Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
753/20.0T8VNF-D.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
CRÉDITOS LABORAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O privilégio imobiliário especial a que alude o artigo 333º, nº1, alínea b) do Código de Trabalho, abrange todos os imóveis do empregador afetos à sua atividade empresarial, a que os trabalhadores estão funcionalmente ligados.
II - Esta ligação não tem de ser naturalística, isto é, não tem necessariamente a ver com a localização física do posto de trabalho de cada trabalhador, mas meramente funcional, para o efeito bastando que os imóveis integrem a organização produtiva da empresa a que pertencem os trabalhadores.
III - Uma interpretação restritiva, meramente naturalística, introduziria um injustificado tratamento diferenciado dos trabalhadores de uma mesma empresa, em função da atividade profissional de cada um e do local onde a exercem.
IV - Dada a especial natureza e finalidade do processo de insolvência e a participação alargada de diversos intervenientes, pode o tribunal socorrer-se de elementos do processo para aferir da conexão entre o imóvel apreendido e a atividade laboral da insolvente, com base no princípio da aquisição processual.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

Declarada a Insolvência de X- X Industrial Technologies, SA e junta a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos nos termos do artigo 129º do CIRE, foi a mesma impugnada por vários credores trabalhadores no sentido de lhes ser reconhecido o privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho sobre o imóvel correspondente a edifício do rés-do-chão e andar destinado a armazém e escritório, sito na mesma morada da insolvente, Rua …, freguesia de …, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e inscrito na respetiva matriz sob o artigo urbano …, por constituir o local de trabalho dos trabalhadores da insolvente.
A esta impugnação não foi apresentada resposta.

A final foi proferida sentença que, após julgar verificados e reconhecidos os créditos, procedeu à seguinte graduação:
Através do produto do imóvel apreendido para a massa insolvente descrito na CRP de ..., Freguesia de ..., sob o nº …, procede-se ao pagamento dos créditos pela seguinte ordem:
1.º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas - artigo 172.°, n.ºs 1 e 2 do C.I.R.E.;
2º- De seguida dar-se-á pagamento ao crédito nº233-b) (privilégio creditório imobiliário especial- IMI);
3º- De seguida dar-se-á pagamento aos créditos nºs 10, 13, 14, 16 a 18, 20, 21, 23, 26, 27, 28, 29, 32, 33, 40, 53, 55, 56, 58, 59, 61, 63, 71, 76, 79, 81 a 84, 96, 99, 108, 111, 121, 140 a 144, 153 a 170, 184 a 186, 189, 192 a 215, 217 a 225, 229, 231, 236, 244, 247 a 249, 250, 251, 253, 254, 256, 268, 270, 274, 279 a 286, 288, 289, 291 a 294, 296, 300, 304, 310 a 312, 318, 329, 331, 333, e 339 (créditos laborais);
4º- De seguida dar-se-á pagamento ao crédito nº 43 (crédito garantido por hipoteca);
5º- De seguida dar-se-á pagamento a parte do crédito nº 135 (privilégios creditórios-contribuições Segurança Social);
6º- De seguida dar-se-á pagamento aos créditos nº 233, c), 233 d), 233 e) e 233, f) (privilégios creditórios AT).
7º- De seguida dar-se-á pagamento aos créditos nº 1 a 9, 11,12, 15, 19, 22,24,25, 30, 31, 34 a 39, 41,42,44, 45 a 52, 54, 57, 60, 62, 64 a 70, 72 a 75, 77, 78, 80, 85 a 95, 97,98, 100 a 107, 109, 110, 112 a 120, 122 a 134, 136 a 139, 145 a 152, 171 a 183, 187, 188, 190, 191, 216, 226 a 228, 230, 232, 233,a), 233, b), 233, g), 234, 235, 237 a 239, 241 a 243, 245, 246, 252, 255, 257 a 267, 269, 271 a 273, 275 a 278, 287, 290, 295, 297 a 299, 301 a 303, 305 a 309, 313 a 317, 319 a 328, 330, 332, 334 a 338 (créditos comuns).
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Não se conformando com a decisão, veio o credor BANCO ..., S. A . dela interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

1. Nos presentes autos, o BANCO ..., S. A (credor n.º 40) reclamou e viu reconhecido um crédito do montante global de € 577 939,88 (quinhentos e setenta e sete mil, novecentos e trinta e nove euros e oitenta e oito cêntimos) garantido por hipoteca sobre o seguinte bem imóvel: Prédio urbano correspondente a um edifício de rés-do-chão e andar destinado a armazém de produto acabado e escritórios, sito em …, freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º …, da freguesia de ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º daquela freguesia;
2. Tal imóvel foi apreendido nos autos, constituindo o único imóvel propriedade da insolvente;
3. A douta sentença de verificação e de graduação de créditos proferida graduou o crédito do recorrente Banco ..., S. A. após as custas do processo, o crédito referente a IMI e os créditos laborais;
4. É em relação à graduação dos créditos laborais que assenta a discordância do Banco ..., S. A.;
5. Competiria aos trabalhadores o ónus da respectiva alegação e prova para que os créditos laborais gozem do privilégio creditório imobiliário especial previsto no artigo 333º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho, o que nestes autos não ocorreu;
6. Acresce que o privilégio imobiliário de que os créditos dos trabalhadores gozam incide apenas e tão só sobre o imóvel relativamente ao qual estes efectivamente provem que prestavam a sua actividade;
7. No caso em apreço resulta claro em vários elementos constantes dos autos que os trabalhadores não exerciam a sua actividade no imóvel apreendido nos autos e hipotecado a favor do aqui recorrente, designadamente no relatório a que refere o artigo 155.º do CIRE, por requerimento apresentado nos autos pelo Sr. Administrador de Insolvência e no relatório de avaliação promovida pelo aqui recorrente e cuja cópia se junta a final;
8. A douta sentença de verificação e de graduação de créditos incorre em erro ao graduar os créditos laborais com prioridade em relação ao crédito hipotecário do Banco ..., S. A. por total falta de prova de que era no imóvel apreendido nos autos que os trabalhadores exerciam a sua actividade.
9. Os créditos laborais não devem, pois, beneficiar do privilégio imobiliário especial em relação ao imóvel apreendido nos autos.

Pugna o Recorrente pela revogação da sentença recorrida, que deve ser substituída por outra que gradue o crédito do Banco ..., S. A., pelo produto da venda do imóvel em terceiro lugar após as custas do processo e o crédito referente a IMI, mas antes dos créditos laborais.
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Foram apresentadas contra-alegações por 120 credores trabalhadores que, no essencial, pugnam pela preclusão do direito de recurso em consequência da falta da resposta pelo Recorrente à impugnação da lista de credores e da consequente procedência da mesma, concluindo pela manutenção do decidido.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do presente recurso reconduz-se à interpretação do artigo 333.º, n.º 1, al. b), do Código de Trabalho no que se refere à abrangência do privilégio imobiliário especial reconhecido aos créditos laborais.
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III – APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Nos autos foi apreendido o prédio urbano correspondente a um edifício de rés-do-chão e andar destinado a armazém de produto acabado e escritórios, que constitui o único imóvel propriedade da insolvente.
A sentença recorrida reconheceu aos créditos laborais o privilégio imobiliário especial sobre o imóvel e graduou-os antes do crédito hipotecário.
O credor hipotecário insurge-se quanto ao reconhecimento deste privilégio aos créditos laborais por falta de prova de que era no imóvel que os trabalhadores exerciam a sua atividade.
Os credores trabalhadores contra alegam afirmando ter ao longo do processo demonstrado ser esse o local de trabalho dos trabalhadores da insolvente, onde os mesmos exerceram a sua atividade por conta e sob a direção da insolvente, sendo essa a morada da sede da empresa.
O objeto do presente recurso reconduz-se, assim, à interpretação do artigo 333.º, n.º 1, al. b), do Código de Trabalho no que se refere à abrangência do privilégio imobiliário especial estabelecido em benefício dos trabalhadores sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua atividade.
O artigo 333º do Código do Trabalho (CT), sob a epígrafe “Privilégios Creditórios” estipula no nº1, al. b) que os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam de privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua atividade.
A abrangência do privilégio imobiliário especial concedido pelo referido normativo aos credores trabalhadores, tem merecido diferentes interpretações na jurisprudência, sendo distinguíveis duas correntes: uma corrente restritiva, que restringe o privilégio imobiliário ao imóvel do empregador no qual o trabalhador preste a sua atividade, com exclusão de quaisquer outros de que a entidade patronal seja titular; e outra mais ampla que estende o privilégio a todos os imóveis de que o empregador seja proprietário e que se encontrem igualmente afetos à sua organização empresarial - como se sublinha no Acórdão do STJ de 27-11-2019, disponível em www.dgsi.pt.
De acordo com a interpretação mais restritiva, o privilégio abrange apenas o imóvel concreto em que o trabalhador preste, ou tenha prestado, de facto, a sua atividade. O critério orientador será um critério naturalístico, relevando a especial ligação entre o imóvel e a atividade do trabalhador, em termos de local de exercício efetivo de atividade.
Numa interpretação mais ampla, o privilégio imobiliário especial abrange todos os imóveis do empregador afetos à sua atividade empresarial, a que os trabalhadores estão funcionalmente ligados. Esta ligação não tem de ser naturalística, isto é, não tem necessariamente a ver com a localização física do posto de trabalho de cada um deles, mas meramente funcional, para o efeito bastando que os imóveis integrem a organização produtiva da empresa a que pertencem os trabalhadores.
Na interpretação restritiva, não beneficiam de privilégio imobiliário os trabalhadores que exercem a sua atividade nos imóveis arrendados ou fora dos imóveis próprios do empregador; nem dele beneficiam em relação a imóveis próprios do empregador nos quais não tenham exercido, de facto, funções.
Na interpretação ampla, todos os trabalhadores podem beneficiar do privilégio sobre todos os imóveis afetos à atividade empresarial, próprios da empresa.
Sufragamos a interpretação mais ampla, por consideramos que o fundamento do privilegio assenta na especial relação que intercede entre o crédito e a coisa garante, a qual mantém a sua materialização ao estender a atividade do trabalhador, que é fonte do crédito, aos imóveis do empregador afetos à sua atividade económica e que fazem parte da organização empresarial estável dos fatores de produção com vista ao exercício daquela atividade.
Tendo presente a evolução da regulamentação legal relativa às garantias dos créditos dos trabalhadores, em especial com incidência sobre bens imóveis, afigura-se ser esta a interpretação mais consentânea com a letra e o espírito da lei e aquela que melhor se coaduna com a proteção do direito fundamental dos trabalhadores à sua remuneração e à sua sobrevivência condignas.
Todavia, a proteção do direito à retribuição não é absoluta, não devendo como tal conduzir necessariamente a uma solução legislativa que consagre um privilégio creditório absoluto para garantia desses créditos.
Elencando as razões que estiveram na base da consagração de um privilégio imobiliário especial para os créditos laborais, e a sua evolução legislativa, o AUJ n.º 8/2016, de 23-2-2016(1), depois de expor as duas teses interpretativas vigentes na doutrina e na jurisprudência, com inclinação clara da jurisprudência para a tese mais ampla, conclui que a proteção dos créditos salariais não exige que o privilégio se estenda aos imóveis construídos para venda, não justificando, neste caso, o sacrifício dos direitos dos terceiros e a quebra das suas expectativas assentes no registo.
No acórdão do STJ de 27-11-2019 (2) a propósito do acórdão uniformizador, refere-se que se acata nesse acórdão “de forma quase unânime da jurisprudência, que os trabalhadores gozam do privilégio sobre todos os imóveis que integram o património do empregador, afetos à sua atividade empresarial, e não apenas sobre o concreto imóvel onde exerceram funções. Importa é que "a actividade laboral do trabalhador, qualquer que ela seja e independentemente do lugar específico onde é prestada, se desenvolva de forma conjugada e integrada na unidade empresarial, a ela umbilicalmente ligada”. E acrescenta-se que “tal unanimidade resulta, aliás, da própria circunstância de subjacentes ao acórdão uniformizador estarem dois arestos do Supremo Tribunal de Justiça que defendiam uma interpretação ampla do privilégio em causa, apenas divergindo sobre se, no caso das empresas de construção civil, este deveria abranger os imóveis construídos pelas mesmas, acabando o Pleno das Secções Cíveis por se uniformizar jurisprudência no seguinte sentido: “Os imóveis construídos por empresa de construção civil, destinados a comercialização, estão excluídos da garantia do privilégio imobiliário especial previsto no art. 377.º, n.º 1, al. b), do CT de 2003”.
Seguindo o ensinamento de Júlio Gomes (3) o privilégio imobiliário especial de que beneficiam os créditos dos trabalhadores abrange todos os imóveis da entidade patronal que estejam afetos à atividade empresarial da mesma, à qual os trabalhadores estão funcionalmente ligados, independentemente da localização do seu posto de trabalho, o que afasta, a se, qualquer ligação naturalística, atendo-se apenas e tão só à relação laboral existente, fonte do crédito e os bens imóveis afetos à atividade prosseguida, que constituem a garantia daquele, ficando excluídos todos aqueles imóveis embora pertencentes ao empregador, mas que estejam arrendados e/ou que tenham sido afetados a quaisquer outros fins diversos da específica atividade económico/empresarial.
Transpondo o que se deixa exposto para a situação dos autos, no que se refere ao objeto do privilégio imobiliário especial consagrado no nº1, al. b), do artigo 333º do Código do Trabalho, defende a Recorrente que não demonstraram os credores trabalhadores ser no imóvel apreendido que prestavam a sua atividade.
A questão mostra-se esvaziada de sentido em face da adoção do conceito funcional. Quando a lei diz que o privilégio imobiliário incide sobre o “imóvel do empregador no qual o trabalhador preste a sua atividade”, está a referir-se à ligação funcional do trabalhador a determinado estabelecimento ou unidade produtiva e não propriamente à localização física do seu posto de trabalho, já que o legislador teve em mente, não um concreto ou individualizado local de trabalho, mas os imóveis em que esteja implantado o estabelecimento para o qual o trabalhador prestou a sua atividade, independentemente de essa atividade ter sido aí desenvolvida ou no exterior (4).
Cremos que uma diferente interpretação introduziria um injustificado tratamento diferenciado dos trabalhadores de uma mesma empresa, em função da atividade profissional de cada um e do local onde a exercem. Como a propósito se refere no acórdão do STJ de 24-07-2017 (5) “sendo os privilégios creditórios o meio escolhido pelo legislador ordinário para tutela do especial estatuto da retribuição seria contraditório com a preocupação do legislador constitucional com a justiça e a proporcionalidade da mesma um sistema de privilégios creditórios que introduzisse diferenças significativas e mesmo arbitrárias entre trabalhadores de um mesmo empregador”. Explicita-se que uma interpretação restritiva implicaria que “grupos inteiros de trabalhadores subordinados ficariam excluídos da garantia proporcionada pelos privilégios creditórios – pense-se, por exemplo, nos trabalhadores subordinados no domicílio. Trabalhando no seu próprio domicílio não beneficiariam de qualquer privilégio. Por outro lado, trabalhadores com as mesmas funções e até com trabalho igual ou de igual valor poderiam beneficiar de um privilégio, ou não, consoante, por exemplo trabalhassem na sede da empresa, propriedade do empregador, ou em filial, funcionando esta por hipótese em prédio tomado de arrendamento pelo mesmo empregador”. A estes casos somam-se todos aqueles trabalhadores que exercem funções fora das instalações da empresa como é o exemplo dos motoristas, vendedores, delegados de informação médica, teletrabalhadores.
Decorre dos autos que o imóvel em causa composto de rés-do-chão e andar era destinado a armazém de produto acabado e escritórios, ali funcionando a sede da empresa, logo o edifico estava afetado à organização empresarial da insolvente, para a qual os trabalhadores prestavam o seu trabalho.
A sede da sociedade é o local onde a sociedade se considera situada para a generalidade dos efeitos jurídicos em que a localização seja relevante.
Por isso mesmo, independentemente da atividade profissional de cada trabalhador e do local onde a exercem, há uma ligação que sempre subsiste em qualquer circunstância – a ligação à sede da empresa –, isto pelo simples facto de que todas as empresas, mesmo as que laboram em plataformas digitais, têm uma sede física.
A sede da empresa integra a unidade empresarial utilizada para prosseguir o seu objeto social, à qual inelutavelmente o trabalhador está funcionalmente ligado (6).
É entendimento jurisprudencial reiterado que dada a especial natureza e finalidade do processo de insolvência, pode o tribunal socorrer-se de elementos do processo que conduzam à demonstração relativa à conexão entre o imóvel apreendido para a massa e a atividade laboral da insolvente, com base no princípio da aquisição processual.
A participação alargada de diversos intervenientes no processo insolvencial, afasta-se da regra da bilateralidade que domina a típica ação declarativa, mitigando os efeitos normais ligados ao não cumprimento dos ónus de alegação e da prova característicos desta. Com efeito, a aquisição de factos para o processo de insolvência, e seus apensos, pode decorrer da própria atividade do tribunal, consentida em termos amplos pelo princípio da oficialidade do artigo 11º do CIRE, ou dos contributos trazidos ao processo pelo administrador da insolvência ou outros intervenientes (7).
Neste particular, há que assinalar que, ao invés do afirmado pelo Recorrente, os credores trabalhadores, na impugnação que apresentaram à lista de credores, invocaram e demonstraram documentalmente que o imóvel constituiu o seu local de trabalho, onde prestaram a sua atividade por conta e sob a direção da insolvente.
A esta impugnação não houve resposta, mormente por parte do ora Recorrente.
A verdade é que, independentemente da preclusão do direito de invocar a questão em sede de recurso dada a falta da resposta à impugnação da lista de credores e da consequente procedência da mesma, o que releva é que a valoração dos diversos elementos juntos ao processo evidencia a necessária conexão entre a relação laboral existente e o bem imóvel propriedade da insolvente e afeto à atividade prosseguida por esta.
De tudo quanto foi exposto, impõe-se concluir que os créditos dos trabalhadores beneficiam de privilégio creditório imobiliário especial sobre o imóvel apreendido para a massa insolvente, imóvel onde a insolvente tinha a sua sede, devendo esses créditos ser pagos antes do crédito garantido por hipoteca de que beneficia o Recorrente.

Termos em que improcedem as conclusões do Recorrente, mantendo-se a sentença recorrida.
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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Guimarães, 7 de Outubro de 2021

Assinado digitalmente por:
Rel. - Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Elisabete Coelho de Moura Alves
2º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes


1. AUJ n.º 8/2016, de 23-2-2016, em que foi relator o Cons. Pinto de Almeida, Proc. 1444/08.5TBAMT-A.P1.S1-A, disponível em www.dgsi.pt:
2. Disponível em www.dgsi.pt.
3. In “Direito do Trabalho”, Coimbra Editora, pag. 899.
4. Acórdão do STJ de 27-11-2019, disponível em www.dgsi.pt.
5. Disponível em www.dgsi.pt.
6. Sobre a relevância da sede na vida da empresa Luís Brito Correia, em Sociedades Comerciais, 2º Vol., AAFDL, 1989, pág. 282 e o Acórdão da Relação de Évora de 12-06-2019, disponível em www.dgsi.pt.
7. Neste sentido, Acórdão do STJ de 6-11-2018, disponível em www.dgsi.pt.