Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2469/17.5T8BCL.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO NO ESTRANGEIRO
VALOR DA RETRIBUIÇÃO
CONSTRUÇÃO CIVIL
DIRECTIVA DESTACAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A retribuição a atender para base de cálculo das prestações por acidente de trabalho ocorrido na construção civil com um trabalhador português destacado em França é o salário mínimo francês (“Salaire minimum interprofessionnel de croissance»).
II - O que resulta do Regulamento Roma I (art.s 9º, 23º) de aplicação directa, da “Diretiva Destacamento” nº 96/71/CE que tem natureza vinculante para os Estados membros e do primado do direito internacional sobre o direito infraconstitucional interno (art. 8º CRP).
III- O regulamento Roma I ressalva expressamente a aplicação da “Directiva Destacamento” e aponta para a prevalência de normas de aplicação imediata e de interesse público que vigorem no país onde a obrigação seja executada, independentemente da lei aplicável ao contrato, na medida em que, segundo essas normas de aplicação imediata, a execução do contrato seja ilegal.
IV – A Directiva Destacamento estabeleceu um núcleo duro de matérias consideradas vitais cuja aplicação se impõe ao juiz do foro dos trabalhadores destacados, excepto se a lei aplicável ao contrato for mais favorável.
V - O salário mínimo nacional praticado nos Estados membros é uma dessas matérias vitais e de interesse público de aplicação imediata.
VI- A ponderação das liberdades de prestação de serviços e de circulação de trabalhadores consagradas no Tratado da UE leva à condenação de distorções de mercado, práticas irregulares, concorrência desleal e “dumping social”.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

AUTOR/SINISTRADO: P. P., sob o patrocínio do Ministério Público
RÉS: Companhia de Seguros X Portugal, S.A. e empregadora Y – Trabalho Temporário, Unipessoal, SA.
ACÇÃO- especial emergente de acidente de trabalho.
A acção prosseguiu para a fase contenciosa apenas porque a entidade empregadora discordou da remuneração do sinistrado proposta na tentativa de conciliação, a qual teve por base o salário mínimo em França (€1.466,62). Houve acordo sobre todos os demais pressupostos do acidente de trabalho.
PEDIDO: reclama : €8.812,67 de indemnização por ITA a pagar pela empregadora; €250,75 de indemnização por ITP, cabendo à ré seguradora €92,02 e à ré entidade empregadora €158,73; €11.563,54 de indemnização por ITA após a recaída, cabendo à ré seguradora €35,41 e à ré entidade empregadora €11.528,13; a pensão anual e vitalícia de €1.219,67, com início em 22/11/2017, cabendo à ré seguradora €516,72 e à ré entidade empregadora €702,95; €25,00 de deslocações obrigatórias, a pagar pela ré seguradora; juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal.
CAUSA DE PEDIR: sofreu um acidente de trabalho quando trabalhava deslocado no estrangeiro. Demanda a ré seguradora e a ré entidade empregadora, porque à data do acidente o autor encontrava-se destacado em França, país onde, no ano de 2016, a retribuição mínima mensal garantida (“salaire minimum de croissance”) era de €1.466,62. A ré empregadora apenas tinha transferida para a ré seguradora a responsabilidade infortunística pela retribuição de €9.227,06. Invoca, entre o mais, o preceituado no artº 71º, nºs 1, 2 e 3 da Lei 98/2009, de 04/09 e o artº 3º da Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do conselho de 16/12/1996.
CONTESTAÇÃO: a ré empregadora alega que não poderá ser tido em consideração o salário mínimo nacional de França para efeitos de definição e cálculo das prestações. Ao trabalhador português, a lei assegura as garantias mínimas constantes da legislação nacional, mesmo que não aplicável. Conforme o contrato celebrado, as partes acordaram que seria aplicável a lei portuguesa. Sendo o critério primordial o constante do artº 8º do Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17/06/2008, que é o da escolha (liberdade) das partes, aliás já consagrado no artº 3º do Tratado de Roma. No caso, não apenas as partes escolheram sujeitar o contrato à lei portuguesa, como também, devido ao caracter passageiro, curto e temporário do trabalho, igualmente a conexão mais estreita aludida no nº 2 do artº 6º do Tratado de Roma, é com Portugal, sob pena de violação do princípio máximo da livre concorrência e circulação de pessoas e bens entre Estados Membros. Ademais, em França não se paga o subsídio de férias e de Natal, a não ser por acordo colectivo, razão pela qual, ainda que se entendesse ser aplicável a lei francesa quanto ao salário mínimo, tais prestações não podem ser levadas em consideração para os cálculos das prestações devidas ao autor.
A ré seguradora contestou apenas reiterar a posição assumida na tentativa de conciliação (acordo sobre o acidente e suas consequências, mas com a sua responsabilidade limitada ao montante de retribuição transferido). Já procedeu ao pagamento ao autor da quantia de €14.927,73 por conta dos períodos de incapacidade temporária, restando pagar a quantia de €116,82, a título de diferenças na indemnização por IT’S, para além das demais prestações já aceites na fase conciliatória do processo referentes à pensão por incapacidade permanente e despesas de deslocação de €25,00.
Foi proferido despacho saneador sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo:
“Nestes termos e, pelo exposto, condeno Companhia de Seguros de X Portugal, S.A. e Y – Trabalho Temporário, Unipessoal, Lda a pagar ao sinistrado P. P., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (artº 135º do Cód. Proc. Trabalho):
- a pensão anual de €1.219,67 (mil duzentos e dezanove euros e sessenta e sete cêntimos), com início em 22/11/2017, sendo €516,72 (quinhentos e dezasseis euros e setenta e dois cêntimos) da responsabilidade da demandada seguradora e €702,95 (setecentos e dois euros e noventa e cinco cêntimos), da responsabilidade da entidade empregadora;
- a quantia de €20.501,11 (vinte mil quinhentos e um euros e onze cêntimos), a título de indemnização por IT´s, a pagar pela entidade empregadora;
- a quantia de €141,95 (cento e quarenta euros e noventa e cinco cêntimos), a título de diferença na indemnização por IT´s, a pagar pela ré seguradora;
- a quantia de €25,00 (vinte e cinco euros) a título de despesas de deslocação, a cargo da requerida seguradora.
Valor da acção: €39.002,14 (artº 120º do Cód. Proc. Trabalho).
Custas pelas responsáveis na proporção da sua responsabilidade. “

RECURSO – INTERPOSTO PELA RÉ EMPREGADORA: impugna a decisão de facto e de direito. CONCLUSÕES:

I.Vem o presente recurso interposto das seguintes decisões: 1 – Da decisão proferida sobre a matéria de facto, especificando-se seguidamente qual o concreto ponto de facto que se considera incorretamente julgado, quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida e qual a decisão que, no entender da recorrente, deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada. 2 – Da decisão de direito que se traduz na Sentença que condenou a recorrente Y no pagamento da pensão e quantias dela constantes.
II. É, o seguinte, o concreto ponto de facto que a recorrente considera não propriamente incorretamente julgado, mas incompletamente respondido. Ter a Mm.ª juíza a quo considerado como provado que: “G. Tendo o autor sido destacado para França a partir do dia 22/08/2016 para exercer as suas funções para a sociedade “W, Sarl” – documentos de fls. 85 a 87 e 157.”
III. Existiu erro na apreciação e valoração das provas e erro de julgamento na decisão da matéria de facto e da factualidade dada como provada, que se entende pecar num determinado ponto, vital, por incompleta, acabando a decisão recorrida por fazer também uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
IV. Na verdade, sendo o cerne da questão concernente ao presente processo a aplicação, ou não, da remuneração mínima de França para efeitos de cálculo das indemnizações/pensões devidas ao sinistrado, torna-se imprescindível atender à remuneração base mensal que ficou fixada, como sendo devida ao trabalhador, também no contrato de utilização de trabalho temporário, denominado de “Contrat de Mise à Disposition”, celebrado entre a recorrente e a sociedade W, Sarl.
V. Resulta do contrato de utilização de trabalho temporário, junto a fls. 155 a 158 e não impugnado pelo autor, celebrado com uma sociedade de Direito Francês que a retribuição base a pagar ao trabalhador, no contrato denominada de “Salaire de Référence”, seria de 570,00€ (quinhentos e setenta euros) mensais.
VI. A própria Utilizadora, sociedade de Direito Francês e sujeita, por conseguinte, às disposições constantes do Código do Trabalho Francês12 e demais legislação Francesa aplicável, fixou com a recorrente [Salaire de Référence], uma retribuição a pagar ao autor inferior ao denominado “salaire minimum de croissance”.
VII. Numa primeira fase, a 18 de abril de 2016, a recorrente celebrou com o autor o contrato de trabalho temporário junto aos autos a fls…, onde expressamente as partes o sujeitaram expressamente à aplicação da Lei Portuguesa, fixando-se que a retribuição devida ao autor seria de 570,00€ (quinhentos e setenta euros) mensais, ilíquidos, acrescido do montante de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos) por cada dia útil de trabalho prestado.
VIII. Meses volvidos, é celebrado o mencionado contrato de utilização de trabalho temporário em que é fixado o “Salaire de Référence”, também, no montante de 570,00€(quinhentos e setenta euros) mensais.
12 Consultável em https://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do?cidTexte=LEGITEXT000006072050.
IX. Concludentemente, deveria tal retribuição acordada entre a recorrente e a utilizadora, sociedade de Direito Francês, porque não foi objeto de impugnação pelo autor, ser aditada à matéria dada como provada, uma vez que é de extrema importância para sustentar corretamente a decisão de Direito que veio a ser emanada e que deveria, obrigatoriamente, ter em ponderação tal matéria que tem que ser dada como assente e que resulta de prova documental não impugnada.
X. Em conclusão, imprescindível se torna que tal retribuição seja vertida na matéria de facto dada como assente, devendo ser alterada a resposta à matéria de facto constante do ponto G. que, completando-se, deverá passar a ter a seguinte redação. “G. Tendo o autor sido destacado para França a partir do dia 22/08/2016 para exercer as suas funções para a sociedade de Direito Francês “W, Sarl”, mediante a retribuição mensal de 570,00€ (quinhentos e setenta euros) – documentos de fls. 85 a 87 e 157.
XI. No que concerne à matéria de Direito, atenta a factualidade dada como provada e a que a recorrente entende que deveria ter decisão diferente, dever-se-á concluir que a decisão de Direito pecou por erro quando decidiu no seguinte sentido: “Donde se conclui que, por aplicação do disposto na Directiva comunitária 96/91/CE, transposta designadamente no artº 8º do Código do Trabalho, sendo a remuneração mínima garantida em França superior à remuneração apurada no ponto E) dos factos provados e, consequentemente mais favorável ao sinistrado, àquela se impõe atender para efeitos de cálculo das indemnizações/pensões devidas em concreto ao sinistrado autor – cfr Acórdão do TRG de 22/05/2019, anteriormente citado.”
XII. Em 18 de abril de 2016, a ré Y celebrou com o sinistrado um contrato de trabalho temporário junto aos autos a fls… tendo recorrente e recorrido, expressamente e por acordo, aceitado sujeitar tal contrato à Lei Portuguesa [Ponto C. da matéria de facto dada como assente que remete para o contrato de trabalho temporário junto a fls…].
XIII. Por via de tal contrato, acordaram, as partes que a retribuição devida ao sinistrado seria de 570,00€ (quinhentos e setenta euros) mensais, ilíquidos, acrescido do montante de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos)13 por cada dia útil de trabalho prestado.
XIV. Por seu lado, a recorrente Y celebrou com a sociedade “W Sarl”, sociedade de Direito Francês, o contrato de utilização de trabalho temporário, junto aos autos a fls. 157 tendo o trabalhador, sinistrado, sido destacado para França em 22.08.2016, com data de termo a 22.10.201614, mediante a retribuição mensal, expressa, de 570,00€ (quinhentos e setenta euros) [Vide pontos F. e D. da matéria de facto dada como provada].
XV. As partes acordaram que o destacamento, tal como resulta de fls. 157 e do documento n.º 2 junto pela recorrente com o requerimento de 15.12.2017, seria, apenas, por um curtíssimo período de 2 (dois) meses.
XVI. Em suma, nesta relação tripartida entre o contrato de trabalho temporário, celebrado entre a Y e o autor, e o contrato de utilização de trabalho temporário, celebrado entre a Y e a W Sarl, é clara qual a retribuição acordada entre as partes.
XVII. Sendo, também, clara a opção em sujeitar tal contrato à Lei Portuguesa.
XVIII. Decomposto o artigo 7.º e 8.º do Código do Trabalho15, o que é protegido e garantido ao trabalhador destacado é a previsão à situação inversa à que está regulada no artigo 6.º do mesmo Código, ou seja, “garantindo-se ao trabalhador (normalmente Português) destacado para prestar a sua atividade noutro Estado, caso não se aplique o Direito Nacional, o recurso a regras de proteção mínimas”16, mormente as constantes do artigo 7.º.
XIX. Significa, portanto, que ao trabalhador Português, in casu ao autor, a Lei assegura-lhe as garantias mínimas constantes da legislação Nacional, mesmo que não aplicável.
13 Valor aceite pela Ré Y em sede de tentativa de conciliação.
14 Vide documento de fls… A1.
15 Doravante, apenas, CT.
16 Anotação de Pedro Romano Martinez ao CT Anotado – Almedina. Página 70.
XX. Por seu lado, o n.º 1 do artigo 8.º do Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de Junho de 2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), com vista à determinação da Lei aplicável ao contrato individual de trabalho, assenta que o contrato individual de trabalho é regulado pela lei escolhida pelas partes, ao abrigo da liberdade de escolha pelas partes da lei aplicável já plasmada no artigo 3.º e 6.º do próprio Tratado de Roma, que dava por assente tal princípio da autonomia privada no que concerne à lei escolhida pelas partes, colocando como ponto fulcral, no caso de destacamento, na determinação da Lei aplicável a que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita com um outro país, sendo em tal caso aplicável a lei desse outro País.
XXI. In casu, sem qualquer margem para dúvidas, não apenas as partes expressamente escolheram sujeitar o contrato à Lei Portuguesa, Lei do País onde o trabalhador prestava habitualmente o seu trabalho, como pelo próprio caráter passageiro, curto e temporário do destacamento [2 meses], a “conexão mais estreita” apenas se pode interpretar como sendo com Portugal.
XXII. Adotando-se a interpretação de que, independentemente do período de destacamento, ter-se-á sempre que pagar o salário mínimo do Pais para onde o trabalhador se encontra destacado, deixa de ser possível concorrer em todos os setores da economia no espaço Europeu, violando-se, inequivocamente, o princípio máximo da livre concorrência e circulação de pessoas e bens entre Estados membros.
XXIII. Ao “obrigar” uma empresa Portuguesa, que regra geral desenvolve a sua atividade internamente, o que logo à partida a desfavorece em termos de resultados líquidos de exploração face ao poder de compra e à divergente dimensão das economias dos diversos Estados membros, com a elevadíssima carga fiscal aplicável no nosso país, a pagar a remuneração mínima do país de destino, sendo que em tal destino a remuneração mínima é muito mais elevada do que a aplicável em Portugal, é exatamente o mesmo que dizer a tal sociedade, no caso à recorrente Y, que não desenvolva a sua atividade fora de Portugal.
XXIV. Cautelarmente, por analogia do entendimento plasmado na douta Sentença ora recorrida, caso se entendesse que a Lei aplicável seria a Francesa quanto ao salário mínimo e inexistindo no Código de Trabalho Francês, a obrigatoriedade do pagamento do Subsídio de Férias e de Natal, a não ser por acordo coletivo, não podem tais subsídios, também, ser levados em consideração para os cálculos das prestações devidas ao autor, sob pena de se aglutinar a aplicação de várias Leis de acordo com o que melhor aprouver ao autor, em total detrimento da entidade patronal e da segurança jurídica.
XXV. A Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de dezembro de 1996 relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, secundada pela Diretiva 2014/67/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014 respeitante à execução da referida Diretiva 96/71/CE, prevê, no seu artigo 3.º, o afastamento da aplicação da remuneração mínima para os trabalhadores destacados.
XXVI. Se por um lado, é um objetivo da União Europeia a tutela de direitos sociais fundamentais e que seja garantida a igualdade das condições concorrenciais e de mercado entre as empresas, também não é menos verdade que tal tutela não pode, de forma alguma, limitar a liberdade de circulação de trabalhadores, a liberdade de estabelecimento, a liberdade de prestação de serviços e de concorrência que são princípios fundamentais do mercado interno da União consagrados no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
XXVII. Sendo que a decisão em apreço, ao assentar como obrigatório o pagamento ao trabalhador destacado por um período curtíssimo de tempo, no caso 2 meses, da retribuição mínima do País para onde está destacado viola os mais basilares princípios sobre o funcionamento da União Europeia.
XXVIII. Conforme resulta das decisões a nível do Tribunal de Justiça, torna-se, em casos semelhantes ao ora em apreço, necessário aquilatar uma série de requisitos para se compreender se os trabalhadores em causa beneficiam, ou não, de uma situação equivalente no Estado de origem, devendo-se ter em consideração a remuneração, a fiscalidade, os encargos sociais, a duração, a proporcionalidade, a ligação ao país de origem, etc…, sob pena de se colocar em causa os referidos pilares basilares inerentes à livre circulação e livre concorrência e de se violar o principio da proporcionalidade.
XXIX.Em conclusão, sumariando-se o supra referido, não poderá ser tido em consideração o salário mínimo nacional de França, para uma categoria profissional equivalente à do autor, para efeitos de definição e cálculo das prestações a receber por este, sob pena de se violar e ofender a lei nacional e comunitária.
XXX. Assim, dever-se-á revogar totalmente a decisão proferida nos presentes autos quanto à recorrente Y.
XXXI.Ao decidir de uma forma contrária ao supra alegado, o Tribunal recorrido praticou erro na apreciação e valoração das provas e erro de julgamento na decisão da matéria de facto e da factualidade dada como provada, acabando a decisão recorrida por fazer também uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, violando, entre outros, o disposto nos artigos 335.º [Colisão de Direitos] e 405.º do Código Civil [Liberdade contratual], 6.º e 7.º do Código do Trabalho, Artigo 3.º e 8.º do Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de Junho de 2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), Artigo 3.º e 6.º do Tratado de Roma, Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de dezembro de 1996, designadamente o artigo 3.º, Diretiva 2014/67/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014 respeitante à execução da Diretiva 96/71/CE, e o artigo 3.º da Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, o Princípio da Livre Circulação de Pessoas e Bens dentro da União Europeia, a liberdade de circulação de trabalhadores, a liberdade de estabelecimento, a liberdade de prestação de serviços e de concorrência que são princípios fundamentais do mercado interno da União consagrados no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, os artigos L3231-12, L3231-1 a L3232-2, L3232-3 a L3232-4, L3232-5 a L3232-7 e L3232-9 do Code du Travail Francês, bem como o dos princípios, de matriz constitucional, da adequação e da proporcionalidade, plasmados nos artigos 18.º n.º2, 20.º 266.º n.º 2 todos da Constituição da República Portuguesa.
XXXII. Invocando-se, ainda e pelos motivos supra aduzidos, a inconstitucionalidade e, inerente, ilegalidade do artigo 8.º do Código do Trabalho e do artigo 6.º, n. 1 da Lei n.º 98/2006, de 04/09, quando interpretada no sentido de que um trabalhador, contratado por uma empresa Portuguesa e quando expressamente acorda em sujeitar o contrato de trabalho à Lei Nacional, se encontre destacado, por um curtíssimo período de tempo, para França e aí sofra um acidente de trabalho, tem direito à remuneração que, em concreto for mais favorável.
XXXIII. Cautelarmente, invoca-se, ainda e pelos mesmos motivos supra aduzidos, também a inconstitucionalidade e, inerente, ilegalidade dos mesmos artigos, quando interpretados no sentido de que um trabalhador, contratado por uma empresa Portuguesa e quando expressamente acorda em sujeitar o contrato de trabalho à Lei Nacional, se encontre destacado, por um curtíssimo período de tempo, para França e aí sofra um acidente de trabalho, tem direito à remuneração que, em concreto for mais favorável, no caso a Francesa, já se aplicando a Lei Portuguesa quanto ao cálculo da pensão e indemnizações tendo por referência o pagamento de subsídios, no caso de férias e de natal, inexistentes na legislação do País para onde está destacado [França], não se podendo admitir que, por via da aplicação da Lei mais favorável, seja aplicado ao trabalhador as mais diversas disposições legais do Pais de origem e do País para onde estiver destacado, conforme mais lhe aprouver e mais lhe for favorável.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, que não deixarão de ser supridos por sas Excelências, revogando a Douta Decisão recorrida quanto à recorrente Y – Trabalho Temporário, Unipessoal, Lda., farão Vossas Excelências a habitual justiça.”
CONTRA-ALEGAÇÕES – o sistrado, com o patrocínio do Ministério Público, defende a manutenção da decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso(1)):
1 - Impugnação da matéria de facto;
3- Montante da retribuição a atender para cálculo das prestações devidas pela lei de acidente de trabalho: é aplicável a lei portuguesa ou a lei francesa?

I.I FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS:

Na primeira instância foram julgados provados os seguintes factos:
A. O autor P. P. nasceu em -/11/1974 – documento de fls 17.
B. A ré Y – Trabalho Temporário, Unipessoal, Lda é uma empresa de trabalho temporário, tendo como objecto social a actividade de cedência temporária de trabalhadores para ocupação de trabalhadores para ocupação por utilizadores, podendo, ainda, desenvolver actividades de selecção, orientação e formação profissional, consultadoria e gestão de recursos humanos, sendo titular do alvará nº 739/14 – documento de fls 221 verso a 223.
C. No dia 18/04/2016, por acordo escrito e com termo incerto, a Ré “Y” admitiu o autor para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de ferrageiro, isto é, de armador de ferro - documento constante de fls 79 a 83 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
D. Durante oito horas diárias e quarenta semanais;
E. E mediante o pagamento da remuneração mensal ilíquida de €570,00, acrescida de €4,26 de subsídio de alimentação por cada dia efectivo de trabalho e do pagamento em duodécimos dos subsídios de férias e de natal – documento de fls 81-83 dos autos.
F. Em 18/08/2016, por acordo escrito, a ré “Y” celebrou com a sociedade francesa “W, Sarl”, um contrato de utilização de trabalho temporário, nos termos do qual se obrigou, a partir daquele dia, a ceder a esta a utilização do autor para exercer as funções aludidas em C.
G. Tendo o autor sido destacado para França a partir do dia 22/08/2016 para exercer as suas funções para a sociedade “W, Sarl” – documentos de fls 85 a 87 e 157.
H. No dia 18/10/2016, cerca das 10H00M, numa obra sita em França, quando se encontrava a exercer as aludidas funções para a sociedade francesa aludida em G, o autor, em cima de um andaime, saltou para o chão em virtude de este estar a ceder.
I. Em consequência do embate dos membros inferiores no chão, o autor sofreu fratura cominutiva do navicular direito e derrame articular tibiolar e subtalar posterior de pequeno/moderado volume.
J. Tal lesão determinou para o autor os seguintes períodos de incapacidades temporárias para o trabalho:

a) trezentos e sessenta e seis (366) de incapacidade temporária absoluta (ITA), contados desde 19/10/2016 até 04/01/2017 e desde 07/02/2017 até 21/11/2017;
b) trinta e três (33) dias de incapacidade temporária parcial (ITP) de 20%, contados desde 05/01/2017 até 06/02/2017 – documentos de fls 59 e 99 e perícia médica de fls 146 a 148 verso.
K. A aludida lesou consolidou-se clinicamente em 21/11/2017 com sequelas de tarsalgia, claudicação e edema no dorso do pé direito - perícia médica de fls 146 a 148 verso.
L. sequelas que lhe determinaram oito por cento (8%) de incapacidade permanente parcial (IPP) para o trabalho - perícia médica de fls 146 a 148 verso.
M. Devido ao agravamento da referida lesão, o autor sofreu recaída em 8 de dezembro de 2017,
N. tendo, por isso, sido sujeito a tratamento cirúrgico com artrodese em 31/01/2018.
O. Em consequência da referida recaída e tratamento cirúrgico, o autor esteve temporária e absolutamente incapaz (ITA) de trabalhar durante o período de 8 de dezembro de 2017 até 27 de fevereiro de 2019, num total de quatrocentos e quarenta e sete (447) dias,
P. No ano de 2016, a retribuição mínima mensal garantida - “salaire minimum de croissance” - em França foi de €1.466,62 – Décret nº 2016-418, de 07/04/2016.
Q. Em 18/10/2016, a ré “Y” tinha transferida para a ré seguradora a sua responsabilidade infortunística laboral através do contrato de seguro titulado pela apólice nº 202779696, na modalidade de folha de férias – documentos de fls 20 a 21, pela retribuição a anual ilíquida de €9.227,06 (€570,00 x 14 + €4,27 x 22 x 11 + €17,82 x 12) – auto tentativa de conciliação de fls 189 a 192.
R. A ré seguradora pagou ao autor, a título de indemnização por IT´s, um total de €14.927,73 – documentos de fls 51, 99 e 124.
S. A ré “Y” não pagou ao autor indemnização por incapacidade temporária.
T. O autor gastou €25,00 em deslocações ao Gabinete Médico-Legal e Forense do Lima para a realização de perícia médica e a este juízo do trabalho para a realização da tentativa de conciliação.

B) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

O tribunal superior deve alterar a decisão sobre a matéria de facto caso os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente – art. 662º do CPC.
Está em causa o ponto provado na alínea G que a ré entende que está incompleto.

Alega a ré que:

torna-se imprescindível atender à remuneração base mensal que ficou fixada, como sendo devida ao trabalhador, também no contrato de utilização de trabalho temporário, denominado de “Contrat de Mise à Disposition”, celebrado entre a recorrente e a sociedade W, Sarl”. E que a ”própria Utilizadora, sociedade de Direito Francês e sujeita, por conseguinte, às disposições constantes do Código do Trabalho Francês e demais legislação Francesa aplicável, fixou com a recorrente [Salairede Référence], uma retribuição a pagar ao autor inferior ao denominado “salaire minimum de croissance”.”

Ficou provado que:
“G. Tendo o autor sido destacado para França a partir do dia 22/08/2016 para exercer as suas funções para a sociedade “W, Sarl” – documentos de fls. 85 a 87 e 157.”

A ré propõe que fique antes a constar que:
“G. Tendo o autor sido destacado para França a partir do dia 22/08/2016 para exercer as suas funções para a sociedade de Direito Francês “W, Sarl”, mediante a retribuição mensal de 570,00€ (quinhentos e setenta euros) – documentos de fls. 85 a 87 e 157.
O que está em causa é saber se a matéria foi alegada e se foi admitida por acordo nos articulados.
A ré empregadora não cumpriu o ónus de impugnação especificada da decisão sobre a matéria de facto, que lhe impõe a identificação dos concretos pontos de facto que considera invorrectamente julgados. Essa identificação deve fazer-se por referência aos articulados (dado que não houve enunciação de temas de prova), com o objectivo de o tribunal comparar o facto alegado com o facto que a parte entende como incorrectamente julgado pela primeira instância – art. 640º, 1, al. a), conjugado com os art.s 639º/1 e 635º, CPC. A ré limita-se a elencar a matéria que visa dar como provada, mas não identifica a fonte, nem nas conclusões, nem nas alegações. Trata-se de um dever essencial que, se incumprido, leva à rejeição do recurso - art.s 640º, 1, 639º, 3 a contrario relacionado com o art. 652º, 1, al. a), b, CPC.
Ainda que assim não fosse, sempre a impugnação seria de improceder, por outras razões.
Na verdade, lida a contestação, a ré não alegou esta matéria. Isto é, não alegou que acordou com a utilizadora pagar ao autor 570€. Limita-se a dizer no artigo 11 que “em 18.08.2016 a Y celebrou com a sociedade “W Sarl” o contrato junto aos autos a fls…”.
Ademais, a matéria não releva. O salário de referência que o contrato de utilização de trabalho temporário deve conter é o respeitante a trabalhador do utilizador que exerça as mesmas funções, e não a do trabalhador da empresa de trabalho temporário. A retribuição do autor/trabalhador deve constar, e consta, do contrato de trabalho celebrado entre este e a ré, sua empregadora.
Finalmente, esse vencimento mensal acordado entre o autor e a ré consta já da matéria provada- pontos C, E e F.
Improcede a arguição.

C) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO

A única questão controvertida e objecto de recurso é o montante da retribuição a atender para efeitos de cálculo das prestações devidas pelo acidente de trabalho.
Na sentença recorrida atendeu-se ao valor do salário mínimo francês, multiplicado por 14 vezes, e às demais prestações convencionadas no contrato de trabalho celebrado ente o autor e a ré empregadora.
A decisão teve em conta o regime do destacamento ao aplicar o salário mínimo francês, em moldes para os quais se remete e invocou a Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/12/1996 (3º), a Convenção de Roma, de 19/06/1980 (Convenção Sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais (7º), o Código do Trabalho (8º, 6º) e a LAT (6º, 2, 71º, 3).

Analisando:
Provou-se que o autor era trabalhador da ré, empresa de trabalho temporário (ETT), encontrando-se a trabalhar em França, desde 22-08-2016, na construção civil e como armador de ferro, o que fazia para uma empresa utilizadora francesa, quando foi vitima de acidente de trabalho, em 18-10-2016. A ré pagava-lhe o valor de 570€x14, acrescidas de outras prestações convencionadas.
Assim sendo, pode-se dizer que o sinistrado se encontrava destacado em França quando se acidentou.
O “trabalhador destacado", na noção dada pelo Código do Trabalho (art.s 6º e 8º), é aquele que é enviado pelo seu empregador, por um período de tempo limitado, para outro país, quer seja dentro ou fora do Espaço Económico Europeu, para aí realizar o seu trabalho. Designadamente porque uma empresa conseguiu um contrato de prestação de serviços ou de empreitada noutro país e, assim, para aí envia os seus trabalhadores para realizar a prestação dos serviços adjudicados. Também o trabalhador de empresa de trabalho temporário poderá ser posto ao serviço de um utilizador estabelecido noutro país. Esta prestação de serviços transnacional, em que os trabalhadores são enviados a trabalhar para um país diferente daquele em que normalmente exercem a sua atividade, deu origem à denominação “trabalhadores destacados”.
O regime de destacamento é regulado a nível nacional (designadamente no Código do Trabalho e em diplomas avulsos que transpõem instrumentos europeus que não sejam de aplicação directa) e, sobretudo, a nível internacional, mormente ao nível de direito europeu, em termos que infra reataremos.
Distingue-se do regime de conflitos de aplicação de lei no espaço, a que se recorre em hipótese de relações laborais plurilocalizadas que contactam com dois ou mais ordenamentos jurídicos, o que frequentemente aparece algo confundido.
No regime de aplicação de leis no espaço atende-se actualmente ao Regulamento 593/2008/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17/06/2008 (denominado Roma I), que tem por âmbito de aplicação as obrigações contratuais em matéria civil e comercial que impliquem um conflito de leis (art. 1º). Este Regulamento sucedeu à Convenção de Roma de 19-08-1980 (2), regendo para os contratos de trabalho celebrados a partir de 7-11-2009, como acontece nos autos (art. 28º Roma I).
Os regulamentos são um dos instrumentos legislativos (a par das directivas) que põem em prática e prosseguem os objectivos da União Europeia. São normas emitidas por órgãos comunitários (o direito derivado) -16º TUE e 288º TFUE. Têm carácter geral, são de aplicação imediata, valendo directamente na ordem jurídica interna sem necessidade de intervenção do poder legislativo – art. 249º e 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (3) (doravante TFUE) e art. 8º, n.s 3 e 4, Constituição da República Portuguesa. Devem-lhe obediência quer as autoridades dos Estados membros, quer os cidadãos de cada país.
Ora, no que aos contratos individuais de trabalho se refere, o regulamento elege a autonomia privada como primeiro critério, ou seja, atende-se à vontade e escolha das partes quanto à lei aplicável (art. 8º).
Na sua falta, estabelecem-se critérios supletivos da lei do país onde ou a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho (lex loci laboris), não se considerando que o país mude quando o trabalhador estiver temporariamente a trabalhar fora. Se ainda assim não for possível determinar a lei aplicável nos termos referidos, o contrato é regulado pela lei do país onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador. Finalmente, se ainda assim resultar do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente daquele que resulta da aplicação destes últimos critérios é aplicável a lei desse outro país.
Do encadeamento de critérios acima enunciado resulta que a lei do país de origem é, por regra, a aplicável.
No caso dos autos, não resta dúvida que a lei aplicável ao contrato de trabalho é a lei portuguesa, porque foi esta a escolhida por vontade das partes, conforme resulta da matéria provada. De resto, ainda que assim não fosse, sempre a lei aplicável seria a portuguesa, de acordo com as outras regras supletivas enunciadas.
Assim, a lei francesa não poderá ser aplicável com base nestas normas que resolvem os conflitos de leis no espaço.
Contudo, poderá sê-lo com recurso ao regime do destacamento que abrange, nos termos supra ditos, as situações em que o trabalhador desenvolve temporariamente a sua actividade noutro Estado que não aquele onde habitualmente trabalha.
Desde logo, o próprio Regulamento 593/2008/CE (Roma I), nos seus considerandos iniciais (nºs 34º a 37) e no corpo do diploma (artigo 9º, 1 e 3 (4)) ressalva a possibilidade de normas de aplicação imediata por motivos de ordem pública que podem determinar o recurso à lei do país de acolhimento em detrimento da lei do país de origem, ainda que, de acordo com as normas de conflitos, não fossem a lei aplicável ao contrato. Diga-se, aliás, que, a serem, aplicar-se-ia directamente, sem necessidade de recorrer ao regime do destacamento.
Ademais, o próprio Regulamento ressalva expressamente que a norma de conflitos – de determinação da lei aplicável- não afasta o regime do destacamento.

O que consta nos Considerandos:

nº “(34) A regra relativa aos contratos individuais de trabalho não deverá afectar a aplicação das normas de aplicação imediata do país de destacamento, prevista pela Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços.”

Adiantando, inclusive, uma noção de destacamento no “Considerando nº(36)”:
“No que diz respeito aos contratos individuais de trabalho, a prestação de trabalho noutro país deverá ser considerada temporária caso se pressuponha que o trabalhador retomará o seu trabalho no país de origem, após o cumprimento das suas tarefas no estrangeiro…. “
Este é precisamente o caso dos autos, em que é suposto o autor regressar de França onde esteve a trabalhar destacado durante algum tempo, para continuar a sua actividade em Portugal.
Nos Considerandos 35 e 37 do Regulamento prossegue-se, afirmando-se quanto à referida protecção de ordem pública:

(35) Os trabalhadores não deverão ser privados da protecção que lhes é conferida pelas disposições que não podem ser derrogadas por acordo ou que só podem sê-lo a seu favor.
(37) Considerações de interesse público justificam que, em circunstâncias excepcionais, os tribunais dos Estados-Membros possam aplicar excepções, por motivos de ordem pública e com base em normas de aplicação imediata. O conceito de «normas de aplicação imediata» deverá ser distinguido da expressão «disposições não derrogáveis por acordo» e deverá ser interpretado de forma mais restritiva.”

Mais à frente, estabelece-se no corpo do diploma (9º do Regulamento), quanto às ditas normas de ordem pública:

Artigo 9º (normas de aplicação imediata):
1. As normas de aplicação imediata são disposições cujo respeito é considerado fundamental por um país para a salvaguarda do interesse público, designadamente a sua organização política, social ou económica, ao ponto de exigir a sua aplicação em qualquer situação abrangida pelo seu âmbito de aplicação, independentemente da lei que de outro modo seria aplicável ao contrato, por força do presente regulamento.

3.Pode ser dada prevalência às normas de aplicação imediata da lei do país em que as obrigações decorrentes do contrato devam ser ou tenham sido executadas, na medida em que, segundo essas normas de aplicação imediata, a execução do contrato seja ilegal. Para decidir se deve ser dada prevalência a essas normas, devem ser tidos em conta a sua natureza e o seu objecto, bem como as consequências da sua aplicação ou não aplicação.

Finalmente o artigo 23º do Regulamento alude à sua conjugação com outras disposições do direito comunitário, ressalvando, ainda, (no que ora releva) que “…o presente regulamento não prejudica a aplicação das disposições do direito comunitário que, em matérias específicas, regulem os conflitos de leis em matéria de obrigações contratuais”.

Prosseguimos, agora, para a chamada Directiva destacamento, para a qual somos remetidos (Directiva nº 96/71/CE):
O destacamento assume no mundo actual uma frequência cada vez maior, visível, também, pelo numero crescente de casos que os tribunais têm sido ultimamente convocados a resolver. Relaciona-se com os fenómenos de internacionalização e globalização da economia e dos negócios em geral e, no caso particular da União Europeia, ainda e em especial, com a liberdade de prestação de serviços (art. 56º do TFUE), conjugada com a liberdade de circulação de trabalhadores (art. 45º TFUE).
Na decisão recorrida convocou-se o disposto no artigo 8º do Código do Trabalho (que remete para o art. 7º). A ré também alude a estas disposições. Chega a invocar a sua inconstitucionalidade, se interpretadas no sentido de serem aplicados os mínimos previstos na lei francesa.
Há que desfazer o equivoco, na medida em que as referidas normas funcionam ao contrário. O regime de destacamento da lei portuguesa não confere o direito de receber segundo a legislação francesa, no caso o salario mínimo ali praticado. Na verdade, o artigo 8º remetendo para o artigo 7º do CT, respeitando um princípio geral de equiparação, confere ao trabalhador destacado num país estrangeiro o direito a determinadas condições de trabalho de acordo com a legislação portuguesa. Visando garantindo-lhe um padrão mínimo de proteção em matérias cruciais que poderão não estar asseguradas de maneira mais favorável ao trabalhador em exercício de funções no país de destino, tais como retribuição mínima, trabalho suplementar, períodos máximos de trabalho e mínimos de descanso, segurança e saúde no emprego, duração mínima das férias, etc…. Trata-se de uma norma de tutela e salvaguarda de aplicação do direito nacional (5) nas matérias elencadas na lei, sem prejuízo de regimes que possam resultar mais favoráveis por força da lei aplicável ao contrato ou decorrente do próprio conteúdo deste.
Ora, não sendo aplicáveis tais normas do CT ficam desde logo prejudicadas as alegações de suposta inconstitucionalidade, das quais, portanto, não se conhece.
Diga-se, aliás, que a norma (8º CT) só poderá beneficiar os trabalhadores deslocados no estrangeiro em determinados países que pratiquem ainda mais baixos salários do que os portugueses, designadamente na Roménia e Bulgária se estivermos a falar da Europa.
Mas do que se trata nos autos é diferente. Não está em causa o recurso à lei portuguesa, mas sim a aplicação de uma norma de outro país em função de uma conexão considerada relevante, no caso a execução da prestação de trabalho, que esse país (em concreto, França) declare aplicável, independentemente das regras de conflitos. Situação que é sustentada pelo referido Regulamento Roma I (9º e 23º) de aplicação directa aos Estados Membros e pela directiva destacamento 96/71/CE (6).
A Directiva foi revista pela Diretiva (UE) 2018/957 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de junho de 2018, contudo esta só é aplicável aos Estados membros a partir de 30-07-2020 (art. 3º), pelo que não releva para os autos (pese embora na matéria que nos interessa não traga alteração significativa).
A razão de ser da Directiva 96/71/CE foi a tentativa de sistematizar e uniformizar critérios face aos diferentes entendimentos dos Estados membros sobre a interpretação a dar a princípios fundamentais como o da livre prestações de serviços (7), restrições que lhe poderiam ser impostas pelos países de acolhimento e, simultaneamente, evitar a concorrência desleal e o “dumping social” (8).
Como referimos as situações que envolviam escolha entre leis nacionais, implicava que aos contratos de trabalho era por regra aplicável a lei do país de origem, por corresponder à do local onde o trabalhador prestava habitualmente a sua actividade (lex loci laboris), excepto no caso de estipulação das partes em contrário. Quadro legal este que dava azo e consentia práticas de “preços” de mão-de-obra barata, vinda de país de origem com níveis salariais bem inferiores aos praticados nos países de destino da prestação de serviço, originando concorrência desleal (9).
Posteriormente o Parlamento Europeu e o Conselho da EU adoptaram a Directiva 2014/67/EU de 15/05/2104, denominada “Directiva execução/destacamento”, que concretiza os indicadores de destacamento de trabalhadores plasmado na “Directiva Destacamento”, visando prevenir evasões e abusos na utilização desta figura (10). Elencaram-se indícios factuais de destacamento ligados ao trabalhador (4º, 3) (11) e à empresa (art. 4º, 2) (12), os quais são meramente exemplificativos e a ausência de um não impede automaticamente a aplicação do regime. A avaliação desses elementos é adaptada e atende às especificidades da situação. No caso dos autos, a directiva não releva particularmente dado que não se põe em causa que exista um destacamento.
Volvendo à chamada “Directiva/destacamento”, esta, dizíamos nós, veio consagrar um “núcleo duro” em determinadas matérias, as quais seriam sempre impostas aos Estados membros de origem dos trabalhadores destacados, excepto se a lei aplicável ao contrato fosse mais favorável.
Na Directiva Destacamento consagrou-se, consequentemente, que o trabalhador destacado teria sempre direito, nessas matérias vitais, às condições de trabalho do estado de acolhimento, previstas ou em Lei ou em regulamentação colectiva de trabalho com eficácia geral/erga omnes para determinado sector ou profissão em causa e abrangida pelo seu âmbito territorial, desde que mais favoráveis.
As matérias consideradas cruciais referem-se a remunerações mínimas e pagamento de trabalho suplementar, duração máxima de tempos de trabalho e de períodos mínimos de repouso, mínimos de férias retribuídas, regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, etc - art. 3º, 1, da Directiva. Trata-se de um conjunto de matérias tidas por essenciais.

Veja-se a redacção do artigo 3º da Directiva, parcialmente transcrita na parte que ora releva:

“Art.3º (Condições de trabalho e emprego)
1. Os Estados-membros providenciarão no sentido de que, independentemente da lei aplicável à relação de trabalho, as empresas referidas no nº 1 do artigo 1º garantam aos trabalhadores destacados no seu território as condições de trabalho e de emprego relativas às matérias adiante referidas que, no território do Estado-membro onde o trabalho for executado, sejam fixadas:
- por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas
e/ou
- por convenções colectivas ou decisões arbitrais declaradas de aplicação geral na acepção do nº 8, na medida em que digam respeito às actividades referidas no anexo:

c) Remunerações salariais mínimas, incluindo as bonificações relativas a horas extraordinárias….”

Para efeitos da presente directiva, a noção de «remunerações salariais mínimas» referida na alínea c) do nº 1 é definida pela legislação e/ou pela prática nacional do Estado-membro em cujo território o trabalhador se encontra destacado.”

Assim sendo, e porque os artigos 6º a 8º do CT português respeitam à transposição para o direito interno da “Directiva destacamento” (13), há que verificar da sua transposição no país do destino, no caso França, identificando a existência de normas de aplicação imediata e de ordem pública, respeitantes ao salário mínimo nacional.
Como se sabe as Directivas têm natureza vinculante para os Estados membros quanto ao resultado a alcançar, não sendo, contudo, de aplicação directa aos particulares, obrigando os Estados a pô-la em prática ou transpô-las através de regulamentação adequada, mormente por emissão de lei.
Mas, repare-se que a orientação (“resultado a alcançar”) já está definida na Directiva, somente sendo livre a escolha dos meios da sua execução por parte dos Estados membros. E apesar dessa não aplicabilidade directa preconiza-se a interpretação dos direitos nacionais em conformidade com o direito europeu (14). Ademais, algumas directivas são extremamente pormenorizas e deixam pouco espaço de manobra aos Estados membros (15). No caso a “Directiva Destacamento” é bastante descritiva ao elencar o “núcleo duro” de matérias de protecção cuja aplicação se impõe aos Estados membros, entre elas as remunerações mínimas.
Não menos importante é a noção de que a Constituição estabelece a regra do primado do direito internacional sobre o direito interno infraconstitucional (16) - art. 8º CRP. O que significa, na hierarquia das leis, que as normas comunitárias se situam logo abaixo da Constituição e acima das leis ordinárias, pelo que estas tem de conformar-se com aquelas (17).
No caso, não existindo regulamentação de direito interno português a determinar a aplicação da lei do país de destino ao destacamento, há que atentar no regulamento Roma I (art. 9º e 23º) que é de aplicação directa, bem como na orientação (quanto o resultado a atingir) provinda da Directiva Destacamento (de resto, muito pormenorizada quanto ao “núcleo duro” a garantir), e nas regras imperativas da lei do país de destino do trabalhador, no caso a França.

Refere então a lei Francesa no Code du travail, à data do destacamento (18):
“Artigo nº L1261-3:
Est un salarié détaché au sens du présent titre tout salarié d'un employeur régulièrement établi et exerçant son activité hors de France et qui, travaillant habituellement pour le compte de celui-ci, exécute son travail à la demande de cet employeur pendant une durée limitée sur le territoire national dans les conditions définies aux articles L. 1262-1 et L. 1262-2.

Transcrição:
(É um trabalhador destacado para o significado deste título qualquer trabalhador de um empregador estabelecido regularmente e exercendo actividade fora da França e que normalmente trabalha por conta dele, realiza o seu trabalho a pedido do empregador por um tempo limitado no território nacional, nas condições definidas nos artigos…)

Artigo nº L1262-4
Les employeurs détachant temporairement des salariés sur le territoire national sont soumis aux dispositions légales et aux stipulations conventionnelles applicables aux salariés employés par les entreprises de la même branche d'activité établies en France, en matière de législation du travail, pour ce qui concerne les matières suivantes :
….
8° Salaire minimum et paiement du salaire, y compris les majorations pour les heures supplémentaires;

Transcrição:
“(Os empregadores que destaquem temporariamente trabalhadores no território nacional estão sujeitos à lei e as disposições contratuais aplicáveis ​​aos trabalhadores empregados por empresas na mesma indústria estabelecida na França, em termos de legislação do trabalho, em relação às matérias seguinte:
…..
8 ° Salário mínimo e pagamento de salário, incluindo prémios de horas extras”.

Assim a lei laboral francesa transpôs a “Directiva destacamento”, estabelecendo-se que em caso de destacamento de trabalhadores para o seu território vigora um principio imperativo de equiparação em determinadas matérias, mormente em matéria de salário mínimo, relativamente aos trabalhadores das empresas francesas do mesmo ramo. No fundo está em sintonia com a transposição portuguesa da Directiva (6º a 7º do CT) que obedece à ideia de garantir os mínimos previsto na lei interna, se outro regime não for mais favorável.
O que resulta dos «Articles» L3121-10 (período semanal de trabalho de 35 horas) e L3231-1 a L3231-12 (regem sobre o «Salaire minimum interprofessionnel de croissance») do «Code du Travail», conjugado com o «Décret n.° 2015-1688 du 17 décembre 2015» (19) («salaire minimum de croissance» para 2016).
Da legislação citada resulta que ao autor será garantida a retribuição mínima mensal de € 1.466,62, perfazendo a retribuição mínima anual de € 17.599,44, excluindo-se subsídios de férias ou de Natal não previstos na lei francesa, procedendo nesta parte a objecção da ré empregadora.
De resto, a lei francesa sempre seria aplicável ainda que a Directiva Destacamento não estivesse transposta no sistema francês, quer por força do Regulamento Roma I (art. 9º e 23º) face à obrigatoriedade de pagamento do salário mínimo nacional em França para certo número de horas de trabalho, quer porque a Directiva é vinculante para os Estados membros e em face do primado do direito comunitário e do princípio da interpretação com ele conforme.
Quanto à objecção da ré centrada agora na desproporcionalidade na aplicação do regime de destacamento:
A ré empregadora refere no recurso o princípio da liberdade de prestação de serviços, insiste em que a aplicação do salário mínimo francês é excessivamente oneroso, tendo em conta também a curta duração do trabalho, aludindo a casos do tribunal de justiça europeu em que se terá afastado a aplicabilidade do regime de destacamento.
Contudo, a liberdade de circulação de trabalhadores, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços são, equivalentemente, princípios fundamentais do mercado interno da União consagrados no TFUE.
A aplicação destes princípios implica, assim, quer condições equitativas para as empresas, quer o assegurar do respeito pelos direitos dos trabalhadores.
A liberdade de prestação de serviços inclui o direito das empresas de prestarem serviços noutro Estado-Membro, para onde podem destacar temporariamente os seus próprios trabalhadores, a fim de nele prestarem os ditos serviços. Para efeitos do destacamento de trabalhadores, é necessário distinguir, ainda, a liberdade de livre circulação de trabalhadores, que confere a todos os cidadãos o direito de se deslocarem para outro Estado-Membro para efeitos de trabalho e de residência e que os protege contra discriminações em matéria de emprego, de remuneração e das demais condições de trabalho e de emprego em relação aos nacionais desse Estado-Membro.

No que respeita aos trabalhadores temporariamente destacados a “Directiva destacamento” estabelece claramente um conjunto de termos e condições de emprego que devem ser cumpridos pelo prestador de serviço no Estado-Membro onde decorre o destacamento, a fim de garantir a proteção mínima dos trabalhadores destacados- Vejam-se os Considerandos nos 1,2 e 3 da “Directiva Execução Destacamento”.
Ora, a directiva destacamento aplica-se precisamente, em muitas situações, a trabalhos de curta duração, visando evitar situações irregulares de empresas que utilizam abusivamente mão de obra barata que, simultaneamente, distorce a concorrência leal e desprotege os direitos laborais dos trabalhadores em matérias essenciais, como o salário. O sector da construção civil é, aliás, um dos sectores onde tradicionalmente ocorre frequentemente lesão dos direitos dos trabalhadores, por força de uma menor informação por parte dos seus agentes.
Por outro lado, para a definição daquilo que se considera destacamento a Directiva não estabelece qualquer prazo (20) de limite temporal.
A possibilidade de desaplicação ou derrogações previstas na ”Directiva destacamento” de que os Estados membros se podem servir referem-se a casos de destacamento muito específicos, de duração inferior a um mês (3º/3/4), ou inferior a 8 dias (3º/2) mas não aplicável à construção, ou referentes a “ reduzido volume de trabalhos a realizar” (3º/5), este último sem estabelecimento de limite temporal, contudo não aplicável a destacamentos em que o empregador é uma empresa de trabalho temporário que coloca o trabalhador numa utilizadora estabelecida noutro Estado-membro (1º/3/c), como acontece nos autos.

Veja-se o que consta a propósito de destacamentos de curta duração no “Guia prático sobre o destacamento da EU” (21), 2019, p. 9:

“No que diz respeito às condições de trabalho e emprego dos trabalhadores destacados, a Diretiva 96/71/CE aplica-se a todos os destacamentos, independentemente da sua duração. No entanto, algumas disposições da diretiva não são aplicáveis a destacamentos de curta duração, ou autorizam o Estado-Membro de acolhimento a não aplicar as suas disposições a estes destacamentos.
Em primeiro lugar, existe uma exceção obrigatória no caso de trabalhos de montagem inicial e/ou de primeira instalação de um bem quando o período de destacamento não for superior a oito dias. Nestes casos, não se aplicam as disposições da diretiva relativas à duração mínima das férias anuais remuneradas e à remuneração (a exceção não abrange o setor da construção).

Em segundo lugar, os Estados-Membros têm possibilidade de
-Decidir, após consulta dos parceiros sociais, não aplicar as regras relativas à duração mínima das férias anuais remuneradas e à remuneração quando o período do destacamento não for superior a um mês num período de referência de um ano;
- Permitir exceções à regra sobre a remuneração ao abrigo de convenções coletivas a destacamentos no âmbito de contratos de prestação de serviços ou de destacamentos intragrupo, quando a duração do destacamento não seja superior a um mês. É importante salientar que essa possibilidade não existe no caso de destacamento efetuado por uma empresa de trabalho temporário;
- Não aplicar as disposições relativas à duração mínima das férias anuais remuneradas e à remuneração em virtude do reduzido volume dos trabalhos a efetuar. É importante salientar que essa possibilidade não existe no caso de destacamento efetuado por uma empresa de trabalho temporário. “

Ora, nenhuma destas excepções cabe ao caso, desde logo face ao facto de o período de destacamento ser superior a 1 mês, referir-se à construção e tratar-se de um destacamento efectuado por uma empresa de trabalho temporário.
Finalmente, os casos em que o TJUE tem denegado a protecção do destacamento não tem propriamente a ver com o caso dos autos, mormente o caso Mazzoleni e Isa, no processo número C-165/98 citado pela ré.
É verdade que a Directiva tem convivido com alguma flexibilidade e adaptabilidade, tendo a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) permitido entendimentos que melhor se coadunem com as circunstâncias e especificidades, considerando a liberdade de circulação de serviços. Na realidade poderemos depararmo-nos com destacamento de contornos muito diversos. Desde os casos mais clássicos do trabalhador da construção civil que vai trabalhar para o outro país onde aí fica a residir temporariamente, sem ligação à organização e instalações da empresa em Portugal, até casos mais esbatidos e melindrosos como o de empresas de zonas fronteiriças que colocam trabalhadores a prestarem serviços em Estados-membros limítrofes, por vezes em tempo parcial.
O próprio TJUE já se pronunciou sobre a necessidade de, em tais casos, se avaliar da proporcionalidade da aplicação do regime de destacamento. Este foi o Caso Mazzoleni, Ac. TJUE, C-165/98, referente a trabalhadores seguranças que eram destacados de um Estado Membro para outro fronteiriço, para prestarem serviços a tempo parcial. Salientando o TJ que a aplicação dos salários mínimos do país de acolhimento a prestadores de serviços de Estados-membros limítrofes pode gerar encargos administrativos acrescidos e desproporcionados e, bem assim, o pagamento de salários diferentes a trabalhadores com iguais funções e ligados “à mesma base de operações”. Sublinhando-se, quanto a este último aspecto, o seu carácter nocivo por criar tensões no seio da própria empresa entre os vários trabalhadores e destabilizar a coerência da contratação colectiva no país de estabelecimento.
Ora, esta não é de todo a situação dos autos. Ao invés, estamos perante a situação típica de destacamento, em que o trabalhador fica desinserido do país de origem, desloca-se para o país de acolhimento, França, onde desempenha por cerca de dois meses trabalhos na construção civil para empresa utilizadora, regressando depois a Portugal.

É assim de aplicar o regime de destacamento (22).
Cálculo das prestações:
Como referimos a base de cálculo das prestações devidas por acidente de trabalho, indemnizações por IT e capital de remição por IP é a retribuição mínima anual de € 17.599,44.
A ré empregadora será responsável pelo diferencial entre tal valor e aquele inferior que havia transferido para a seguradora de €9.227,06 (€570,00 x 14 + €4,27 x 22 x 11 + €17,82 x 12)- 79º, 4, NLAT.

Tem o autor assim direito aos seguintes valores:

(i) Capital de remição de pensão por IPP correspondente a 70% da redução na capacidade geral de ganho, no valor de 985,57€ (17.599,44€ x 70% x IPP 8%)- 48º/3/c, 75º, NLAT. Sendo 516,72€ a cargo da seguradora (já fixados na decisão recorrida e que permanecem inalterados dado que o limite pelo qual responde é o mesmo) e 468,85€ da empregadora.
(ii) Indemnização diária igual a 70% e 75% da retribuição, respectivamente nos primeiros 12 meses e no período subsequente, por incapacidade temporária absoluta de 813 dias no total de 28.520,74€ (12.319,61€ de 365 dias e 16.201,13€ de 448 dias) -48º/3/d, NLAT. Dentro deste total, ficam 13.567,85€ a cargo da empregadora, mantendo-se inalterados os valores a cargo da seguradora que, de acordo com a sentença, se mostravam pagos na quase totalidade.
(iii) Indemnização diária igual a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho (ITP de 20%) pelo período de 33 dias no total de 222,773€ - 48º/3/e, NLAT. Dentro deste total, ficam 105,98 a cargo da empregadora, mantendo-se inalterados os valores devidos pela seguradora.

III.DECISÃO

Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87º do CPT e 663º do CPC, acorda-se em:

a) julgar parcialmente procedente o recurso e condenar-se as rés a pagar ao autor o capital de remição da pensão anual de 985,57€ (novecentos e oitenta e cinco euros, e cinquenta e sete cêntimos), sendo 468,85€ a cargo da empregadora, mantendo-se o valor de 516,72€ a cargo da seguradora (já fixados na decisão recorrida), com início no dia seguinte ao da alta clínica;
b) julgar parcialmente procedente o recurso e condenar-se a ré empregadora a pagar ao autor indemnização por IT de 13.673,83 (treze mil, seiscentos e setenta e três euros e oitenta e três cêntimos)– 72º/4, NLAT;
c) manter-se, no mais, a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente empregadora e do recorrido autor na proporção vencimento/decaimento.
Notifique.

19-11-2020

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins



1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
2. Que vigora ainda actualmente para a Dinamarca.
3. Tratado ao qual Portugal aderiu e que vigora na ordem interna nacional por força do art. 8º, 2, CRP (direito originário).
4. No regime anterior previsto na Convenção de Roma de 1980 regulava-se a situação nos art. 6º e 7º.
5. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte I, Dogmática Geral, 4ª ed., p. 315 a 321.
6. Transposta para a ordem interna pela Lei 9/2000, de 15/06, mas com vista a estabelecer os mínimos garantidos pela legislação portuguesa a trabalhadores destacados em Portugal ou no estrangeiro.
7. Júlio Manuel Vieira Gomes, Algumas reflexões sobre o destacamento de trabalhadores na jurisprudência do Tribunal de Justiça, p. 43 e ss, Revista de Direito e Estudos Sociais, Julho-Dezembro, 2012, Ano LIII, nº 3/4, p. 43 e ss.
8. Kátia Costa e Silva, Mobilidade Transnacional de Trabalhadores e Empresas, Prontuário de Direito do Trabalho, p. 307 e ss, em especial, p. 309 quanto a preocupações de carácter social, e não só económico, que terão originado a Directiva; também Dário Moura Vicente, Direito Internacional Privado, Vol. III, 2010, p. 18 e ss.
9. Ver ac. RG por nós relatado, 7-11-2019, www.dgsi.pt
10. A mesma foi transposta para o direito interno pela Lei 29/2017, de 30/05, pese embora tal seja indiferente dado que, como vimos, não estamos a tratar da aplicação do nosso CT.
11. Ex: trabalho por um período limitado noutro Estado-Membro; destacamento para um Estado-Membro diferente daquele no qual ou a partir do qual o trabalhador desempenha habitualmente as suas funções; regresso ou retoma da atividade por parte do trabalhador no Estado-Membro a partir do qual foi destacado após a conclusão do trabalho; despesas de viagem, alimentação ou alojamento asseguradas ou reembolsadas pelo empregador, etc….
12. Ex: o local da sede social/administração da empresa, escritório, onde paga imposto e contribuições; o local de recrutamento dos trabalhadores e a partir do qual são destacados; a lei aplicável aos contratos de trabalho e de prestação de serviços com os clientes; o local onde a empresa exerce o essencial da sua atividade comercial e onde emprega pessoal administrativo, etc….
13. Pela Lei n.º 9/2000, de 15/06, transposição mantida nos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009.
14. Pedro Martinez, Direito do Trabalho, 9º ed., p. 214.
15. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 19º ed., p. 90.
16. “Art. 8º CRP (direito internacional) 1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português. 2.As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.”
17. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte I, Dogmática Geral, 4º ed., p.196 e 200.
18. https://www.legifrance.gouv.fr/codes/texte_lc/LEGITEXT000006072050/2016-10-17/
19. https://www.legifrance.gouv.fr/loda/id/LEGIARTI000031640911/2015-12-19/#LEGIARTI000031640911
20. Deixando-se de fora os casos de limites máximos (12 meses), a partir do qual os Estados membros passam a assegurar, além do elenco do “núcleo duro”, todas as condições de trabalho e emprego que sejam fixadas no território do Estado-Membro (por lei, convenção colectiva de aplicação geral, etc…) onde o trabalho for executado, situação actualmente prevista na Directiva 2018/957 (art. 1º-A) que altera a “Directiva Destacamento”, que ao caso não releva, nem é aplicável.
21. https://europa.eu/youreurope/citizens/work/work-abroad/posted-workers/index_pt.htm.
22. Vd casos semelhantes de trabalhadores destacados em França, nos ac.s da RG de 4-10-2018, e 22-10-2020 (proc. 2226/17.9T8BCL.G2), www.dgsi.pt