Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
250/10.1TMBRG.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: DIVÓRCIO
SEPARAÇÃO DE FACTO
IMPOSSIBILIDADE DE VIDA EM COMUM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 – O prazo de um ano consecutivo, na separação de facto, tem de verificar-se no momento da propositura da acção.
2 - Na concepção do divórcio ruptura basta constatar ou concluir dos factos provados que o casamento se rompeu definitivamente.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

M…, auxiliar de acção educativa, residente na Av…, Braga, interpôs a presente acção de divórcio, com processo especial e forma ordinária, contra A…, professor, residente na Rua…,Braga.

Para tanto, alega que a partir do ano de 2001, a relação entre ambos começou a deteriorar-se passando o réu a dirigir-se à autora de modo rude e mal educado, o que motivou que em Janeiro de 2009 a Autora tenha passado a dormir sozinha no sótão e deixado de confeccionar e partilhar refeições com o Réu, bem como sair e fazer vida social com ele. Alega ainda que em Setembro de 2009 saiu da casa de morada de família e foi viver com a sua mãe, sendo sua intenção não mais restabelecer a comunhão conjugal.

Designou-se a tentativa de conciliação mas sem sucesso, tendo sido o Réu notificado para contestar, art. 1407º5 C.P.C.
O Réu apresentou contestação negando os factos alegados pela autora.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com respeito pelas formalidades legais, como consta da acta.
A final foi proferida sentença que julgou a acção procedente decretando o divórcio entre autora e réu.

Inconformado com o decidido, o réu interpôs recurso de apelação formulando conclusões.
Não houve contra-alegações.
Cumpre decidir.

Damos como assente a matéria de facto consignada na decisão recorrida, que passamos a transcrever:
A. A Autora e o Réu celebraram casamento católico em 23.07.1977, sem convenção antenupcial, estando casados no regime de comunhão de adquiridos.
B. Durante o casamento nasceram os filhos:
- J…, nascido a 30.01.1981
- A…, nascida a 08.04.1978
C. Na altura do São João, em 2009, junto à churrasqueira da casa, o réu disse à autora, “cala-te, vai pró caralho”
D. Em 17.09.2009 a Autora saiu de casa.
E. A Autora não pretende reatar a vida em comum.

Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões, a saber:
1 – Se há fundamento para se concluir pela ruptura matrimonial
2 – Se se verifica o prazo para a separação de facto.

Iremos conhecer em conjunto das questões enunciadas
O tribunal recorrido decreta o divórcio entre autora e réu porque este violou o dever de respeito para com a autora ao proferir a expressão “ cala-te, vai pró caralho” e encontram-se separados há mais de um ano, revelando a autora intenção de não mais reatar a vida em comum, pelo que se verificam os pressupostos da alínea a) do artigo 1781 do C.Civil.
O réu insurge-se contra o decidido porque a expressão, em si, no contexto sociológico em que vivem os cônjuges, não é ofensiva, não viola o dever de respeito da autora. Por sua vez, o prazo integrador da separação de facto, como fundamento do divórcio, tem de ocorrer no momento da propositura da acção, o que não acontece.
Com as alterações introduzidas pela Lei 61/2008 de 31 de Outubro, foram eliminados os fundamentos subjectivos e culposos do divórcio litigioso, assentando este apenas em elementos objectivos, cobertos por uma cláusula geral de ruptura do casamento, que compete ao julgador integrar, em cada caso, consoante os factos alegados e provados, como resulta do artigo 1781 do C.Civil.
Este normativo enumera, em quatro alíneas, os fundamentos do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:
a) A separação de facto por um ano consecutivo;
b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;
c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;
d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.
Para o caso em análise interessa-nos apenas os fundamentos expressos nas alíneas a) e d).

No que tange ao disposto na alínea a), o prazo de separação terá de ser por um ano consecutivo e terá de verificar-se no momento da propositura da acção. Pois, o tempo é elemento constitutivo do direito potestativo de requerer o divórcio. Este só se constitui depois de esgotado o prazo estipulado, porque é considerado como o limite mínimo para se constatar ou presumir que a separação é definitiva, não se acreditando que haja reatamento da vida em comum. O que quer dizer que o projecto de vida se esgotou, deixou de haver razões para manter uma relação afectiva que faliu.
No caso em apreço, a separação deu-se a 17 de Setembro de 2009 e a acção foi proposta a 14 de Abril de 2010, pelo que não se tinha ainda completado o prazo para a propositura da acção de divórcio com este fundamento e que não decorre da estrutura da acção. Assim sendo, não pode proceder a acção com este fundamento.

No que concerne à alínea d) temos a destacar a expressão proferida pelo réu, a saída de casa por parte da autora e a sua intenção de não reatar a vida em comum.
A expressão “ cala-te e vai pró caralho” é objectivamente injuriosa, enquanto revela um acto de desprezo por parte do réu relativamente à autora. E proferida pelo cônjuge dirigida ao outro mais ofensiva se torna, atenta a relação afectiva que os une ou deve unir. É uma expressão que revela um mau estar entre os dois cônjuges, que culmina na separação, isto é, na saída de casa por parte da ré, três meses depois, que se tornou definitiva. A ré já não deseja voltar para refazer a vida conjugal. Para ela, o projecto de vida em comum com o réu terminou, ruiu, faliu. Já não há razões para continuar a viver em comunhão de vida com alguém que a não torna feliz.
Será que estes factos, conjugados entre si, levam-nos a constatar ou concluir que a relação conjugal se rompeu definitivamente?
Estamos perante uma nova concepção de divórcio (divórcio ruptura), que pressupõe uma nova concepção de casamento, que deixou de ser visto como uma instituição perene, duradoura, quase perpétua, para se configurar num acordo de projecto de vida a realizar por duas pessoas com vista à sua realização pessoal, em que a relação afectiva é o fundamento desse projecto. Uma vez esgotada a afectividade, que fundamentou a comunhão de vida, deixa de haver razão para se manter o acordo.
O legislador, ao consagrar o novo paradigma de divórcio, aderiu a esta nova concepção de casamento, mas distanciou-se da possibilidade de denúncia do mesmo por parte de um dos cônjuges, por circunstâncias meramente subjectivas. Daí que tenha exigido que o tribunal se pronuncie sobre os factos alegados e provados, numa perspectiva de ajuizar se desencadearam uma ruptura definitiva da vida conjugal. Se o casamento, como comunhão de vida, faliu, se desmoronou.

No caso em apreço, julgamos que a relação afectiva se esgotou, espelhada na forma como os cônjuges se relacionavam, como se comunicavam, ao ponto de a ré renunciar viver na casa de morada de família. Não é normal uma atitude destas, quando a relação conjugal está de boa saúde ou mesmo quando sofra de alguma doença. É típica de situações extremas em que a vida em comum já não é possível. Uma saída é sempre muito dolorosa para quem tem de tomar esta decisão. E normalmente a decisão é amadurecida ao longo de algum tempo. Só é tomada numa situação de impossibilidade de manutenção da comunhão por quem já não tem capacidade de suportar a situação ou teve a coragem de romper com a aparência de comunhão.
E julgamos que o caso dos autos releva uma comunhão de vida já muito frágil, que acabou por ruir com a saída da autora disposta a não reatar a vida em comum, que espelha o cansaço de viver naquela situação.
Assim julgamos que se verifica o fundamento do divórcio consagrado na alínea d) do artigo 1781 do C.Civil.

Concluindo: 1 – O prazo de um ano consecutivo, na separação de facto, tem de verificar-se no momento da propositura da acção.
2 - Na concepção do divórcio ruptura basta constatar ou concluir dos factos provados que o casamento se rompeu definitivamente.

Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida
Custas a cargo do réu.
Guimarães, 11/09/2012
Espinheira Baltar
Henrique Andrade
Eva Almeida