Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
522/13.3TTGMR.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
TRABALHO SUPLEMENTAR
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1- O excesso de pronúncia só ocorre se forem conhecidas questões que a causa de pedir, excepção e pedido não comportem.

2- Fundamentando-se a decisão da matéria de facto em diversos meios de prova a não valoração no recurso de um deles implica a insuficiência da censura para se alterar tal decisão.

3- No julgamento da matéria de facto os poderes da 2ª instância estão delimitados pelo nº 1 do artº 662º do CPC, pelo que a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

4- Por isso ainda se devem especificar não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas antes que imponham decisão diversa da impugnada.

5- A justa causa para despedimento é uma noção complexa e para a averiguar deve-se recorrer ao entendimento de um “bonus pater famílias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, em face do condicionalismo de cada caso concreto.

6- E, para a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho como critério básico de “justa causa”, é necessário uma prognose sobre a inviabilidade das relações contratuais concluindo-se pela inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica.

7- Deve-se condenar no que vier a ser liquidado se no momento da formulação do pedido ou no momento da prolação da sentença não existirem elementos que permitam fixar o objecto ou a quantidade do pedido.

8- “Para ser exigível o pagamento do trabalho suplementar não é necessário que o mesmo tenha sido prévia e expressamente determinado pela entidade empregadora, bastando que tenha sido prestado com o seu conhecimento e sem a sua oposição”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

J. S. intentou acção de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento contra SCMF.
A empregadora apresentou articulado motivador do despedimento, alegando, em síntese, a regularidade e licitude do despedimento no sentido dos factos imputados na nota de culpa e na decisão de despedimento.
A trabalhadora contestou e reconveio, alegando, além do mais: a prescrição e a caducidade do processo disciplinar; e que não praticou os factos imputados, sendo ilícito o despedimento.
Termina pedindo:
“ser julgada improcedente e não provada a motivação do despedimento apresentada pela Ré e, por isso, ser declarado ilícito o despedimento da Autora, nos termos requeridos no requerimento inicial, com todas as consequências legais;
b) Deve ainda ser julgado procedente e provado o pedido reconvencional ora deduzido e, em consequência, ser a Reconvinda, SCMF, condenada a pagar à Reconvinte as seguintes quantias:
1) € 2.391,90 Relativa a retribuições já vencidas desde a data do despedimento e sem prejuízo das demais vincendas até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida;
2) € 8.795,70 da indemnização pelo despedimento ilícito;
3) €1.759,14 das férias e respectivo subsídio vencidas em 01/01/2013;
4) € 586,38 das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao tempo de serviço do ano de 2013;
5) € 5.154,60 dos subsídios de alimentação não pagos pela R.;
6) € 5.194,20 das diferenças salariais apuradas.
7) A quantia que se vier a apurar relativamente ao trabalho extraordinário efectuado e não pago, contudo dada a impossibilidade de contabilizar o mesmo relega-se a sua quantificação para execução de sentença.
8) € 10.000,00 a titulo de danos morais;
9) Ser o Reconvindo condenado a pagar à Reconvinte os juros vincendos contados desde a citação até integral pagamento da quantia ora peticionada”.
A empregadora respondeu à reconvenção, nomeadamente, e, assim, mantendo a sua posição inicial alegou que apenas devia a quantia de 1.463,84€ a título de retribuições de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal, mas cuja compensação excepcionava relativamente à quantia que lhe era devida, e refutando as excepções.
Foi proferido despacho saneador onde se admitiu a reconvenção, se fixou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.
Proferiu-se sentença, decidindo-se:
“Pelo exposto, julgo improcedente a oposição ao despedimento e parcialmente procedente a reconvenção, nos termos sobreditos e, em consequência:
I – Declaro lícito o despedimento da trabalhadora, J. S., levado a cabo pela empregadora, “SCMF”;
II – Condeno a empregadora/reconvinda a pagar à trabalhadora/reconvinte a quantia de, pelo menos, € 1.463,84 a título de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
III – Condeno a empregadora/reconvinda a pagar à trabalhadora/reconvinte a quantia que se vier a liquidar como devida a título de diferenças salariais e de trabalho suplementar, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da respectiva liquidação até integral pagamento;
IV – Absolvo a empregadora/reconvinda de tudo o demais peticionado pela trabalhadora/reconvinte”.
A A recorreu.
Concluiu:
1- Versando o recurso quer a decisão de facto, quer a decisão de direito, e observado que se mostra o exigido pelo artigo 640º, do CPC, pode-se afirmar que o Tribunal “a quo” fez errada apreciação e valoração dos depoimentos prestados, em audiência de julgamento pelas testemunhas, cujos passos mais significativos se transcrevem, o que acarreta o errado enquadramento jurídico a protestar após a produção da prova;
2- A apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto, pois considera que a Mmª Juiz “à quo” julgou incorrectamente os pontos 13, 15 e 19 da matéria de facto dada como provada, bem como as conclusões constantes dos factos não provados a partir de “que as folhas de caixa dos dias 24 e 26/09/2012” até “repor as discrepâncias de €75” e “que a trabalhadora tenha sofrido” até ao final das mesmas.
3- Considerando os meios de prova carreados e produzidos nos Autos – depoimentos da Apelante e das testemunhas, impunha-se que a Mmª Juiz “à quo” proferisse decisão diferente quanto àqueles factos 13, 15 e 19 de não provados, e quanto aos restantes de provados;
4- Com efeito, da análise dos depoimentos supra transcritos da Apelante e das testemunhas M. G., M. C. e M. M., impõe-se conclusão diametralmente oposta à chegada pela Mma. Juiz “a quo”, pois em caso algum se provou que a Apelante/trabalhadora não tivesse depositado os caixas dos dias 24 e 26/09/2012 no cofre geral da Instituição, e que a mesma tenha referido que os tinha com ela;
5- M. G., Chefe de Secretaria, refere mesmo que não sabe se a Apelante levou os caixas daqueles dias com ela ou se os deixou no cofre geral, tanto mais que refere mesmo “nem digo que sim nem que não”;
6- Além disso, é a própria testemunha M. G., responsável pelos serviços administrativos da Apelada que menciona existirem duas chaves para os cofres das recepcionistas, estando uma no poder da Administração, mas que ninguém se importou em verificar se os mesmos, inclusive, o cofre individual da trabalhadora, lá se encontravam;
7- Aliás, a testemunha M. M. refere mesmo que o cofre pequeno da Apelante, com as folhas de caixa de 24 e 26/09/2012 se encontrava no cofre geral da Instituição e não saíram do mesmo, tendo posteriormente a Apelante ido busca-lo para falar com a Chefe da Secretaria;
8- Pelo que, não foi feita prova que a Apelante tivesse com ela os caixas dos dias 24 e 26/09/2012 e que não tivesse procedido ao depósito dos mesmos no cofre geral da Instituição, ao contrário do que o tribunal “a quo” quer fazer crer;
9- Nas acções de impugnação de despedimento, é ao(a) trabalhador(a) que incumbe o ónus da prova quanto à existência do contrato de trabalho e quanto ao despedimento, e é à entidade patronal, ré, que cabe o ónus da prova da licitude do despedimento.
10- Ora, não tendo a entidade empregadora/Apelada feito qualquer prova quanto aos pontos 13, 15 e 19, mormente, que a Apelante tivesse na sua posse os caixas daqueles dias 24 e 26/09/2012, mister é de concluir que os mesmos devem ser dados como não provados;
11- Porém, como supra alegado, não se queda por aqui a discordância da Apelante em relação à sentença recorrida, pois quanto às conclusões constantes dos factos não provados a partir de “ que as folhas de caixa dos dias 24 e 26/09/2012” até “repor as discrepâncias de €75” e “que a trabalhadora tenha sofrido” até ao final das mesmas, devem as mesmas ser alteradas para provadas;
12- Do depoimento das testemunhas referidas em 5., resultou provado que os caixas daqueles dias 24 e 26/09/2012 apresentavam uma diferença de 75,00€, tendo a própria testemunha M. G. confirmado que a trabalhadora, posteriormente, foi levantar dinheiro ao multibanco para acertar o caixa, tendo visto o respectivo talão;
13- Resultou, ainda, como provado que a Apelante esteve de baixa médica por motivos de saúde do seu pai, que foi submetido a uma intervenção cirúrgica, o que era do conhecimento da Chefe de secretaria (a testemunha M. G.) e da Coordenadora (M. M.), aliás, tanto assim é que não foi levantado qualquer processo disciplinar à Apelante por faltas injustificadas ao trabalho;
14- Bem como a Apelante apenas acertou um daqueles caixas posteriormente, uma vez que aquando do seu regresso ao trabalho, a mesma foi impedida de aceder à consulta externa, tendo, inclusive, sido trocado o seu posto de trabalho para outro local (telefone), e que a Administração tinha cópia das chaves dos cofres pessoais das recepcionistas;
15- Ora, outra conclusão não resta a não ser dar como provadas as conclusões supra mencionadas e sempre considerada procedente a oposição ao despedimento, devendo o mesmo ser declarado ilícito.
16- Ainda, resultou provado que a Apelante sofreu um vexame público e uma depressão, ficando desgostosa, triste, incomodada e até depressiva após a Apelada a ter despedido, o que teve repercussões na sua vida pessoal e profissional, o que resultou das suas próprias declarações e do depoimento da testemunha M. A.;
17- No caso sub judice, a questão jurídica discutida remete-nos para o instituto da cessação do contrato de trabalho, mormente, o despedimento sem justa causa;
18- Ora, na acção de impugnação do despedimento é à entidade patronal que cabe o ónus da prova da licitude do despedimento;
19- Ora, in casu, a Apelada/Empregadora não logrou fazer prova de que os caixas dos dias 24 e 26/09/2012 estivessem na posse da Apelante/trabalhadora e não depositados no cofre geral daquela, e que esta os tivesse retido sem qualquer justificação;
20- Pelo que, não tendo a Apelada cumprido aquele seu ónus, o despedimento da Apelante/trabalhadora não tem qualquer fundamento e deve ser considerado ilícito;
21- A douta sentença recorrida violou, assim, entre outros, por erro de interpretação e aplicação o artigo 342º do CC;
22- Caso assim não se entenda, o que não se concebe nem concede, cumpre averiguar acerca da proporcionalidade da sanção aplicada à Apelante/trabalhadora em sede de processo disciplinar, que culminou com o seu despedimento;
23- Na concreta apreciação da justa causa, atender-se-á, conforme estabelece o n.º 3 do artigo 351.º, «no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus colegas de trabalho e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes», sendo certo que os comportamentos do trabalhador susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento acham-se enumerados, a título exemplificativo, nas alíneas do n.º 2 do mencionado preceito;
24- Verificar-se-á, outrossim, a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele;
25- Mas não basta, assim, um comportamento culposo do trabalhador; corporizando tal entendimento estabelece o art. 330.º, n.º 1, que “a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor (…)”;
26- E a gravidade do comportamento do trabalhador deve ser apreciada em face das circunstâncias que rodeiam a conduta do trabalhador, dentro do ambiente próprio da empresa;
27- Assim, a inexigibilidade da manutenção da relação laboral impõe que se faça um juízo de prognose, sobre a viabilidade da relação de trabalho, devendo concluir-se pela existência de justa causa quando sopesando os interesses em presença, se verifique que a continuidade da vinculação se viria a traduzir, objectivamente, numa insuportável e injusta imposição ao empregador;
28- Andou, pois, mal a decisão recorrida ao concluir que a conduta da Apelante é censurável, pois a reacção da Apelada ao despedi-la não é proporcional nem adequada e deveria ter antes optado por uma sanção menos gravosa;
29- Na verdade, ponderando que a Apelante trabalhou para a Apelada durante 9 anos, e sem anteriores infracções disciplinares ou quaisquer antecedentes disciplinares, assim como igualmente não foi demonstrado qualquer prejuízo económico ou de outra natureza para a Apelada resultante da conduta da Apelada, nem prejuízo para outros trabalhadores e nenhum destes terá presenciado o que ocorreu, sendo prática habitual a não entrega do caixa no final dos turnos, acaso existissem erros ou muitas moedas, crê-se que a Apelada, a aplicar alguma sanção à Apelante, o que, repita-se, não se concebe nem concede, sempre deveria ter optado por uma sanção menos gravosa, das elencadas no art. 366º;
30- E se é verdade que os ditames da boa-fé pressupõem confiança recíproca entre empregador e trabalhador, não se vê em que medida é que, objectivamente, a conduta da Apelante e, por outro lado, as funções desta na empresa, levem a douta sentença recorrida a considerar que houve perda de confiança naquela, pois há sempre que fazer o juízo de prognose sobre a impossibilidade de manutenção da relação laboral;
31- Mesmo que se considere que a Apelante não entregou as importâncias relativas aos dias 24 e 26/09/2012, atentando ao reduzido espaço temporal decorrido entre as datas em que deveria ter entregue as receitas recebidas e aquelas em que efectivamente procedeu à entrega das importâncias em causa, o que, como resultou provado, era normal por vezes suceder quando havia, por exemplo, erros ou excesso de moedas, subindo as folhas de caixa e respectivos valores pecuniários apenas no dia(s) seguinte(s), e ao facto de a situação ter sido regularizada pela Apelante, com a entrega das folhas e respectivos apuros, afigura-se-nos que aquele comportamento da Apelante não é susceptível de pôr em causa a relação de confiança que tem de existir entre as partes numa relação laboral;
32- Ponderando os interesses em confronto – o do trabalhador na manutenção do vínculo laboral e o do empregador em ver cumpridos os deveres do seu trabalhador –, e considerando o princípio da proporcionalidade e da adequação consagrados no art. 330º, n.º 1 do Código do Trabalho, afigura-se-nos que a factualidade sub judice não preenche o conceito de justa causa de despedimento, donde dever concluir-se pela ilicitude do despedimento (cfr. art. 381º b) do CT), e consequente direito da A. à indemnização prevista nos artigos 389º, nº1 a), 390º e 391º, do Código do Trabalho e respectivos danos não patrimoniais, e, consequentemente, pela procedência da reconvenção.
33- Nestes termos, a douta sentença violou os artigos 330º, 342º, 351º e 381º b), do Código do Trabalho.
Termina pretendendo que “deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença apelada, substituindo-se por outra que alterando a matéria de facto e procedendo ao seu correcto enquadramento jurídico, julgue a oposição ao despedimento totalmente procedente bem como a reconvenção, com as legais consequências”.

A R recorreu e concluiu:
1ª) Em 12) dos factos provados elencados na sentença proferida refere-se que “Por volta do dia 3/8/2012, a chefe da secretaria da empregadora questionou esta trabalhadora sobre dinheiro e folhas de caixa desta em falta na contabilidade relativamente aos meses de Junho e Julho de 2012, tendo esta ficado de ver, mas êxito, mesmo depois das insistências daquela por volta de finais de Agosto e Setembro”, quando, na verdade, o que se pretendia dizer era que “Por volta do dia 3/8/2012, a chefe da secretaria da empregadora questionou esta trabalhadora sobre dinheiro e folhas de caixa desta em falta na contabilidade relativamente aos meses de Junho e Julho de 2012, tendo esta ficado de ver, mas sem êxito, mesmo depois das insistências daquela por volta de finais de Agosto e Setembro”, que é o que resulta do alegado no artigo 2º.62) do articulado de motivação do despedimento, pelo que se trata de um mero erro de escrita que deverá ser corrigido por simples despacho, o que se requer (artigo 614º do Código de Processo Civil).
2ª) A matéria de facto constante em 25) e 26) dos factos provados elencados na sentença não foi alegada por nenhuma das partes, sendo considerada pelo tribunal a quo em violação do princípio dispositivo (artigos 5º e 608º do Código de Processo Civil).
3ª) Portanto, a consideração de tais factos (25) e 26) dos factos provados) implica excesso de pronúncia e, nessa medida, a nulidade da sentença (artigo 615º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil).
4ª) Por outro lado, caso o tribunal a quo entendesse que estavam preenchidos os requisitos legais para a consideração de tais factos não articulados, deveria ter dado cumprimento ao disposto no artigo 72º do Código de Processo do Trabalho e, pelo menos, permitir à empregadora o exercício do contraditório e a produção de contraprova relativamente aos mesmos, o que não aconteceu.
5ª) O tribunal a quo, de surpresa, considerou tais factos na decisão da matéria de facto proferida, o que também acarreta a nulidade da sentença.
6ª) Seja como for, nunca aqueles factos deveriam ter sido julgados provados.
7ª) A trabalhadora, sobre quem impendia o respectivo ónus da alegação e prova (artigo 342º nº 1 do Código Civil), não alegou e, por isso, não provou qual a evolução salarial que teve desde o início de 2009 até 23/04/2013, pelo que a remuneração de base mensal recebida a considerar terá de ser a de 499,81€.
8ª) Atendendo aos valores evolutivos da remuneração mínima mensal garantida, nenhum crédito de diferenças salariais assiste à A..
9ª) Só assim não seria se a trabalhadora alegasse e provasse a existência de um acordo individual celebrado com a empregadora no sentido da respectiva remuneração de base mensal ser superior a 499,81€ ou a aplicação de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que estabelecesse uma remuneração de base mensal também ela superior, o que não se verifica.
10ª) Era sobre a trabalhadora que impendia o respectivo ónus de alegação e prova (artigo 342º nº 1 do Código Civil) da celebração do referido acordo individual ou da aplicação de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho por força da dupla filiação a que alude o artigo 496º nº 1 do Código do Trabalho ou de Portaria de Extensão (artigo 514º nº 1 do Código do Trabalho), o que a mesma não cumpriu.
11ª) A trabalhadora não alegou as horas de início e termo do período normal de trabalho diário, nem os intervalos de descanso, nem os dias de descanso semanal gozados, pelo que nunca se poderia concluir que a mesma prestou trabalho suplementar que carecesse de ser remunerado (artigos 200º nº 1 e 226º nº 1 do Código do Trabalho).
12ª) A decisão recorrida violou, entre outras, as normas dos artigos 226º nº 1, 496º nº 1 e 514º nº 1 do Código do Trabalho, 72º do Código de Processo do Trabalho e 5º, 608º e 615º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil.
Termina: “deve o presente recurso ser julgado procedente, efectuando-se a requerida rectificação na sentença proferida, declarando-se a nulidade da mesma, alterando-se a decisão da matéria de facto nos termos acima indicados e determinando-se a revogação parcial da sentença recorrida e a respectiva substituição por outra que absolva a Ré dos pedidos formulados, com excepção do pagamento de 1.463,84€ já confessado”.
A R contra-alegou.
Sem articular conclusões terminou, referindo: “Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente nos termos acima referidos,…”.
A A contra-alegou e concluiu:
1- Só há excesso de pronúncia quando o julgador tiver conhecido de questões que as partes não submeteram à sua apreciação, isto é, se o tribunal conheceu de pedidos, causas de pedir ou excepções de que não podia tomar conhecimento, violando o do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes;
2- A matéria constante dos pontos 25) e 26) dos factos provados foi alegada e provada pela Apelada em sede de reconvenção (artigos 108º, 109º, 110º, 111º, 112º e 113º da contestação/reconvenção);
3- Tal matéria, em sede de audiência prévia, foi considerada objecto do litígio e fixado o seguinte tema de prova: Saber se a trabalhadora exercia funções correspondentes à peticionada categoria profissional de recepcionista com as inerentes diferenças salariais peticionadas desde 2009 em diante e se prestou trabalho para além das 7h diárias por determinação da empregadora sem que tivesse sido pago.
4- Face à prova documental junta aos autos (registos informáticos “picos” das horas de entrada e saída da Apelante), que são documentos que se encontravam na posse da Apelante, bem como às declarações de parte da Apelada e prova testemunhal produzida e vertida na douta sentença recorrida, é fácil concluir-se que a douta sentença em apreço não enferma da nulidade que lhe é imputada pela Apelante;
5- Relativamente à questão das diferenças salariais, alegou-se e provou-se a categoria profissional da Apelada bem como o Instrumento de Regulamentação Colectiva aplicável, a CCT celebrada entre a União das Misericórdias Portuguesas e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços (veja-se artigos 97º e 98º, da contestação/reconvenção), sendo certo que consta do artigo 11º, do contrato de trabalho celebrado entre a Apelante e a Apelada, e junto aos autos, que aquele se regerá por aquela CCT;
6- Sem prejuízo do princípio da dupla filiação, são aplicáveis as regras de contrato colectivo de trabalho outorgado por associação patronal de que a ré/empregadora é (ou não) associada, no que diz respeito às tabelas salariais e condições de acesso às mesmas, quando as partes acolheram tais regras nos respectivos contratos individuais de trabalho, remetendo para o aludido contrato colectivo (o que, in casu, se verifica).
7- Em relação ao trabalho suplementar, devem manter-se nos factos provados os pontos 25) e 26) da douta sentença apelada., pois provado está que a Apelada prestava trabalho para além do seu horário normal, ou seja, para além do período correspondente aos turnos (de 7 horas) que lhe eram distribuídos.
8- Para ser exigível o pagamento do trabalho suplementar, basta que tenha sido prestado com o conhecimento e sem a sua oposição da entidade empregadora;
9- Mesmo que se considere que a Apelada não tenha feita prova do número de horas efectivamente prestado nesses dias, sempre fez prova da existência do direito, apenas não o tendo feito quanto à sua quantificação;
10- A condenação em montante a liquidar posteriormente tem como pressuposto a prova da existência do direito, mas a impossibilidade, na audiência de discussão e julgamento, de se apurar o objecto ou a quantidade do concretamente devido.
11- Assim, nada obsta que, em face da insuficiência de elementos para determinar o montante da dívida seja proferida a condenação ilíquida da Apelante, e se remeta o apuramento da responsabilidade para execução de sentença;
12- Pelo que, a douta sentença recorrida não padece dos vícios invocados pela aqui Apelante.
Termina pretendendo que se negue provimento ao recurso, “mantendo-se em consequência a douta sentença recorrida, na parte em que julgou parcialmente procedente a reconvenção, nos seus precisos termos e com as legais consequências”.
Aquando a admissão dos recursos foi proferido este despacho: “Ao abrigo do disposto no art. 249º do Código Civil e no art. 614º do Código de Processo Civil, desde já, impõe-se corrigir o manifesto lapso de escrita constante do item 12 dos factos provados da sentença a fls. 867 por forma a constar entre as palavras “..., mas êxito,..” o vocábulo “sem” passando a ler-se «.., mas sem êxito,…».
Notifique e lavre cota respectiva”.
O processo foi com vista ao MP dando o seu parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
As questões a apreciar revertem sucessivamente, sem prejuízo das que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento de outras, para a rectificação de lapso de escrita, a nulidade da sentença, as impugnações da decisão sobre a matéria de facto, a ilicitude do despedimento, as respectivas indemnizações por antiguidade e danos morais, designadamente, as diferenças salariais e o trabalho suplementar.
Os factos considerados assentes na sentença
“1 - Em 1/6/2003, J. S. foi admitida pela SCMF para exercer, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, mediante retribuição mensal, as funções de recepcionista no Hospital (sito na cidade de …) pelo prazo de 1 ano e nos demais termos constantes do contrato de fls. 494-496 dos presentes autos (cujo teor aqui se dá por reproduzido).
2 - Esse contrato foi-se renovando sucessivamente, tendo-se convertido em contrato por tempo indeterminado e, desde então em diante até Abril de 2013, esta trabalhadora exerceu tais funções e auferindo da empregadora, para além de uma refeição principal por cada dia de trabalho efectivo, retribuição mensal base, ultimamente, no valor de € 499,81 e abono para falhas no valor mensal de € 27,54.
3 - As funções desta trabalhadora (e das demais recepcionistas da consulta externa) consistiam em, no respectivo turno diário:
- Receber as quantias em dinheiro pagas pelos utentes como contrapartida da assistência clínica prestada pela empregadora e guardar essas quantias no cofre individual até ao final do mesmo turno diário;
- E, através de um programa informático a que acedia com a utilização de um login e de uma password pessoal, elaborar as folhas de caixa correspondentes às quantias recebidas em cada turno;
- E, findo este, conferir o valor total das mesmas com a respectiva folha do caixa e introduzir tudo num envelope que colocava dentro de um envelope maior e depositar, juntamente com o cofre individual, no cofre geral da empregadora que estava localizado numa sala da consulta externa;
- Procurar ou guardar processos clínicos, dar alta a processos clínicos, tirar listagens de marcação de consultas para colocar nos gabinetes médicos, substituir colegas na hora de almoço e substituir colegas noutra recepção (de cardiologia e no átrio).
4 - No dia seguinte ou, no caso dos fins-de-semana, na segunda-feira seguinte, cabia a alguém da secretaria da empregadora vir levantar tais envelopes e levá-los para a chefe da secretaria/serviços administrativos da empregadora.
5 - A chefe da secretaria/serviços administrativos da empregadora (M. G.) ou, na ausência desta, o funcionário D. C. conferia a correspondência entre as quantias e as folhas de caixa recebidas, relativamente a cada recepcionista e ao dia anterior ou à 6ª feira e sábado anteriores no caso dos fins-de semana.
6 - Por vezes, durante o respectivo turno diário, esta trabalhadora abria e fechava o caixa duas vezes e elaborava duas folhas de caixa correspondentes, uma por cada um desses fechos de caixa desse mesmo dia, conforme consta do teor de fls. 65 a 329 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7 - Esta trabalhadora foi a única das recepcionistas inquiridas no procedimento disciplinar e nos autos que admitiu adoptar este procedimento.
8 - Sendo que, quando fosse necessário, durante o respectivo turno, voltar a abrir o caixa que já tivesse sido encerrado, bastaria seleccionar o item de reabertura e no final imprimir a respectiva folha de caixa ou, caso tivesse feito uma segunda abertura e um segundo fecho do caixa, bastaria seleccionar o item de folha de caixa única para no final imprimir a respectiva folha de caixa diária.
9 - O cofre geral devia de ser aberto no início de cada dia de trabalho pela primeira das recepcionistas que aí se dirigisse, introduzindo o código de abertura daquele, e assim permanecia aberto até ao final da jornada de cada dia de trabalho, cabendo encerrá-lo à última das recepcionistas que aí fosse efectuar o depósito do respectivo cofre individual e do envelope.
10 - Para além das cerca de 10 recepcionistas da consulta externa também as recepcionistas do serviço de radiologia tinham acesso ao código daquele cofre geral.
11 - Naquela sala onde estava situado o cofre geral trabalhavam as coordenadoras do serviço de consulta externa e acediam, para além destas e das aludidas recepcionistas, outros profissionais da empregadora não concretamente apurados.
12 - Por volta do dia 3/8/2012, a chefe da secretaria da empregadora questionou esta trabalhadora sobre dinheiro e folhas de caixa desta em falta na contabilidade relativamente aos meses de Junho e Julho de 2012, tendo esta ficado de ver, mas sem êxito, mesmo depois das insistências daquela por volta de finais de Agosto e Setembro.
13 - O dinheiro e as folhas do caixa desta trabalhadora dos dias 24 e 26 de Setembro de 2012, no valor respectivo de € 322,47 e € 134,08, não foram depositados pela trabalhadora no cofre geral da empregadora no final do respectivo dia, apesar de estar obrigada a tal.
14 - Em dias não concretamente apurados, por volta de finais de Setembro e em Outubro de 2012, esta trabalhadora esteve ausente ao trabalho na empregadora.
15 - No início de Outubro de 2012, a chefe da secretaria da empregadora insistiu com a trabalhadora (via telefone dada a ausência desta ao trabalho), no sentido de esta os entregar, o que não foi feito de imediato, apesar de a mesma lhe ter dito que os tinha consigo.
16 - No dia 10/10/2012, esta trabalhadora (que continuava ausente ao trabalho) deslocou-se à empregadora e entregou a folha do seu caixa do dia 26/9/2012 e o respectivo dinheiro deste dia no valor de € 134,08.
17 - No dia 7/11/2012, esta trabalhadora entregou a folha do seu caixa do dia 24/9/2012 e o respectivo dinheiro deste dia no valor de € 322,47.
18 - Esta trabalhadora sabia que, no final de cada turno, devia de introduzir as quantias recebidas dos utentes nesse dia e as folhas do caixa desse dia num envelope, que também devia de depositar nesse mesmo dia no cofre geral da empregadora.
19 - Apesar disso, esta trabalhadora agiu nos moldes descritos nos itens 13 e 15 a 17, retendo tais valores e tais folhas durante o aludido período, bem sabendo que não lhe pertenciam, que estava a desrespeitar uma ordem da empregadora e mostrou-se indigna da confiança nela depositada pela empregadora.
20 - A chefe da secretaria geral/serviços administrativos da empregadora assinou uma participação, datada de 6/11/2012, relativamente a esta trabalhadora nos termos constantes de fl. 58 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
21 - Na sequência de uma deliberação em reunião efectuada a 7/11/2012, foi instaurado um procedimento prévio de inquérito em 12/11/2012 nos termos constantes de fls. 59-60, 55-57 e 61-335 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
22 - Em 3/1/2013, a empregadora determinou a abertura de procedimento disciplinar contra esta trabalhadora e no âmbito do qual foi elaborada e comunicada a esta trabalhadora a nota de culpa e a intenção de proceder ao seu despedimento, tudo nos termos constantes de fls. 340-383 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
23 - Em 15/3/2013, esta trabalhadora respondeu à nota de culpa e foram efectuadas diligências instrutórias, tudo nos termos constantes de fls. 390-435 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
24 - Em 23/4/2013, esta trabalhadora recebeu a decisão final desse processo disciplinar datada de 19/4/2013, segundo a qual a empregadora a puniu com a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 436-457 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
25 - Durante a vigência do contrato, o horário de trabalho desta trabalhadora era constituído por turnos rotativos não concretamente apurados, distribuídos de 2ª a 6ª feira, das 8h. até, pelo menos, às 14h. ou das 14h. às 20h. e ao sábado pelo menos de manhã das 8h. às 14h., em moldes não concretamente apurados.
26 - Durante a vigência do contrato e por causa do mesmo, esta trabalhadora prestou trabalho em proveito da empregadora e com conhecimento desta, para além do seu horário de trabalho, no final do turno da tarde e no turno de sábado cujos dias e cuja duração temporal respectiva não foram concretamente apurados.
27 - Esta trabalhadora sempre fora competente e assídua, não tendo qualquer registo disciplinar.
28 - A empregadora não pagou a esta trabalhadora a retribuição de férias e subsídio de férias vencidos no início de 2013 e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal pelo trabalho prestado em 2013.
29 - Esta trabalhadora recebeu subsídio de desemprego desde Maio de 2013 até Novembro de 2013 e obteve trabalho remunerado por conta de outras empresas desde Junho de 2016 até Setembro de 2016 e desde Janeiro de 2017 em diante, nos termos constantes de fls. 588-A a 588-F e 854-855 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
30 - No âmbito do processo nº 485/13.5TAFLF da Secção Criminal J1 de Felgueiras, o Ministério Público deduziu acusação contra esta trabalhadora, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança qualificado nos termos constantes de fls. 660-668 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido”.
A R pretendeu a rectificação da sentença no que concerne à matéria do nº 12 factualidade considerada na sentença como assente por lapso de escrita.
Já foi deferida pelo tribunal a quo aquando a admissão dos recursos e encontra-se consignada no relatório deste acórdão, pelo que nada mais se ordena a propósito.
Da nulidade
É imputada pela R, nos termos do artº 615º, nº 1, alª d), do CPC (o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento).
Mencionam-se os pontos 25 e 26 da citada factualidade (durante a vigência do contrato, o horário de trabalho desta trabalhadora era constituído por turnos rotativos não concretamente apurados, distribuídos de 2ª a 6ª feira, das 8h. até, pelo menos, às 14h. ou das 14h. às 20h. e ao sábado pelo menos de manhã das 8h. às 14h., em moldes não concretamente apurados; e, durante a vigência do contrato e por causa do mesmo, esta trabalhadora prestou trabalho em proveito da empregadora e com conhecimento desta, para além do seu horário de trabalho, no final do turno da tarde e no turno de sábado cujos dias e cuja duração temporal respectiva não foram concretamente apurados).
A respectiva matéria não terá sido alegada pelas partes, segundo a R, desse modo se violando o princípio do dispositivo (artºs 5º e 608º do CPC) e o disposto no artº 72º do CPT.
Mas o tribunal a quo não foi além dos poderes de cognição em ordem ao julgamento.
Na oposição à motivação do despedimento a A consubstancia a causa de pedir com circunstâncias que deram lugar à matéria desses pontos (trabalho suplementar), de resto de forma mais vasta do que se pretende, finalisticamente considerando o que peticionou a final, a condenação genérica no pagamento desse trabalho.
O MºPº, no parecer, refere, com o que se concorda “… no ac. da RG de 10.09.2013, proc. nº 4211/11.dsgiNet, no que se traduz entendimento pacífico da jurisprudência, “Quanto ao excesso de pronúncia, o mesmo só se verifica, relativamente a questões não conexionados com a causa de pedir, estando o juiz limitado pelo princípio do dispositivo, que exprime a liberdade com que as partes definem o objecto do litigio, não podendo condenar-se além do pedido, nem considerar causa de pedir que não tenha sido invocada”, sendo certo que as questões aqui em consideração são os pontos de facto ou de direito ,relativos à causa de pedir e ao pedido, em que as partes centram o objecto do litigio e não a argumentação em defesa dos seus pontos de vista.
Ora, no seu articulado a trabalhadora invocou factos atinentes à prestação de trabalho, para além do seu horário de trabalho, com conhecimento e no interesse da empregadora, descriminados em documentação na posse desta, que veio a juntar antes do encerramento da audiência - documentação essa sobre a qual a recorrente se pôde pronunciar e se pronunciou -, e deduziu pedido por trabalho suplementar, a liquidar em execução de sentença - v. arts. 107 a 113 , fols. 482 a 488, 681 a 812, 818 e 819.
Acresce que a factualidade assente sob os pontos nºs. 25 e 26 decorreu da documentação junta e da prova testemunhal produzida em julgamento, como se dá nota na fundamentação da decisão.
Atente-se ainda que, no despacho saneador de fols. 652 a 654, que não mereceu reclamação da recorrente, nos termos do art. 596º, nº 2 do CPC, se definiu como objecto do litigio o direito a retribuição por trabalho suplementar e, como tema de prova, saber se foi prestado trabalho pela trabalhadora, para além das 7 horas diárias por determinação da entidade empregadora, sem que tivesse sido pago.
Assim, ao dar como provada matéria atinente a trabalho suplementar, isto é, por trabalho prestado para além do horário normal, nos termos do art. 226º, nº l do CT, a julgadora não extravasou a causa de pedir e o pedido formulados, nem, ao relegar para execução de sentença, a liquidação por trabalho suplementar, emitiu qualquer decisão surpresa”.
Ou seja, se a questão é a de se fixar matéria não expressamente alegada na verdade restringiu-se a certa concretização no âmbito do exercício dos poderes de cognição quanto a factos que não deixaram de ser debatidos na audiência de julgamento, ao ponto inclusivamente, de se discernir a distinção entre período normal de trabalho diário e horário de trabalho, quiçá, nomeadamente através da produção da prova como resulta, além do mais, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto (v.g. acta da sessão de 05.05.2016 e requerimento da R de 20.05.2016).
A recorrente não nega expressamente esta discussão e não se constata ter arguido qualquer nulidade secundária tendo em vista o estabelecimento do contraditório como suporte da decisão a proferir audiência, tudo sob pena de se considerar sanada (artºs 195º a 202º do CPC).
Por seu turno, segundo o artº 5º do CPC: “1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas. 2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. 3 (…)”).
Daí que não se possa agora alegar no sentido de qualquer irregularidade por eventual decisão surpresa no que tange quer ao exercício do contraditório com a produção de contraprova, quer, menos ainda, ao disposto no artº 72º do CPT.
Sob a epígrafe “Discussão e julgamento da matéria de facto” determina:
“1- Se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2- Se for ampliada a base instrutória nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respectivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
3- Abertos os debates, é dada a palavra, por uma só vez e por tempo não excedente a uma hora, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para fazerem as suas alegações, tanto sobre a matéria de facto como sobre a matéria de direito.
4- Findos os debates, pode ainda o tribunal ampliar a matéria de facto, desde que tenha sido articulada, resulte da discussão e seja relevante para a boa decisão da causa. (…)”.
É que este mecanismo foi previsto precisamente para se aditarem factos relevantes à boa decisão da causa não alegados pelas partes e, como predito, isso não ocorreu, tutelando-se o interesse processual de quem deles possa beneficiar.
Portanto, não estamos perante excesso de pronúncia e consequente nulidade da sentença nessa parte.
Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto da A
Afigura-se-nos que nas conclusões do recurso da A foram arrolados elementos mínimos dos ónus de especificação ou de individualização previstos no artº 640º, nºs 1 e 2 do CPC.
Embora com certa imprecisão, por referência ao método adoptado na sentença para se distinguir a factualidade assente da não provada, nelas não se deixam de adquirir os pontos de facto impugnados.
Com efeito, alicerçadas na motivação do recurso, não chegando a colocar em causa o exercício do contraditório, alcança-se também dos articulados das partes a matéria visada. Por seu turno os meios probatórios que se aduzem para considerar incorrectamente julgada essa factualidade são colhidos das mesmas ou, ainda assim, são igualmente dedutíveis se conjugadas com essa motivação. Por fim com exclusão da matéria referente às alegadas vexação e sequelas psíquicas bem como à doença do progenitor relacionada com a baixa médica da A, a factualidade a provar e a considerar como não apurada é resumida grosso modo à mesma temática operativa pelo que se poderá admitir o oferecimento global de prova pelo menos a esta matéria.
Delimitado assim o objecto do recurso não tem esta impugnação que ser rejeitada estritamente por incumprimento de ónus de especificação.
A A entende que a matéria dos pontos 13, 15 e 19 dos factos assentes da sentença (o dinheiro e as folhas do caixa desta trabalhadora dos dias 24 e 26 de Setembro de 2012, no valor respectivo de € 322,47 e € 134,08, não foram depositados pela trabalhadora no cofre geral da empregadora no final do respectivo dia, apesar de estar obrigada a tal; no início de Outubro de 2012, a chefe da secretaria da empregadora insistiu com a trabalhadora (via telefone dada a ausência desta ao trabalho), no sentido de esta os entregar, o que não foi feito de imediato, apesar de a mesma lhe ter dito que os tinha consigo; apesar disso, esta trabalhadora agiu nos moldes descritos nos itens 13 e 15 a 17, retendo tais valores e tais folhas durante o aludido período, bem sabendo que não lhe pertenciam, que estava a desrespeitar uma ordem da empregadora e mostrou-se indigna da confiança nela depositada pela empregadora) não se provou.
Enquanto isso considera que matéria da factualidade consignada como não assente na sentença (que as folhas do caixa dos dias 24 e 26/9/2012 tivessem apresentado uma diferença de € 75 que a trabalhadora não tivesse entendido e que tivesse pretendido averiguar o que se passava; que o seu pai tivesse fosse doente cardíaco e tivesse sido internado no dia 27 de Setembro de 2012 e que pela necessidade de o acompanhar a trabalhadora não tenha voltado ao serviço até 10/10/2012; que tivesse comunicado tal, prontamente por telefone, à chefe da secretaria e que provavelmente iria usar férias e baixa para o acompanhamento daquele; que a trabalhadora não tivesse encontrado a razão da discrepância daqueles dois caixas e tivesse acertado um dos caixas no dia 10/10/2012; que não tivesse acertado o outro caixa no dia 5/11/2012 por ter sido impedida de aceder à consulta externa e aos cofres individual e geral; que a chefe da secretaria tivesse duplicado de todas as chaves de todos os cofres pessoais, não tivesse querido verificar o cofre individual desta trabalhadora e lhe tivesse garantido que quando esta regressasse poderia verificar e repor as discrepâncias de € 75; e que a trabalhadora tenha sofrido um vexame público e uma depressão por causa deste despedimento) ficou provada.
Traz à colação excertos de declarações suas e das testemunhas M. G., chefe de serviços da R, M. C., M. M., que foram suas superiores hierárquicas, e M. A., sua tia.
Face à decisão desta matéria o tribunal a quo fundamentou:
“A convicção do tribunal, relativamente à factualidade dada como provada, resultou do acordo das partes nos articulados, da quantia confessada na resposta e da apreciação conjugada e crítica, à luz das regras e experiência comum, do teor de todos os aludidos documentos constantes dos autos, bem como os demais dos autos a fls. 489-493 em conjugação com fl. 588-B e fls. 497-503, de fls. 546-443, do relatório pericial de fls. 623-636 e dos depoimentos prestados durante a audiência de discussão que incidiu sobre tal factualidade. Sendo de salientar, nomeadamente, que a trabalhadora confirmou trabalhar remuneradamente por conta da empresa de comércio de automóveis (aludida a fls. 855) e descreveu as suas funções na empregadora, instrumentos de trabalho e a logística desta incluindo da localização do cofre geral, sua abertura e fecho, os fechos de caixa em cada turno diário, os horários rotativos, a prestação de horas extra, o número de recepcionistas e à chefe da secretaria lhe dizer que faltavam caixas seus. Por seu lado, os esclarecimentos prestados pelo perito em audiência relativamente ao teor do seu relatório pericial, segundo o qual a empregadora tinha várias deficiências organizativas e de segurança, nomeadamente, desde a colocação dos envelopes no cofre geral podia haver desvio daquilo que estivesse em cada envelope daí em diante até ao final do circuito. E tanto mais que - contrariamente à menção pericial - não se logrou provar que tais envelopes sequer estivessem fechados e muito menos selados e, aliás, o perito admitiu não ter visto sequer os envelopes, assim como desconhecia o tipo de sistema(s) informático(s) existente(s) e se havia, ou não, controlo contabilístico pelo menos mensal. E os seguintes depoimentos das testemunhas na parte em que revelaram conhecimento dos factos respectivos de uma forma segura, coerente e merecedora de credibilidade à luz da apreciação supra referida: M. G. = a propósito das suas funções e das funções da trabalhadora, instrumentos de trabalho e logística, incluindo a localização do cofre geral, sua abertura e fecho, bem como o demais modo de laboração da empregadora e várias deficiências organizativas e de segurança desta, número de recepcionistas da consulta externa, fechos de caixa e folhas de caixa de turno diário, a sua conferência das por si recebidas folhas de caixa e respectivos valores, ter questionado a trabalhadora sobre folhas de caixa em falta de Junho e Julho de 2012, ter questionado sem êxito a trabalhadora sobre folhas de caixa em falta de Junho e Julho, ter questionado a trabalhadora sobre folhas de caixa e dinheiro em falta de dois dias de Setembro e a resposta dada pela trabalhadora bem como a actuação subsequente desta a este propósito, sobre horas extra de que ouvia falar das recepcionistas e sobre a refeição prestada pela empregadora; M. C. = a propósito das funções da trabalhadora, instrumentos de trabalho e logística, incluindo a localização do cofre geral, sua abertura e fecho, bem como o demais modo de laboração da empregadora e falhas desta, incluindo sobre fechos de caixa e folhas de caixa de turno diário, ao trabalho por turnos da trabalhadora e à refeição prestada pela empregadora; S. L. = a propósito dos fechos de caixa e folhas de caixa de cada turno diário e as folhas de caixa em falta da trabalhadora em Julho e Julho de 2012 e às várias falhas da empregadora; F. M. = a propósito das funções da trabalhadora, horário com turnos, número de recepcionistas, instrumentos de trabalho e logística, incluindo a localização do cofre geral, sua abertura e fecho, bem como o demais modo de laboração da empregador, modo de abertura e fecho de caixa de cada turno diário, ao trabalho extra no turno da tarde das recepcionistas e à refeição prestada pela empregadora; M. M. = a propósito dos fechos de caixa e folhas de caixa de cada turno diário e as folhas de caixa em falta da trabalhadora em Julho e Julho de 2012 e às várias falhas da empregadora; F. M. = a propósito das funções da trabalhadora, instrumentos de trabalho, a refeição prestada pela empregadora, número de recepcionistas, abertura e fecho do cofre geral, logística da empregadora, horário com turnos e horas extra das recepcionistas; J. O. = a propósito das funções da trabalhadora, descrição sobre abertura e fecho de caixa de cada turno diário, instrumentos de trabalho e logística, incluindo do cofre geral, sua abertura e fecho, horário com turnos e horas extra das recepcionistas, refeição prestada pela empregadora e várias falhas da empregadora; e D. C. = a propósito das funções de si, da chefe da secretaria e da trabalhadora e das folhas de caixa.
(…); sobre a alegada depressão da trabalhadora (havendo meras referências genéricas por parte das testemunhas M. A. e M. C., desacompanhadas de qualquer documento médico); sobre a alegada baixa da trabalhadora a propósito da alegada doença com internamento de seu pai (havendo meras referências genéricas disso por parte da trabalhadora e das testemunhas M. G., M. C. e M. M. desacompanhadas de qualquer documento médico)”.
Entre a factualidade que não se pretende assente e aquela que se quer provada a A não cuida de compatibilizar a decisão que pugna de forma a se evitarem contradições.
Efectivamente, a disponibilização, ou não, pela trabalhadora do dinheiro apurado e das folhas de caixa no términus dos dias 24 e 26.09.2012 é o relevante para o caso, independentemente da sua localização e do cofre individual, e a factualidade que se considerou como não apurada nesta parte por si não exclui o que em tais pontos ficou assente.
Deste modo ficando desde logo prejudicada a consistência da impugnação.
A A também não trata de ser coerente em relação à pretensão de afastar a matéria desses pontos ao nada referir por sua vez quanto à matéria dos pontos 16 e 17 da factualidade assente, designadamente (no dia 10.10.2012, esta trabalhadora (que continuava ausente ao trabalho) deslocou-se à empregadora e entregou a folha do seu caixa do dia 26.09.2012 e o respectivo dinheiro deste dia no valor de € 134,08; e, no dia 07.11.2012, esta trabalhadora entregou a folha do seu caixa do dia 24/9/2012 e o respectivo dinheiro deste dia no valor de € 322,47) e à articulação destes com a factualidade não assente de “que não tivesse acertado o outro caixa no dia 5/11/2012 por ter sido impedida de aceder à consulta externa e aos cofres individual e geral”.
Esta circunstância prejudica já, inapelavelmente, a impugnação.
No confronto com a prova oral que a A entende como pertinente, o que resulta da também da transcrita fundamentação é que esta suporta-se em meios de prova mais amplos (pericial, documental e oral), para concluir o respectivo juízo crítico.
A A, portanto, apenas questiona a matéria de facto com base em muito parcial produção de meios de prova, designadamente sendo escassa a citação dos excertos desta com referência à duração da mesma, assim ficando relativamente ao tribunal a quo objectivamente aquém no exercício da apreciação crítica da prova.
E ao não atender à unidade da prova como foi concebida pelo tribunal a quo, para isso servindo a obrigação da fundamentação, logo se pode afirmar igualmente que a censura que exerce sobre juízo desse tribunal é inconclusiva.
Ora, fundamentando-se a decisão da matéria de facto em diversos meios de prova a não valoração no recurso de um deles implica a insuficiência da censura para se alterar tal decisão, pelo que ao assim proceder compromete-se de forma mais uma vez inapelável a impugnação, sendo inapropriado referir, inclusivamente afirmando em tese um pequeno conteúdo factual que “não tendo a entidade empregadora/Apelada feito qualquer prova quanto aos pontos 13, 15 e 19, mormente, que a Apelante tivesse na sua posse os caixas daqueles dias 24 e 26/09/2012, mister é de concluir que os mesmos devem ser dados como não provados”.
Ainda que assim não fosse foram auditados nomeadamente os excertos das declarações de parte da A e das testemunhas indicadas.
Aquelas, por si e ainda que conjugadas com o depoimento da tia da A quanto às sequelas para a saúde desta decorrentes do despedimento não são susceptíveis de inverter a consistência do sentido critico do tribunal a quo.
Nas suas declarações, a A, num discurso por vezes hesitante e de linearidade escassa não precisa os dias em causa da eventual irregularidade na realização do caixa que lhe foi imputada, os valores em falta (finais de Setembro, começou-me a faltar dinheiro. E eu não consegui apurar donde me estava a faltar o dinheiro), os termos da comunicação dessas circunstâncias a quem competia e sempre resulta a admissão de uma quebra nos caixas (M. eu vou ver se consigo apurar o que é que está a falhar aqui nos meus caixas, porque está-me a dar aqui um quebra de setenta e cinco euros), atribuindo-se arbitrariamente, depois, a um dos caixas apenas.
Das mesmas, revela-se ainda a preocupação da testemunha M. G. por lhe faltarem caixas (entretanto, diz-me a D. M. G. que me ligou não sei quantas vezes para o meu telemóvel, que me estava a tentar contactar em pânico, que lhe faltava caixas), sendo isso evidente para a A; não se justifica cabalmente a colocação do seu cofre e dos envelopes com o que tinha efectivamente apurado no cofre geral (“D. M. G. já deixei ficar.”. Expliquei-lhe “Já fui deixar a baixa, já deixei ficar uma direitinha. A outra não consegui apurar, mas eu… o mais tardar, no máximo, um, dois dias vou aí, quando o meu pai tiver em condições, vou ver um a um o movimento, se não der com o erro, não será por isso que o mando para cima.”, “Pronto J., veja. Mas não é isso que me está a preocupar. Você além destes tem mais algum em seu poder?”, “D. M. G. não tenho nenhum em meu poder. Como lhe disse, esses dois deram erro e ficaram em baixo. Se a senhora quiser ir ver pode ir ver.”; “Deixe-me concluir a pergunta. Porque motivo não colocou no cofre geral no final destes dois dias, os envelopes com aquilo que tinha sido apurado nestes dois dias? Como já está devidamente apurado sr. dr., não me estava a dar o apurado correcto, faltava-me dinheiro. €75”.; “Dado que não o consegui apurar, se não já o tinha entregue, um deles, fiquei com os dois na minha caixa em baixo junto do cofre geral para tentar apurar e foi isso que eu tentei explicar.”); e mesmo a falta de montante afirmado ainda sendo significativo menciona apenas que “É muito simples. Só quem não trabalha na área é que não percebe” e “Até pode ser bem mais”, como se tudo fosse uma inevitabilidade dos procedimentos do seu trabalho.
Sem se olvidar, pois, que a matéria dada como não assente com origem no alegado na contestação ao articulado motivador do despedimento remete-se para diferença em duas caixas e a A refere de forma contraditória que “Para concluir, uns dias, tipo os últimos dias de 10 Setembro, houve dois caixas que eu… não tinha direitos, certo? Já não lhe posso precisar os dias dos caixas. Sei que, entretanto, eu entro de baixa. …. Esses dois caixas, eu tinha-os deixado ficar na minha caixa, numa latinha…não é uma latinha, a gente diz uma caixa em metal, dentro do cofre, certo? Com esses dois caixas. Porquê? Um deles estava a faltar-me setenta e cinco euros”, “Dois caixas”, “Finais de Setembro, começou-me a faltar dinheiro. E eu não consegui apurar donde me estava a faltar o dinheiro”.
Ademais o que refere quanto ao que lhe aconteceu após os factos não são susceptíveis de serem tomados como vexame público na vida em relação social ou só por si como sintomatologia de patologia psíquica, atento ainda ao afirmado na transcrita fundamentação do tribunal a quo sem a conjugação de documentação clínica.
E o mesmo acontece com o depoimento da tia sendo que segundo esta, quanto ao conceito da A no meio social: “no concelho onde ela mora, no bairro, na rua, na sociedade, ninguém acredita. Ninguém quer acreditar. Ninguém acredita. Ninguém quer acreditar”.
Note-se que a valorização das declarações de parte deve ser efectuada com especial cautela.
Como se extrai do acórdão deste Tribunal de 20.04.2017, procº nº 2653/15.6T8BRG.G1 e a título de depoimento de parte: “Assim e em face do novo CPC, o depoimento de parte, na parte não confessória pode ser livremente apreciado pelo julgador. Ponto é, claro está, que se tenham as devidas cautelas, já que se trata por natureza de um depoimento interessado.
Ainda Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2.ª ed., pág. 573; Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, 1999, Almedina, pág. 387, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. II, pág. 211.”
Por sua vez, do depoimento da testemunha M. G. na parte correspondente ao extractado pela A não se extrai de forma assertiva que tão pouco a ausência desta ao serviço, que é o que aqui poderá relevar, se deveu à doença do progenitor e de forma alguma quanto ao cerne da factualidade em crise pode ser valorizado em desmerecimento da decisão da matéria de facto e da sua fundamentação, antes confirmando-a (“Eu disse-lhe “ J. faltam dois caixas.” E ela disse-me que os tinha com ela. … Tenho Sra. Dra. “Tenho-os comigo.” … Não Sra. Dra. ela disse “tenho-os comigo” agora se os tinha com ela…”; “Esse caixa foi entregue…ela foi, esteve a ver comigo as folhas, foi lá baixo buscar o cofre…”).
O que resulta igualmente deste depoimento, como a A também admitiu nas suas declarações, é que eram razões excepcionais como a perda de chaves ou o esquecimento das mesmas pelas próprias trabalhadoras a quem estavam confiados os cofres individuais as que legitimavam o uso da chave duplicada: “iam lá buscá-la para ter o instrumento para poder trabalhar, se não podiam abrir o cofre”.
Ainda que a diferença de 75,00€ não era o que estava apenas em causa relativamente às caixas de 24 e 26.09.2012: “24 de Setembro e entregou também o fundo de caixa, os 50€. Mas para entregar esse caixa ela foi levantar 75€ ao multibanco”, (…) “Ela … que foi lá baixo ao multibanco levantar 75€ em multibanco”. “Para completar os tais 300 e tal mais o fundo de caixa, é isso? Sim, sra dra. É isso que se passou? Tem a certeza? Absoluta. Ela entregou o multibanco. Ela deu-me o multibanco. Entregou o multibanco junto com o restante valor do caixa”.
E no mesmo registo, sem se poder considerar que contrariem o antecedente depoimento, decorrem os de M. C. e M. M. nos excertos citados pela A de forma ainda mais parcimoniosa, sendo certo que esta refere procedimento pelo qual o envelope com o dinheiro e as folhas de caixa em regra eram colocados fora do cofre do trabalhador no cofre geral e que tal não aconteceu com a A, assim tendente sempre à conclusão da entretanto indisponibilidade do numerário pela R correspondente ao apuro de dois dias.
Por isso sem se poder concluir que “as passagens citadas impõem decisão de não provado quanto aos pontos 13, 15 e 19, dos Factos Provados” assim como “em caso algum se provou que a Apelante/trabalhadora não tivesse depositado os caixas dos dias 24 e 26/09/2012 no cofre geral da Instituição, e que a mesma tenha referido que os tinha com ela” e “aliás, a testemunha M. G. refere mesmo que não sabe se a Apelante levou os caixas daqueles dias com ela ou se os deixou no cofre geral. Tanto mais que refere mesmo “nem digo que sim nem que não””, sendo que neste último caso foi perguntada “Não sabe. Se eu lhe disser, e a J. já lhe disse, que deixou as folhas de caixa no cofre geral o que é que a sra diz?”
Não vindo ao caso aludir o ónus de alegação e prova da entidade patronal na medida em que as partes dos excertos da prova oral nos quais está alicerçada a impugnação da decisão da matéria de facto não são susceptíveis de sequer criar dúvida sobre a factualidade que se deu como assente para se dar cumprimento ao disposto no artº 414º do CPC (artº 346º do CC).
Daqui que outro não poderia ser o nosso entendimento face à prova adequadamente valorada em primeira instância, querendo isto dizer também que aos excertos das declarações de parte e dos depoimentos realçados pela A não se lhe pode atribuir o significado que a mesma pretende e menos ainda a virtualidade de imporem a modificação da decisão de facto como se reclama no artº 662º, nº 1 do CPC.
Segundo este normativo a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Deste modo afigura-se-nos apodíctico que convém especificar não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas, antes, que imponham decisão diversa da impugnada.
O que se compreende porquanto é o juiz a quo quem procede ao julgamento da causa e nele aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca dos factos e não o Tribunal de recurso, cujo poder de intervenção se circunscreve a reapreciar pontos concretos da decisão da matéria de facto especificados nas conclusões do recurso com vista a reparar erros de julgamento ali cometidos.
E toda a apreciação da prova pelo tribunal a quo tem ainda a seu favor o importante princípio da imediação que não pode ser descurado no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaiu a mesma, segundo o princípio da liberdade de julgamento.
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.
O julgador deverá avaliar o depoimento em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência (Miguel Teixeira de Sousa, A Livre Apreciação da Prova em Processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII, 1984, 115 e seg).
Devendo-se concluir ainda que segundo as regras de experiência comum, toda esta factualidade posta em crise pelas partes não só não se revela grosseiramente apreciada pela primeira instância como na nossa reapreciação da prova, já no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova é de manter.
Improcedendo esta impugnação da A vejamos a impugnação da decisão sobre a matéria de facto da R.
Pretende que a matéria dos citados nºs 25 e 26 já citada não seja considerada provada.
Esgrimiu para o efeito a mesma argumentação que utilizou para arguir a nulidade da sentença já conhecida pelo que nesta parte nada mais haverá a acrescentar senão julgar improcedente esta impugnação.
Aqui chegados e ficando incólume a factualidade dada como assente, a importância agora da discussão sobre se a R cumpriu, ou não o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito ao despedimento está unicamente na averiguação com base naquela factualidade da proporcionalidade ou adequação da sanção aplicada.
E como a mesma expende: “a questão fulcral é, pois, a de saber se os comportamentos imputados à Apelante/trabalhadora, que consubstanciam ilícitos disciplinares, tornam inexigível por parte da Apelada/Empregadora a manutenção da relação laboral com aquela”, face ao disposto no artº 351º do CT.
Pois bem, nesta parte também não podemos deixar de estar de acordo em larga medida com os fundamentos da sentença:
“Como sabemos, o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho está regulado, actualmente, nos arts. 338º e seguintes do C.T., aquele proibindo o despedimento sem justa causa e o art. 340º, al. c), prevendo, como uma das modalidades de cessação, o despedimento por facto imputável ao trabalhador.
Por seu lado, o art. 351º, nº 1, define o conceito de justa causa de despedimento como sendo: “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
O nº 3 do mesmo artigo acrescenta: “Na apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
E o nº 2 do mesmo preceito legal indica, a título exemplificativo, os comportamentos do trabalhador que constituirão justa causa de despedimento.
No caso em apreço, a empregadora levou a cabo o despedimento da trabalhadora imputando-lhe, como justa causa, a prática de factos violadores de uma obrigação prevista no art. 128º, nº 1, als. c) e e), do C.T., segundo as quais: «Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve… Realizar o trabalho com zelo e diligência.... Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho».
(…)
Ora, o núcleo mais importante de violações do contrato de trabalho capazes de fornecer justa causa ao despedimento por iniciativa do empregador é constituído por violações do chamado “princípio da leal colaboração” imposto pelo ditame da boa-fé. Em termos gerais, diz-se que se trata de uma quebra da base de confiança do contrato. Confiança não só pessoal ou subjectiva, mas também objectivada pelo dever de leal colaboração, cujo respeito é necessário ao correcto implemento dos fins prático-económicos subjacentes à relação jus-laboral – cfr. a este propósito Baptista Machado, RLJ - 118º, 330 e segs.
Voltando ao caso em apreço, afigura-se indiscutível que a trabalhadora violou, culposa e gravemente, este dever de fidelidade, lealdade e custódia.
Pois, esta trabalhadora, que trabalhava como recepcionista na empregadora há quase 10 anos, sabia perfeitamente que, no exercício das suas funções e por causa das mesmas, todas as quantias recebidas dos utentes assim como todas as folhas de caixa correspondentes que elaborava tinham de ser depositadas, por si e no final de cada turno diário respectivo, no cofre geral da empregadora.
Mas, apesar de saber isso, reteve as folhas de caixa relativas aos dias 24 e 26 de Setembro de 2012 e os valores pecuniários respectivos de € 322,47 e € 134,08.
E mesmo depois de ter sido instada a entregar tudo isso à empregadora, disse que os tinha consigo, não os entregou, continuou a violar essa sua obrigação e só vindo a entregar no dia 10 de Outubro de 2012 a folha de caixa do dia 26 de Setembro bem como o respectivo valor pecuniário e só no dia 7 de Novembro de 2012 a folha do caixa do dia 24 de Setembro bem como o respectivo valor pecuniário.
Bem sabendo que nada disso lhe pertencia e que estava obrigada a entregar à empregadora, no próprio dia respectivo, a trabalhadora não só desrespeitou essa ordem, de cumprimento imediato, respeitante à execução do seu trabalho, como para além disso, reteve em seu poder tais valores pecuniários e tais folhas de caixa, não os entregando de imediato e só decorridos vários dias, mais concreta e respectivamente, 14 dias e 44 dias, é que os entregou à empregadora.
Por isso, estas actuações desta trabalhadora constituem, indiscutível e objectivamente, lesão grave e culposa dos deveres de obediência, diligência, lealdade e honestidade - independentemente do respectivo valor pecuniário e independentemente de ter restituído tais bens posteriormente.
Tanto mais que estamos perante um sector de actividade em que a trabalhadora manuseia dinheiro e outros valores à sua guarda e que lhe estão, diariamente, acessíveis no exercício das suas funções e por causa delas. Tudo o que diga respeito a essa guarda e custódia (de bens que não lhe pertencem) assume especial relevância já que isso integra, indiscutivelmente, o núcleo da sua actividade profissional de atendimento ao público instituição da empregadora e com uma caixa à sua guarda. Pelo que, sobre ela impendia um especial dever de cuidado, nomeadamente, com as folhas de caixa e o dinheiro que tinha à sua guarda e cuja cautela especial esta trabalhadora não teve, quando podia e devia ter tido.
Por si só e objectivamente, aquelas actuações destroem ou eliminam, como eliminaram, a confiança depositada pela empregadora na trabalhadora não só ao nível da obediência às regras de execução do seu trabalho, como ao nível da boa-fé contratual e, também, e principalmente, ao nível da sua seriedade no seio da empresa – cfr. os arts. 126º, 128º, nº 1, als. c), e) e f), e 351º, nº 2, als. a) e d), do C.T. em conjugação com o disposto nos arts. 205º, nºs 1 e 5, e 206º, nº 1 do Código Penal.
E, porque esta trabalhadora podia e devia ter agido de outro modo, esses seus comportamentos merecem censura ético-pessoal e comprometem a relação de lealdade e confiança mútuas entre a trabalhadora e a empregadora - que constitui um valor absoluto, isto é, não admite meios-termos nem se mede pelo valor dos bens envolvidos.
Mas, conforme já foi referido, para haver justa causa de despedimento, não basta que o trabalhador, culposamente, adopte um comportamento grave.
É também necessário que, tal comportamento, pela sua gravidade e consequências danosas, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
(…)
A entidade patronal tem de apreciar a infracção disciplinar praticada pelo trabalhador, à luz da sua organização produtiva, da realidade das relações de trabalho, quer pessoais quer patrimoniais e das demais circunstâncias concretas. E de entre o leque de sanções ao seu dispor (quer as previstas no art. 328º, nº 1, do C.T., quer as previstas em instrumento de regulamentação colectiva nos termos do nº 2 desse mesmo preceito) só deve optar pela sanção ou pena disciplinar mais gravosa para o trabalhador infractor: se nenhuma das outras penas disciplinares for suficiente para reprimir tal conduta inadequada do trabalhador e levá-lo a proceder, doravante, de harmonia com as regras de disciplina da empresa, reintegrando-o no padrão de conduta visado, no âmbito da empresa e na permanência desse contrato; e se a continuidade dessa vinculação do trabalhador for inexigível por insuportável, desmesurada e violenta para o empregador, ferindo a sua sensibilidade e liberdade psicológica, apreciada à luz de um qualquer homem comum colocado na posição do empregador.
Só perante essa situação de impossibilidade prática (assim aferida por um juízo de prognose), o interesse e a urgência de desvinculação do empregador prevalece (e merece prevalecer) sobre o interesse de conservação do vínculo laboral do trabalhador infractor.
(…)
Voltando ao caso em apreço, constata-se que, à luz daquele quadro factual, não pode ser exigido à empregadora que, doravante, confie nesta trabalhadora.
Pois estas infracções disciplinares praticadas por esta trabalhadora, neste quadro circunstancial, não só comprometeram de forma irremediável a relação de confiança inerente à sua inserção na organização produtiva da empregadora e inerente às funções exercidas no seio da mesma, como também comprometeram, de forma irremediável, a manutenção e continuidade prática do seu vínculo jus-laboral à empregadora.
Atento o modo de actuação e as demais circunstâncias acima explanadas, a gravidade dessas actuações infraccionais, a culpabilidade desta trabalhadora, as funções que ela exerceu ao longo de mais de 9 anos e das quais se aproveitou, não seria de exigir a esta empregadora, nem a qualquer outra que fosse colocada nestas mesmas circunstâncias, que, daí em diante, tolerasse a permanência daquela trabalhadora no seio da sua organização produtiva - constituindo tais comportamentos um mau exemplo para as demais colegas de trabalho, que importa prevenir que sejam imitados com o inerente risco de lesão dos interesses da empregadora, nomeadamente, face a uma eventual desconfiança, em vez de confiança, dos seus utentes e do público em geral como potencial utilizador dos serviços prestados pela empregadora.
Caso contrário, seria ferir, de modo desmesurado e violento, a sensibilidade e liberdade psicológica da empregadora, perante o sentimento ou clima de desconfiança, contínuo, relativamente a esta trabalhadora incumpridora e desonesta naquelas apuradas circunstâncias de tempo, modo e lugar. Seria insustentável para a empregadora estar, no dia-a-dia de trabalho, com receio permanente sobre as intenções, actuações e respectivas consequências daquela sua trabalhadora, de sentir a necessidade de vigiar a mesma trabalhadora que se assim procedeu, mesmo sabendo que não lhe era permitido, não só poderia voltar a fazer com idêntica correspondência, como também com outras e cujo acesso estava acessível e/ou facilitado por inerência das suas funções.
Não bastando o facto de que sempre fora uma trabalhadora competente e assídua, nem a ausência de antecedentes disciplinares, nem os mais de 9 anos de antiguidade na empregadora para, por si só, tornar desmesuradamente excessiva a decisão desta em despedi-la imediatamente sem qualquer indemnização ou compensação.
Assim, perante as supra descritas actuações apuradas nos autos, em que a empregadora fez prevalecer o interesse da urgência da desvinculação contratual (em detrimento do interesse da conservação do vínculo contratual), impõe-se concluir que aquele interesse merece prevalecer sobre este, por haver justa causa de despedimento.
E, assim, sendo procedente a justa causa invocada pela empregadora, estamos perante um despedimento lícito – ficando prejudicadas as demais questões suscitadas pela trabalhadora a este propósito.”.
Com efeito outra não poderia ser a conclusão face igualmente ao disposto no artº 330º, nº 1 do CT.
A conduta da A configura um comportamento ilícito, presumindo-se a culpa do trabalhador (artº 799º do CC).
Na sentença não se deixou de recorrer ao entendimento de um “bonus pater famílias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artº 487º, nº 2, do CC), em face do condicionalismo do caso concreto.
É certo que o despedimento apresenta-se como a sanção disciplinar mais grave, que só deve ser aplicada quando outras medidas se revelarem de todo inadequadas para a punição, para a prevenção de situações similares e para os interesses fundamentais da empresa.
No entanto importa salientar que a recorrente não logrou provar qualquer facto com vista a diminuir ou a excluir a ilicitude ou a culpa, sendo certo que tal ónus de prova lhe incumbia em exclusivo (artº 342º, nº 2, do CC).
Logo, a gravidade e consequências de tais comportamentos, suscitariam um fundado prognóstico para a R segundo o qual a sua conduta futura não iria desenvolver-se em conformidade com os padrões de idoneidade inerentes ao normal e são desenvolvimento da relação laboral.
Estamos, portanto, perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de protecção do emprego.
Necessidade não negligenciável, no entanto, diga-se, enquanto valor, que a A também devia ter prosseguido evitando a sua conduta.
Assim sendo não é razoável pedir à R que mantivesse a relação laboral. De resto nem a A sugere qualquer sanção que entendesse proporcional ou forma da R acautelar e não tolerar comportamentos por parte de qualquer trabalhador.
Sem prejuízo da mencionada rectificação, sempre deverá improceder in totum o recurso da A.
É pretensão da R, no seu recurso, ser absolvida da condenação em quantia que se vier a liquidar devida a título de diferenças salariais e de trabalho suplementar, este relacionando-se com a matéria dada como assente cuja decisão igualmente impugnou, acrescida de juros de mora.
Improcedeu essa impugnação e, relembre-se, ficou assente que “durante a vigência do contrato, o horário de trabalho desta trabalhadora era constituído por turnos rotativos não concretamente apurados, distribuídos de 2ª a 6ª feira, das 8h. até, pelo menos, às 14h. ou das 14h. às 20h. e ao sábado pelo menos de manhã das 8h. às 14h., em moldes não concretamente apurados” e “durante a vigência do contrato e por causa do mesmo, esta trabalhadora prestou trabalho em proveito da empregadora e com conhecimento desta, para além do seu horário de trabalho, no final do turno da tarde e no turno de sábado cujos dias e cuja duração temporal respectiva não foram concretamente apurados”.
No que concerne às diferenças salariais argumenta com a evolução da renumeração mínima garantida face à renumeração superior que a A aufere e o ónus de alegação e prova da A da efectiva evolução salarial desde o início de 2009 até 23.04.02013.
Segundo ainda mesma a A deveria alegar e provar “a existência de um acordo individual celebrado com a empregadora no sentido da respectiva remuneração de base mensal ser superior a 499,81€ ou a aplicação de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que estabelecesse uma remuneração de base mensal também ela superior” ou “a aplicação de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho por força da dupla filiação a que alude o artigo 496º nº 1 do Código do Trabalho ou de Portaria de Extensão (artigo 514º nº 1 do Código do Trabalho)”.
Deste modo, não seria suficiente o alegado no nº 97º da contestação, ““(…) aplica-se à relação laboral “in casu” a tabela salarial negociada entre o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços e a União de Misericórdias Portuguesas”, o que foi impugnado no artigo 35º da resposta à contestação/reconvenção”, e o constante na cláusula 11 (em tudo quanto for omisso o presente contrato reger-se-á pela Convenção Colectiva de Trabalho da União das Misericórdias Portuguesas) do contrato celebrado entre a trabalhadora e a empregadora.
Para a matéria de trabalho suplementar o que menciona encontra-se prejudicado atento à dita improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto.
A própria R refere “obviamente que a alteração da decisão da matéria de facto proferida, nos termos vindos de referir, implica forçosamente uma alteração da decisão de direito”.
De qualquer forma alega, face à definição de horário de trabalho e de trabalho suplementar (artºs 200º e 226º do CT) e ao mesmo ónus de prova, a A “não alegou as horas de início e termo do período normal de trabalho diário, nem os intervalos de descanso, nem os dias de descanso semanal gozados” ou “não alegou qual o seu horário de trabalho, e quais os dias de descanso/folga acordados com a empregadora ou por esta determinado aquando da sua contratação (…). Acresce dizer que o trabalho ao domingo e ao sábado só poderá ser considerado “trabalho suplementar” se os dias de descanso do aqui trabalhador coincidissem com estes dias (…)”.
Vejamos.
Apurou-se que a A “foi admitida pela SCMF para exercer, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, mediante retribuição mensal, as funções de recepcionista no Hospital (sito na cidade de …) pelo prazo de 1 ano e nos demais termos constantes do contrato de fls. 494-496 dos presentes autos (cujo teor aqui se dá por reproduzido)” e “esse contrato foi-se renovando sucessivamente, tendo-se convertido em contrato por tempo indeterminado e, desde então em diante até Abril de 2013, esta trabalhadora exerceu tais funções e auferindo da empregadora, para além de uma refeição principal por cada dia de trabalho efectivo, retribuição mensal base, ultimamente, no valor de € 499,81 e abono para falhas no valor mensal de € 27,54”.
Para além disto, “durante a vigência do contrato, o horário de trabalho desta trabalhadora era constituído por turnos rotativos não concretamente apurados, distribuídos de 2ª a 6ª feira, das 8h. até, pelo menos, às 14h. ou das 14h. às 20h. e ao sábado pelo menos de manhã das 8h. às 14h., em moldes não concretamente apurados” e “durante a vigência do contrato e por causa do mesmo, esta trabalhadora prestou trabalho em proveito da empregadora e com conhecimento desta, para além do seu horário de trabalho, no final do turno da tarde e no turno de sábado cujos dias e cuja duração temporal respectiva não foram concretamente apurados”.
Na sentença decidiu-se:
“Quanto ao peticionado a título de diferenças salariais desde o início de 2009 em diante e de trabalho suplementar durante toda a vigência do contrato, como se apurou que a trabalhadora/reconvinte tinha a categoria profissional de recepcionista e prestava trabalho para além do seu horário de trabalho, apenas restará quantificar o respectivo grau e/ou nível dessa categoria e o inerente valor salarial bem como os dias e a duração temporal desse trabalho suplementar, relegando-se a sua liquidação respectiva em sede própria nos termos do art. 609º, nº 2, do C.P.C.
(…)
Como e porque se trata de quantia pecuniária devida e ainda não paga, sobre ela incidem os peticionados juros de mora, à taxa legal, desde a citação da devedora/reconvinda/empregadora até integral pagamento da mesma à credora/reconvinte/trabalhadora e com cabimento no art. 323º, nº 2, do C.T. e os arts. 550º, 559º, nº 1, 804º, 805º, nº 1, e 3, e 806º, nºs 1 e 2, do Código Civil.”
A A formulou pedido de condenação genérica apenas para o trabalho suplementar, mas da forma sintética do decidido não se deixa alcançar a razão de ser da admissibilidade da condenação genérica tanto num caso como noutro sem se poder relacionar o ónus de alegação e prova que àquela competia com o imediato decesso da acção nesta parte.
Como se expendeu no parecer, para além do que já se citou a titulo de nulidade, “Não nos merece censura a decisão recorrida, ao relegar para execução de sentença a liquidação das quantias devidas de diferenças salariais, e trabalho suplementar, atenta a factualidade provada e posto não haver sido impugnada, quer a categoria profissional da trabalhadora no decurso do contrato, quer o sector de actividade da recorrente, sendo certo que, a aplicabilidade do IRC invocada na contestação, resulta do acordado no contrato de trabalho a termo, estabelecido entre as partes, que veio a converter-se num contrato sem termo - v. arts. 97 e 98º da contestação/reconvenção , contrato de fols. 494 a 496 e factos provados nos pontos 1 e 2”.
Efectivamente não se pode colocar em causa que as partes quiseram que o contrato a termo se regesse nos casos omissos pelo IRC e que esse propósito se manteve se nada se acordou em contrário aquando a conversão em contrato de trabalho sem termo.
Também assim o seria por maioria de razão: se o vínculo laboral obteve maior consolidação jurídica naturalmente menor deve ser o domínio das questões contratuais omissas.
Por seu turno a obrigação é ilíquida, quando é incerto o seu quantitativo ou é ilíquida a obrigação cuja existência é certa, mas cujo montante não está ainda fixado (Alberto dos Reis, Processo de Execução, I, 446,; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 7ª ed, 918).
O artº 556º, nº 2 do CPC prescreve a permissão de formular pedidos genéricos quando não seja possível determinar de modo definitivo as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artº 569º do CC, ou quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro acto que deva ser praticado pelo réu, nomeadamente.
Segundo o artº 609º, nº 2 do CPC a condenação no que se vier a ser liquidado, impõe-se em situações relativamente às quais se encontra comprovada a existência de danos ou direitos da parte, ou melhor uma obrigação mas sendo o quantitativo incerto, atenta a sua especificidade, pelo que sem que existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantum, que é o que revelam as situações de facto ficadas assentes relacionadas com estas questões a decidir, está o mesmo dependente da alegação e ulterior prova de factos (acórdãos do STJ de 22.03.2006, 10.01.2007 e 23.11.2011, procºs 3729/05, 4319/06 e 277/09.6TTBCL.P1.S1).
Neste contexto, citando-se Alberto dos Reis, esta norma “tanto se aplica ao caso de se ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico (...) como ao caso de se ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança o objecto ou a quantidade da condenação” (CPC Anotado”, V, 71; Vaz Serra, RLJ, Ano 114, 309 e 310; Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 232 e 233).
Nestes termos ainda, se se deve condenar no que vier a ser liquidado quando no momento da formulação do pedido ou no momento da prolação da sentença não existirem elementos que permitam fixar o objecto ou a quantidade do pedido, no caso, então, a questão não é de incumprimentos de ónus de alegação de prova mas antes da ulterior necessidade do apuramento dos factos referentes quer aos precisos montantes que a A tem recebido desde 2009 até o presente, atento ao que devia ser renumerada face ao IRC aplicável, quer aos períodos de tempo que prestou trabalho e devem ser renumerados como trabalho suplementar nas suas variadas vertentes.
E como a A reflecte “Como tem sido jurisprudência pacífica do STJ, para ser exigível o pagamento do trabalho suplementar, não é necessário que o mesmo tenha sido prévia e expressamente determinado pela entidade empregadora, bastando que tenha sido prestado com o seu conhecimento e sem a sua oposição - Cfr. Acórdãos de 8 de Fevereiro de 2006, Processo n.º 3494/05, de 15 de Março de 2006, Processo n.º 3140/05 da 4.ª Secção.
Nesta conformidade, os pressupostos normativos que conferem o direito ao pagamento de trabalho suplementar exigem apenas a prova pelo trabalhador de que prestou o trabalho para além do horário normal (ponto 25) e 26) dos factos provados) e de que tal trabalho foi prestado com conhecimento e sem oposição do empregador.
E, conquanto não tenha sido feita prova do número de horas efectivamente prestado nesses dias, fez a Apelante prova da existência do direito, apenas não o tendo feito quanto à sua quantificação, pelo que a respectiva liquidação deverá ser, nos termos do disposto no art. 609º, nº 2 e 359º, do CPC, relegada para incidente de liquidação”.
(…)
Não se desconhece a divergência jurisprudencial na interpretação do alcance do citado art. 609º, nº 2, adoptando: uns, uma interpretação mais restritiva do preceito, segundo a qual ele reportar-se-á aos casos de formulação de pedido genérico ou a pedido específico em que a impossibilidade da concretização do seu objeto ou quantidade não tenha sido possível por as consequências do facto ilícito ainda não se terem produzido ou estarem ainda em evolução (Acórdão do STJ de 17.01.1995, BMJ 443, p. 404); outros, uma interpretação mais ampla, em que a condenação a liquidar em execução de sentença pode ocorrer mesmo quando o A. não tenha logrado provar o montante líquido pedido, caso em que, não obstante a segunda oportunidade de prova, esta, contudo, não incidirá sobre a existência da situação de violação do direito que constitui o fundamento do pedido, mas apenas sobre a quantidade da condenação a proferir, considerando-se que poderá ela ocorrer mesmo quando o A., tendo formulado pedido líquido, não tenha logrado provar o exacto montante do que lhe é devido (cfr. Acórdãos do STJ de 16.01.08, 12.09.07 e 07.12.05, in www.dgsi.pt, processos nºs 07S2713, 06S4107 e 05S2850), que sufragamos.
E, no mesmo sentido, o Acórdão do STJ de 18.02.2011, Processo nº 25/07.5TTFAR.E1, S1, disponível em www.dgsi.pt em cujo sumário se refere que:
“II - Resultando provado que a trabalhadora prestou trabalho suplementar, mas fracassando a prova dos dias e do número exacto de horas em que trabalhou, para além do período normal de trabalho, deve o respectivo apuramento – e, consequentemente, o apuramento dos valores a esse título devidos – ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo do disposto no art. 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.”.
Nestes termos, nada obsta que, em face da insuficiência de elementos para determinar o montante da dívida seja proferida a condenação ilíquida da Apelante, e se remeta o apuramento da responsabilidade para execução de sentença”.
Pelo exposto, outra não poderia ser a decisão do tribunal a quo e sendo também improcedente o recurso da R, deve a sentença ser confirmada.

Sumário, da única responsabilidade do relator
1- O excesso de pronúncia só ocorre se forem conhecidas questões que a causa de pedir, excepção e pedido não comportem.
2- Fundamentando-se a decisão da matéria de facto em diversos meios de prova a não valoração no recurso de um deles implica a insuficiência da censura para se alterar tal decisão.
3- No julgamento da matéria de facto os poderes da 2ª instância estão delimitados pelo nº 1 do artº 662º do CPC, pelo que a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
4- Por isso ainda se devem especificar não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas antes que imponham decisão diversa da impugnada.
5- A justa causa para despedimento é uma noção complexa e para a averiguar deve-se recorrer ao entendimento de um “bonus pater famílias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, em face do condicionalismo de cada caso concreto.
6- E, para a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho como critério básico de “justa causa”, é necessário uma prognose sobre a inviabilidade das relações contratuais concluindo-se pela inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica.
7- Deve-se condenar no que vier a ser liquidado se no momento da formulação do pedido ou no momento da prolação da sentença não existirem elementos que permitam fixar o objecto ou a quantidade do pedido.
8- “Para ser exigível o pagamento do trabalho suplementar, não é necessário que o mesmo tenha sido prévia e expressamente determinado pela entidade empregadora, bastando que tenha sido prestado com o seu conhecimento e sem a sua oposição”.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação, sem prejuízo da citada rectificação da sentença, em julgar improcedentes os recursos e, consequentemente, confirmam a sentença.
Custas de cada recurso a suportar pela respectiva recorrente.
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O acórdão compõe-se de 40 folhas, com os versos não impressos.
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02.11.2017