causa de pedir invocada”.

Assim, “a causa de pedir é integrada pelo facto ou factos produtores do efeito jurídico pretendido (…) é consubstanciada tão só pelos factos que preenchem a previsão da norma que concede a situação subjectiva alegada pela parte”. (16)

Hoje, em face do artº 5º, do CPC, está mais flexibilizada a distinção.

Às partes cabe alegar os factos essenciais, integrando estes a causa de pedir e as excepções. Mas, além deles, são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais resultantes da discussão da causa e aqueles que sejam complemento ou concretização dos alegados ou resultem desta, desde que discutidos e contraditados, o que, aliado ao já velho princípio de que aquele é livre na indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, lhe confere poderes mais amplos.

Ora, os fundamentos em que o Tribunal recorrido se estribou para concluir pela responsabilidade da apelante e a condenar no pretendido pagamento da quantia a liquidar contêm-se claramente no núcleo essencial da factualidade alegada, a obrigação assenta juridicamente neles e a prestação deriva desta.

A realidade tomada em conta não se aparta daquela que foi retratada na petição para fundamentar o efeito prático-jurídico visado, muito menos configura outra individualmente considerável, mormente por referência ao estatuído no quadro normativo convocável para solucionar o litígio em causa. (17)

Sendo assim, como é, o tribunal conteve-se no objecto do pedido e da causa de pedir. Não decidiu em termos distintos nem mais amplos que os formulados pelo autor, antes se conformando com os por ele definidos.

Nesta parte, improcede, portanto, o recurso.

Questão segunda

Como resulta do ponto 3 dos factos provados, em 1999, quando era a Junta de Freguesia local a entidade administradora do Baldio do Monte da (…), esta, com data de 01 de Julho, mediante simples documento particular, cedeu à sociedade comercial ré uma parcela de terreno daquele, com 900 m2, para depósito de madeiras e afins, pelo prazo de cinco anos, renovável por período igual, mediante o pagamento, em contrapartida, por esta àquela, da quantia de 20.000$00/ano.

Ninguém discute, máxime neste recurso, que, como aliás no título consta e dos termos do contrato resulta, se tratou de um negócio jurídico típico – arrendamento de parte de prédio rústico para fins comerciais – nem que, por ele não ter sido formalizado mediante escritura pública, é absolutamente nulo, tal como defendido pelo autor na petição e decidido pelo tribunal a quo.

Certo que a ré apelante defendera, na sua contestação, que se tratava de uma nulidade atípica, na medida em que apenas invocável pelo arrendatário (18).

Certo também que, na conclusão 4ª, reafirmou, em termos aí não só imotivados mas também inconsequentes, tal ideia.

A verdade, porém, é que, perscrutado o texto das alegações, nenhum fundamento, ou sequer argumento, tal como já acontecera na sua oposição, ela indica ou tece para a sustentar.

Na sentença afastou-se tal qualificação e entendeu-se que:

“Assim, somos a concluir que o contrato de arrendamento celebrado tem natureza comercial nos termos e para os efeitos previstos no artigo 110º, do RAU.

Ora, à data da celebração do contrato - 01 de julho de 1999 – dispunha o artigo 7º, nº 2, alínea b), do RAU: “Devem ser reduzidos a escritura pública: b) Os arrendamentos para o comércio, indústria ou exercício de profissão liberal.

Sublinhe-se, nesta sede, que é a lei em vigor ao tempo da celebração do contrato que regula as condições da respetiva validade formal, não podendo aplicar-se, retroativamente, os normativos ulteriores que estabeleçam diferentes requisitos de forma para o ato.

O contrato de arrendamento em apreciação foi celebrado por escrito particular, sem cumprimento da formalidade da escritura pública.

Como de trata de uma formalidade ad substantiam, a respetiva inobservância determina a nulidade do contrato - artigo 220º, do C.C. -, nulidade essa que é de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 286º, do C.C.”.

Nada em contrário deste juízo vindo alegado nem estando peticionado e, portanto, nenhuma impugnação, muito menos fundada, se mostrando deduzida tendo-o por alvo, não resta senão pressupô-lo como dado assente a ter em conta.

Aquilo que a apelante alega e pretende é que, como também já defendera na contestação, em face das circunstâncias apuradas, se julgue improcedente o pedido de declaração de nulidade do negócio por vício de forma com base no abuso de direito (artº 334º, CC), hipótese na sentença refutada a partir das seguintes considerações nela vertidas:

“Porque de conhecimento oficioso, faz-se aqui uma brevíssima alusão à questão do abuso de direito na invocação desta nulidade, nos termos do artigo 334º, do C.C. – “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito.”.

Entendemos que o autor não atua em abuso de direito ao invocar a nulidade do contrato de arrendamento em causa nos autos, porquanto, antes de mais, não foi ele próprio outorgante desse contrato, não lhe sendo imputável qualquer ação ou omissão no incumprimento dos requisitos de forma.

Por outro lado, não assumiu qualquer conduta perante a ré que a levasse a crer no cumprimento do contrato celebrado. Com efeito, nunca o autor assumiu, por que forma fosse, uma postura de vinculação e cumprimento do contrato – note-se, aliás, que nunca recebeu ou tentou cobrar sequer as rendas devidas.

Em face do exposto, temos como claro que o autor não age em abuso de direito ao invocar a nulidade do contrato de arrendamento por falta da forma legalmente prescrita.

Provando-se a celebração do contrato e a falta de cumprimento da formalidade legal correspondente, deve ser declarada a nulidade do contrato, aplicando-se os inerentes efeitos retroativos, com a restituição de tudo aquilo que foi prestado por força do disposto no artigo 289º, nº 1, do C.C.”

Questiona-se, pois:

Pelo facto de terem decorrido mais de treze anos desde que o contrato foi celebrado até à propositura desta acção (mais de oito, enquanto a administração do Baldio era exercida pela Junta de Freguesia); de concomitantemente esta ter autorizado a locatária a vedar o terreno; de o documento ter sido elaborado pelos seus próprios serviços; de, naturalmente, esta entidade se ter conformado com a forma documental adoptada; de ter recebido o valor das rendas correspondentes ao período dos primeiros seis anos (até 2006, inclusive); de não ter reagido à falta de qualquer pagamento até à sua carta de 07-04-2008; e de, nesta ter comunicado que denunciava o contrato por terem cessado em 14-11-2007 os seus poderes de administração, nada questionando quanto à sua validade formal e, pelo contrário, implicitamente a pressupondo, tudo isto enquanto a apelante mantinha instalações e actividade próprias no terreno locado com a dimensão que dos factos provados a esse respeito deflui (estaleiro, depósito, fossa, contentor, veículos, equipamentos e outros utensílios ligados à sua actividade comercial, instalação de água e luz, asfaltamento de piso em betão – por tais factos, pergunta-se, será ilegítima, por abusiva, a invocação e a declaração da nulidade, na modalidade de venire contra factum proprium?

Sê-lo-á, designadamente, quanto ao actual Conselho Directivo, quando é certo que não foi ele quem, até 14-11-2007, administrou o Baldio mas sim a Junta de Freguesia?

Saliente-se, antes de mais, que os factos também pela recorrente invocados como resultantes de dois documentos juntos no decurso da audiência de julgamento ocorrida em 10-12-2015, não constam do elenco dos provados, nem o recurso tem por tema a sua desconsideração nem a defesa de que o deveriam ter sido, quiçá ao abrigo do regime do nº 2, do artº 5º, do CPC.

Daí que irrelevem.

A sentença, como se viu, para afastar o alegado abuso por parte do Conselho Directivo dos Baldios na invocação da nulidade do arrendamento, ancorou-se, primeiro, no argumento de que “não foi ele próprio outorgante desse contrato, não lhe sendo imputável qualquer omissão no incumprimento dos requisitos de forma” e, depois, na consideração de que ele “não assumiu qualquer conduta perante a ré que a levasse a crer no cumprimento do contrato celebrado”, pois “nunca o autor assumiu, por que forma fosse, uma postura de vinculação e cumprimento do contrato – note-se, aliás, que nunca recebeu ou tentou cobrar sequer as rendas devidas”.

A isto opõe a sociedade recorrente: “o certo é que [o autor] sucedeu à Junta de Freguesia de (…) na administração do baldio e, por isso, na titularidade dos direitos e obrigações assumidas por aquela, enquanto entidade gestora”, pelo que “não pode o autor pretender actuar como se a gestão da Junta nunca tivesse ocorrido”.

Vejamos.

Nos termos do artº 334º, do CC, “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

No caso, tratando-se de uma nulidade absoluta, por vício de forma, que tanto pode ser invocada por qualquer interessado como ser declarada oficiosamente pelo tribunal (artº 286º, CC), convém, desde logo, ter presentes dois problemas concretos importantes.

Um deles respeita à questão de saber, desde logo, se, estando em causa normas imperativas que consagram formalidade ad substanciam em atenção e na prossecução de finalidades de interesse público como são as da publicidade, certeza e segurança jurídicas, além das ligadas à promoção da reflexão das partes e facilitação da prova, é admissível opor a excepção de abuso de direito com a consequente neutralização de tais desígnios positivamente adoptados ao conferir eficácia a um negócio todavia na lei fulminado de inválido.

Sobre esse problema, reconhecendo que “As mesmas razões extra-jurídicas que se viu militarem no sentido da proibição de venire contra factum proprium incitam, na sociedade, ao cumprimento dos negócios livremente celebrados, ainda que sem observância da forma legal” e notando uma certa tendência de “desconsideração comum” pelos valores associados às exigências de forma e de “pressão sobre o dispositivo legal que prescreve as nulidades formais” quando se desvaloriza a natureza cogente destas como via para obstar a injustiças flagrantes, reconhece A. Menezes Cordeiro (19) que:

“Primordial é, como foi dito, a posição da pessoa contra quem se pretende fazer valer a nulidade formal. Esta posição equaciona-se em dois aspectos: a sua relação com o vício formal e as consequências para ela emergentes da nulidade, caso seja declarada.

Quanto ao primeiro, deve entender-se a necessidade de boa fé subjectiva por parte de quem queira fazer valer a inalegabilidade ou seja, de desconhecimento, aquando da «celebração» do contrato, da necessidade formal. A boa fé subjectiva comporta, aqui, deveres de indagação e informação de intensidade acrescida, dada a rigidez das normas em jogo, e visto o conhecimento generalizado que existe da necessidade de formalidade para certos actos. A evidência da falta de forma ou a negligência grosseira prejudicam sempre pois, estando presentes ou havendo conhecimento do vício, é razoável que o contratante corra o risco de ver declarado nulo o seu contrato.

Quanto ao segundo, tem vindo a ser sublinhado, pela jurisprudência mais recente, que a inalegabilidade surge justificada apenas quando a destruição do negócio tivesse, para a parte contra quem actuada, efeitos «não apenas duros, mas insuportáveis”. (20)

Assim, conclui:

“A concretização do venire contra factum proprium nas inalegabilidades de vícios formais implica, como se vê, distorções em dois pontos: requer-se aqui uma boa fé subjectiva com elementos normativos ligados a exigências de indagação e cautela fortes e acrescenta-se, como factor de relevo, a necessidade de respeito efectivo pelo escopo que a forma presente pretenderia prosseguir”. (21)

Em face das “dificuldades” que considera erguidas pela Doutrina, sugere, como solução alternativa, em casos de má-fé, que o sancionamento desta deve encontrar-se na responsabilidade indemnizatória, nomeadamente com base na culpa in contrahendo e não na convalidação e eficácia do negócio nulo por vício de forma.

Como, v.g., já se sumariava no Acórdão do STJ, de 04-06-2013 (22):

“Sob pena de total frustração das finalidades – ponderação dos sujeitos contratuais, certeza e segurança jurídicas – prosseguidas com a exigência de determinada forma legal, só em casos excepcionais ou de limite e a apreciar casuisticamente, a inobservância daquela poderá, com fundamento em abuso de direito integrado pelo excesso manifesto, clamoroso e intolerável de qualquer dos limites mencionados no art. 334.º do CC e como válvula de escape, ser sacrificada à convalidação do correspondente negócio, originária e legalmente, havido como nulo.”

Mais recentemente, no Acórdão do STJ, de 17-03-2016 (23), traçou-se uma panorâmica exaustiva do estado do problema:

“A jurisprudência tem admitido, em situações excepcionais e bem delimitadas, que possa decretar-se a inalegabilidade pela parte de um vício formal do acto jurídico, decorrente da preterição das normas imperativas que, à data da respectiva celebração, com base em razões de interesse público., regiam a forma do acto – acentuando, porém, que esta solução (conduzindo ao reconhecimento do vício da nulidade, mas à paralisação da sua normal e típica eficácia) carece de ser aplicada com particulares cautelas, não podendo generalizar-se ou banalizar-se, de modo a desconsiderar de modo sistemático o conteúdo da norma imperativa que regula a forma legalmente exigida para o acto.

Como se afirma, por exemplo, no Ac. de 28/2/12, proferido pelo STJ no P. 349/06.8TBOAZ.P1. S1:

Tem-se entendido, apesar disso, que os efeitos da invalidade por vício de forma podem ser excluídos pelo abuso de direito, mas sempre em casos excepcionais ou de limite, a ponderar casuisticamente.

Como se fez notar no ac. deste Supremo de 06-8-2010 (Proc. 3161/04.6TMSNT.L1.S1), “não pode generalizar-se e banalizar-se o recurso à figura do abuso de direito como forma de – sindicando os motivos pessoais e subjectivos que estão na base da invocação da nulidade pelo interessado cujo interesse é por ela prosseguido - acabar por se precludir a aplicação sistemática do regime legal imperativo que comina determinada invalidade por motivos de deficiências de forma do acto jurídico – dependendo a subsistência do invocado abuso de direito da alegação e prova de ter ocorrido um particular e fundado «investimento de confiança» na estabilidade e definitividade do contrato”.

Trata-se, pois, de reconhecer a admissibilidade da invocação desde que, no caso concreto, as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso de direito servirá de válvula de escape no nosso ordenamento jurídico, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo.

“Sempre tendo na devida conta que, nestes casos de nulidade formal dos negócios, não é qualquer actuação que justifica o impedimento do exercício do direito de requerer a nulidade, antes e porque as regras imperativas de forma visam, por norma, fins de certeza e segurança do comércio em geral, só excepcionalmente é que se pode submeter a invocação da nulidade à invocação do venire contra factum proprium “ac. STJ, de 30/10/2003 (proc. 03B3125).

Reportando-se aos casos excepcionais em que se justificasse a cedência da nulidade perante a proibição do venire, o Prof. BAPTISTA MACHADO (in “RLJ”, 118º-10/11), propõe o concurso dos seguintes pressupostos: a) ter a parte confiado em que adquiriu pelo negócio uma posição jurídica; b) ter essa parte, com base em tal crença, orientado a sua vida por forma a tomar posições que ora são irreversíveis, pelo que a nulidade provocaria danos vultuosos, agora irremovíveis através de outros meios jurídicos; e c) poder a situação criada ser imputada à contraparte, por esta ter culposamente contribuído para a inobservância da forma exigida, ou então ter o contrato sido executado e ter-se a situação prolongado por largo período de tempo, sem que hajam surgido quaisquer dificuldades.

Em consonância com esta orientação geral, tem-se admitido a paralisação da invocabilidade da nulidade por vício de forma:

- quando é claramente imputável à parte que quer prevalecer-se da nulidade a culpa pelo desrespeito das regras legais que impunham a celebração do negócio por determinada forma qualificada, obstando a que possa vir invocar-se um vício que a própria parte causou com o seu comportamento no momento da celebração do negócio, agindo de modo preterintencional ou, pelo menos, com culpa grave ( cfr ., por ex., o Ac.de 28/11/02, proferido pelo STJ no P. 02B3559 onde se decidiu que actua com abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o locador que, convencendo o arrendatário de que mais tarde fariam a escritura correspondente, celebra contrato de arrendamento para comércio em simples documento particular e, depois de adiar a celebração dessa escritura, vem interpor acção em que pede a declaração da nulidade do contrato, invocando, precisamente, a falta de escritura notarial);

- quando a conduta das partes, sedimentada ao longo de período temporal alargado, se traduziu num escrupuloso cumprimento do contrato, sem quaisquer pontos ou focos de litigiosidade relevante, assumindo estas inteiramente os direitos e obrigações dele emergentes – e criando, com tal estabilidade e permanência da relação contratual, assumida prolongadamente ao longo do tempo, a fundada e legítima confiança na contraparte em que se não invocaria o vício formal, verificado aquando da celebração do acto.

Neste sentido – e em concretização deste critério geral - veja-se, por ex., a situação dirimida no Ac.de30/10/03, proferido pelo STJ no P. 03B3125, em que se abordou aprofundadamente esta tema, considerando:

Estabelece o artº. 334º que "é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".

Daí se infere, no entanto (sobretudo da expressão manifestamente) que o exercício de um direito só poderá taxar-se de abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou, o mesmo é dizer, quando esse direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.

Prevê aquele artº. 334º, sobremaneira, a boa fé objectiva: não versa sobre factores atinentes, directamente, ao sujeito, mas antes elementos que, enquadrando o seu comportamento, se lhe contrapõem. Nessa qualidade, concorre com outros elementos normativos, na previsão legal dos actos abusivos: o sujeito exerce um direito - move-se dentro de uma permissão normativa de aproveitamento específico - o que, já por si, implica a incidência de realidades normativas e deve, além disso, observar limites impostos pelos três factores acima isolados, dos quais um a boa fé (os demais serão os bons costumes e o fim social e económico do direito). O sentido desta implica a determinação do conjunto”.

E assenta, essencialmente, no princípio (cláusula geral) de que "as pessoas devem ter um certo comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros”.

Princípio esse - vulgarmente denominado de princípio da confiança - que reside no pressuposto ético-jurídico fundamental de que "a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Assim tem de ser, pois poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens. Mais ainda: esse poder confiar é logo condição básica da própria possibilidade da comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação (logo, da paz jurídica)”.

Tal acontece, designadamente, com aquelas condutas que denunciam a posição do agente perante certo assunto e que, com base na coerência esperada de quem se auto-apresenta com certa identidade pessoal, igualmente geram expectativas nos outros.

É aqui que entronca a proibição do venire contra factum proprium, isto é, do exercício do direito por alguém "em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado”.

"A proibição da chamada conduta contraditória exige a conjugação de vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança. Esta variante do abuso do direito equivale a dar o dito por não dito, radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprobabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa fé. A proibição de comportamentos contraditórios é de aceitar quando o venire contra factum proprium atinja proporções juridicamente intoleráveis, traduzido em chocante contradição com o comportamento anteriormente adoptado pelo titular do direito”.

Haverá, por isso, para a concretização do abuso e determinação dos limites da boa fé, "que atender de modo especial às condenações ético-jurídicas dominantes na colectividade. Para que haja abuso é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou o fim com que o titular exerce o direito e o interesse ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito”.

Constata-se, por exemplo, uma situação de venire contra factum proprium quando uma pessoa, em termos que, especificamente, a não vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar determinado acto e depois o pratique, ou quando uma pessoa, de modo a não ficar especificamente adstrita, declare avançar com certa actuação e depois se negue. O venire contra factum proprium é, assim, o assumir de comportamentos contraditórios que violam a regra da boa fé e é dotado de carga ética, psicológica e sociológica negativa.

A verdade, porém, é que, assentando o abuso do direito num conjunto de elementos, sobretudo de natureza normativa, importa atentar especificamente no caso sub judice, porquanto nos encontramos face a uma situação em que é a própria ordem jurídica que determina a nulidade invocada de forma alegadamente abusiva.

Ora, a possibilidade de invocação do abuso de direito por inobservância da forma legalmente prescrita não tem tido uniforme entendimento nem na doutrina nem na jurisprudência.

De um lado, o Professor Manuel de Andrade, embora não categoricamente, admite a invocação do abuso de direito quando a invocação da nulidade por vício de forma seja feita em circunstâncias tais que a tornem verdadeiramente escandalosa, como sucede nos casos em que a nulidade seja arguida por quem a provocou ou por quem induziu dolosamente a contraparte a não insistir pela formalização do negócio, criando-lhe a expectativa de que a nulidade jamais seria arguida.

Já o Professor Vaz Serra defende a inadmissibilidade dessa invocação "por as disposições legais respeitantes à forma se destinarem a um fim de segurança ou de certeza jurídicas inconciliáveis com a eficácia da declaração não formalizada”.

Sustenta, por sua vez, Menezes Cordeiro, que "quando uma situação de invalidade seja considerada como de origem censurável por, na sua génese, ter havido uma actuação contrária a regras jurídicas, incluindo a própria boa fé, altura em que ocorre a culpa in contrahendo, podem, com facilidade, constituir-se os pressupostos da responsabilidade civil: o dano - e não a sua imputação - tomaria corpo aquando da alegação da nulidade, ou do seu próprio reconhecimento, por ofício, pelo tribunal: tem, então, cabimento, o arbitrar de uma indemnização em espécie - arts. 562º e 566º, nº 1 a contrario - que, procurando reconstituir a situação a que se teria chegado se não tivesse havido prevaricação, corresponda, materialmente, ao cumprimento do contrato nulo, mediante a contraprestação acordada, devida agora a título de compensação necessária para evitar enriquecimentos indevidos".

Não deixa, no entanto, o mesmo autor, de acrescentar que "não podem, à face do Direito português, manter-se, por via directa da boa fé, os efeitos falhadamente procurados pelo acto nulo"

Este Supremo Tribunal de Justiça, inicialmente mais formalista e recusando a invocação do abuso de direito nos casos de nulidade decorrente de inobservância da forma legal, veio depois, maioritariamente (posição a que aderimos) a reconhecer a admissibilidade dessa invocação desde que, no caso concreto, as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso de direito servirá de válvula de escape no nosso ordenamento jurídico, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo. Sempre tendo na devida conta que, nestes casos de nulidade formal dos negócios, não é qualquer actuação que justifica o impedimento do exercício do direito de requerer a nulidade, antes e porque as regras imperativas de forma visam, por norma, fins de certeza e segurança do comércio em geral, só excepcionalmente é que se pode submeter a invocação da nulidade à invocação do venire contra factum proprium.

E ainda, sem qualquer reserva, que o acontecimento futuro gerado pelo factum proprium seja, em termos de nexo, consequência adequada daquele (18).

Mais recentemente, podem citar-se os casos abordado no Ac. de 8/10/15, proferido por este Supremo no P. 370/13.0TBEPS-A. G1. S1 e no Ac. de 11/12/14, proferido no P. 1370/10.8TBPFR.P1.S1, em que se decidiu, respectivamente, que:

Os efeitos da invalidade do negócio jurídico por vício de forma podem ser excluídos pelo abuso de direito, em casos excepcionais, a ponderar casuisticamente, em que as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso de direito servirá de válvula de escape, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo.

Actua em violação grosseira do princípio da boa fé, na vertente da protecção da confiança, o Banco que dá à execução determinado crédito hipotecário, desconsiderando o anterior comportamento de um seu funcionário qualificado, gerente de agência bancária, que:

- pôs em circulação cópia de um documento autenticado que cabalmente autorizava a realização do distrate da hipoteca quanto à fracção adquirida, entregando-o à própria executada, após ter embolsado os cheques visados que era suposto titularem o montante do crédito hipotecário em dívida;
- garantiu cabalmente à executada que o distrate das hipotecas estava plenamente assegurado , ao assumir que tal declaração conteria um lapso material na identificação das fracções objecto da autorização de distrate de hipoteca , omitindo indevidamente a fracção que correspondia à garagem, comprometendo-se a proceder à respectiva correcção e a entregar o original da declaração devidamente rectificado ( e só com este pretexto retendo na sua posse o referido original do documento autenticado de renúncia à hipoteca);
- tal comportamento concludente do representante do Banco criou justificada confiança na executada quanto à inverificação de qualquer obstáculo na efectivação do distrate de ambas as hipotecas – só por isso de tendo realizado a escritura de alienação do imóvel.

Neste concreto circunstancialismo, fica vedada ao Banco exequente a invocabilidade do défice formal, decorrente de o executado não dispor do original do documento autenticado que titulava a renúncia à hipoteca e autorizava o respectivo distrate, não podendo consequentemente prosseguir os seus termos a respectiva execução hipotecária.

E – no segundo aresto citado - que:

Ainda que de modo muito cauteloso, os efeitos da nulidade por falta de forma, podem ser paralisados se o seu exercício corresponder a abuso do direito.

É de considerar ter lugar esta figura, relativamente à promitente vendedora, por violação manifesta do princípio da boa fé, se:

Publicitou, através de anúncio, a “venda” do imóvel;
Aceitou a proposta feita pelo autor em hasta pública por ela levada a cabo;
Foi recebendo dele as quantias relativas ao preço, tendo o momento do pagamento das duas primeiras sido fixado com referência ao que ela chamou “adjudicação” do imóvel;
Em dissonância com o estipulado, exigiu antecipadamente o pagamento da prestação (de 10%) que se venceria só com a efetivação da escritura pública, assim tudo tendo ficado pago;
Tendo ficado estipulado que a marcação desta caberia a ela, nunca a marcou, apesar de interpelada por ele várias vezes;
Deixou decorrer quase sete anos, desde que recebeu a última prestação do preço, até requerer na Conservatória do Registo Predial a aquisição do prédio em seu nome, para possibilitar a venda.

E se:

O promitente comprador, para além de ter pago a totalidade do preço, celebrou com terceiro contrato visando a transmissão do imóvel.”

O outro dos dois referidos problemas que, no caso, importa não perder de vista, resulta da natureza especial do bem locado (baldio) e da peculiar qualidade do locador titular do respectivo domínio (comunidade dos Compartes) em relação com o regime do vício formal do contrato invocado.

Tratando-se de nulidade, que, nos termos do artº 286º, CC, é invocável por qualquer interessado e que pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, importa esclarecer se e como se pode ela compaginar com a contraposta excepção de abuso de direito, nomeadamente na modalidade de venire contra factum proprium.

É que, por um lado, o aqui autor não é propriamente o titular de um tal direito pessoal à declaração de invalidade do negócio pretendido paralisar mediante a invocação do respectivo abuso ao qual, para este lograr procedência, deve imputar-se o factum proprium contraditório.

Como a este propósito diz o citado Professor, “na alegação, por parte do co-contratante ou de terceiro, de uma nulidade formal, não há exercício do direito nem de posição jurídica similar: o facto de tal nulidade ser constatável, de ofício, pelo tribunal, demonstra, insofismavelmente, o haver, nela, uma situação externa indisponível, que transcende conjunções subjectivas.” (24)

Por outro, a invocação da nulidade e o factum proprium não foram praticados pela mesma entidade administradora.

Com efeito, no exercício da função administrativa, sucederam-se, primeiro, a Junta de Freguesia e, depois, o Conselho Directivo.

É este quem, através da presente acção, surge (venire) a invocar a nulidade formal do arrendamento.

Foi aquela, todavia, quem, concluiu o contrato em 1999 e, desde aí até 14-11-2007, conforme carta de 07-04-2008 (ponto provado 9), protagonizou, na relação jurídica intersubjectiva assim estabelecida com a ré locatária, o papel de locadora na prossecução dos interesses do universo dos compartes titulares do baldio locado.

Tal releva porque “Venire contra factuam proprium postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo.” (25)

Ora, de acordo com o artº 11º, do Decreto-Lei 39/76, de 19 de Janeiro, a administração do baldio compete ao conselho directivo, bem como a representação dos compartes (sempre que este para tal seja mandatado pela assembleia).

A Lei 68/93, de 4 de Setembro, ao definir, no artº 1º, nº 1, os baldios como “terrenos possuídos e geridos por comunidades locais”, logicamente estabeleceu, no artº 11º, nº 1, que “Os baldios são administrados, por direito próprio, pelos respectivos compartes”.

Uma vez que estes (os compartes) se organizam em assembleia, na alínea e), do nº 1, do artº 15º, estabeleceu-se que à mesma compete deliberar sobre a delegação de poderes de administração prevista nos artºs 22º e 23º.

O artº 21º, alínea j), dispõe que compete ao conselho directivo exercer em geral todos os actos de administração ou co-administração do baldio, enquanto que o artº 22º, nºs 1 e 4, prevê que “Os poderes de administração dos compartes podem por estes ser delegados nos termos da presente lei […] na junta de freguesia”, devendo no acto ser “formalizados os respectivos termos e condições, nomeadamente os direitos e os deveres inerentes ao exercício dos poderes delegados”.

Nos termos do nº 1, do artº 36º, “A administração de baldios que, no todo ou em parte, tenha sido transferida de facto para qualquer entidade administrativa, nomeadamente para uma ou mais juntas de freguesia, e que nessa situação se mantenha à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, considera-se delegada nestas entidades com os correspondentes poderes e deveres e com os inerentes direitos, por força da presente lei, e nessa situação se mantém, com as adaptações decorrentes do que nesta lei se dispõe, até que a delegação seja expressamente confirmada ou revogada nos novos moldes agora prescritos”.

A titularidade originária dos poderes de gestão e de administração e a possibilidade de delegação destes, nomeadamente nas Juntas de Freguesia, mantiveram-se, sem alterações relevantes, na Lei nº 72/2014, de 2 de Setembro, e na Lei nº 75/2017, de 17 de Agosto.

Temos, portanto, de um lado, como entidade administrada e titular originária dos inerentes poderes a assembleia de compartes e, do outro, como administrador, em regra previsto na lei, o conselho directivo, ou entidade terceira (caso da Junta de Freguesia) com poderes de administração delegados.

Foi, portanto, no exercício de poderes de administração que cada uma das entidades actuou: primeiro a Junta, outorgando o contrato; depois o Conselho Directivo, invocando a sua nulidade.

Ora, como se sabe, a locação constitui, para o locador, um típico acto de administração ordinária.

Tal significa, desconhecendo-se as circunstâncias em que à Junta de Freguesia foi atribuída a gestão e administração do baldio e se outros poderes ou deveres lhe foram cometidos que, no que concerne ao arrendamento, estão restritamente compreendidos na sua tarefa os actos de conceder a outrem o gozo temporário e retribuído de uma coisa (26) e, bem assim, até cessarem tais poderes de gestão com o consequente efeito de caducidade do contrato, todos aqueles que se compreendem no conceito de mera administração, ou seja, os que, no dizer de Manuel de Andrade, “correspondem a uma gestão patrimonial limitada e prudente em que não são permitidas certas operações – arrojadas e ao mesmo tempo perigosas – que pode ser de alta vantagem, mas que podem ocasionar graves prejuízos para o património administrado. Ao mero administrador são proibidos os grandes voos, as manobras audaciosas, que podem trazer lucros excepcionais, mas também podem levar a perdas catastróficas.” “… entra na mera administração tudo quanto diga respeito: 1) a prover a conservação dos bens administrados; 2) a promover a sua frutificação normal.” (27)

Como se viu, a invocação da nulidade feita nesta acção (conduta alegadamente contraditória) foi-o pelo aqui autor Conselho Directivo, ao passo que a conclusão do contrato nulo pertenceu e os factos contraditados descritos foram todos protagonizados pela Junta de Freguesia, enquanto detentora de poderes delegados de administração, cuja atribuição e âmbito de todo se desconhecem.

Tratando-se de entidades diferentes (Conselho Directivo e Junta de Freguesia), embora ambas administrando interesses originariamente titulados pelo Universo dos compartes e relativos ao Baldio, os factum proprium por esta praticados e a situação jurídica deles decorrentes podem considerar-se em relação de contradição directa (como é exigido (28)) com a conduta daquele ao invocar a nulidade, de modo a poderem ser tidos como censuráveis e de má-fé e clamorosamente abusivos?

Responderemos, na linha do entendimento seguido pelo tribunal recorrido, que não e que, no caso concreto, não procede a invocada excepção.

Sobre o abuso de direito, refere-se, por exemplo, no Acórdão da Relação de Coimbra, de 08-05-2012 (29):

“Apesar de o abuso do direito ser de conhecimento oficioso, o mais distraído dos operadores ou observadores judiciários não pode deixar de notar que quase não há processo em que as partes, per abundantiam, ou à míngua de outros argumentos, não invoquem o abuso do direito. Por contraste – e por certo também em consequência da erosão que o instituto sofre com a sua indevida convocação - há casos em que tal arguição de todo se justificaria, mas em que, inexplicavelmente, se omite a sua invocação.

O abuso do direito deve ser usado sempre que necessário. O que não deve é ser banalizado, exigindo-se sempre uma ponderação cuidadosa dos seus requisitos e, portanto, a correcção, no caso concreto, da sua intervenção, sobretudo quando esta conduza a uma solução contrária à lei estrita.

De outro aspecto, o abuso do direito, exprimindo um nível último e irrecusável de funcionalização dos direitos à realização dos interesses que justificam o seu reconhecimento, é um instituto de carácter poliédrico e multifacetado como logo se depreende a partir da tipologia dos actos abusivos que se incluem na categoria e com os quais se procura densificar a indeterminação do conceito correspondente.

Assim, são reconduzidos ao abuso do direito, por exemplo, o venire contra factum proprium, quer dizer, a proibição do comportamento contraditório e a supressio (supressão)[, ou seja, a neutralização de um direito que durante muito tempo se não exerceu, tendo-se criado, pela própria conduta, uma expectativa legítima de que não iria ser exercido, e a surrectio, i.e., o surgimento de um direito por força de um comportamento contraditório qualificado pelo decurso do tempo - e o desequilíbrio objectivo no exercício, comportamento abusivo cujo desvalor se objectiva na desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem, e que compreende todas as situações em que se exercem poderes sanção por faltas insignificantes, como sucede quando uma parte resolva o contrato, alegando uma violação sem relevo de nota, em termos de causar a esta um grande prejuízo.

Como já se notou, na doutrina portuguesa, a proibição do venire contra factum próprio tem sido localizada dentro dos quadros do abuso do direito. Mas não falta quem o situe na tutela da confiança - formulando como requisitos para a proibição do comportamento contraditório a existência de uma situação objectiva de confiança, o investimento de confiança do lado da pessoa a proteger e a imputabilidade ao agente daquela situação- ou a análise no quadro das regulações típicas de comportamentos abusivos. Neste último enquadramento, a locução venire conta factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. Reclama, portanto, dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo - o primeiro - o factum proprium - é contrariado pelo segundo. Trata-se de tutelar uma situação de confiança, enquanto factor material da boa fé. Deste modo, há venire contra factum proprium, por exemplo, quando uma pessoa, em termos que, especificamente, não a vinculem, manifesta a intenção de não praticar determinado acto e, depois, pratica-o, violando a confiança da contraparte de que isso não ocorreria.

Assim, por exemplo, uma pessoa que manifeste, por qualquer modo, a intenção de não exercer um direito potestativo ou um simples direito subjectivo, mas que acaba por exercê-lo, actua contra facta propria. O exercício do direito, nestas condições, é inadmissível. Haveria abuso do direito (artº 344 do Código Civil).

Na jurisprudência, a proibição do venire é também reconduzida ao abuso de direito. Faz-se notar, aliás, que dentro da boa fé em sentido objectivo, o instituto com que com mais frequência se depara na jurisprudência é o venire contra factum proprium. Está nessas condições, por exemplo, a possibilidade de obstar à invocação de nulidade resultante de vício de forma, através do abuso de direito.

O venire contra factum proprium - que constitui reflexo do afinamento ético do Direito moderno - é um tipo não compreensivo de exercício inadmissível de direitos e, como tal, tem uma grande extensão.

Mas nem toda conduta contraditória do exercente lhe é redutível. Exige-se, para que essa redução seja possível, um investimento de confiança realizado pela contraparte contra quem o direito é exercido, fundado na expectativa, lícita ou legítima, de que tal exercício não ocorreria, uma qualquer situação de confiança que deva ser protegida contra o exercício do direito pela contraparte.

Assim, em primeiro lugar, reclama-se um comportamento anterior do exercente do direito que seja susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança; exige-se, depois, a imputabilidade aquele quer do comportamento anterior quer do comportamento actual; de seguida, há que verificar a necessidade e o merecimento do prejudicado com o comportamento contraditório; por último, há que averiguar a existência do investimento de confiança ou baseado na confiança, causado por uma confiança subjectiva, objectivamente justificada.

Note-se que a aplicação destes pressupostos, após a sua enumeração e verificação no caso concreto, não é automática: antes devem ser objecto de uma ponderação global, in concreto, para se aferir se existe uma exigência ético-jurídica de impedir a conduta contraditória, designadamente por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante e – o que é mais – por a situação conflituar, exasperadamente, com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta – com os ditames da boa fé em sentido objectivo.

O principal efeito quer do venire é, naturalmente, o da inibição do exercício de poderes jurídicos ou de direitos, em contradição com o comportamento anterior.”

Também no Acórdão do STJ, de 11-02-2012, se sintetizou: (30)

“Como ponderado no Ac. deste Supremo, de 25.05.99, de que foi relator o Ex. mo Cons. Fernandes Magalhães – COL/STJ – 2º/116 –, “…a concepção geral do abuso de direito postula a existência de limites indeterminados à actuação jurídica individual. Tais limites advêm de conceitos particulares como os de função, de bons costumes e de boa fé (…) O problema de base posto pelo abuso de direito reside na indeterminação dos conceitos que o informam e, designadamente, no de boa fé. Diz-se indeterminado o conceito que não permite uma comunicação clara e imediata quanto ao seu conteúdo. Por isso, o conceito indeterminado carece de um processo de concretização, tendente a possibilitar a sua aplicação em concreto (…) E sabe-se que a lei utiliza conceitos indeterminados como modo privilegiado de atribuir ao aplicador intérprete – “maxime” ao juiz – instrumentos capazes de promover, no caso concreto, uma busca mais apurada da justiça, como diz o Prof. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo 1, 1999, Almedina (…) De salientar também que assegurar expectativas e direccionar condutas são indubitavelmente funções primárias do direito (…) Ou seja: por um lado, assegurar desde logo a confiança fundada nas condutas comunicativas das “pessoas responsáveis”, fundada na própria credibilidade que estas condutas reivindicam, e, por outro lado, dirigir e coordenar dinamicamente a interacção social e criar instrumentos aptos a dirigir e coordenar essa interacção, por forma a alterar as probabilidades de certas condutas no futuro (…) E ambas as funções se relacionam com aquela “paz jurídica” que, ao lado da justiça, é R...ida como uma das expressões da própria “ideia de direito” (v. Prof. Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Jurídica, Braga, 1991, pags. 346)”.

Uma das modalidades que pode revestir o abuso de direito encontra guarida no instituto jurídico denominado “venire contra factum proprium”.

Esta vertente do abuso de direito inscreve-se no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adopta uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes actuara.

Dissertando sobre tal instituto, o Prof. ALMEIDA COSTA – que passamos a seguir de perto – ensina (R.L.J. – 129º/61) que “de acordo com o entendimento mais recente e quase uniforme da dogmática, a relevância da chamada conduta contraditória supõe a conjugação dos vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança. Entende-se que vedar, pura e simplesmente, a uma pessoa a prática de actos lícitos, embora opostos, redundaria numa teia de vinculações sistemáticas incompatível com o tráfico jurídico”. Acrescentando que “a concepção da tutela da confiança assenta no enunciado de um certo número de eventos ou circunstâncias que integram o chamado «facto jurídico da confiança» e que são: a situação objectiva de confiança (esta existe quando alguém pratica um acto – o «factum proprium» - que, em abstracto, é apto a determinar em outrem a expectativa de adopção, no futuro, de um comportamento coerente ou consequente com aquele primeiro e que, em concreto, efectivamente gera tal convicção, não surgindo, pois, tal situação se o «factum proprium» não influenciar o destinatário, como sucede quando se demonstra que este, independentemente da conduta de outrem, teria agido do mesmo modo); o investimento da confiança (este corresponde às disposições ou mudanças na vida do destinatário do «factum proprium» que, não só evidenciam a expectativa nele criada, como revelam os danos que, irrefragavelmente, resultarão da falta de tutela eficaz para aquele – irreversibilidade do investimento, lhe chama a dogmática alemã); finalmente, entende-se que a confiança apenas se mostra digna de protecção jurídica se o destinatário se encontrar de boa fé em sentido subjectivo, ou seja, se houver agido na suposição de que o A. do «factum proprium» estava vinculado a adoptar a conduta prevista e se, ao formar tal convicção, tiver tomado todos os cuidados e precauções usuais no tráfico jurídico”.P

Por seu turno, também em sede de pressupostos deste instituto, observa Baptista Machado que “a confiança digna de tutela tem de radicar em algo de objectivo: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura” (in “Obra Dispersa” – Braga 1991, Vol. I/416). “Para que a conduta em causa se possa considerar causal em relação à criação de confiança é preciso que ela, directa ou indirectamente, revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro” (mesma obra). Logo, o conflito de interesses e a subsequente necessidade de tutela jurídica apenas surgem quando alguém, estando de boa fé, com base na situação de confiança criada pela contraparte, toma disposições ou organiza planos de vida de onde lhe resultarão danos se a sua legítima confiança vier a ser frustrada.

E, dentro da mesma temática, ensina o Prof. Menezes Leitão[8]: “Quanto à tutela da confiança, a sua protecção através do princípio da boa fé significa exigir-se no quadro de um sistema móvel um conjunto de pressupostos para que a confiança tenha tutela jurídica. Seriam assim exigíveis:

--- Uma situação de confiança, traduzida numa boa fé subjectiva;
--- Uma justificação para essa confiança, consistente no facto de a confiança ser fundada em elementos razoáveis;
--- Um investimento de confiança, consistente no facto de a destruição da situação de confiança gerar prejuízos graves para o confiante, em virtude de ele ter desenvolvido actividades jurídicas em virtude dessa situação;
--- A imputação da situação de confiança criada a outrem, levando a que este possa ser considerado responsável pela situação.

Finalmente, na lição do Prof. Menezes Cordeiro[9], “Venire contra factum proprium” postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – o factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo” (…) “No essencial, a concretização da confiança, ela própria concretização de um princípio mais vasto, prevê...: a actuação de um facto gerador de confiança, em termos que concitem interesse por parte da ordem jurídica; a adesão do confiante a esse facto; o assentar, por parte dele, de aspectos importantes da sua actividade posterior sobre a confiança gerada – um determinado investimento de confiança – de tal forma que a supressão do facto provoque uma iniquidade sem remédio. O factum proprium daria o critério de imputação da confiança gerada e das suas consequências” (…) “A articulação destes requisitos entre si não opera em termos cumulativos comuns: a falta de algum deles pode ser suprida pela intensidade especial que assumam os restantes. Neste domínio como noutros, a concretização da boa fé impõe o abandono de subsunções conceptualísticas como modo de aplicar o Direito”. E “A proibição de venire contra factum proprium representa um modo de exprimir a reprovação por exercícios inadmissíveis de direitos e posições jurídicas. Perante comportamentos contraditórios, a ordem jurídica não visa a manutenção do status gerado pela primeira actuação, que o Direito não reconheceu, mas antes a protecção da pessoa que teve por boa, com justificação, a actuação em causa. O factum proprium impõe-se não como expressão da regra pacta sunt servanda, mas por exprimir, na sua continuidade, um factor acautelado pela concretização da boa fé”.

Cabia à Junta de Freguesia, como administradora e locadora, pautar o seu comportamento, no âmbito da relação jurídica de arrendamento, desde os respectivos preliminares, na sua conclusão, durante a sua execução e até ao seu termo, em função dos restritos poderes de gestão e de administração que detinha, observando-os pontualmente e de boa-fé.

Mesmo que se considerasse que os excedeu, quer ao conformar-se com a não submissão do contrato a escritura pública como era legalmente exigido; quer ao condescender com a persistência de tal situação ao longo de vários anos e limitando-se a receber as rendas (aliás indiferente ao destino efectivo que a ré deu ao locado, senão cúmplice até com as modificações nele introduzidas apesar de aquele se confinar “única e exclusivamente a um depósito de madeiras e afins” e de, para tal, só lhe ter sido permitida “a vedação do terreno com estacas de madeira e malha-sol”); quer, ainda, pressupondo o contrato como válido e ignorando o seu vício ao comunicar o termo dos seus poderes de administração em 14-11-2007 e a consequente “denúncia”, seria necessário daí poder concluir-se que agiu culposamente e à margem da boa fé e que, com a sua conduta, deu azo a que, no espírito da ré apelante, se instalasse a crença de que aquele perduraria sem ser questionado a sua validade, nesse espírito tendo confiado e tomado decisões e executado medidas cuja destruição ora lhe causasse danos vultuosos.

Porém, tal expectativa e os efeitos porventura daí resultantes na esfera jurídica daquela – em resultado do incumprimento, pela Junta, da sua função administrativa –, não se nos afiguram ser de imputar ao universo de compartes nem, por isso, susceptíveis de vincular o subsequente administrador (Conselho Directivo).

Tratando-se de actos praticados por pessoas distintas, logo emanação da vontade psicológica de cada uma, os da Junta de Freguesia, não se transmitiram e de modo nenhum foram assumidos pelo Conselho Directivo e, na medida em que excedentes aos de gestão ou administração ordinária conferidos, nem sequer são razoável ou tacitamente de considerar como aprovados pelos Compartes, nem cobertos por poderes representativos, não podendo também ser havidos “por conta” do Baldio nem tidos como produtores de “efeitos” na esfera jurídica daquele universo ou, enfim, como praticados “em nome” dele. (31)

Nesta perspectiva, o autor apelado não actua, ao invocar a nulidade, em contradição com a sua conduta anterior, uma vez que se trata de pessoas administradoras distintas e os actos de uma e outra não convergem, não implicam nem foram assumidos pela entidade administrada.

De resto, a natureza colectiva da entidade pública administradora (Junta de Freguesia) e os meros poderes de gestão com que actuava, não legitimavam que a ré sociedade, ao relacionar-se com ela, conhecendo, por um lado, os limites daqueles, os deveres sobre a mesma impendentes e o escrutínio a que está sujeita, e, por outro, a espécie de contrato em causa e as formalidades para o mesmo exigidas e cujos requisitos de solenidade e publicidade (de interesse geral) aquela tinha o dever acrescido de acautelar, confiasse cegamente na consolidação e manutenção prolongada, como se válida fosse, da relação jurídica entabulada e que jamais, apesar das circunstâncias, os Compartes abdicariam de arguir a nulidade.

As vicissitudes, geralmente conhecidas, ligadas à usufruição e exploração dos terrenos baldios e à dinâmica do respectivo regime, mormente de administração, aliás em Novembro de 2007 cessada por parte da Junta de Freguesia, pelo contrário aconselhariam a que a ré apelante procedesse com cautela e não investisse temerariamente na concepção e organização de planos de vida futuros e duradouros, logo arriscados, desprezando essa realidade e não contando com a transitoriedade daquele exercício.

Não nos convencemos, pois, que, por parte do Conselho Directivo, ao pôr em cheque um acto ilegal daquela, menos ainda por parte do universo de compartes, haja uma actuação de má-fé, reprovável e abusiva, nem que tal conduta seja violadora de expectativas em que a sociedade recorrente, induzida por aqueles, tivesse, em boa-fé, razoável e justamente confiado e que, por isso, seja merecedora de protecção de modo a evitarem-se prejuízos surpreendentes, graves e intoleráveis.

A própria passividade ante o tardio pagamento das rendas ou mesmo a falta de pagamento das posteriores a 2006, mormente já pelo Conselho Directivo, não evidencia, atenta a natureza das entidades em causa, a sua sucessão, as referidas vicissitudes do regime dos baldios, que por banda dos Compartes ou de quem exercia a administração, houvesse a intenção de, primeiro, aproveitar os benefícios do arrendamento como se ele fosse válido sem o ser e, depois, valer-se do seu vício formal e efeitos consequentes, em clamoroso e manifesto abuso, como nos casos citados pela apelante e outros facilmente localizáveis na jurisprudência, mas em que intervêm entidades privadas.

Não colhe, pois, neste contexto e em face de tudo o exposto, o argumento – aliás, não fundamentado – esgrimido pela apelante de que o Conselho Directivo sucedeu à Junta de Freguesia “e, por isso, na titularidade dos direitos e obrigações assumidas por aquela, enquanto entidade gestora”.

Como se disse, a censurabilidade e correspondentes consequências por condutas próprias em que esta não representava o baldio nem os Compartes não se reflectem nestes nem os vinculam, tal como o Conselho Directivo que lhe sucedeu na gestão.

Daí que se entenda injustificado, no caso concreto e em função das circunstâncias, a aplicação excepcional do abuso de direito previsto no artº 334º, CC, para preservar um negócio formalmente nulo, aqui devendo prevalecer a regra da inalegabilidade.

Pelo que deverá improceder esta questão recursiva.

Terceira e quarta questões

Uma vez que pressuponham a validade, ou consideração como tal, do contrato de arrendamento, ficam elas prejudicadas (conclusões 8ª a 18ª), não havendo que conhecer da denúncia, caducidade e resolução e manter-se incólume a condenação na desocupação e restituição da parcela objecto do arrendamento inválido, tal como da ilicitamente detida.

Quinta questão

Nas conclusões 24ª a 28ª, defende a recorrente que, em qualquer caso, deve revogar-se a sentença na parte em que a condena a pagar aos Compartes a quantia que vier a apurar-se em liquidação posterior.

Baseia-se, para tanto, que a indemnização pela privação do uso das parcelas pressupunha a verificação de um prejuízo e, para demonstração deste, a alegação dos correspondentes factos, sucedendo que nenhum resulta dos provados.

Vale para aqui – e por isso, recordando-se, ora se dá por reproduzido – tudo o que, a propósito do pedido de indemnização e dos respectivos fundamentos, foi alegado e, bem assim, os termos em que o tribunal a quo explanou o seu entendimento e decisão.

Além de ter defendido que a sentença é, nesta parte nula, por, ao condenar pela privação do uso das duas parcelas e com base no enriquecimento sem causa, entender que o tribunal excedeu a causa de pedir e o pedido, conhecendo de questão que lhe era vedado apreciar – tese que, como se viu, não procede –, a ré apelante insiste que, assentando os pedidos indemnizatórios na responsabilidade civil mas nenhum prejuízo concreto se demonstrando, como é pressuposto que se demonstre nesta espécie de responsabilidade extracontratual, falta esse fundamento para que se gere a obrigação de indemnizar.

Em seu apoio, transcreve o sumário de um Acórdão do STJ, datado de 12-11-2009 (32) mas relativo a processo de 2005, cujo sumário reza:

“I - Não basta a simples alegação e prova de que a não restituição do andar aos proprietários está a causar-lhes prejuízos, para que daí resulte, sem mais, a conclusão da existência de dano indemnizável, designadamente sem a alegação e prova dos factos relativos aos restantes pressupostos da responsabilidade (ilicitude, culpa e nexo de causalidade entre a conduta ilícita e os danos sofridos) e, além do mais, sem a concretização dos prejuízos sofridos.
II - Não tendo sido provada (nem alegada) a natureza e a espécie dos prejuízos sofridos, não dispõe o Tribunal dos elementos necessários para a condenação na sua reparação, pois só pode condenar em caso de existência de danos reparáveis que carecem de ser demonstrados, o que, desde logo, pressupõe a identificação dos mesmos, mediante a sua alegação.
III - Carece o Tribunal de conhecer se se trata de danos patrimoniais ou não patrimoniais, se de danos emergentes ou de lucros cessantes e, enfim, saber em que é que consistiram os prejuízos para aquilatar do valor dos mesmos, pois a indemnização civil tem como escopo precípuo a reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento causador do prejuízo ou, pelo menos, a compensação do lesado, em termos equitativos, pelos danos sofridos.
IV - Por isso, cabe aos interessados a quem a lei reconheça o direito à indemnização pelos prejuízos sofridos, a alegação e a prova de tais prejuízos, enquanto factos concretos constitutivos do alegado direito, não sendo suficiente a vaga e genérica alegação de que determinada conduta está a causar-lhes prejuízos, o que se traduz em puro e simples juízo conclusivo.”

O entendimento ao mesmo subjacente, como se colhe da leitura do texto da respectiva fundamentação, coloca o enfoque na consideração de que as instâncias se haviam decidido pela indemnização mas expressamente a enquadrando no regime da responsabilidade civil extracontratual, para cuja verificação notou o STJ faltar a alegação de factos relativos ao menos à espécie e natureza dos danos porventura sofridos.

Não foi aí considerada, muito menos adoptada, a tese, ultimamente de acolhimento generalizado, em que se baseou o tribunal recorrido suportado, aliás, no Acórdão do STJ, de 03-10-2013 (33).

Vale a pena atentar no sumário deste, do qual se extrai que, apesar da impossibilidade de enquadramento da situação de ocupação da coisa na responsabilidade civil quando não alegado ou não provado um dano patrimonial autónomo concreto, o ocupante pode constituir-se devedor ao dono da coisa do valor obtido com a exploração e com que enriqueceu ao intervir ou ingerir nela:

I - A privação do direito de uso e fruição integrado no direito de propriedade configura, por si só, uma desvantagem económica que se reflecte necessariamente no valor do mesmo.
II - Em decorrência da teoria da diferença consagrada no n.º 2 do art. 566.º do CC, tal dano – normativo e meramente abstracto – não é autonomamente ressarcível, só o sendo quando se reconduz a dano emergente ou lucro cessante.
III - O ónus de alegação e prova de tais danos incumbe ao lesante.
IV - A fixação equitativa da indemnização supõe a existência de limites quantitativos provados.
V - Se na pendência de uma acção de reivindicação os autores não logram provar os danos emergentes (impossibilidade de habitar e fazer obras no prédio) e lucros cessantes (frustração efectiva do arrendamento do imóvel) por si invocados, fica inviabilizado o recurso à equidade para determinação da indemnização pela privação do uso.
VI - Sem embargo do referido em II e V, a ocupação do prédio pelos réus, beneficiando das vantagens de um bem alheio, sem título que o legitimasse, durante os quase nove anos em que, por via dos sucessivos recursos por si interpostos, esteve pendente a acção, legitima o reconhecimento de um crédito aos autores com fundamento no enriquecimento sem causa.
VII - São pressupostos do enriquecimento sem causa: a) a existência de um enriquecimento; b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento.
VIII - À custa de outrem não significa necessariamente que o credor da restituição seja empobrecido, mas apenas que o valor que entra no património do enriquecido corresponde ao que foi obtido com meios ou instrumentos pertencentes ao credor da restituição.
IX - Nos casos de enriquecimento sem causa fundado na utilização de bens alheios o valor da restituição é o valor de exploração, aferido pelo critério do valor objectivo dos bens.
X - Se as partes reconhecem um valor locativo ao prédio cujo valor concreto não se apurou, nada impede a condenação das rés a restituir aquele que se venha a provar em incidente de liquidação.”.

Ora, a apelante, arrimando-se apenas no argumento de que, para a responsabilidade civil, falta a verificação do pressuposto dano, não esboçou sequer qualquer crítica impugnatória dos fundamentos em que se baseou a sentença para a condenar, nos termos em que tal sucedeu na alínea d) do dispositivo final da sentença.

Assim sendo, a tal questão recursiva, conforme ela vem colocada – juntamente, aliás, com a da nulidade da sentença já atrás apreciada –, falece um objecto verdadeiramente fundamentador da eventual alteração e que torne aquela merecedora de reapreciação por eventual erro de julgamento.

Por isso e porque, afinal de contas, da posse e usufruição que lhes pertence - e exercitam quanto ao resto do terreno, para apascentar gados, produção e corte de matos, lenhas e madeiras de cujo produto beneficiam – das duas parcelas que fazem parte do baldio estiveram os Compartes privados, sendo certo que a ré apelante, ao servir-se delas e instalar-se nelas, aí sustentou também o desenvolvimento da sua actividade comercial, em contrapartida do que até se dispôs a pagar e pagou até 2006 uma “renda” bem significante do valor de uso com que, sem causa justa, enriqueceu ao deixar de as restituir, como devia, lá permanecendo ilegítima e graciosamente, impedindo os moradores de, livre e plenamente como é seu direito no âmbito do regime baldio, colherem delas os proventos possíveis, não só se conclui dever manter-se intocada a decisão nesta parte como também que ela está suportada em fundamento jurídico de subscrever.

Sexta questão

Respeita esta à sanção pecuniária compulsória que à apelante foi imposta, no montante de 50€ por cada dia de incumprimento da obrigação de desocupação e restituição, aos moradores da freguesia e Compartes do Baldio, livres de pessoas e coisas, das duas parcelas (conclusões 2ª e 3ª).

Defende a recorrente que se trata de uma obrigação de entrega de coisa certa e não de prestação de facto infungível, sendo que a esta o artº 829º-A, nº 1, do CC, limita o seu campo de aplicação.

Acrescenta que, em caso de incumprimento da mesma, a recorrida teria de instaurar acção executiva com aquela finalidade, sendo que a “desocupação” é uma mera consequência da restituição e não uma prestação de facto autónoma.

Em seu abono, cita o Acórdão da Relação do Porto, de 07-07-2011. (34)

Por seu turno, o apelado bate-se pela confirmação do que em 1ª instância foi a este respeito decidido, argumentando que não está em causa uma mera entrega mas sim a entrega “livre de pessoas e coisas” e sem qualquer “ocupação”, para o que, antes dela, têm de ser removidos as madeiras, lenhas, contentor, depósito, fossa, revestimento do piso e as instalações de água e luz, “o que se revela, de resto, de particular dificuldade”, daí retirando que se trata de “uma prestação de facto infungível positivo, seguida da entrega de coisa certa”.

Dispõe a norma em causa – artº 829º-A, nº 1 – que “Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.”

O tribunal recorrido fundamentou assim a sua decisão:

À sanção pecuniária compulsória, prevista no artigo 829º-A, do C.C., está subjacente o dever de acatamento das decisões judiciais, pretendendo-se com a mesma obstar ou vencer a resistência do devedor, a sua oposição, indiferença ou desleixo para com o cumprimento, assim visando uma dupla finalidade: incentivar o cumprimento e o reforço e eficácia do sistema judicial.

Nos termos do último dos normativos citados, nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso, sendo a mesma fixada segundo critérios de razoabilidade.

No caso em apreço, estamos perante a sanção compulsória judicial, requerida pelo autor como meio de determinar a ré ao cumprimento da determinação da presente sentença.

A aplicação da sanção pecuniária compulsória judicial está dependente do preenchimento dois requisitos positivos e de um requisito negativo.

Os primeiros são:

- que se trate de “obrigações de prestação de facto infungível”, positiva ou negativa; e
- que o credor requeira a condenação do devedor no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por infração.

O segundo é que a obrigação de facto não exija “especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado”, pois se tal acontecer não haverá lugar à aplicação da sanção.

A obrigação de desocupação das parcelas tem carácter infungível, uma vez que só pode ser imposta à ré – entidade que as ocupa.

Entende-se como razoável para assegurar a efetividade da decisão o montante diário de € 50,00 (cinquenta euros), atendendo às características das parcelas em causa, à natureza do uso que a ré lhes dá, ao facto de a ré ser uma sociedade comercial que nelas exerce uma atividade lucrativa.

Nesta parte, afigura-se-nos que a recorrente tem razão, pois, ao contrário do que erradamente na sentença se pressupôs, não estamos diante de uma prestação de facto.

Trata-se, sim, de obrigação de entrega, ainda que carente de alguma actividade concomitante do obrigado de modo a libertar a coisa certa da sua presença, intromissão ou ingerência e sinais desta e, assim, a lograr o seu cumprimento pleno e efectivo

De qualquer modo, nunca se trata de prestação infungível.

Este carácter, ao contrário do que alega a recorrente, não decorre de ela “só poder ser imposta à ré – entidade que as ocupa [as parcelas]”. Isso faz dela o sujeito obrigado, na medida em que colocado na posição de lesante do direito violado. Todavia, a restitutio pode ser lograda por terceiro.

Como bem se explica no referido Acórdão da Relação do Porto;

“…não se trata da prestação de um facto (positivo), mas da entrega de um bem determinado, identificado sob o item 2º dos factos provados.

Conforme já constatámos e resulta claro do nº 1 do art.º 829º-A o instituto em referência apenas está previsto como instrumento de coacção ao cumprimento de obrigações de prestação de facto, de facere, de realização (ou omissão) de uma actividade, e não de mera entrega de coisa ou de dare. Como muito bem descreve Menezes Cordeiro[7], na prestação de coisa, o devedor deve investir o credor no controle de determinada coisa. A prestação de facto pressupõe, antes, o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade. A expressão prestação de coisa designa, apenas, a conduta que visa colocar alguém no controle material duma coisa. A prestação de facto pode implicar uma acção ou uma abstenção; no primeiro caso, fala-se em prestação de facto positivo: o devedor está adstrito à realização duma actividade; no segundo, utiliza-se a expressão prestação de facto negativo: o devedor está obrigado à inactividade, devendo coibir-se de agir por determinada forma.

A A. é titular do direito a uma coisa determinada, podendo ela recorrer à acção executiva com vista à sua apreensão e entrega (art.º 827º do Código Civil e artºs 45º, nº 2 e 928º e sgs, do Código de Processo Civil).

Assim, não sendo imprescindível o comportamento do devedor, dado que é possível a realização de tal prestação pelo tribunal, o processo executivo para entrega de coisa certa é suficiente para assegurar o cumprimento da injunção judicial, conforme prevê o citado art.° 827°, não se justificando a previsão de qualquer medida compulsória do cumprimento.[8]

Foi manifesta intenção do legislador reforçar a garantia de cumprimento das obrigações de prestação de facto não fungível --- relativamente às quais não é viável o recurso à execução (forçada) da prestação de facto por terceiro e quase sempre se torna muito difícil avaliar com exactidão os danos causados ao credor pela inadimplência do obrigado[9]. E sendo, evidentemente[10] uma medida exclusiva das prestações de facto infungíveis, positivas ou negativas (com a excepção prevista no nº 1 do art.º 829º-A), impõe-se-nos concluir que a sanção pecuniária compulsória não pode constituir-se como dever de obediência à condenação de entrega da coisa objecto do contrato-promessa, desde logo porque a lei não a prevê para as obrigações desta natureza pela facilidade com que, por via da acção executiva, a A. poderá obter a entrega do bem em devido tempo, sem prejuízo dela nem do respeito devido aos tribunais.”.

Na mesma linha rumou o Acórdão da Relação de Évora, de 12-07-2016 (35):

“Da transcrita redacção do preceito em apreço resulta claramente que o legislador nacional importou o modelo francês das astreintes com uma configuração muito restritiva, reservando o mecanismo coercitivo da sanção pecuniária compulsória apenas para hipóteses em que o cumprimento de uma obrigação só é possível com a intervenção pessoal do obrigado (e, mesmo assim, com excepção das obrigações que exijam especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado).

Como sublinha CALVÃO DA SILVA, «o legislador não consagrou a sanção pecuniária compulsória como mecanismo coercitivo de aplicação em geral, antes a limitou às obrigações de non facere e de facere cujo cumprimento exige a intervenção insubstituível do devedor, com excepção das que requeiram especiais qualidades científicas ou artísticas», ou, dito de outro modo, concebeu-a «como processo coercitivo de aplicação subsidiária, destinado a colmatar a lacuna, existente no nosso sistema jurídico, devida à inidoneidade da execução para realizar in natura as prestações de facto infungíveis» (Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 450). Aprofundando a explicação sobre a razão de ser do instituto e a opção do nosso legislador em «fazer da infungibilidade da obrigação o correlato da sua aplicabilidade», discorre esse autor nos seguintes termos: «(…) o legislador confinou a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal – obrigações de carácter intuitus personae, cuja realização requer a intervenção do próprio devedor, insubstituível por outrem – fazendo dela um processo subsidiário, aplicável onde a execução específica não tenha lugar. E, assim, graças à sanção pecuniária compulsória, ao constrangimento que ela exerce sobre a vontade do devedor rebelde, o credor pode alimentar a esperança de obter a originária prestação infungível que lhe é devida (…), sem ter de cingir-se e resignar-se à execução por equivalente». E prossegue: «(…) o legislador preocupou-se com a realização das prestações insusceptíveis de execução específica, consagrando um meio de pressionar o devedor ao cumprimento, apenas, dessas obrigações. Logo, onde o credor disponha de execução sub-rogatória, não há lugar à aplicação da sanção pecuniária compulsória» (idem, pp. 450-451).

Ora, este critério (devidamente explicitado pelo autor em presença) de caracterização da obrigação elegível para a aplicação do instituto da sanção pecuniária compulsória, em termos de tal obrigação dever ter um carácter intuitus personae (i.e., que só pode ser realizada pelo próprio devedor, sem que possa ser cumprida nos mesmos termos por outro meio processual), é particularmente relevante no caso dos autos. Pergunte-se: perante a ordem decretada na sentença recorrida de entrega aos AA. dos prédios ocupados pelos RR., só estes podem proceder a essa entrega? ou há outro meio de fazer cumprir essa ordem de entrega? Tratando-se de coisa determinada, não se vê obstáculo a que essa entrega – e a realização da respectiva prestação – se possa fazer mediante a utilização do processo executivo para entrega de coisa certa (como se prevê no artº 827º do C.Civil, depois desenvolvido nos artos 859º e seguintes do NCPC), sem necessidade de qualquer medida compulsória adicional incidente sobre o próprio obrigado e tendente ao cumprimento por este da sua obrigação. Estamos, pois, precisamente diante de um daqueles casos em que a lei confere meios de execução sub-rogatória, que levam à exclusão da aplicação do instituto contemplado no artº 829º-A do C.Civil.

Este tem sido, aliás, o entendimento prevalecente da jurisprudência em inúmeros casos de injunções sentenciais de entrega de bens móveis ou imóveis (designadamente, em acções de reivindicação e em acções de resolução de contratos de locação ou de contratos-promessa de compra e venda, em que se obteve a procedência de pedidos de restituição de bens ocupados, locados ou prometidos comprar e vender), de que destacamos, por todos, os seguintes arestos:

– Ac. RC de 3/3/2009 (Proc. 228/04.4TBILHV.C1, in www.dgsi.pt): «a sanção pecuniária compulsória, prevista no n.º 1 do art.º 829º-A do C. Civil, apenas está prevista como instrumento de coacção ao cumprimento de obrigações de prestação de facto e não de entrega de coisa [objecto de contrato-promessa de compra e venda]»;
– Ac. RP de 7/7/2011 (Proc. 667/10.1TVPRT.P1, idem): «Resolvido o contrato-promessa de compra e venda, a condenação do promitente-comprador na restituição do bem objecto do contrato ao promitente-vendedor constitui uma obrigação de entrega de coisa determinada, e não de prestação de facto (positivo), pelo que não é legalmente admissível a condenação daquele devedor em sanção pecuniária compulsória judicial prevista no nº 1 do art.º 829º-A do Código Civil»;
– Ac. RP de 8/5/2012 (Proc. 1181/09.3TVPRT.P1, idem): «Sendo o autor titular do direito à entrega de uma coisa determinada [em acção de reivindicação], pode recorrer à acção executiva para a sua apreensão e entrega. Mecanismo coactivo que é suficiente para assegurar o cumprimento da injunção judicial, sendo inaplicável sanção pecuniária compulsória»;
– Ac. RL de 23/5/2013 (Proc. 952/11.5TVLSB.L1-2, idem): «(…) é manifesto que a entrega do veículo objecto do contrato de ALD celebrado com a autora é uma prestação fungível, já que é possível ser realizada por outrem, mesmo sem ou contra a vontade do devedor, nomeadamente por recurso ao processo executivo para obter a prestação através da acção de outrem, à custa do devedor (…) [pelo que não deve ser] acolhido o pedido de condenação dos réus no pagamento da peticionada quantia, a título de sanção pecuniária compulsória»;
– Ac. RC de 10/2/2015 (Proc. 1289/12.8TBACB.C1, idem): «(…) A restituição do prédio (…) [em acção de reivindicação] é uma obrigação que tem como objecto uma prestação de coisa, pelo que, sendo o seu cumprimento possível através da execução específica, não é – uma vez que o processo de execução serve até ao fim a lei substantiva – passível de se fazer acompanhar a condenação principal (à restituição) da condenação acessória que a sanção pecuniária compulsória representa (cfr. art.º 829.º-A/1 do C. Civil)».”

A obrigação de “desocupar e restituir” as duas parcelas “livres de pessoas e coisas” consubstancia efectivamente prestação de coisa e não prestação de facto, na medida em que não exige do obrigado fazer algo, realizar uma actividade, desenvolver uma acção ou omitir qualquer comportamento ou abster-se dele.

Trata-se apenas da mera entrega para cuja consumação basta abrir mão da coisa, deixar de estar presente nela e retirar de lá os seus pertences, assim permitindo que os Compartes, enquanto titulares do respectivo domínio, sejam reinvestidos no seu controlo e reentrem ou sejam investidos na respectiva posse.

Para tal não é necessária uma intervenção pessoal da apelante (muito menos que possa considerar-se insubstituível). Basta recorrer ao processo executivo – artºs 827º, do CC, 859º e 861º, CPC.

Mesmo que, para desocupar as parcelas dos pertences da apelante e sua reposição no estado anterior, ou seja, livre de bens, se entenda tratar-se de prestação de facto, esta tem natureza fungível, uma vez que não depende da acção pessoal daquela, semelhantemente podendo basear execução – artºs 828º, CC, e 868º, CPC.

O direito dos Compartes sobre o Baldio é semelhante ao direito real de propriedade.

Este traduz-se num poder directo e imediato sobre a coisa dele objecto.

Enquanto direito absoluto, dotado de eficácia erga omnes, não supõe uma relação intersubjectiva contrapondo dois ou mais sujeitos determinados e por estes titulada mas sim uma relação entre o dominus e a generalidade dos cidadãos unidos pela mesma ordem jurídica comum que os reconhece e a todos impõe o dever geral de não a lesarem – obrigação passiva universal.

Só se e na medida em que determinado sujeito com a sua conduta pessoal obste ou impeça (por exemplo, escondendo-a e não indicando a sua localização apenas dele conhecida) a entrega de uma coisa e, portanto, esta dependa da prestação por ele de um facto positivo (informação) infungível estaremos, então, perante prestação sujeita a compulsão por meio de sanção pecuniária.

Ocorrendo a violação, por ele, em concreto, da obrigação que é de todos mas que, sendo apenas por ele infringida, o torna destinatário, enquanto declarado ofensor do direito, da condenação a reconhecê-lo e respeitá-lo e a readaptar a sua conduta em conformidade, pode a mesma conter, para se tornar efectiva, a obrigação de restituir e esta englobar a de entrega da coisa e de prestação de certo facto conexo que a assegure.

Porém, só no caso de tal restituição não poder ser feita através de outrem ela poderá ser considerada infungível.

Ora, a restituição ou entrega aqui em causa implica uma investidura do titular do domínio na posse e na usufruição da coisa. Para esta se materializar e consumar, não é imprescindível, sequer necessária, a acção ou conduta positiva e nesse sentido do infractor obrigado. Ela não depende exclusivamente da sua vontade e actuação próprias. Nisso pode ser substituído por outrem e, por via executiva, lograr-se a sua realização. Mesmo quanto à remoção do contentor e do depósito de combustível (bens móveis), eliminação (ou desconstrução da fossa), remoção do betão e levantamento das infra-estruturas de água e luz caso se entenda que integram prestação de facto necessária à restituição da coisa “livre”.

Deve, pois, tal questão proceder e revogar-se a sentença quanto à alínea e), do dispositivo.

Sétima questão

Tendo a ré, como se relatou ab initio, em reconvenção, com fundamento na realização de benfeitorias, pedido a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de €13.300,00 (e juros) e para cuja garantia invocou ter direito de retenção, a reconhecer, a verdade é que aquela foi julgada improcedente e deste absolvido o autor apelado.

Vejamos como na sentença se fundamentou tal decisão:

“A ré deduziu reconvenção nos autos, alegando, em suma, que realizou obras no arrendado, que assumem a natureza de benfeitorias úteis, feitas de boa-fé e insuscetíveis de serem removidas, que o valorizavam em quantia não inferior a € 13.300,00, quantia essa que o autor deve pagar-lhe. Invoca, em consequência, o direito de retenção do arrendado enquanto não for paga pelo valor das benfeitorias.

Uma vez que concluímos pela nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre a Junta de Freguesia de (…) e a ré, quanto à questão da indemnização das benfeitorias rege o disposto no artigo 289º, nº 3, do C.C., nos termos do qual: “É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, diretamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269º e seguintes.”.

No caso dos autos, releva o disposto nos artigos 1273º e 1275º, do C.C., que prescrevem que o possuidor tem direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias, bem como a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela. No que toca às benfeitorias voluptuárias, apenas o possuidor de boa fé tem direito a levantá-las, se o levantamento não implicar o detrimento da coisa; se implicar, não pode levantá-las nem haver o valor das mesmas. O possuidor de má fé, por seu turno, perde as benfeitorias voluptuárias que haja feito.

Atento o disposto, importa, antes de mais, classificar as obras feitas pela ré na parcela arrendada, elencadas nos factos provados 7., 8., 10., 12. a 20. Constituirão elas benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias?

Para tanto, analisemos o disposto no artigo 216º, do C.C., nos termos do qual consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, sendo benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor, e voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.
Vejamos.

A parcela arrendada integra um baldio. Ademais, não resultou provado que as obras feitas o fossem com o consentimento da Junta de Freguesia ou dos compartes.

Nos termos do artigo 3º da Lei dos Baldios (Lei nº 68/93, de 02/09, redação da Lei nº 72/2014, de 02/09), os baldios constituem, em regra, logradouro comum, designadamente para efeitos de apascentação de gados, de recolha de lenhas ou de matos, de culturas e de outros aproveitamentos dos recursos dos respetivos espaços rurais.

As obras feitas na parcela arrendada - instalação de um contentor metálico, de um depósito de combustível, de uma fossa para lubrificação de veículos, de água e luz, bem como a aplicação de betão, não tiveram por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da parcela arrendada. Na verdade, o objetivo de tais obras foi o de adaptar esse local à atividade de corte e depósito de madeiras para posterior venda das mesmas por parte da ré. Assim, forçoso se torna concluir que não constituem benfeitorias necessárias à parcela arrendada.

Ademais, está também vedada a conclusão de que tais obras aumentem necessariamente o valor do prédio. É que não pode olvidar-se que estamos perante um baldio, podendo até acontecer que as referidas obras – tais como a aplicação de betão – impeçam o exercício de atividades típicas que se exercem nos baldios (tais como a apascentação de gados).

Conclui-se, assim, que tais obras também não se podem incluir na categoria de benfeitorias úteis.

E, por conseguinte, por exclusão de partes, tais obras terão de ser havidas como benfeitorias voluptuárias, que se mostram apenas adequadas à satisfação do interesse comercial da ré, em nada enriquecendo os interesses dos compartes.

Assim, sendo voluptuárias as benfeitorias realizadas pela ré, rege o disposto no artigo 1275º, do C.C., não podendo a ré haver para si o valor das mesmas, motivo pelo qual é de lhe conceder qualquer indemnização a este título.

Imposta esta conclusão, despicienda se torna a apreciação do direito de retenção invocado pela ré, uma vez que pressupunha a verificação do direito à indemnização.

Tanto basta para se concluir pela improcedência da reconvenção.”

Ora, contando com os factos provados e não com aqueles que resultem porventura de documentos juntos ao longo do processo mas não alegados nem considerados, certo é que, na parcela que havia sido objecto do contrato de arrendamento declarado nulo, a apelante instalou um contentor metálico, um depósito de combustível, implantou uma fossa para lubrificar veículos, lá mantém camiões, atrelados, ferramentas e utensílios, instalou água e luz e aplicou betão.

Curiosa, porém, é a justificação apresentada pela recorrente, perante o regime decorrentes dos artºs 1269º a 1275º, aplicável ex vi do artº 289º, nº 3, e à luz do artº 216º, todos do CC, para lhe ser atribuída a indemnização desejada:

“…embora a parcela de terreno em questão se destine a exploração florestal, é inegável que a existência de uma ligação de água e de luz constitui uma mais-valia para a parcela em questão, que poderá ser utilizada, no limite e a título meramente exemplificativo, em caso de incêndio florestal, para fornecimento de água a bombeiros ou para ligação de geradores, através de energia eléctrica.

Uma tal ligação constitui sempre uma mais-valia para um prédio (…).

A existência de um depósito que, até aqui, tem sido utilizado como reservatório de combustível, poderá sempre constituir uma utilidade para o prédio em questão e para todo o baldio, nomeadamente, se for utilizado para armazenamento de água, necessário ao combate a incêndio florestais.

Também por aí, é entendimento da ré que, constituindo uma mais valia (…).

Idêntico raciocínio vale para a construção de uma fossa para reparação de veículos, a qual é insusceptível de ser removida e, mais uma vez, se poderá revelar de utilidade, para realização de pequenas reparações, quer por maquinaria de apoio à actividade florestal, quer para apoio aos bombeiros, em caso de incêndio.

Também por isso se impõe, do ponto de vista da ré, a consideração do valor dessa instalação na indemnização (…)”

Tendo em conta a especial natureza, função, destino e titularidade do Baldio, não se tratando, de benfeitorias necessárias nem de benfeitorias úteis que, à luz do falado regime, não possam ser levantadas, e não colhendo manifestamente aceitação os supra referidos argumentos (uma vez que se não descortina que “mais-valia” possa ter para o Baldio e para usufruição das suas normais utilidades tiradas pelos Compartes a existência de instalação de água e luz, do depósito de combustível ou da fossa para reparação de veículos …), não vemos como não corroborar a decisão e respectivos fundamentos, aliás não directamente postos em causa.

Recordando-se que a parcela de terreno (baldio) foi cedida para depósito de madeiras e apenas nele autorizada a colocação de uma vedação, não nos parece que a instalação, pela sociedade ré, nesse local, de água e luz, do depósito de combustível, da fossa de lubrificação e a colocação de betão (cujos custos ascenderam ao valor de 7.100€ ora pretendido), se compreendam no conceito de despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa nem que, mesmo a assim serem consideradas, elas tenham tido por fim evitar a perda, destruição ou deterioração dela ou, não sendo indispensáveis à sua conservação, lhe tenham aumentado o valor, muito menos sirvam para recreio da benfeitorizante.

Elas, por um lado, conexionam-se com a actividade comercial da apelante mas a lá implementada e desenvolvida com recurso a tais componentes e serviços excede a que lhe fora permitida – simples depósito de madeiras – e com que eles não têm uma relação directa e necessária.

E, por outro, destinando-se a coisa baldia a ser gerida e usufruída pela comunidade de compartes na apascentação de gado, produção e corte de lenhas e árvores, é evidente que, na manutenção de tal terreno e na melhoria das suas potencialidades para o efeito, nenhuma “mais-valia”, em termos de normalidade e do que sugerem as regras da experiência comum, aportam aquelas descritas infra-estruturas, uma vez que se não descortina que séria e efectiva utilidade aqueles lhes possam dar nas referidas actividades.

Não havendo lugar a indemnização, restará à apelante retirar aquilo que lá colocou, no que nem sequer se almeja qualquer detrimento, de modo a restituir as parcelas ao seu estado primitivo.

A decidida improcedência do pedido reconvencional não merece, pois, qualquer censura, motivo por que, sem necessidade de mais considerações, não se acolhe, também nesta parte, o apelo daquela.

Em suma, apenas se dando provimento ao recurso quanto à questão sexta, importará alterar as custas da acção e fixar as deste na respectiva proporção, como é de lei.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação em julgar apenas em parte procedente o recurso e, em consequência, nessa medida dando parcial provimento à apelação, revogam a decisão recorrida quanto à alínea e), do dispositivo final – condenação no pagamento de 50,00€/dia a título de sanção pecuniária compulsória do cumprimento da desocupação e entrega das duas parcelas –, confirmando-a na parte restante.
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Custas da acção e do recurso pela ré apelante, na proporção do seu decaimento que se fixa em de 5/6, sendo o autor apelado isento – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 4º. Nº 1, alínea x), 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP, e 16º, nº 5, da Lei nº 75/2017, de 17 de Agosto).
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Notifique.
Guimarães, 07 de Fevereiro de 2019

José Fernando Cardoso Amaral
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Pedro Damião e Cunha


1. Item 3º: “…Baldio do Monte da Nó, inscrito na Matriz …sob os artigos 1.639, 1.560 e 2.190 …com uma área total de cerca de 777.000,00m2”; Item 15º: “…uma parcela de terreno baldio do artigo nº 1639…com á área de 900m2”; Item 28º: “…uma outra faixa ou parcela de terreno, com a área de cerca de 500,00m2, … sita …no Baldio do Monte ada Nó, parcela essa que se vê nas fotografias ora juntas sob os documentos 24 a 30.”
2. O autor cita jurisprudência que admite poder basear-se tal indemnização quer na responsabilidade civil quer no enriquecimento sem causa.
3. Descritas nos itens 25 e 67 da contestação.
4. Tais pontos referem-se à parcela objecto do contrato de arrendamento e à que foi ocupada depois pela ré.
5. Quanto aos pedidos pelo autor formulados, a título principal, nas alíneas a) e b), relativos à natureza baldia do terreno (todo) com 777,000m2, seu domínio pelos compartes da freguesia e reconhecimento disso pelo tribunal, apenas se observou, na fundamentação de direito vertida na sentença, que tal não foi posto em causa nos autos pelas partes, “tendo sempre sido aceite por todos que as mesmas integram o baldio do Monte da Nó” e que se partiu desse pressuposto para apreciação das demais questões.
6. Não tendo sido caso de apreciação e decisão dos pedidos subsidiários das alíneas d), e) e f), relativas à caducidade, denúncia e resolução, quanto ao pedido principal da alínea f), foi considerado não autónomo e desnecessário, mas nada se referiu quanto ao da alínea g).
7. Cortou-se a transcrição neste ponto feita do texto de todo o dispositivo (ou decisão) final da sentença, por desnecessário nas conclusões.
8. No processo físico nem aquela resposta nem este despacho estão impressos.
9. Menciona-se, por evidente lapso, o artº 668º, que é do anterior Código, e sugere-se erradamente a “revogação”, sabendo-se que esta haverá de decorrer de erro de julgamento e não do vício de invalidade.
10. Expuseram-se aqui de seguida, repetidamente e em termos teóricos, os diversos pressupostos emanados do artº 483º, do CC, transcrevendo o respectivo texto legal, o conceito e variantes de cada um deles, citando Doutrina, e aludiu-se às regras do ónus da prova. Não transcrevemos essa parte, por desnecessária.
11. CJ, Ano VII, Tomo 1, página 173.
12. Direito Processual Civil Declaratório, I, Almedina Coimbra, 1981, página 205 e seguintes.
13. Direito Processual Civil Declaratório, III, Almedina Coimbra, 1981, páginas 392 e 393.
14. Idem, nota 37.
15. Temas da Reforma do Processo Civil, 1 e 2, Almedina, Coimbra, 1997, página 176 e 187.
16. Idem, página 177.
17. Cf. Acórdão do STJ, de 18-09-2018, processo nº 21852/15.4T8PRT.S1, relatado pelo Cons.º Tomé Gomes.
18. Segundo jurisprudência unânime, disse, mas sem indicar qualquer exemplo (item 16).
19. Da Boa Fé no Direito Civil, volume II, Almedina, 1984, páginas 771 e seguintes.
20. Ob. Cit., páginas 783 e 784.
21. Idem, página 785.
22. Processo nº 994/05.0TBCNT.C1. S1, relatado pelo Cons.º Fernandes do Vale.
23. Processo nº 2234/11.3TBFAF.G1. S1, relatado pelo Cons.º Lopes do Rego.
24. Ob. cit., página 793.
25. Ob. cit., página 745.
26. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume II, 3ª edição, página 367.
27. Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II, Almedina, 1983, páginas 61 e 62.
28. A. Menezes Cordeiro, ob. Cit., página 746.
29. Processo nº 401/09.9T2AVR.C1, relatado pelo Desemb. Henrique Antunes.
30. Proc. 116/07.2TBMCN.P1. S1, relatado pelo Cons.º Fernandes do Vale.
31. Artºs 258º e sgs. e 1157º e sgs., CC.
32. Processo nº 1521/05.4TBCBR.C1. S1, relatado pelo Cons.º Álvaro Rodrigues.
33. Processo 1261/07.0TBOLHE.E1. S1, relatado pelo Cons.º Fernando Bento, no qual, entre outros, se seguiu o de 23-03-1999, in CJ, Ano VII, Tomo I, página 172.
34. Processo nº 667/10.1TVPRT.P1, relatado pelo Desemb. Filipe Caroço.
35. Processo 3066/13.0TBFAR-A. E1, relatado pelo Desemb. Mário Serrano,