Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2/15.2IDBRG.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
REVOGAÇÃO DA PENA
PRESSUPOSTOS
IN DUBIO PRO REO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Se, independentemente da qualidade do trabalho prestado, o condenado foi executando várias tarefas na entidade beneficiária que as tomou como boas, se com interrupções ou sem elas prestou trabalhos – no total de 482 horas - na entidade beneficiária, nos termos em que, bem ou mal, lhe foram sendo propostos por esta, sem qualquer oposição, quer por parte da DGRSP, quer do Tribunal, o qual, em momento algum, determinou a suspensão da prestação dos trabalhos, não poderia este último, porque veio a considerar tal prestação “simulada” e insusceptível de concretização em número de horas, concluir por uma recusa injustificada em prestar trabalho, considerada grosseira e culposa, fundamento da decidida revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e do consequente cumprimento da pena de prisão.

II) Com efeito, não considerando o mencionado tribunal como boa a informação junta aos autos pela entidade beneficiária a respeito do cumprimento total das horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, mas admitindo ter o condenado prestado tal trabalho, a dúvida sobre o número efetivo de horas prestado e a impossibilidade de o apurar, teria de ter sido resolvida em benefício do condenado e não em seu total desfavor.

III) O apuramento desse número de horas não era indiferente para ajuizar da eventual revogação da pena aplicada ao condenado, porquanto não basta qualquer violação da obrigação de trabalho para que ocorra a revogação da pena de prestação do trabalho a favor da comunidade “exigindo-se antes que que ela ocorra em grau particularmente elevado, assumindo-se como intolerável, face aos fins que determinaram a aplicação da pena substitutiva”

IV) Assim, estando em causa matéria de natureza probatória com influência na decisão a proferir sobre a eventual revogação da pena, a dúvida invocada pelo tribunal e por este considerada insuperável, demandava o apelo ao princípio natural de prova “In Dubio Pro Reo”, resolvendo-se a dúvida no sentido de não rejeitar a informação fornecida pela entidade beneficiária quanto ao cumprimento por parte do condenado do dever de prestar trabalho a favor da comunidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum singular, com o nº2/15.2IDBRG, que corre termos no Tribunal da Comarca de Vila Real – instância local – Juiz 2 – foi proferido despacho ao abrigo do disposto nos artigos 59º,nº2 do C.Penal, o qual revogou a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e, em consequência, ordenou o cumprimento da pena de prisão substituída, na totalidade – 1 ano e 10 meses .
2. Não se conformando com tal despacho, o arguido recorreu do mesmo, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:
3.
«1. A douta decisão impugnada revogou a prestação de trabalho a favor da comunidade e ordenou o cumprimento da pena de 1 ano e 11 meses de prisão, com o fundamento na prestação simulada de trabalho pelo Arguido o que equivale a uma recusa injustificada em prestar esse trabalho que não pode deixar de ser considerada como grosseira e culposa.
2. O Arguido iniciou a prestação de trabalho a favor da comunidade no dia 15 de Setembro de 2016, no Lar (...), no âmbito do processo 260/13.7IDBRG, que correu termos pelo Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Guimarães.
3. Nesse processo e no âmbito do plano de trabalho que aí havia sido homologado, o Arguido cumpriu 260 horas de trabalho a favor do Lar (...), em 69 dias, desde o dia 15/09/16 a 11/01/2017, ou seja, trabalhou 260 horas em 69 dias o que corresponde a uma média de 3,37horas.
4. A 20 de Janeiro de 2017, no âmbito dos presentes autos, a DGRSP elaborou novo plano de trabalho para o Arguido, que nunca foi objecto de despacho de homologação.
5. Em Dezembro de 2016, o Arguido, em cumprimento do dever que sobre si impenda, informou os autos e a DGRSP da alteração da sua residência para a cidade do Porto e, face à inexistência de qualquer decisão ou comunicação para suspender ou interromper o trabalho, o Arguido continuou a prestá-lo,
6. pelo que, o facto inserto no ponto nº 7 dos factos, - “ineficácia preventiva do cumprimento de horas de trabalho através de opções tomadas livremente pelo arguido” – não tem qualquer sustentação.
7. Os períodos de trabalho diário prestados pelo Arguido foram sempre do conhecimento da DGRSP que os contabilizou, fez constar do novo plano de trabalho as 260 horas de trabalho prestadas pelo Arguido até 11 de Janeiro de 2017 e em 15 de Fevereiro de 2017 informa o Tribunal que o Arguido prestará o trabalho em horário não fixo.
8. Em consequência da alteração de residência do Arguido foi realizada uma reunião, no dia 23 de Março de 2017, entre este e os técnicos daquela instituição, na qual o Arguido “manifestou-se mais uma vez disposto a dar continuidade à prestação de trabalho no Lar (...), em Guimarães” – cfr. ofíco da DGRSP de 8 de Maio de 2017.
9. O Arguido, esteve dois meses sem se apresentar ao trabalho, sem que nenhuma ordem ou indicação lhe fosse fornecida pelas entidades que tinham o dever de o fazer e por cautela e com o justo receio de se vir a considerar que estava a incumprir a pena que lhe havia sido imposta, retomou o trabalho.
10. Esse receio, justificava-se, ainda, pelo facto de o Tribunal recorrido nunca ter decidido o que quer que fosse, designadamente, ter suspendido provisoriamente a prestação de trabalho do Arguido, nos termos dos artºs 13º, nº 1 do DL 375/97, de 24 de Dezembro, 59º do Código Penal e 498º do Código de Processo Penal.
11. Assim, não corresponde à verdade que o Arguido soubesse que a entidade beneficiária não podia receber o seu trabalho e, em concomitância, que ele não o pudesse prestar.
12. Por outro lado, foi o Arguido que despoletou as diligências encetadas nos autos que justificariam uma reponderação da execução da prestação de trabalho, ao ter comunicado a alteração da sua residência e ao ter aferido junto da entidade beneficiária do trabalho e da DGRSP a possibilidade de trabalhar, parte do tempo, em casa.
13. Se o trabalho estivesse de decorrer de forma simulada, como é referido no douto despacho impugnado, o Arguido não teria necessidade de tentar, como tentou, alterar a forma de execução dessa prestação de trabalho.
14. Deste modo, o Arguido não infringiu qualquer dever laboral ou regra de conduta inerente à prestação do trabalho decorrente da pena que lhe foi imposta.
15. Acresce que, o trabalho atribuído ao Arguido, definido no plano - tarefas de auxiliar de serviços gerais - é vago e genérico no entanto foram elencados os serviços realizados pelo Arguido.
16. Além disso, independentemente da qualidade do trabalho prestado pelo Arguido, o certo é que o prestou, nunca o tendo recusado e não adoptou qualquer conduta merecedora de grave censura.
17. Inexistem, portanto, nos autos factos suficientemente esclarecedores para que se possa concluir, como o Tribunal recorrido concluiu, que o Arguido simulou o trabalho que prestou a favor do Lar (...)
18. Ora, o Arguido não infringiu, de forma grave e grosseira, qualquer dever decorrente da pena e detém todas as condições sociais essenciais ao êxito do seu processo de reinserção social em liberdade, pelo que, não estão reunidos os pressupostos para a revogação da pena de substituição de trabalho a favor da comunidade, devendo a decisão impugnada ser revogada

B.

19. No dia 23 de agosto de 2017 foi publicada a Lei nº 94/2017, cuja vigência se iniciou no dia 23 de novembro de 2017 (cfr. artº 14º), que, entre outros preceitos, alterou o disposto no artº 44º do Código Penal, na redação vigente até então.
20. A nova lei, por um lado, alargou de um para dois anos o limite da pena de prisão que pode ser cumprida em regime de permanência na habitação, e, por outro lado, contemplou a possibilidade de aplicação deste regime aos casos de revogação de uma pena não privativa da liberdade.
21. Quando foi prolatada a decisão ora impugnada, de 30 de Abril de 2018, tinha já sido publicada e entrado em vigor a Lei nº 94/2017.
22. Razão pela qual, o Tribunal a quo tinha o poder/dever de, ao pronunciar-se sobre a questão da execução da pena prisão aplicada ao Arguido por revogação pena substitutiva não privativa da liberdade, ter ponderado e aplicado o regime jurídico resultante desse diploma que consubstancia lei penal mais favorável.
23. O princípio da aplicação da lei penal mais favorável consagrado nos arts 29º, 4, CRP, e 2º, 4, CP, e o princípio constitucional da legalidade do conteúdo das decisões judiciais e o correlativo poder/dever em que está investido o Julgador para, autónoma e oficiosamente, indagar, interpretar e aplicar as regras de direito, inculcam, assim, que o Tribunal a quo deveria ter ponderado a questão da aplicação ao caso da nova redação introduzida na al. c), do nº 1, do artº 43º, CP, pela Lei 94/2017.
24. Ao desconsiderar de todo esta questão e ao não aplicar a nova e mais favorável lei penal, o Tribunal deixou de se pronunciar sobre matéria do conhecimento obrigatório e oficioso, pelo que incorreu em nulidade.
25. Deste modo, deve declarar-se a nulidade do douto despacho impugnado, prevista na primeira parte da al. c) do nº 1 do artº 379º, CPP, por não se ter pronunciado sobre a questão da aplicação ao caso da lei nova mais favorável ao arguido resultante da redação introduzida na al. c), do nº 1, do artº 43º do Código Penal pela Lei nº 94/2017, de 23 de Agosto,
26. e deve, em concomitância, ordenar-se a baixa do processo à primeira instância para que aplique a nova lei ou, se assim se não entender, deve a Relação proferir decisão adrede sobre tal questão, em qualquer dos casos, após audiência prévia do arguido. »

4. O Exmo Procurador-Adjunto na primeira instância respondeu ao recurso, alegando, em suma, que concorda integralmente com as conclusões 19 a 26 do recurso, porquanto, a não pronúncia sobre tal questão consubstancia a nulidade apontada no recurso do arguido.
Já no que respeita ao teor das conclusões 1 a 18, aderiu integralmente às considerações plasmadas no despacho recorrido.

5. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, “revogando-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que, na falta de outros obstáculos jurídicos – vg art. 59º,nº2,alc), do C.Penal – considere cumprida e extinta a pena de substituição, nomeadamente nos termos do art.59º,n5 do Código Penal, face, inclusivamente, ao que era considerado assente no Proc.nº260/13.7IDBRG quanto ao número de horas de trabalho prestado e que não foi objecto, nesse processo, nem neste, de invalidação dedicada».
Em face de tal posição, considerou ainda o Exmo Procurador-Geral Adjunto, ficar prejudicado o conhecimento do outro segmento do recurso sobre o qual pugnou assistir integral razão ao recorrente.

6. No âmbito do disposto no art. 417º,nº2, do Código de Processo Penal, o arguido respondeu a esse parecer, subscrevendo-o na íntegra.

7. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º,nº3,al.c), do mesmo diploma.

II . Fundamentação

A) Delimitação do Objecto do Recurso

Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal ( diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência) que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

O objecto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º,403º e 412º- naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf.Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, VolIII, 1994,pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103).

O âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem, as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam.

No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

- apurar se existe fundamento para a revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade;
- omissão de pronúncia quanto à aplicabilidade do novo regime penal previsto no art. 43º, do C.Penal.

B) Do Despacho Recorrido

1.

Para a resolução da questão supra enunciada, importa ter presente o teor do despacho recorrido (transcrição):

« --- Conforme consta do ofício de fls. 613 e ss. datado de 20.01.2017, o arguido iniciou o cumprimento da medida no âmbito do processo n.º 260/13.7IDBRG, do Juízo Local Criminal J1 de Guimarães, sendo que em 11.01.2017 o total de horas prestadas era de 260 horas. ---
--- No âmbito do aludido processo n.º 260/13.7IDBRG, foi apresentado o plano de trabalho e o mesmo ali foi homologado. ---
--- Uma vez que na sentença proferida nos presentes autos se entendeu estarmos perante um crime continuado, assim se determinou, entre o mais, que na condenação ocorrida nos presentes autos, os factos dados como provados no âmbito dos processos n.ºs 260/13.7IDBRG, do Juízo Local Criminal J1 de Guimarães e 37/14.2IDBRG, do Juízo Local Criminal J2 de Guimarães fossem considerados englobados no presente processo e, bem assim, a pena aplicada englobasse as respectivas penas aplicadas nos aludidos processos. ---
--- Daí que, nesse sentido, como que se repristinou o plano de trabalho homologado no âmbito do processo n.º 260/13.7IDBRG, apesar de no âmbito dos presentes autos não ter sido proferido despacho homologatório do plano, sendo que o intuito seria considerar as horas que efectivamente o arguido já havia prestado no âmbito do processo n.º 260/13.7IDBRG, a título de prestação de trabalho a favor da comunidade. ---
--- Perante a comunicação da alteração da morada por parte do arguido, alteração essa da cidade de Guimarães para a cidade do Porto, foram encetadas diligências no sentido de perceber da conveniência da continuação da prestação do trabalho a favor da comunidade nos moldes que haviam sido definidos (previamente) no âmbito do processo n.º 260/13.7IDBRG. ---
--- Aí e tendo em vista tal finalidade, foi apresentado nos autos um novo plano de trabalho. O Ministério Público pugnou pela sua não aceitação e o arguido pela continuidade. Foram realizadas diligências, designadamente, audição do arguido, do responsável da entidade beneficiadora do trabalho a favor da comunidade, da técnica da DGRS, da responsável/acompanhamento (interna da entidade beneficiadora) do trabalho prestado, sendo que todas as audições se mostram gravadas nos autos. ---
--- Entretanto, mostra-se junto aos autos o registo de assiduidade a fls. 676 a 678. ---
--- Cumpre, assim na presente data, e perante a comunicação de que o arguido concluiu entretanto o número de horas de prestação de trabalho a favor da comunidade que lhe foram aplicadas em substituição da pena de prisão, apreciar tal cumprimento nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 59.º do CP, designadamente, revogação versus extinção da pena (embora esse não tenha sido o propósito inicial quando se encetaram as diligencias descritas). ---
*
--- Factualidade a considerar à presente decisão: ---

1. O arguido foi condenado na pena de 1 ano e 11 meses de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, em função da prática dos factos em causa nestes autos e nos processos n.ºs 260/13.7IDBRG e 37/14.2IDBRG (fls. 570 e 580), por sentença proferida em 02.11.2016.
2. Por requerimento entrado em 21.12.2016, o arguido informou que passou a residir na Rua (...), no Porto (fls. 605).
3. Por plano datado de 20.01.2017, a DGRSP: propôs que o arguido cumprisse as horas de trabalho no Lar (...), sita em Guimarães, de 2ª a 6ª feira, das 9h e 30m às 13h e 30m e das 15h e 30m às 17h e 30m - fls. 613 e 614; e informou ainda que o arguido já se encontrava a prestar trabalho naquela entidade no âmbito do processo 260/13.7IDBRG.
4. Perante este plano, o Tribunal determinou que o arguido e a DGRSP fossem notificados para indicarem se o local do cumprimento das horas de trabalho se mantinha, uma vez que o arguido residia no Porto e o Lar (...) situa-se em Guimarães (fls. 615 a 618).
5. Por ofício datado de 13.02.2017, o Proc. 260/13.7IDBRG informou que o arguido iniciou a prestação de trabalho naquele processo no dia 15.09.2016.
6. Por ofício datado de 15.02.2017, a DGRSP informou que o arguido tinha disponibilidade para se deslocar regularmente a Guimarães, a fim de concluir a pena no Lar (...); e que o arguido passaria a executar a medida em horário não fixo e a determinar pontualmente pela entidade beneficiária (fls. 629).
7. Perante este ofício e a ineficácia preventiva do cumprimento de horas de trabalho através de opções tomadas livremente pelo arguido, o Tribunal determinou:

a. que a DGRSP esclarecesse se foi ponderada a alteração do cumprimento da pena para o local da residência do condenado.
b. e que o Lar (...) viesse informar quais os projectos em curso ou a curto prazo que o condenado iria participar, de que forma o faria e quais os horários previstos para os mesmos (fls. 632, 633, 637 e 638).
8. Através de ofício datado de 08.05.2017, a DGSRP informou que:
a. através de entrevista realizada em 22.03.2017, o arguido manifestou-se disposto a continuar o trabalho prestado no Lar (...)
b. através de reunião realizada em 03.04.2017 e posterior contacto efectuado em 21/04/2017, ficou acordado com os responsáveis do Lar que estes iriam proceder a reunião com o arguido, a fim de serem calendarizadas as acções/actividades a desenvolver pelo mesmo a favor da entidade, enviando o respectivo plano à DGRSP (fls. 639).
9. Por ofício datado de 31.05.2017, o Presidente da Lar (...), Dr. José:
a. informou que a instituição tinha em curso um conjunto de trabalhos onde o arguido poderia colaborar, com a sua experiência enquanto gestor, a saber:
i. organização das diferentes estruturas da Casa (dez estruturas diferentes),
ii. organização e parecer sobre candidaturas,
iii. e revisão de documentos estruturantes de algumas estruturas da Casa;
b. e sugeriu que o arguido elaborasse “relatório parecer sobre candidaturas e documentos, tarefas que pode executar na instituição ou em casa, sendo que, obrigatoriamente, terá que reunir-se semanalmente com responsáveis do Lar (...)”, devendo passar na instituição 4/8 horas por semana e trabalhar em casa 4/6 horas (fls. 644).
10. Em vista de 02.06.2017, o Ministério Público considerou a proposta do Lar (...) incompatível com as finalidades da pena e promoveu que se indeferisse a realização de trabalho nesta instituição e que a DRGSP indicasse outra instituição e elaborasse novo plano (fls. 645).
11. O arguido e a respectiva Ilustre Defensora foram notificados desta posição, sendo o arguido por volta de meados de Junho de 2017 (fls. 649).
12. Em resposta à referida promoção, por requerimento entrado em 28.06.2017, a Ilustre Defensora defendeu a aceitação da proposta apresentada pelo Lar (...).
13. De acordo com o registo de assiduidade junto aos autos em 27.07.2017 (fls. 667 a 668) e em 30.10.2017 (fls. 676 a 678), resulta que:
a. Entre 15.09.2016 e 11.11.2017, o arguido trabalhou 260 horas em 94 dias diferentes (3 meses e 4 dias), o que corresponde a uma média diária de 2,76 horas, dias estes diferenciáveis de acordo com a seguinte carga horária:
i. 1 dia em que prestou 1 hora de trabalho,
ii. 2 dias em que prestou 2 horas de trabalho,
iii. 10 dias em que prestou 2,5 horas de trabalho,
iv. 15 dias em que prestou 3 horas de trabalho,
v. 19 dias em que prestou 4 horas de trabalho,
vi. 3 dias em que prestou 4,5 horas de trabalho,
vii. 15 dias em que prestou 5 horas de trabalho,
viii. e 3 dias em que prestou 5,5 horas de trabalho.
b. Entre 16.01.2017 e 04.08.2017, o arguido trabalhou 222 horas em 29 dias (menos de um mês), o que corresponde a uma média diária de 7,65 horas, dias estes diferenciáveis de acordo com a seguinte carga horária:
i. 1 dia em que prestou 4 horas de trabalho,
ii. 1 dia em que prestou 5 horas de trabalho,
iii. 3 dias em que prestou 7 horas de trabalho,
iv. e 24 dias em que prestou 8 horas de trabalho.
c. Depois de comparecer várias vezes por mês, entre Setembro de 2016 e Maio e Março de 2017, o arguido não prestou qualquer prestação de trabalho a favor da comunidade durante dois meses, entre 24/03 e 23/05/2017.
14. Na audição de 13.10.2017, o arguido prestou as seguintes declarações:
a. não soube explicar porque é que não prestou qualquer hora de trabalho durante Abril de 2017;
b. o trabalho desenvolvido era ao nível de gestão de empresas, na área produtiva, comercial e de gestão, conforme as indicações que o Dr. José me indicava (cfr. respectiva gravação, cerca 11:30 a 11:501);
c. analisou e deu conselhos meramente verbais relativamente aos dossiers que lhe eram apresentados (14:40 a 14:50 e 16:50 a 17:20), fornecendo os únicos exemplos de dossiers de candidaturas a postos de trabalho e de exploração e de gestão, de balanços, despesas;
d. relativamente às candidaturas, apenas conseguiu dizer que seriam num número que variava entre 10 a 50 (17:30 a 18:40), tendo-se limitado a dar opinião sobre quem devia ou não devia aceitar as mesmas (cerca 19:55 e ss):
e. relativamente aos outros dossiers, analisou dossiers de exploração e de gestão, de balanços, despesas, para os apreciar e dizer o que achava sobre os mesmos (25:33 a 25:53), sendo que quanto a tais opiniões apenas conseguiu concretizar que há sempre coisas a melhorar (25:55), que aconselhou a diminuição de despesas e de custos, através da polivalência de funcionários, sem se consegui recordar/precisar minimamente que funcionários e despesas concretas estavam em causa (26:00 a 27:30, 43:00 a 45:30, 47:15 e ss.);
f. esteve ainda presente em 20 a 30 entrevistas de candidatos (19:05) a postos de trabalho relativos a trabalhos de natureza administrativa e comercial (20:45 a 20:55);
g. mais tarde, referiu que também participou nas entrevistas de candidatos a seguranças, limpeza, responsáveis por cozinha, auxiliares de crianças (cerca 37:11);
h. desconhece o seguimento que foi dado às propostas por si feitas (cerca 39:22 e ss.);
i. que o Dr. José, Director do Lar (...), saberia explicar melhor o trabalho que desempenhou (cerca 11:55);
j. não sabe quantas pessoas trabalham no Lar (...) (cerca 41:00);
k. não sabe as receitas anuais, as despesas anuais e o n.º de trabalhadores do LSE (47:55 e ss.);
l. instado a enunciar uma tarefa concreta que tenha feito ao longo de um ano, respondeu que não sabe ou não deve fazê-lo (cerca 48:35 a 48:55).
15. Na audição de 24.10.2017, a técnica da DGRSP A. R. prestou as seguintes declarações:
a. de acordo com o que lhe foi transmitido pelo arguido e por responsáveis pelo Lar (...), na fase de preparação da PTFC, o objectivo do trabalho a desenvolver pelo arguido seria ao nível de gestão e de realização de candidaturas em alguns projectos e no acompanhamento do seu desenvolvimento;
b. na reunião de 03.04.2017 (cfr. ponto 8, b supra, e fls. 639), reuniu com o Dr. José e com a Engenheira Patrícia, onde lhes transmitiu, de forma clara, que a PTFC deveria ser suspensa, perante as dúvidas do Tribunal e que lhe deveriam dar a calendarização do que tinha sido feito.
16. Na audição de 13.10.2017, o Director do Lar (...), Dr. José, prestou as seguintes declarações:
a. o trabalho desenvolvido pelo arguido centrou-se em funções de apoio à Gestão e Administração, em especial através da Eng.ª Patrícia;
b. relativamente à reunião de 03.04.2017 (cfr. ponto 8, b supra, e fls. 639), confirma que concluíram, em conjunto com a técnica da DGRSP, que a PTFC deveria ser suspensa;
c. o arguido continuou a trabalhar após a reunião porque a Eng.ª Patrícia aceitou a presença do arguido e o seu trabalho;
d. que viu o arguido no Lar após a reunião, mas não disse nada;
17. Na audição de 24.10.2017, a trabalhadora do Lar, Engenheira Patrícia, declarou que:
a. com ela, o arguido desempenhou os seguintes trabalhos:
i. mapas de transportes de utentes do Lar, não sabendo precisar minimamente que intervenção/contribuição foi feita pelo arguido, sendo certo que o fez exclusivamente através de uma “troca de ideias”, quando pontualmente faziam tal tarefa (cerca 08:25; 11:30 a 13:41; );
ii. organização do arquivo contido num armário, que terá demorado um período que não soube precisar mas que seria superior a um dia, não sabendo ainda precisar minimamente como é que tal organização foi feita (cerca 08:35; 09:06 a 11:30; cerca 19:04);
iii. pegou nos curriculum de candidaturas (cerca 14:00), e organizou-os pela ordem de chegada e pelas necessidades que o Lar tinha, sendo que tal questão já foi com o Dr. José (cerca 15:30);
iv. não se recordando de mais trabalhos desempenhados pelo arguido (cerca 22).
b. relativamente à reunião de 03.04.2017 (cfr. ponto 8, b supra, e fls. 639), recorda-se do Dr. José dizer que era melhor não aceitar mais PTFC (cerca 02:15 a 02:40);
c. confrontada com o facto da aceitação do trabalho após a reunião ter sido por iniciativa da Engª Patrícia, referiu que só cumpre ordens do Dr. José e nada faz por sua iniciativa e que, como não recebeu nenhuma indicação do Dr. José, continuou a aceitar o trabalho do Dr. José (cerca 02:53 a 05:00);
d. o arguido trabalhava consigo ou com o Dr. José, não sabendo dizer com quem estava mais (v.g., cerca 07:20 a 08:00);
e. não sabe explicar porque é que, a partir de certa altura, o arguido passou a desempenhar 8 horas de trabalho diários, sendo que a entidade benificiária nada tem a dizer relativamente ao número de horas e tarefas (cerca 06:15);
f. recorda-se que o arguido iria fazer feito trabalho voluntário se não fosse aceite como PTFC, não sabendo precisar como (16:35 a 17:30). ---
*
--- Tendo em atenção tal factualidade, o Digno Magistrado do Ministério Público conclui promovendo, além do mais, que se considere que o arguido violou grosseiramente os deveres decorrentes da pena de prestação de trabalho, mormente o de contribuir para o falseamento dos serviços realizados por si; se considere que o arguido se recusou injustificada e dissimuladamente a prestar o trabalho; em consequência, se revogue a pena de prestação de trabalho e se determine o cumprimento efectivo da pena de prisão principal, descontando 24 horas de trabalho que terão sido eventualmente desempenhadas - art.º 59º/2, al. b), do Código Penal. ---
*
--- O arguido, notificado de tal posição do Ministério Público, veio referir, sucintamente, que não infringiu qualquer dever laboral ou regra de conduta inerente à prestação do trabalho decorrente da pena que lhe foi imposta; os fins da pena foram realizadas e não é pelo facto de o arguido cumprir mais uma ou menos uma hora diária para alem ou aquém do horário estipulado no plano, com o conhecimento da entidade responsável (DGRS) que se deve considerar que o arguido incumpriu os seus deveres ou que os fins da pena não foram alcançados. ---
--- Mais acrescentou que executou várias tarefas, coadjuvou diversas pessoas nas várias áreas do trabalho que desempenhavam, nelas participando e dando o aconselhamento que considerava adequado. Além disso, independentemente da qualidade do trabalho prestado pelo arguido, o certo é que o prestou, nunca o tendo recusado e não adoptou qualquer conduta merecedoras de grave censura. ---
--- De facto, para a revogação da pena apenas relevam as condutas que violem os deveres e as obrigações merecedoras de grave censura, assumindo-se como indesculpáveis face aos fins que determinaram a aplicação da pena substitutiva, e que inviabilizem definitivamente o juízo de prognose de manter o arguido afastado da criminalidade. ---
--- Ora, o arguido não infringiu de forma grave e grosseira, qualquer dever decorrente da pena e detém todas as condições sociais essenciais ao êxito do seu processo de reinserção social em liberdade, pelo que, entende não dever ser revogada a pena de substituição de trabalho a favor da comunidade. ---
*
--- Cumpre apreciar e decidir: ---

--- O art.º 7.º n.ºs 1 e 2 do DL n.º 375/97, de 24/12, impõe ao condenado o dever de cumprir as obrigações de trabalho decorrentes da decisão judicial e acatar as orientações para e durante a sua execução e está especificamente obrigado a certos procedimentos relativamente ao tribunal e às entidades que supervisionam o cumprimento da pena, para que se torne possível o seu início e a adequada execução. ---
--- O art.º 59.º n.º 2 do C. Penal regula os casos em que o tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, com a sua conduta posterior, preencher um ou vários dos acima enunciados pressupostos. Ou seja, a revogação do trabalho a favor da comunidade nos termos desta norma, pressupõe sempre uma actuação, no mínimo, culposa do condenado, por nela se fazer referência a uma actuação grosseira, expressão que, naturalmente, denuncia a intenção do legislador de fazer relevar apenas condutas merecedoras de grave censura. ---
--- Não basta uma qualquer violação destes deveres e obrigações, exigindo-se antes que ela ocorra em grau particularmente elevado, assumindo-se como intolerável, face aos fins que determinaram a aplicação da pena substitutiva. Nesse sentido, a violação grosseira de que fala a norma, há-de traduzir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorre, não merecendo assim ser tolerada. ---
--- As causas de revogação da medida não deverão, deste modo, ser entendidas formalmente, antes deverão indiciar a falência, irremediável, do juízo de prognose inicial que fundamentou a sua aplicação e a anulação infalível da esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade. ---
--- Assim, só será legítimo concluir pela revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade e aplicação da pena de prisão se existirem, efectivamente e em concreto, elementos de facto para concluir que o condenado não só actuou de forma grosseira (com culpa) mas também não oferece as condições pessoais essenciais ao êxito do seu processo de reinserção social em liberdade nem revela, enfim, a motivação para tanto necessária. ---
--- Conhecida a preferência do legislador pelas penas não detentivas e a sua cruzada contra as penas de prisão, sobretudo, as de curta duração, a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade por uma pena de prisão tem de ser perspectivada como uma solução extrema dentro do condicionalismo apertado do art.º 59.º n.º 2 do Código Penal. ---
--- Por outro lado, como vimos, a revisão do Código Penal de 1995 – com o segmento final do art.º 56.º n.º 1, b) – pôs termo à revogação, ope legis, da suspensão como efeito automático da prática de um novo crime doloso no período dessa suspensão, pelo qual o agente viesse a ser punido com pena de prisão1, delimitando-a aos casos em que esse facto imponha a conclusão de que se frustrou o juízo de prognose que havia fundamentado a suspensão, a ponderar, ainda e de novo, à luz dos fins das penas, tal como deve suceder com o incumprimento, em geral, de obrigações ou deveres impostos ao condenado como condições da suspensão da execução da pena de prisão2: «A condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena só implica a revogação da suspensão se a prática desse crime infirmar definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão. A revogação da suspensão deverá ser excluída, em princípio, se na nova condenação tiver sido renovado esse juízo de prognose favorável, com o decretamento da suspensão da pena da nova condenação. A escolha de uma pena de multa na nova condenação é, igualmente, um elemento que contra-indica a solução da revogação da suspensão.»3.

1 “A suspensão será sempre revogada se, durante o respectivo período, o condenado cometer crime doloso por que venha a ser punido com pena de prisão (art. 51º do CP de 1982)”.
2 «A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, de que se fala na alínea a), do n.º 1, do artigo 56º, do Código Penal, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação. Importa no entanto salientar que a infracção grosseira dos deveres que são impostos ao arguido não exige nem pressupõe necessariamente um comportamento doloso, bastando a infracção que seja o resultado de um comportamento censurável de descuido ou leviandade.» (Ac. da RC de 17/10/2012 (91/07.3IDCBR.C1 - Correia Pinto).
3 Ac. da RP de 02-12-2009 (425/06.8PTPRT.P1 - Jorge Gonçalves).
«No actual regime não basta afirmar as condenações sofridas pelo agente para se concluir pela infirmação do juízo de prognose favorável determinante da suspensão da pena. Fosse assim e estaríamos a regressar enviesadamente ao regime inicial do Código de 1982.»4.
«A condenação por crime cometido no período da suspensão da execução da pena de prisão não dita, por si só, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes o juízo sobre a possibilidade de ainda serem alcançadas, em liberdade, as finalidades da punição que norteará a escolha dos regimes do art. 55º ou do art. 56º do Código Penal. (…) Tendencialmente, será a condenação em pena efectiva de prisão a reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas.»5. ---
--- De harmonia com o art.º 40.º n.º 1, do CP, a aplicação das penas visa, a par da protecção de bens jurídicos, a reintegração do agente na sociedade6. Assim, também a revogação da pena de substituição, na sequência do cometimento de novo crime no referido período de cumprimento, suscita a necessidade de uma apreciação judicial sobre a personalidade e condições de vida do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao crime e o circunstancialismo que envolveu o cometimento pelo mesmo do novo crime, à luz dos fins das penas e, ainda, dos critérios consagrados no art.º 50.º n.º 1, do CP, por força dos quais a prática de um crime durante o período de suspensão da execução da pena de prisão só deve constituir fundamento de revogação desta, quando essa prática, tendo em conta o tipo e a gravidade penal do novo crime, as condições em que foi cometido, entre outras circunstâncias, revele, em concreto, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo concluir-se, por isso, que se frustraram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão, ou se, pelo contrário, apesar da prática do novo crime, subsistem ainda fundadas expectativas de ressocialização em liberdade. ---
--- Tendo em conta o expendido, ponderemos, pois, a concreta situação dos autos. ---
--- De acordo com o registo de assiduidade de fls. 676 a 678, o arguido cumpriu 482 horas de trabalho comunitário. ---
--- Porém, segundo o arguido, durante a prestação, analisou dossiers de exploração, gestão, balanços e despesas, conforme as indicações do Dr. José (cfr. supra ponto 14, c) e e)). Por seu turno, o Dr. José apresentou uma versão bastante diferente, referindo que o arguido acompanhou a evolução financeira do Lar em reuniões com a economista do Lar, e a compra de consumíveis com a Eng.ª Patrícia (cfr. supra pontos 16, g), iv e v)). De todo o modo, apesar de tal análise ou acompanhamento, o arguido não soube dizer, ainda que de grosso modo, o número de trabalhadores, as receitas anuais ou as despesas anuais do Lar (...) (cfr. supra ponto 14, j) e k). ---
4 Ac. da RC de 12-05-2010 (1803/05.5PTAVR.C1 - Jorge Jacob). No mesmo sentido, o Ac. da RC de 11-09-2013 (20/10.7GCALD-B.C1 - Brízida Martins).
5 Ac. da RE de 25-09-2012 (413/04.9GEPTM.E1 - Ana Barata Brito).
6 Portanto, são visadas finalidades de prevenção geral e especial, não de compensação da culpa ou de retribuição do mal causado (neste sentido, Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, p. 331).
--- Para além disso, relativamente aos conselhos que foi dando em função dessa análise ou acompanhamento, o arguido apenas conseguiu referenciar fórmulas gerais e vagas, aplicáveis a qualquer instituição e a qualquer contexto (14, e)). Com igual falta de concretização, o Dr. José apenas conseguiu dizer que o arguido aconselhou a que comprassem mais barato (16, g, vi).
--- Somos de concluir então que, tendo em conta que a prestação de trabalho foi sendo realizada ao longo de cerca de um ano (480 horas), as contradições entre os dois intervenientes e a absoluta incapacidade em enunciar uma só contribuição séria e concreta do arguido torna, de facto, inevitável concluir que é falso que o arguido tenha realizado tal análise/acompanhamento. ---
--- Por outro lado, a Engª Patrícia referiu que o arguido contribuiu ao nível dos mapas de transporte de utentes do Lar, mas não conseguiu precisar minimamente em que termos é que o arguido contribuiu para o efeito, referindo apenas que fez uma troca pontual de ideias com ele (ponto 17, a), i)). A Engª Patrícia referiu ainda que o arguido contribuiu na organização dum arquivo contido num armário, mas não soube dizer o período de tempo que isso demorou (apenas que teria sido mais de um dia), nem soube precisar minimamente como é que tal organização foi feita (ponto 17, a), i) e ii). Ora, não é no mínimo aceitável esta falta de memória relativamente a factos que ocorreram há tão pouco tempo e no decurso de uma prestação de trabalho comunitário que foi sendo realizada ao longo de cerca de um ano (480 horas). Para além disso, quando foi ouvido, o arguido não referiu tais tarefas, apesar de todas as insistências para que concretizasse tudo aquilo que tinha feito ao longo da prestação do trabalho. ---
--- Assim, também por aqui só podemos concluir ser falso que o arguido tenha desempenhado as referidas tarefas. ---
--- Continuando, a única tarefa minimamente concreta que foi referida pelas pessoas ouvidas foi a triagem de curriculum vitae de candidatos a postos de trabalho, num número desconhecido localizado entre 10 e 50, por sexo e habilitações, e entrevista/conversa com alguns desses candidatos (pontos 14, c), d), f), 16, g), ii) e iii). Sem prescindir, também se nos afigura que esta tarefa é extremamente simples e, exagerando mesmo para lá do razoável, não poderá ter demorado mais do que 24 horas a desempenhar. ---
--- Na mesma linha do Ministério Público, cremos igualmente ser de realçar os seguintes factos anómalos e que ninguém soube justificar minimamente: i. a média diária de horas de trabalho desempenhadas pelo arguido aumentou cerca de 277% a partir de 16/01/2017 (ponto 13); ii. a sugestão e a insistência, por parte do Lar (...), em que o arguido prestasse trabalho a partir de sua casa (pontos 6 e 9). ---
--- Por fim, mais se acrescenta que a partir de 03/04/2017, os responsáveis do Lar (...) – Dr. José e Eng.ª Patrícia –, sabiam que não podiam receber trabalho do arguido, conforme a indicação dada pela técnica da DGRSP, entidade responsável pela execução da PTFC (cfr. supra pontos 8, b), 16, b) e 17, b) e art.º 496º/1 do Código de Processo Penal). Conhecimento este confirmado pelos responsáveis nas respectivas audições. Também o arguido conhecia tal circunstância (de não continuar a prestar trabalho a favor da comunidade até decisão do Tribunal), sendo que foi pelo próprio referido na sua audição (e dito até aos responsáveis da instituição aquando da sua apresentação para prestar trabalho) que mesmo que não fosse considerado trabalho comunitário sempre se apresentaria para prestar trabalho como voluntário. ---
--- Evidenciador desse conhecimento por parte do arguido é também o facto de ter interrompido o trabalho, de forma abrupta, entre 24.03 e 23.05.2017 (cfr. supra pontos 13, c), e 14, al. a)). ---
--- Conjugando tudo o que se expõe, conclui-se que os autos patenteiam, de forma clara, que o arguido não prestou serviços durante as horas (480) que o registo de assiduidade quer fazer crer. ---
--- Ora, de acordo com o art.º 58.º n.º 2 do Código Penal, “a prestação de trabalho (…) consiste na prestação de serviços gratuitos”. Sem prestação de serviços concretos, portanto, não existe prestação de trabalho. Assim, independentemente do número de horas que o arguido possa ter passado no Lar (...), o arguido não prestou 480 horas de serviços. Tornando-se impossível ao tribunal saber, com exactidão, o número de horas que efectivamente o arguido prestou serviços. ---
--- Tal conduta do arguido, de prestação simulada de trabalho, só pode, por um lado, equivaler a uma recusa injustificada em prestar esse trabalho e, quanto a nós, não pode deixar de ser considerada como grosseira e culposa. ---
--- O comportamento do arguido, de prestação simulada de trabalho, consubstancia uma violação de grau particularmente elevado, creio mesmo intolerável em face dos fins que determinaram a aplicação da pena substitutiva, pelo que não resta ao tribunal senão revogar a pena de prestação de trabalho e, em consequência, determinar o cumprimento efectivo da pena de prisão principal. ---
Nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 58.º do CP, cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, pelo que para efeitos de desconto, cada hora de trabalho efectivamente prestado corresponderá a um dia de prisão a subtrair ao tempo de prisão a cumprir. --- O arguido D. A. foi condenado na pena de 1 ano e 11 meses de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade. Sendo impossível ao tribunal saber, com exactidão, o número de horas que efectivamente o arguido prestou serviços, não há qualquer desconto a efectuar nos termos e para os efeitos do aludido preceito legal. ---
--- Pelo exposto, decido revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordeno o cumprimento da pena de 1 ano e 11 meses de prisão. ---
--- Notifique e dê conhecimento da decisão à DGRSP. ---
*
--- Extraia certidão da sentença, com nota de trânsito em julgado, das audições acima elencadas, da promoção de 24.02.2018, da resposta do arguido de 19.03.2018 e da presente decisão e remeta ao DIAP, acompanhado das respectivas gravações, para efeitos de eventual instauração de inquérito pela prática de crime de favorecimento pessoal, previsto e punido pelo art.º 367.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal. ---»

C) Apreciação do Recurso

Dispõe o art.º 59.º, nº2, do C.Penal que “o tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação:

a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar;
b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; o
c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Tal revogação pressupõe sempre uma atuação do condenado, no mínimo, culposa, ou seja merecedora de grave censura.

Como se refere do Acórdão desta Relação de 20/3/2017, proferido no processo 333/10.8GTBRG.G1, acessível in dgsi.pt:

Não basta uma qualquer violação destes deveres e obrigações, exigindo-se antes que ela ocorra em grau particularmente elevado, assumindo-se como intolerável, face aos fins que determinaram a aplicação da pena substitutiva. Nesse sentido, a violação grosseira de que fala a norma, há-de traduzir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorre, não merecendo assim ser tolerada.

As causas de revogação da medida não deverão, deste modo, ser entendidas formalmente, antes deverão indiciar a falência, irremediável, do juízo de prognose inicial que fundamentou a sua aplicação e a anulação infalível da esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade. Assim, só será legítimo concluir pela revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade e aplicação da pena de prisão se existirem, efectivamente e em concreto, elementos de facto para concluir que o condenado não só actuou de forma grosseira (com culpa) mas também não oferece as condições pessoais essenciais ao êxito do seu processo de reinserção social em liberdade nem revela, enfim, a motivação para tanto necessária.

Conhecida a preferência do legislador pelas penas não detentivas e a sua cruzada contra as penas de prisão, sobretudo, as de curta duração, a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade por uma pena de prisão tem de ser perspectivada como uma solução extrema dentro do condicionalismo apertado do art. 59º, nº 2 do Código Penal.

No caso vertente, poder-se-à extrai-se do teor da decisão objecto de recurso que o fundamento da revogação assentou na citada alínea b), ainda que nenhuma das mencionadas alíneas tenha sido invocada expressamente no despacho recorrido.

Com efeito, a dado passo da decisão refere-se que:

“…os autos patenteiam, de forma clara, que o arguido não prestou serviços durante as horas (480) que o registo de assiduidade quer fazer crer.

Ora, de acordo com o art.º 58.º n.º 2 do Código Penal, “a prestação de trabalho (…) consiste na prestação de serviços gratuitos”. Sem prestação de serviços concretos, portanto, não existe prestação de trabalho. Assim, independentemente do número de horas que o arguido possa ter passado no Lar (...), o arguido não prestou 480 horas de serviços. Tornando-se impossível ao tribunal saber, com exactidão, o número de horas que efectivamente o arguido prestou serviços. ---
Tal conduta do arguido, de prestação simulada de trabalho, só pode, por um lado, equivaler a uma recusa injustificada em prestar esse trabalho e, quanto a nós, não pode deixar de ser considerada como grosseira e culposa. ---

O comportamento do arguido, de prestação simulada de trabalho, consubstancia uma violação de grau particularmente elevado, creio mesmo intolerável em face dos fins que determinaram a aplicação da pena substitutiva, pelo que não resta ao tribunal senão revogar a pena de prestação de trabalho e, em consequência, determinar o cumprimento efectivo da pena de prisão principal.
Salvo o devido respeito, e adiantando a nossa conclusão, não podemos concordar com o decidido.

Vejamos então porquê.

O arguido/recorrente foi condenado pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105º,nº1,2 e 5, do RGIT, que abrangeu condutas parcelares objecto de três processos distintos: do proc.260/13.7IDBRG (no qual foi condenado, por decisão de 26/06/2015), do proc.37/14.2IDBRG( no qual foi condenado por decisão de 12/5/2016) e, por fim, dos presentes autos (decisão de 2/11/2016, transitada em julgado em 5/12/2016.

Pese embora no segundo processo tenha sido mantida a pena já aplicada no primeiro (260/13.7IDBRG) – a pena de 1 ano e 10 meses de prisão substituída por 480 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade - porquanto se considerou terem ai ocorrido as condutas mais graves integradoras da continuação criminosa, já nestes autos foi a mesma reformulada, tendo ao arguido sido aplicada a pena de 1 ano e 11 meses de prisão, substituída, igualmente, por 480 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Na sequência desta última condenação foi determinado na respectiva decisão, para além do mais, que, após trânsito, se solicitasse informação aos dois processos supra identificados se o arguido cumprira a pena em que havia sido condenado.

Ao invés de solicitar tal informação, a secção, oficiosamente, em 6/12/2016, solicitou à DGRSP a elaboração de um plano de execução com vista à prestação de trabalho a favor da comunidade por parte do arguido (cfr. fls.596).

Por requerimento apresentado em 21/12/2016, o arguido veio informar o tribunal da alteração da sua morada para o Porto.

Em 20 de janeiro de 2017, a DGRSP remete um plano de trabalho a favor da comunidade, dando conta que o arguido já se encontra a prestar trabalho no Lar (...), sito em Guimarães – entidade beneficiária – no âmbito do processo 260/13.7IDBRG, tendo cumprido até 11/1/2017, o total de 260 horas de trabalho.

Mais consta da proposta da DGRSP que o mencionado Lar aceitou a prestação de trabalho, propondo então a execução da medida a favor da desta instituição, de 2 a 6ª feira, das 9.30 às 13.30 e das 15.30 às 17.30, em tarefas de auxiliar de serviços gerais.

Na sequência de tal proposta de execução, o Ministério Público promoveu que em face da alteração da morada do arguido, porquanto passou a residir no Porto, se notificasse a DGRSP para informar se o local da prestação se iria manter (no caso, em Guimarães).

A fls. 626 consta uma informação remetida do processo 260/13.7IDBRG, dando conta que o arguido iniciara a prestação de trabalho a favor da comunidade, no âmbito de tal processo, em 15/9/2016, informação que veio acompanhada do ofício de fls.627, o qual se trata de uma informação remetida pela DGRSP ao mencionado processo dando conta do início da prestação do trabalho por parte do arguido perante a identificada entidade beneficiária, no mencionado dia 15/9/2016.

Em 15/2/2017, a DGRSP, através de ofício subscrito pelo seu coordenador, informou o tribunal de que o arguido apesar de ter alterado a sua residência para a cidade do Porto tem disponibilidade para se deslocar regularmente para Guimarães, a fim de poder concluir na entidade beneficiária Lar (...) a prestação de serviço nos presentes autos.

Mais informa que com a concordância da entidade beneficiária, o condenado irá dar continuidade à prestação na referida instituição de Guimarães, mas que passará a executar a medida em horário não fixo e a determinar pontualmente pela entidade beneficiária, de acordo com as suas necessidades e os objectivos do trabalho em curso.

Na sequência deste ofício e da posterior promoção do Ministério Público, a Mma Juiz determinou que fosse solicitado à DGRS que esclarecesse o plano de execução e se foi ponderada a alteração do cumprimento da pena, mais determinando que se solicitasse ao identificado Lar que informasse quais os projectos em curso ou a curto prazo em que o condenado irá participar, de que forma o fará e quais os horários previstos para os mesmos.

A DGRSP em 8/5/2017, através do seu coordenador, veio informar que em entrevista realizada nos serviços em 22/3/2017 foi com o arguido avaliada a possibilidade de se alterar o local de cumprimento da medida aplicada, mas que este manifestou-se disposto a dar continuidade à prestação de trabalho no Lar (...) em Guimarães. Mais informou que em reunião realizada nas instalações do Lar em 3/4/2017 e posterior contacto efectuado em 21/4/2017 ficou acordado com os responsáveis do Lar que estes iriam proceder a reunião com o prestador a fim de serem calendarizadas as acções/actividades a desenvolver pelo mesmo a favor da entidade, mais tendo ficado acordado com o Lar o envio aos serviços de reinserção, logo que possível, do referido plano/calendarização, cujo envio se aguarda.

Em 31/5/2017, na sequência do solicitado pelo tribunal, a entidade beneficiária deu a saber ao tribunal quais os trabalhos em curso em que o arguido poderá colaborar e sobre a forma de os prestar, cfr. teor de fls. 644 que se dá por reproduzido.
Na sequência de tal proposta, o Ministério Público, a fls 645, promoveu que se indeferisse à realização de trabalho a favor da comunidade na mencionada entidade e se solicitasse à DGRST a indicação de outra instituição.
Ouvido o arguido, o mesmo pronunciou-se nos termos constantes de fls. 650/651.

E, antes de tomar posição sobre a eventual alteração da entidade beneficiária, a Mma Juiz solicitou à DGRS o registo de assiduidade do condenado e, bem assim, a informação do número total de horas já prestadas, informação essa junta a fls. 657 a 659 – até 18/7/17, um total de 453 horas.

Na sequência de tal informação, a Mma Juiz, em 13/10/2017, procedeu à audição do arguido e da técnica da DGRS e no dia 24, desse mesmo mês, à audição do presidente da direcção do Lar (...). Este último, em 30/10/2017, veio informar o tribunal de que o arguido completou em 4 de agosto de 2017, 482 horas de trabalho, remetendo o documento comprovativo do registo de assiduidade e avaliação do trabalho comunitário, mas acrescentando que o condenado colaborou com a instituição ao longo do período de PTFC, em áreas diversas ligadas à actividade da casa, consoante as necessidades que emergiam do quotidiano.
Junto tal registo, a Mma Juiz, procedeu em 16 de janeiro de 2018 à audição da responsável supervisora na IPSS do trabalho prestado pelo condenado a favor da comunidade, proferindo em 30/4/2018 a decisão objecto de recurso, na sequência da promoção do Ministério Público e cumprido o contraditório relativamente ao arguido.
A respeito da regulação e disciplina da aplicação e execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, importa chamar à liça o D.L. 375/97, de 24/12, o qual estabelece os procedimentos e regras técnicas destinadas a facilitar e promover a organização das condições práticas de aplicação e execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, clarificando as funções dos diversos intervenientes (art.1).

Ora, dispõe, para além do mais, o art.7º,nº1, do diploma citado, sob a epígrafe “Obrigações e deveres do prestador de trabalho” que “ O prestador de trabalho deve cumprir as obrigações de trabalho decorrentes da decisão judicial e acatar as orientações do supervisor quanto à forma como as tarefas devem ser executadas”.

Já a respeito da intervenção das entidades beneficiárias na execução da PTFC, dispõe o art. 8º,nº1, que “As entidades beneficiárias devem acolher o prestador de trabalho, inserindo-o na equipa em que tenha lugar a realização das tarefas que lhe sejam atribuídas, e fornecer-lhes os instrumentos de trabalho necessários”.

Acrescenta o nº3, para além do mais, que as entidades beneficiárias devem ainda:

a)Efectuar o controlo técnico da prestação de trabalho através do supervisor, cuja identidade deve ser comunicada aos serviços de reinserção;
b)Registar, através do supervisor, a duração do trabalho prestado, em documento fornecido pelos servições de reinserção social.

No que tange à intervenção e acompanhamento dos serviços de reinserção social social dispõe o art.9º que :

“1-Aos Serviços de reinserção social compete e supervisão da execução da prestação de trabalho, garantindo ao tribunal um exame adequado e permanente das condições de execução e o apoio necessário ao prestador de trabalho, em ordem a assegurar o cumprimento da pena.”

Acrescenta o nº2 que “Para efeitos do disposto no número anterior, os serviços de reinserção social realizam visitas ao local de trabalho, verificando, designadamente, o cumprimento das obrigações decorrentes da decisão judicial e aconselhando e apoiando o prestador de trabalho na resolução de problemas ou de dificuldades na inserção no local de trabalho.

Por fim, de acordo com o nº3 do mesmo preceito legal “Os serviços de reinserção social advertem o prestador de trabalho quando ocorram factos que possam afectar a normal execução da pena, susceptíveis de determinar a reavaliação pelo tribunal, relativamente aos quais não se justifique, ainda, a sua comunicação formal nos termos e para os efeitos do disposto no art.13.

Ora, nos termos deste último preceito legal, “Os serviços de reinserção social comunicam ao tribunal todas as circunstâncias ou anomalias graves susceptíveis de determinar a suspensão provisória, a revogação e a substituição da PTFC, nos termos previsto no art.59º do Código Penal e no art. 498 do Código de Processo Penal” (nº1).

“Para efeitos do número anterior, entende-se por circunstância ou anomalia grave qualquer facto impeditivo que dificulte ou inviabilize a normal execução da pena ou a possibilidade da modificação prevista no artigo anterior” (nº2).

Consideram-se anomalias graves para efeitos de comunicação ao tribunal, entre outros, os seguintes factos enunciados no art. 13,nº3.

“a)Problemas de saúde, profissionais ou familiares que comprometam a execução nos termos fixados;
b) Falta de assiduidade;
c) Desrespeito grosseiro e repetido pelas orientações do supervisor e do técnico de reinserção social;
d) Desrespeito grosseiro e repetido da obrigação de não consumir bebidas alcoólicas, estupefacientes, psicotrópicos ou produtos de efeito análogo no local de trabalho, bem como não se apresentar sob influência daquelas substâncias, de modo a prejudicar a execução das tarefas que lhe sejam distribuídas;
e) Graves dificuldades suscitadas pela entidade beneficiária;
f) Distúrbios no local de trabalho;
g) Prisão preventiva;
h) Recusa ou interrupção da prestação de trabalho”.

Por fim, de acordo com o nº4, “Aos serviços de reinserção social compete ainda fornecer informação com vista a auxiliar o tribunal a declarar extinta a pena não inferior a setenta e duas horas, uma vez cumpridos dois terços da pena, nos termos do art. 59º,nº5, do Código Penal.”

Como já referimos, a execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade imposta ao condenado em substituição da pena principal de prisão, iniciou-se no processo 260/13.7IDBRG.

Não obstante, nunca a este foi solicitado pelo tribunal a quo o plano de execução de prestação do trabalho proposto pela DGRS, ou qualquer informação sobre as concretas tarefas propostas, a sua forma de execução e respectivo horário

Também nunca foi solicitada qualquer informação a respeito do modo como a prestação do trabalho ai foi decorrendo por parte do condenado, desde o seu início em 15/9/2016 – este confirmado pelo processo nº 260/13.7IDBRG – até pelo menos a data do trânsito em julgado da decisão condenatório proferida nestes autos, momento a partir do qual a execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, porquanto não se encontrava cumprida, passou a ser acompanhada pelos presentes autos.

Como referiu o Exmo Procurador Geral Adjunto nesta Relação, o tribunal a quo “não só deu por bom o conteúdo prestacional que já vinha do Proc. nº260/13.7IDBRG, mas também não cuidou com grande afinco da observação desse conteúdo, para aquilatar da sua aptidão para os fins em vista na aplicação da pena concreta no “seu” processo. Não pretendeu saber do conteúdo da prestação, nem questionou a DGRSP sobre a aptidão da concreta prestação de trabalho, em vista da aprovação, ou não, de novo plano ou do prolongamento do anterior”.

Acresce ainda referir que volvido o período de um ano e sete meses desde o início do cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade até à data da prolação da decisão objecto de recurso, não consta dos autos qualquer informação remetida por tal entidade no sentido do fracasso da pena de substituição.

O que resulta dos autos é que tal entidade veio informar que o condenado em 11/1/2017 já havia cumprido 260 horas de trabalho, propondo a continuação da sua execução na entidade beneficiária onde a prestação já vinha ocorrendo, indicando o respectivo horário.

Também não resulta dos autos que na sequência da já mencionada comunicação da alteração da residência por banda do arguido, tal circunstância tenha inviabilizado a normal execução da pena – nenhuma informação nesse sentido foi comunicada pela DGRSP.

Aliás, o que foi transmitido foi precisamente o contrário.

É certo que quando ouvida a técnica da DGRSP, A. R., a mesma referiu ao tribunal que em reunião realizada em 3/4/2017 transmitiu aos responsáveis da entidade beneficiária que a PTFC deveria ser suspensa, perante as dúvidas do Tribunal.

Mas, tal segmento do seu depoimento, mostra-se contrariado pelo teor do ofício junto aos autos a fls. 639, a que já fizemos referência, datado de 8/5/2017, o qual, sem qualquer margem para dúvidas, aponta no sentido de que o condenado continuaria a prestar o seu trabalho na entidade beneficiária onde o vinha desenvolvendo, prestação essa a efectuar de acordo com o que viesse a ser calendarizado em reunião a realizar entre a mencionada entidade e o condenado.

Atente-se, porém, que, a essa data, mais concretamente desde 21 de fevereiro de 2017, o arguido já havia atingido 2/3 da pena (no caso 320 horas), cfr. resulta dos registos de assiduidade juntos aos autos, nunca tendo a DGRSP disso informado o tribunal, como se impunha, de acordo com o citado art. 13º,nº4.

E assim foi correndo a execução da prestação do trabalho por parte do condenado, sem qualquer óbice por parte de qualquer interveniente no acompanhamento da execução, sem qualquer comunicação de anomalias ao tribunal.

Já da parte do tribunal a quo, se é certo que não tomou qualquer posição expressa quanto à proposta remetida pela DGRSP em janeiro de 2017, a verdade é que também nada determinou no sentido da suspensão da prestação de serviços por parte do condenado na instituição beneficiária onde os vinha prestando.

Na verdade, não resulta dos autos, de modo algum, nem sequer das inquirições levadas a efeito, que o condenado se tenha recusado efectuar qualquer trabalho que lhe tivesse sido proposto ou adoptado qualquer conduta merecedora de censura.

Independentemente da qualidade do trabalho prestado, o condenado foi executando várias tarefas na entidade beneficiária, que as tomou como boas.

Com interrupções, ou sem elas, o condenado prestou trabalhos na entidade beneficiária nos termos em que, bem ou mal, lhe foram sendo propostos por esta, sem qualquer oposição, quer por parte da DGRSP, quer do Tribunal, pelo menos no processo 260/13.7IDBRG, sendo que, nestes autos, também em momento algum, o tribunal determinou a suspensão da prestação dos trabalhos até decidir sobre aprovação de um novo plano ou protelamento do anterior que, como já referimos, nunca chegou a ser solicitado ao processo já identificado.

O condenado iniciou os trabalhos no âmbito processo a que vimos fazendo referência, na entidade beneficiária em apreço, esta tida como boa, quer pela DGRSP, quer pelo Tribunal, assim prosseguindo na sua prestação após a prolação da decisão proferida no âmbito destes autos.

Aliás, nada lhe tendo sido transmitido na sequência da decisão proferida no âmbito destes autos e sabendo o condenado que ainda não havia cumprido as horas que lhe tinham impostas no processo 260/13.7IDBRG, outra solução não lhe restava do que continuar apresentar-se na instituição beneficiária do trabalho e realizar os trabalhos que lhe iam sendo propostos.

Não podemos deixar de concordar com o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, quando a dado passo do seu parecer refere o seguinte “ …no caso, a prestação de trabalho a favor da comunidade foi um tanto deixada à conformação prática da entidade beneficiária, sem que, quer o tribunal “a quo”, quer a DGRSP, se tenham empenhado na mediação do labor concreto, o que tornou a pena de substituição em causa, como tantas vezes poderá acontecer se outros não forem os cuidados e a exigência, de uma plasticidade/brandura infinitas, até pela natureza da aptidão do condenado, chamado a desempenhos não braçais, nem mensuráveis em substância, com objectividade acima de qualquer dúvida razoável”.

Porém, na sequência das audições a que procedeu, veio o tribunal a quo a concluir, não obstante o teor do registo de assiduidade de fls. 676 a 678, que o condenado recorrente não cumpriu as 482 horas de trabalho comunitário ai registadas.

No caso vertente, para o tribunal a quo, ocorreu uma “prestação simulada de trabalho”.

Porém, afirmou também o mesmo tribunal, no despacho recorrido, ser impossível apurar com exactidão o número de horas que efectivamente o arguido prestou.
Ou seja, não obstante a invocada “prestação simulada”, admitiu o tribunal a prestação de serviços por parte do condenado. Ainda que pugnando no sentido de que tais serviços não corresponderam a 482 horas, eles ocorreram.

Contudo, porque impossível saber com exactidão o número de horas que o condenado efectivamente prestou e na dúvida em que permaneceu, esta insuscetível de superar, optou o tribunal a quo no sentido de que o condenado nenhum trabalho satisfez – nem mesmo no âmbito do processo inicial - situação que fez equivaler a uma recusa injustificada em prestar trabalho, considerada grosseira e culposa, fundamento da decidida revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e do consequente cumprimento da pena de 1 ano e 11 meses de prisão.

Não podemos, de modo algum, concordar com o decidido.

Com efeito, não considerando o mencionado tribunal como boa a informação junta aos autos pela entidade beneficiária a respeito do cumprimento total das horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, mas admitindo ter o condenado prestado tal trabalho, cremos que a dúvida sobre o número efetivo de horas prestado e a impossibilidade do apurar, teria de ter sido resolvida em benefício do condenado e não em seu total desfavor.

E isto porque estando em causa matéria de natureza probatória com influência na decisão a proferir sobre a eventual revogação da pena, a dúvida invocada pelo tribunal e por este considerada insuperável, demandava o apelo ao princípio natural de prova “In Dubio Pro Reo”.

Na verdade, tendo o tribunal posto em crise o acompanhamento da medida levada a cabo pela DGRS e a entidade beneficiária, o apuramento desse número de horas não era indiferente para ajuizar da eventual revogação da pena aplicada ao condenado.

Não cumprir 20, 30 ou 50% do número de horas de trabalho a favor da comunidade não é o mesmo que nada cumprir pura e simplesmente, tanto mais que, nos termos do disposto no art. 59º,nº5 do C.Penal, a pena pode ser declarada extinta, uma vez cumpridos 2/3 da pena, o que no caso concreto equivaleria a 320 horas.

E não é indiferente porquanto não basta qualquer violação da obrigação de trabalho para que ocorra a revogação da pena de prestação do trabalho a favor da comunidade “exigindo-se antes que que ela ocorra em grau particularmente elevado, assumindo-se como intolerável, face aos fins que determinaram a aplicação da pena substitutiva”.

Em conclusão, estando em causa matéria de natureza probatória com influência na decisão a proferir sobre a eventual revogação da pena, a dúvida invocada pelo tribunal e por este considerada insuperável, teria de ter sido resolvida fazendo apelo ao principio natural de prova “In Dubio Pro Reo”, princípio este, conforme assinalou o acórdão do S.T.J de 19/1/2011, in Processo nº6034/08.0TDPRT.P1,S1, imposto pela lógica, pelo senso e pela probidade processual.

E apelando agora ao mesmo, tal levará a que a dúvida seja resolvida no sentido de não rejeitar a informação fornecida pela entidade beneficiária quanto ao cumprimento por parte do condenado do dever de prestar trabalho a favor da comunidade, entidade que, como bem referiu o Exmo Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, para ao bem e para o mal foi institucionalmente aceite, quer pelo Tribunal, pelo menos no processo 260/13.7IDBRG, quer nesse e neste pela DGRSP.

Em face de tudo o exposto, não se verificando o pressuposto invocado para a revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e inexistindo qualquer outra causa que possa conduzir à sua revogação, declara-se cumprida e extinta a pena aplicada ao condenado, nos termos dos arts. 59º,nº3 e 57º, ambos do C.Penal, ficando prejudicada a apreciação do segundo segmento do recurso.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido D. A. e, consequentemente, decide-se revogar o despacho recorrido, declarando-se cumprida e extinta a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade que lhe foi aplicada, de acordo com o disposto nos artigos 59º,nº3 e 57º, ambos do C.Penal, ficando prejudicada a apreciação do segundo segmento do recurso.

Não há lugar a tributação.


Texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários.
Guimarães, 5 de novembro de 2018

Cândida Martinho
António Teixeira