Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3/15.0T8BGC.G1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
FALTA DE PAGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: A omissão do pagamento do reforço da taxa de justiça decorrente do aumento do valor da acção verifica-se num momento em que está ultrapassada a fase do art.º 558.º alínea f) do CPC (“recusa da petição pela secretaria”), pelo que é de aplicar o regime previsto para a omissão do pagamento da taxa de justiça concernente ao instrumento da contestação previsto no art.º 570.º do CPC, maxime nos seus números 2 a 5, até em nome do princípio da celeridade e aproveitamento dos actos processuais.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I - Relatório.

B. e mulher C. (AA) intentaram contra C. e marido D. (RR) acção declarativa sob a forma de processo comum pedindo que os RR sejam condenados:
1 - A reconhecer que as janelas existentes na parede norte do prédio dos AA identificadas na petição inicial importaram a constituição de uma servidão de vistas e em consequência serem condenados a demolir o muro que edificaram destapando as referidas janelas;
2 - Absterem-se de praticar actos turbadores ou lesivos do identificado direito de servidão de vistas;
3 - Pagar aos AA uma indemnização a título de danos morais no valor de € 500,00.
A acção foi contestada.
Foi alterado o valor da acção para € 10.511,00 e ordenado que as partes procedessem ao reforço da taxa de justiça devida, face à alteração desse valor.
Os AA não procederam a tal reforço.
Em 19.05.2016 foi proferido o seguinte despacho:
“Uma vez que não foi paga, pelos AA., a taxa de justiça devida pela alteração do valor da causa, de acordo com o estipulado na tabela I anexa ao Regulamento das Custas Processuais (sendo o prazo para o efeito de 10 dias, de acordo com o disposto no artigo 149.º, do Código de Processo Civil), ter-se-á de considerar como não escrita a P.I., já que, a ocorrer a falta de pagamento aquando da instauração dos autos, conduziria à recusa do articulado pela secretaria, em conformidade com o disposto no artigo 558.º, al. f), do Código de Processo Civil.
Em consequência, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, al. e), do Código de Processo Civil, julga-se extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.
Custas a cargo da A. (artigo 536.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Notifique.”
Inconformados com esta decisão, os AA recorreram, apresentando as seguintes conclusões:
“1. Resultou do douto despacho proferido em 19-05-2016 pelo Tribunal a quo, a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no art. 277.º al. e) do Código de Processo Civil.
2. Baseou-se a referida extinção da instância no facto de não ter sido paga, pelos AA., a taxa de justiça devida pela alteração do valor da causa, no prazo legal de dez dias após a prolacção do despacho que fixou o valor da causa.
3. Concluiu o douto despacho que atendendo àquela falta de pagamento, “ter-se-á de considerar-se como não escrita a P.I., já que, a ocorrer a falta de pagamento aquando da instauração dos autos, conduziria à recusa do articulado pela secretaria, em conformidade com o disposto no artigo 558.º, al. f), do Código de Processo Civil.”
4. Salvo o devido respeito, a solução de extinguir a instância, defendida no douto despacho, sem qualquer notificação aos Autores para proceder ao pagamento devido acrescido de multa, não é a solução legal aplicável à falta de pagamento do complemento da taxa de justiça, ocorrido em função da alteração do valor da acção.
5. A consequência da falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça vem regulada no art.° 145.º n.º 3 do Código de Processo Civil, que deve entender-se como regra quanto à prática dos actos processuais em geral, na senda da jurisprudência maioritária.
6. Este preceito legal estatui que, "sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta do comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos dez dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos arts. 570.º e 642.º".
7. In casu não estamos perante as disposições relativas à petição inicial previstas nos art. 558.º f) e 552.º n.º 3, 4, 5 e 6 do CPC, porquanto a petição inicial já foi aceite, os Réus já foram citados e contestaram, tendo, inclusive, havido arbitramento para aferir do valor da acção.
8. Nesse sentido, a falta de pagamento do complemento da taxa de justiça devido pelo aumento do valor da acção, dentro do prazo legal para o efeito, não pode determinar que se considere a petição inicial como não escrita nem o seu desentranhamento, como determinou o douto despacho do qual se recorre.
9. É que, não sendo aplicáveis as cominações relativas à petição inicial para a falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, haveria que aplicar as cominações legais resultantes do art. 570.º por remissão do art 145.º n.º 3 do CPC.
10. Do art. 570.º n.º 3 do CPC, ajustado à falta de pagamento do complemento da taxa de justiça por aumento do valor da ação, resulta que, se no prazo legal para o efeito faltar a apresentação de documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou a comprovação desse pagamento, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.
11. Do art. 570.º n.º 5, resulta ainda que, se após esta notificação e findo o prazo para pagamento da taxa acrescida de multa de igual valor, o juiz, findos os articulados, deve ainda proferir despacho nos termos da alínea c) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 590.º, convidando, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC, de acordo com o previsto no art. 570.º n.º 5.
12. E só terminado o prazo naquela disposição legal, é que havendo omissão de pagamento o Tribunal pode determinar a extinção da instância, vide 570.º n.º 6 do CPC.
13. Deste modo, havendo omissão do pagamento da taxa de justiça devida, ou da comprovação deste, é sempre dada à parte faltosa a oportunidade de juntar o documento comprovativo desse pagamento, ainda que acrescida da competente multa.
14. À semelhança do que acontece quando não se apresenta a taxa de justiça com a competente peça processual ou quando não se paga a 2.ª prestação da taxa de justiça, vide art 14.º n.º 3, 4 e 5 do Regulamento das Custas Processuais.
15. Tendo em conta a exigência de igualdade substancial dos sujeitos processuais, em casos como o dos autos, uma vez notificadas as partes para o pagamento, se não for junto, o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, no prazo de 10 dias a contar daquela, sempre a secretaria terá que notificar o faltoso para, em 10 dias, suprir a falta e pagar a multa.
16. Tal resulta das disposições legais invocadas e da intenção do legislador impedir que razões puramente formais prejudiquem direitos substantivos, como acontecia, com frequência, antes da reforma processual de 1995/1996, onde as questões meramente processuais ganhavam relevância infundada, em prejuízo dos aspectos de natureza substancial.
17. Deste modo, e tendo em conta que ao juiz cumpre providenciar pelo andamento regular e célere do processo, nomeadamente, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção (cfr. art. 6.º e art 411.º do CPC), tudo aponta no sentido de, no caso em apreço, a solução mais acertada consistir em convidar os Autores a suprir a irregularidade cometida, no prazo de 10 dias.
18. A falta de concessão aos Autores das prerrogativas previstas no art. 570.º n.º 3 e n.º 5 do Código de Processo Civil, constitui uma violação de lei e violação do princípio da igualdade das partes previsto no art. 4.º do CPC, violação essa que desde já expressamente e para os devidos efeitos se invoca.
19. A interpretação do Tribunal a quo chega mesmo a ser inconstitucional, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva, da proibição da indefesa, do processo equitativo e da proporcionalidade, que se extraem do princípio do Estado de Direito consagrado no art. 20° da Constituição da República.
20. Por outro lado, mais cumpre assinalar que, com base no entendimento sufragado, a omissão da notificação a que alude o art. 570.º n° 3, do CPC, por se tratar de acto que a lei prescreve, configura nulidade por omissão nos termos do art. 201° do CPC, nulidade que expressamente os Autores arguem.
21. É por isso ilegal e indevida a declarada extinção da instância, tendo sido violados os artigos 4.º, 6.º, 145.º n.º 3, 411.º e 570.º n.º 3 e 5 todos do Código de Processo Civil e o art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos demais de direito doutamente supríveis por Vossas Excelências, deve ser revogado o douto despacho recorrido, com as legais e devidas consequências (…).”
Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Os factos relevantes para a decisão são os que constam do relatório.


2 – Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que a questão a decidir é a seguinte:
Saber quais as consequências da omissão do pagamento do complemento da taxa de justiça decorrente do aumento do valor da acção, após notificação para o efeito.


3 - Análise do recurso.

A decisão em análise julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, por não ter sido pago, pelos AA, o reforço da taxa de justiça devido pela alteração do valor da causa.
Os recorrentes discordam, alegando que, a falta de pagamento da taxa de justiça não pode determinar que se considere a petição inicial como não escrita nem a extinção da instância, argumentando que não estamos perante as disposições relativas à petição inicial previstas nos artigos 558.º, alínea f) e 552.º, números 3, 4, 5 e 6 do CPC, porquanto a petição inicial já foi aceite, os RR já foram citados e contestaram e, assim, não são aplicáveis as cominações relativas à petição inicial para a falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, mas sim as cominações legais resultantes do art.º 570.º, por remissão do art.º 145.º, n.º 3 do CPC.
E têm razão os recorrentes.
Vejamos:
A taxa de justiça é o montante devido pelo impulso processual do interessado (cfr. art.º 6.º, n.º 1 do RCP) e o seu pagamento é devido pela parte que demanda, na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente ou recorrido.
A petição foi recebida, o que significa que ultrapassada está a fase do art.º 558.º, alínea f) do CPC (“recusa da petição pela secretaria”).
Ora, ultrapassada essa fase sem ter ocorrido a recusa (que se impunha), parece-nos que o mais razoável é aplicar-se à situação em causa o que está previsto para a omissão do pagamento da taxa de justiça concernente ao instrumento da contestação, o regime do art.º 570.º do CPC, maxime nos seus números 2 a 5, até em nome do princípio da celeridade e aproveitamento dos actos processuais.
Dispõe o referido art.º 570.º (epigrafado documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça): “3 - Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC. 4 - Após a verificação, por qualquer meio, do decurso do prazo referido no n.º 2, sem que o documento aí mencionado tenha sido junto ao processo, a secretaria notifica o réu para os efeitos previstos no número anterior. 5 - Findos os articulados e sem prejuízo do prazo concedido no n.º 3, se não tiver sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa por parte do réu, ou não tiver sido efetuada a comprovação desse pagamento, o juiz profere despacho nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 590.º, convidando o réu a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC. 6 - Se, no termo do prazo concedido no número anterior, o réu persistir na omissão, o tribunal determina o desentranhamento da contestação.”
É, aliás, para tal regime (embora ressalve as regras próprias aplicáveis à petição inicial) que remete o art.° 145.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, “sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta do comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos dez dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos arts. 570.º e 642.º.”
Ora, se no prazo legal para o efeito, faltar a apresentação de documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou a comprovação desse pagamento, a secretaria deve notificar o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.
Se, após esta notificação e findo o prazo para pagamento da taxa acrescida de multa de igual valor, o juiz, findos os articulados, deve ainda proferir despacho nos termos da alínea c) do n.º 2 e do n.º 3 do art.º 590.º, convidando, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC, de acordo com o previsto no art.º 570.º, n.º 5.
Deste modo, havendo omissão do pagamento da taxa de justiça devida ou da comprovação deste, é sempre dada à parte faltosa a oportunidade de juntar o documento comprovativo desse pagamento, ainda que acrescida da competente multa.
Como referem os recorrentes, pretendeu, essencialmente, o legislador impedir que razões puramente formais prejudiquem direitos substantivos.
Rejeitar a petição inicial, com o subsequente desentranhamento, sem ser dada ao autor a possibilidade de, após notificação para tal dirigida, regularizar a situação em prazo razoável, nos sobreditos termos— isto é, com a advertência das consequências da falta dessa mesma regularização - traduz uma actuação e interpretação demasiado rígidas da lei e do seu espírito. Neste sentido, vide os Acórdãos da Relação do Porto de 27.11.2012, proferido no processo n.º 1025/12.9TJVNF-A.P1, de 16.11.2006, proferido no processo n.º 0635709, de 09.10.2006, proferido no processo n.º 0654628 e Acórdão da Relação de Évora de 23.05.2006 (onde se lê: “I - O deficiente pagamento da taxa de justiça inicial ou a sua inexistência não detectada pela Secretaria, não dá ao Juiz a possibilidade de indeferimento liminar. II - Antes deve notificar o faltoso para suprir a falta em prazo a fixar”), e ainda o Acórdão da Relação de Lisboa de 15.11.2005 proferido no processo n.º 7849/2005-7), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Em suma, não devia o Mmº Juiz a quo ter julgado extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, mas sim ter ordenado a notificação dos AA para, em 10 dias, efectuarem o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC. (n.º 3 do art.º 570.º do CPC)
Procede, assim, o recurso.


Sumário:
A omissão do pagamento do reforço da taxa de justiça decorrente do aumento do valor da acção verifica-se num momento em que está ultrapassada a fase do art.º 558.º alínea f) do CPC (“recusa da petição pela secretaria”), pelo que é de aplicar o regime previsto para a omissão do pagamento da taxa de justiça concernente ao instrumento da contestação previsto no art.º 570.º do CPC, maxime nos seus números 2 a 5, até em nome do princípio da celeridade e aproveitamento dos actos processuais.


4 - Dispositivo.

Pelo exposto os juízes desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar procedente o recurso de apelação interposto, revogando a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que ordene a notificação dos AA, nos termos do n.º 3 do artigo 570.º do CPC, para, em 10 dias, efectuarem o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.
Sem custas.

Guimarães, 30.11.2016

Elisabete de Jesus Santos Oliveira Valente

Heitor Pereira Carvalho Gonçalves

Amílcar José Marques Andrade