Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
144/14.1T8VRL.G1
Relator: HEITOR GONÇALVES
Descritores: ARRENDATÁRIO
USUCAPIÃO
DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Embora só os proprietários do prédio dominante possam adquirir direitos reais sobre o prédio serviente, não se pode negar ao locatário a faculdade de alegar que esse direito existia (ainda que não tenha sido declarado) à data em que celebrou o contrato, uma vez que a lei lhe possibilita os meios previstos no artigo 1276º e segs para a defesa da posse das utilidades do arrendado (artigo 1037º, nº2, do Código Civil), ou seja, é de considerar um terceiro para efeitos do artigo 305º do C.C. com legítimo interesse na invocação da usucapião.
II - Para efeitos de aquisição do direito real só releva a posse após a separação dos prédios, pois que a constituição da servidão pressupõe que os prédios pertençam a donos diferentes .
III - Tendo sido constituída uma servidão por destinação de pai de família, constituída em benefício de diversas fracções prediais do complexo comercial, que não apenas as que se estão arrendadas à Clínica A., para determinar a medida e extensão do direito de cada um dos comunhantes no uso dos prédios onerados, deve convocar-se as regras da compropriedade.
IV – Assim, em primeiro lugar, há que respeitar o acordado entre os interessados, mas a maioria nunca poderá privar qualquer dos consortes, sem o respectivo consentimento, do uso da coisa a que tem direito. Apenas lhe será lícito disciplinar esse uso, de modo a evitar conflitos e choques de interesses entre os vários comproprietários.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório.
1.Clínica, Lda, demandou nesta acção declarativa B…, C…, D…, E… e marido F…, e G…, as duas últimas na qualidade de únicas herdeiras de H…, e a sociedade I…Lda., pedindo:
A condenação de todos os réus a reconhecer que: a) A favor das frações locadas se constituiu sobre os prédios identificados nos artigos 81.º, 82.º e 65º e seguintes da petição, uma servidão inominada de passagem e de estacionamento; b) Todos os clientes, gerentes, funcionários e colaboradores da Autora têm direito a aceder desde a via pública, localizada a poente, a pé e utilizando quaisquer veículos, às instalações da Autora, através da parcela de terreno descrita nos artigos 151º e seguintes e do terraço de cobertura do prédio identificado no artigo 65º e seguintes, em causa nesta ação, bem como a parquear os seus veículos no dito terreno e terraço, sem quaisquer limitações; c) A restituir à A. as utilidades proporcionadas pela dita parcela de terreno, situada a poente e pelo terraço de cobertura e que serve de parque de estacionamento; d) A absterem-se de praticar atos que impeçam ou dificultem o acesso às instalações da Autora e a utilização do parque de estacionamento, e e) ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no montante de 500,00 € (quinhentos euros), por cada dia em que dificultem ou impeçam o acesso dos utentes e funcionários da Autora ao locado e ao parque de estacionamento em causa, a contar do primeiro dia após o trânsito em julgado da sentença, que ponha fim a esta ação.
A condenação da 1ª Ré a abster-se de praticar atos que ponham em causa as condições de funcionamento do estabelecimento de saúde da A., nomeadamente de produzir atividade e ruídos excessivos e perturbadores do funcionamento da clínica de saúde, e ao pagamento da quantia de 20.000,00 € (vinte mil euros) a título de indemnização pelos lucros cessantes, entre os meses de Abril e Agosto de 2014, bem como nos juros de mora que se vencerem, à taxa legal, desde a data da citação até integral e efetivo pagamento, bem como na quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença.

No essencial e em síntese, alegou: celebrou com a primeira ré contrato de arrendamento relativo a cinco frações integradas no prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo U-000, contrato que teve início em 1 de novembro de 2011 e foi celebrado pelo prazo de 10 anos; a autora, com autorização, realizou obras no locado com vista a adequar o espaço ao exercício da sua atividade; a primeira obrigou-se a construir as paredes que delimitavam o espaço ocupado pela A., com adequado isolamento sonoro; por exigência legal, a clínica da autora tem de ser dotada de lugares de estacionamento, e a primeira R. concordou demarcar cinco lugares para o efeito; desde o início a ré nunca interferiu com o funcionamento da clínica autora, estacionando, quem necessitasse, os seus veículos no espaço adjacente à clínica, localizado em frente á entrada da mesma, no terraço ali existente, sem quaisquer limitações; contudo, no início do mês de abril de 2014, a primeira ré começou a levantar problemas em relação ao estacionamento de viaturas por parte dos funcionários e utentes da clínica, e mesmo em relação ao próprio acesso à clínica, alegando que a autora apenas dispunha de cinco lugares de estacionamento, estando-lhe vedada a utilização do restante espaço; a primeira ré colocou à entrada do acesso à clínica, um porteiro e exigiu que a autora contribuísse para o pagamento do salário do mesmo, o que a autora não aceitou, pelo que a primeira ré deu instruções ao porteiro para permitir o acesso a viaturas que se dirigiam à clínica, apenas desde que estivesse vago algum dos cinco lugares referidos; foram impedidas de entrar muitas viaturas com utentes da clínica, obrigando-os a deslocarem-se a pé, apesar da sua situação; a primeira ré possui uma academia de ginástica e dança, num espaço contíguo à clínica autora e que utiliza o espaço exterior para as aulas, com música em alto som, prejudicando o normal funcionamento da clínica; a autora desconhecia a situação dos prédios onde se localizam as frações arrendadas e o terraço usado para estacionamento, bem como o acesso a esse terraço, tendo confiado nas pessoas com quem negociou; os gerentes da autora, tal como a generalidade das pessoas de Vila Real, utilizaram o dito acesso e terraço para estacionamento, durante mais de 30 anos, de forma pública, pacífica, contínua e de boa-fé; as frações pertencentes à primeira ré, onde se incluem as que foram arrendadas à autora, não possuam qualquer outro acesso que não seja através das parcelas de terreno que antecedem a rua pública e do terraço; aliás, o espaço em causa foi considerado pela Câmara Municipal de Vila Real como espaço privado de utilização pública; em consequência da atuação da primeira ré, a autora tem sofrido prejuízos.

2. Na contestação, os réus B, E e marido F…, e G… alegaram que a primeira ré nunca impediu o acesso pedonal dos utentes, funcionários ou colaboradores da autora e que os demais réus nunca impediram ou obstaculizaram a entrada ou o acesso dos clientes da autora às suas instalações; dizem que a 1ª ré deu de arrendamento à autora as frações mencionadas e lhe cedeu, por contrato, cinco lugares de estacionamento no parque privado que faz parte do prédio denominado “X”, lugares devidamente assinalados e destinados a servir as frações que a autora tomou de arrendamento; que as instalações da autora têm acesso pedonal, servido por umas escadas, e que o parque que se situa na cobertura do prédio “X” sempre foi privativo e o seu acesso condicionado, tendo estado afeto apenas aos clientes do supermercado e hoje à clínica e à academia da primeira ré, sendo que a autora apenas tem direito a usar cinco lugares porque arrendou cinco frações, sendo o que foi acordado contratualmente, e que a autora ocupava não só os lugares que lhe foram cedidos, como os lugares afetos á academia da primeira ré, pelo que esta colocou lá um porteiro para regular as entradas, o qual nunca impediu o acesso a qualquer pessoa, apenas controlando a entrada de veículos. Por sua vez, os réus D… e sociedade I,Lda., além de alegarem que o espaço em causa é privado, as frações arrendadas não são encravadas, pelo que não se constituiu qualquer servidão nos termos alegados pela autora, pugnando pela improcedência da ação.

3. Dispensada a audiência prévia, foram fixados o objeto do litígio e os temas de prova, após o que prosseguiram os autos os ulteriores termos até julgamento, que culminou com a prolação da sentença, julgando improcedente a acção e absolvendo os réus dos pedidos.

4. É dessa sentença absolutória que recorre a autora, concluindo:

1ª. O não cumprimento do ónus consagrado no artigo 493.º do Código de Processo Civil, na sequência de inspecção ao local levada a efeito nos autos, determina a verificação de uma nulidade insanável, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 195.º do Código de Processo Civil já que se trata de uma omissão susceptível de influir na boa decisão da causa, nulidade essa que se requer seja declarada, bem como a anulação de todo o processado e bem assim deve ser declarada nula toda a prova produzida, mais devendo ser determinada a repetição da inspecção ao local, o que desde já se requer.
2ª. A Ma. juiz a quo, ao invés de fazer uma selecção, rigorosa e criteriosa da matéria de facto, optou por concentrar numa amálgama os factos alegados por todas as partes, o que redundou em repetição de factos e numa falta de clareza e congruência quanto à decisão sobre a matéria de facto, dando-se até como provados factos que nem sequer têm a ver com o caso dos autos (cfr. factos 163 a 173), violando assim o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código do Processo Civil.
3ª. Existe contradição entre os factos provados 154, 31 e 32, entre os factos 150, 18, 20 e 21, e entre os factos 161, 133 e 177.
4ª. Deverá ser dado como não provado o facto n.º 12, pois não foi produzido qualquer meio de prova que o confirme.
5ª.Deve ser alterada a resposta aos factos seguidamente descriminados no sentido que: 48- No entanto, quer as frações que integram o espaço onde funcionou o antigo supermercado Miracorgo, ora encerrado, quer as frações arrendadas à Autora, e outras pertencentes à 1ª Ré, como aquelas onde funciona a academia de dança, localizadas no prédio descrito na Conservatória sob o nº 219 da freguesia de São Dinis, têm as respetivas entradas a deitar para o terraço; 106- As frações ocupadas pelo antigo supermercado ali instalado e a funcionar durante uns trinta anos, mas de um modo especial, as frações ocupadas pela Direção de Finanças e posteriormente pelo Tribunal de Vila Real e, desde 2011, a Autora, todas elas têm, exclusivamente, as suas portas de acesso a dar para o parque de estacionamento, que faz de cobertura do prédio dos 2º e 3ª Réus. 129- O acesso às instalações da Autora e da Primeira Ré faz-se pela travessa da Rua Nova tendo tais instalações acesso pedonal, acesso servido por umas escadas em pedra e através do terraço de cobertura do prédio designado “puxados posteriores” e da rampa de acesso existente nos prédios identificados nos factos 55 e 56. 159- Não provado. 160- Não provado. 198- As frações onde se encontra o estabelecimento comercial da A., bem como o estabelecimento comercial da Ré B… possuem caminhos através do terraço de cobertura, sendo que, em algumas partes desse terraço, possui um tipo de pavimento diferente do pavimento da zona de estacionamento.
6ª. Mais devem ser considerados provados os seguintes factos dados como não provados: 1. As frações pertencentes à 1ª Ré não possuem qualquer outro acesso à via pública para além do permitido pelo terraço e daí para a parcela de terreno que antecede a rua pública. 2. Essas parcelas deitam diretamente para o terraço/cobertura em causa. 3. E sem esse acesso aquelas frações, mormente as frações arrendadas pela Autora nunca poderiam ser utilizados e muito menos obter licenças de utilização para quaisquer fins junto
das autoridades administrativas competentes.
7ª. Deverão ser dados como não provados os factos 147.º e 202 já que os mesmos são contrariados pelos meios de prova transcritos, mormente pelas testemunhas dos Réus.
8ª. A sentença viola o n.º 1 do artigo 1268.º do Código Civil. Estando provado, como está, que os proprietários dos prédios em causa, através dos “respectivos clientes, utentes, funcionários e fornecedores,” detêm o corpus da posse, necessariamente é de presumir o respectivo animus; e se não existe animus que permita a aquisição de qualquer direito, como acaba decidir o tribunal recorrido, o que não se aceita, acabando, com esse fundamento, por julgar improcedente a acção, mal se compreende como pôde o Mma. Juiz a quo dar como provado o facto 111.
9ª.Em matéria de servidões prediais, a ponderação da intenção ou convicção íntimas e próprias dos proprietários dos prédios dominantes não se poderá afastar da apreciação do ponto seguinte, que é certo e assente: as utilidades oferecidas pelas servidões pertencem e estão ligadas aos prédios dominantes e não aos respectivos proprietários. Por isso mesmo, estão aqui em causa servidões prediais e não servidões pessoais, porque o acento tónico é colocado, não nas pessoas mas nos prédios, considerando-se assim que a douta sentença viola o artigo 1543 e o n.º 1 do artigo 1545.º do Código Civil.
10ª Deve entender-se, deste modo, que está constituída uma servidão de passagem e uma servidão inominada de estacionamento sobre os prédios servientes, identificada nos factos provados 55, 56 e 57 e de estacionamento sobre os “Puxados” identificados no facto provado 49 e 50.
11ª. Deve entender-se que, caso não seja de reconhecer a existência de servidão inominada de passagem e estacionamento em causa nestes autos, quanto ao acesso automóvel as fracções em causa deverão considerar-se como encravadas.
Ainda sem prescindir:
12ª. Atenta a matéria dada como provada, deverão considerar-se verificados todos
os pressupostos de que depende a constituição de servidão por destinação de pai de família: a) a existência de três prédios e fracções autónomas de um quarto prédio na titularidade da 6.ª Ré e dos antecessores dos demais Réus; b) a serventia de três desses prédios a favor das fracções autónomas arrendadas à Autora, desde há mais de 30 anos; c) a separação destes prédios relativamente às fracções e aos “puxados”, quanto á titularidade de cada um e respectivo domínio, quando os mesmos passaram da sociedade e de Djalme Martins para os diferentes réus na sequência da morte dos sócios daquela sociedade e das compra e vendas entretanto efectuadas; d) nada ter sido escrito em contrário, aquando daquelas transferências de domínio, quanto ao destino ou utilização.
13ª. A constituição de servidões de pai de família opera ope legis, ou seja, verificados
aqueles pressupostos, a servidão fica automaticamente constituída.
14ª. Em vista dos factos dados como provados, deve considerar-se, face ao regime constante do artigo 1549.º do Código Civil, que se constitui por destinação de pai de família, uma servidão de passagem a pé e de carro e inominada de aparcamento, a favor das fracções arrendadas à Recorrente e sobre os prédios identificados nos artigos 55, 56 e do prédio designado por “Puxados Posteriores”, o que se requer seja declarado, uma vez que a Meritíssima Juiz a quo entendeu não o fazer, como podia e devia, violando assim igualmente a dita norma.
Termos em que, não se entendendo que se verifica a nulidade invocada, sempre se deverá considerar que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por uma nova sentença que julgue constituída a favor das fracções em causa nos autos de uma servidão inominada de passagem e estacionamento, nos termos alegados na petição inicial.
II. DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROFERIDA EM 1ª INSTÂNCIA:
Factos provados:
1- A Autora, Clínica, Lda., que também usa a denominação, … Saúde, com o NIPC 000 com sede em Vila Real, tem como objeto social “as atividades de fisioterapia, optometria, ortóptica, dietética, hidroterapia, massagem, ginástica médica, terapia (ocupacional, da fala, etc.), quiropodia, homeopatia, acupuntura, hipoterapia, psicologia e atividades similares, exercidas em consultórios privados, nos postos médicos das empresas, escolas, lares, no domicílio ou noutros locais.
2- Para o exercício da sua atividade, celebrou com a 1ª Ré, B…, um contrato de arrendamento, em 21 de Outubro de 2011, relativo às frações B6, B8, B9, B10 e B11, integradas no prédio urbano, sito ao lado do antigo Supermercado, 2ª Cave, da Torre C, Bloco A, inscrito na matriz sob o artigo U-899, da freguesia de São Dinis, atualmente inscrito na matriz predial sob o artigo 000 da União das Freguesias de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, sob o nº 000.
3- O presente contrato foi celebrado na sequência de um contrato de arrendamento anterior, que abrangia apenas 4 das frações atualmente arrendadas, celebrado pela Autora e a 1ª Ré em 26 de Novembro de 2010, sendo que, na altura, girava com a denominação “Clínica Médica…”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
4- Logo após a celebração daquele contrato de arrendamento em 26 de Novembro de 2010, a Autora diligenciou pela elaboração dos projetos de licenciamento e autorização que se impõem para o exercício da sua atividade.
5- Entretanto, como a Autora mudou a sua firma e entendeu que lhe seria conveniente aumentar o prazo de duração inicial do contrato de arrendamento, bem como arrendar mais uma fração, celebrou novo contrato de arrendamento com a 1ª Ré, em 21 de Outubro de 2011.
6- Este novo contrato de arrendamento teve início em 1 de Novembro de 2011 e foi celebrado pelo prazo de 10 anos.
7- Entre outras cláusulas, a Autora foi expressamente autorizada a realizar as obras necessárias, com vista a adequar o espaço ao exercício da sua atividade, e exigidas pelas diferentes entidades que superintendem sobre a mesma e, mormente, as relacionadas com o sector da saúde.
8- O espaço encontrava-se amplo, embora integrando todas aquelas 5 frações.
9- E essas obras tornavam-se necessárias, dado que o espaço possui apenas uma fachada mais extensa e outra apenas com cerca de 15 metros, sendo as restantes confrontações dessas frações completamente interiores.
10-Mais ficou consignado no contrato que a delimitação do espaço integrante das 5 frações locadas à Autora foi efetuada através da construção de paredes executadas pela 1ª Ré.
11- Mais se comprometeu a 1ª Ré a proporcionar um bom isolamento sonoro, propício à prática de medicina e para que esta prática não seja interrompida por qualquer tipo de ruído acima do permitido por lei.
12- A 1ª Ré procedeu à delimitação da fração B11, contígua à fração B12, que a 1ª Ré ocupa, de forma a obter um bom isolamento acústico, com vista ao cumprimento do disposto no contrato, e às normas legais em vigor.
13- Dado que, por exigência legal, a clínica tem de ser dotada de lugares de estacionamento para pessoas com mobilidade reduzida, e com vista à circulação e estacionamento de ambulâncias e veículos de emergência, a 1ª Ré concordou demarcar cinco lugares de estacionamento.
14- Sempre a Autora cuidou que a 1ª Ré poderia dispor dos ditos lugares de estacionamento.
15- Celebrado o primeiro contrato de arrendamento, a Autora deu início à contratação dos técnicos que elaborassem os projetos para a remodelação do espaço de forma a dar cumprimento a todos os requisitos legais e, de um modo especial, aos exigidos pela instalação de uma Unidade Privada de Saúde.
16- Obtidas as necessárias licenças, a Autora deu início às obras que vieram a ficar concluídas no mês de Agosto de 2011.
17- Concluídas as obras, foram efetuadas as necessárias vistorias e obtido o alvará e a licença, tendo a Autora dado início à sua atividade em Novembro de 2011.
18- Quer durante a realização das obras, quer após o início da sua atividade por parte da Autora, nunca a 1ª Ré interferiu com o funcionamento do estabelecimento de saúde da Autora.
19- Assim como também não levantou, nunca, qualquer obstáculo à entrada de viaturas, de trabalhadores e, posteriormente, de funcionários da clínica, colaboradores e utentes da mesma.
20- Entrando e saindo todos a pé e utilizando veículos, sem qualquer interferência por parte da 1ª Ré.
21- Estacionando, quem disso necessitava, os seus veículos, no espaço adjacente à clínica, localizada em frente à entrada da mesma, e, mormente, no terraço ali existente, sem quaisquer limitações.
22- Contudo, no início do mês de Abril de 2014, a primeira Ré começou a levantar problemas em relação ao estacionamento de viaturas por parte dos funcionários e utentes da clínica.
23- Alegando a 1ª Ré que a Autora apenas dispunha de 5 lugares de estacionamento, estando-lhe vedada a utilização do restante espaço adjacente à clínica.
24- A 1ª Ré colocou à entrada do terreno que serve de acesso à Clínica, vindo da via pública, um porteiro e pretendia que a Autora contribuísse para o pagamento do salário do mesmo.
25- A Autora não aceitou proceder ao pagamento de qualquer quantia com vista ao pagamento do salário do tal porteiro.
26- A Ré deu instruções ao porteiro no sentido de apenas permitir o estacionamento de viaturas desde que estivesse vago algum dos 5 lugares indicados.
27- Assim, no início do mês de Abril do ano de 2014, o dito porteiro, cumprindo as ordens da 1ª Ré, começou a impedir o estacionamento de viaturas automóveis utilizadas por clientes, doentes, fornecedores e trabalhadores da Autora, se estivessem ocupados os cinco lugares.
28- Foram impedidas de estacionar muitas viaturas transportando, nomeadamente grávidas, crianças de colo, deficientes, idosos, doentes e trabalhadores.
29- Os condutores eram obrigados a parar à entrada da Clínica, largando os passageiros, retrocedendo para irem estacionar os veículos noutros locais.
30- A 1ª Ré, além das frações locadas à Autora, possui, pelo menos, um outro espaço contíguo à clínica, do lado norte, denominado “J”, destinado a ginásio, aulas de dança, fitness, estética e medicinas alternativas, de que a primeira Ré é gerente.
31- Embora como consta expressamente do contrato de arrendamento, na cláusula 8ª nº 2, a atividade da Autora não possa ser perturbada por qualquer tipo de ruído, que interfira com o bom funcionamento do estabelecimento de saúde que explora, a 1ª Ré utilizou, pelo menos uma vez, o terraço para proporcionar às clientes da sua academia aulas de dança e de ginástica (zumba) para o que colocou colunas de som no terraço, que debitavam música em alto som, com isso prejudicando o normal funcionamento da clínica e, nomeadamente, de tratamentos e consultas médicas nos consultórios virados para o terraço.
32- Tal verificou-se concretamente no dia 14 de Abril de 2014.
33- Tendo a 1ª Ré sido chamada à atenção verbalmente e não tendo atendido às reclamações da Autora, viu-se esta na necessidade de chamar a Polícia de Segurança Pública.
34- Foi instaurado por parte da Autora o procedimento cautelar que, sob o nº 595/14.1TBVRL, correu pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real.
35- Procedimento, esse, que veio a terminar pelo acordo a que a Autora e 1ª Ré chegaram e que consta da ata lavrada a 24 de Junho de 2014, integrada nos mesmos autos.
36- A Autora sempre acreditou que a 1ª Ré era, pelo menos, detentora do uso e fruição em exclusivo, do terraço adjacente às frações locadas e da parcela de acesso que antecede tal terraço.
37- Pois a Ré sempre se intitulou como sua legítima proprietária, inclusivamente aquando das negociações que precederam o contrato em causa.
38- Tendo a sócia gerente da autora, L… obtido formação em áreas relacionadas com a saúde, como psicologia e neuropsicologia clínica e forense, e o sócio gerente M… formação na área da engenharia eletrotécnica e pós-graduação em gestão e administração hospitalar, pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, entenderam abalançar-se ao desenvolvimento destes conhecimentos com vista à sua colocação em prática.
39- Assim, pelo ano de 2009, os sócios gerentes da Autora começaram a definir o projeto que pretendiam desenvolver na área da saúde e a procurar as instalações adequadas à concretização do mesmo.
40- Em determinada altura, os gerentes da Autora souberam pelo pai da 1ª Ré, o 4º réu E…, ser conhecedor de um espaço que poderia satisfazer as necessidades da Autora.
41- Perante esta oferta, deslocaram-se os gerentes da Autora com o 4º réu às instalações da 1ª Ré, tendo sido observadas as condições que as mesmas ofereciam e expostas as razões pelas quais as mesmas satisfariam as necessidades da Autora.
42- Realçadas foram, entre outras, por parte do 4º Réu a localização das instalações no centro da cidade, a proximidade a diversos serviços públicos e privados, o facto de ser possível efetuar obras de remodelação das mesmas, dado que se apresentavam amplas, apesar de fazerem parte de várias frações e, ainda, a possibilidade que ofereciam de poderem ser alargadas com recurso à ocupação de outros espaços anexos, disponíveis, o que veio a acontecer.
43- Verificado que foi pela Autora que, quer as instalações, quer as condições de acesso e estacionamento exigido, satisfaziam as condições necessárias ao seu bom funcionamento, acertaram com a 1ª Ré os pormenores do contrato que veio a ser celebrado.
44- A Autora confiou na palavra da 1ª Ré e 4º réu, desconhecendo inclusivamente a situação jurídica do prédio onde se localizam as frações que lhe foram arrendadas e também a do prédio que tem como cobertura o terraço utilizado para estacionamento, bem como as condições em que se verificou a construção do acesso às frações e ao dito prédio e as relações de interdependência entre umas e outro.
45- Aquele acesso e o terraço foram utilizados pelos clientes do supermercado, que funcionou durante mais de 30 anos, ocupando espaço atualmente ocupado pelas instalações da Autora, bem como durante cerca de 30 anos, pelos senhores funcionários da Direção Distrital de… e, até há uns 7 anos e durante cerca de 3 anos, provisoriamente, pelo Tribunal ….
46- O prédio onde se integram as frações que foram arrendadas à autora nada tem a ver, atendendo às respetivas descrições prediais e ao facto de integrarem diferentes títulos constitutivos da propriedade horizontal, com o terraço que serve de estacionamento.
47- Terraço, esse, que constitui a cobertura de um outro prédio totalmente distinto.
48- No entanto, quer as frações que integram o espaço onde funcionou o antigo supermercado, ora encerrado, quer as frações arrendadas à Autora, e outras pertencentes à 1ª Ré, como aquelas onde funciona a academia de dança, localizadas no prédio descrito na Conservatória sob o nº 000 da freguesia de …, têm as respetivas entradas a deitar para o terraço, embora exista um espaço/passeio entre o prédio onde se integram as frações e o terraço/cobertura em causa, por onde sempre foi possível fazer o acesso pedonal a essas frações.
49- Por sua vez, o terraço em causa constitui a cobertura de um outro prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, sob o nº 000 da freguesia de …
50- A este prédio foi dada a denominação de “X” e a seguinte descrição e composição: “Contíguo ao edifício …, composto por quatro pisos – destina-se a arrumações, garagens, armazém, comércio e área descoberta. O acesso ao prédio aqui mencionado é feito através de uma rua com a largura de 7 metros, subjacente ao referido edifício …. Norte, Sul, Nascente e Poente – Sociedade I, Lda., desanexado do……”.
51- O 2º Réu C…e a 3ª Ré D… são os únicos proprietários das frações em que se subdivide este prédio e, assim, os condóminos do mesmo.
52- A 6ª ré “I,Lda.” foi a anterior proprietária de ambos os prédios.
53- A 6ª Ré teve, na sua origem, como sócios, por um lado, o Sr. H…, avô da 1ª e do 2º Réus, e, pelo outro, o marido, já falecido, da 3ª Ré.
54- Os três primeiros Réus adquiriram tais frações por compra, com vista à distribuição do património da sociedade “I…,Lda.” entre os sócios e seus familiares, agora herdeiros.
55- O avô da 1ª Ré e do 2º Réu, H… adquiriu ele próprio um prédio urbano, por escritura pública celebrada em 07/03/1985, o qual se encontrava inscrito na matriz sob o artigo 88 da freguesia de São Dinis e que foi demolido.
56- E já a 6ª Ré “I…,Lda.” havia adquirido por escritura pública, em 29/07/1981, um outro prédio urbano, inscrito na matriz predial sobre o artigo 00 da freguesia de ….
57- Estes prédios urbanos, posteriormente demolidos, localizados entre a rua pública sita a poente e o terraço do prédio descrito na CRP sob o nº 00, foram adquiridos a fim de proporcionar estacionamento aos clientes do supermercado, o qual era propriedade dos mesmos donos.
58- Supermercado, esse, que integrava quase todas as frações então existentes, hoje divididas entre a clínica e academia.
59- O supermercado não podia funcionar sem armazéns e zonas de carga e descarga e de parque de estacionamento, que foram criados através da construção do dito prédio denominado “X” e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o nº 00 da freguesia de ….
60- O parque esteve afeto aos clientes do supermercado, cujas antigas instalações estão hoje parcialmente afetas à clínica e academia.
61- A manutenção de tal parque esteve sempre a cargo da sociedade I…,Lda.
62- Em 17 de Julho de 1981, a 6ª Ré apresentou um aditamento ao projeto do complexo Miracorgo, existente na Câmara Municipal de Vila Real, em cuja memória descritiva, entre outras coisas, se escreveu que se pretendia ampliar a construção no sentido nascente, adossada à encosta, com três pisos e o “primeiro dos quais foi considerado um parque automóvel destinado aos futuros utentes do Centro Comercial” e os inferiores destinados a armazéns do Centro Comercial, e que tal se obteria construindo “na zona posterior ao complexo, com acesso da zona anterior assegurado através das galerias cobertas, prevê-se um amplo logradouro público, em terraço”.
63- Na parte final do nº 1.4 da mesma memória descritiva, esta construção, que veio a dar origem ao prédio descrito sob o nº 00 na CRP de Vila Real, e que foi denominada “complemento do edifício”, diz-se que nela se situaria “um amplo parque de viaturas destinado aos utentes do Centro Comercial…”.
64- No processo de licenciamento urbanístico referido, o prédio descrito sob o nº 00 da freguesia de S. Dinis, surge mencionado como “X” das torres de….
65- A Câmara Municipal de Vila Real deferiu a pretensão da 6ª Ré na condição de “serem também reservadas para aparcamento as lajes e cobertura dos avançados”.
66- Em 1986, são mencionadas algumas anomalias existentes no complexo numa proposta apresentada pelo, na altura, vereador, em que igualmente se considera que “o parque existente em frente à Direção de Finanças e supermercado Miracorgo não é propriedade privada e por isso não se pode conceber a existência de um sistema de estacionamento pago”.
67- A 6ª Ré requereu junto da Câmara Municipal que “o parque de estacionamento sito nos “puxados posteriores dos edifícios … na Avenida xxx desta cidade fique a ser privativo do supermercado e portanto, com direito à exploração do mesmo”.
68- No mesmo requerimento é afirmado que “o supermercado fica com a obrigatoriedade de ceder gratuitamente uma faixa com a largura de 4 metros a toda a extensão do serviço da Direção das Finanças e para uso exclusivo dos mesmos”.
69- O técnico da Câmara afirmou que “consultando o processo de obras não conseguiu averiguar, por não estar definido em nenhum lado se o terraço em questão está ou não destinado à utilização pública”.
70- E da ata de 17 de Dezembro de 1987, consta a deliberação camarária no sentido de ser autuado “o Sr. Djalme Nogueira Martins por ter colocado na via pública sem a competente licença um semáforo e cancelas que condicionam o acesso na Rua Nova e limita o acesso ao parque automóvel existente, sendo notificado para remover o sinal e cancelas em 24 horas”.
71- O semáforo e cancelas foram colocados no local onde existiam os prédios adquiridos pelo Sr. H…, atualmente pertencente aos 4º e 5º Réus, e pela 6ª Ré, a fim de garantir a ligação à via pública.
72- Intimado nos termos da dita deliberação, o Sr. H… não cumpriu, tendo o assunto sido objeto de discussão na reunião da Câmara Municipal de 7 de Janeiro de 1988 e remetido para ser informado pelo serviço de gestão urbanística, a fim de voltar a ser apreciado na reunião seguinte.
73- O assunto arrastou-se nos serviços camarários durante cerca de um ano, até ao momento em que, por meados de Dezembro de 1988, é apresentado em reunião da Câmara o parecer do consultor jurídico, Sr. Dr. …, no qual são analisados vários documentos que “fazem luz sobre os desejos e pedidos dos construtores, ideias dos projetistas, condições camarárias à construção e necessidades previstas originadas pelo complexo”.
74- Embora o autor do parecer se tenha referido ao projeto de construção como “bastante confuso e desordenado e, assim quanto à “área de estacionamento e de circulação de viaturas nas traseiras do supermercado é dito que tal terraço será um espaço comum, no entender do consultor jurídico, “mas que está afeto obrigatoriamente ao estacionamento de veículos”.
75- O mesmo baseia este parecer no facto de a memória descritiva referente a este terraço referir que “foi projetado com vista a servir de estacionamento de viaturas para os utentes do centro comercial” e estando de acordo com a deliberação da Câmara de Fevereiro de 1982, ponto V, no sentido de terem sido reservadas “ao estacionamento as lajes de cobertura dos avançados”.
76- Conclui tal parecer no sentido de que se estará perante áreas afetas ao uso comum, mas “afetos quanto à sua utilização e fruição ao uso do público em geral”.
77- Este parecer foi apreciado na reunião da Câmara Municipal de 15 de Dezembro de 1988, tendo sido deliberado informar o requerente em conformidade com o mesmo.
78- Esta deliberação foi comunicada à 6ª Ré por ofício de 29 de Janeiro de 1989, nos termos seguintes: “as áreas adjacentes de livre circulação de peões e veículos que

constituem terraços ou cobertura dos edifícios … não são propriedade camarária, mas estão apenas afetos quanto à sua utilização e fruição ao uso do público em geral”.
79- As questões relacionadas com os designados edifício “X” e seu destino foram objeto de novo parecer do consultor jurídico da Câmara Municipal de Vila Real.
80- De parecer proferido pelo senhor consultor jurídico, com a data de 29 de Maio de 1989, retira-se que o velho edifício adquirido e mandado destruir pelo sócio da 6ª Ré, H…, o foi para permitir o acesso à via pública por parte das frações que integravam o centro comercial, o supermercado e Direção de …, que “como da planta se constata já estavam construídos os terraços e sem qualquer acesso”, lê-se no parecer.
81- Sobre este parecer, a Câmara, na sua reunião de 5 de Fevereiro de 1990, mais uma vez deliberou nos termos seguintes: “Face aos antecedentes constantes do processo, indeferir a pretensão por se considerar que a área em questão foi licenciada para uso e fruição do público, ainda que de propriedade particular. A Câmara, contudo, poderá a vir a apreciar outras formas de utilização controlada e mais prática para o público”.
82- Esta deliberação foi comunicada à 6ª Ré por ofício de 19 de Fevereiro de 1990.
83- Em 24 de Setembro de 1991, a 6ª Ré apresentou novo requerimento, no sentido da “regularização do estacionamento no terraço posterior do edifício … (…) tendo em atenção as necessidades de disciplina do estacionamento automóvel no local, bem como os de prevenção dos custos de manutenção e conservação dos terraços a cargo do Requerente”, apresentando para o efeito o projeto do estacionamento.
84- Este requerimento e propostas foram presentes à reunião da Câmara de 10 de Fevereiro de 1992, a qual tomou a seguinte deliberação: “Aceitar de princípio o projeto de regulamento e submeter à aprovação da Assembleia Municipal nos termos da alínea a) n.º 2 do artigo 39.º do Decreto-lei n.º 100/84 de 29 de Março.
85- O projeto de protocolo a ser celebrado entre a Câmara Municipal de Vila Real e a 6ª Ré, denominado “Projeto de protocolo para utilização dos puxados posteriores do …, refere que esta última é proprietária dos puxados posteriores, sitos nas traseiras dos edifícios … “cuja cobertura está destinada, segundo a memória descritiva daquele conjunto a servir de parque de estacionamento”.
86- Refere ainda tal protocolo que a reparação dessa cobertura compete ao proprietário, apesar “da sua livre utilização dentro do regulamento a aprovar.”
87- Refere ainda que, por se tratar de propriedade privada, mas afeta ao uso geral, “entende-se curial encarregar da vigilância e cumprimento da regulamentação, o respetivo proprietário”.
88- Por sua vez, a proposta de regulamento de utilização do parque, denominada “Proposta para regulamento de utilização do parque de estacionamento do … (cláusulas essenciais) ” refere que o mesmo teria um certo número de lugares marcados “destinado ao uso do público em geral”.
89- O Regulamento não poria em causa “a manutenção dos lugares até agora destinados aos serviços públicos instalados no edifício ….
90- Propunha ainda o dito regulamento que o responsável pelo parque assumia as obrigações de manter o parque utilizável para estacionamento, de efetuar as limpezas e pinturas necessárias e de manter um cobrador/guarda durante o tempo de abertura.
91- Sobre o mesmo requerimento recaiu parecer do senhor consultor jurídico, cujo teor se dá aqui por reproduzido e no qual se pode ler, entre outras coisas, o seguinte: “Como resulta dos pareceres já dados e aceites pela Câmara, o espaço situado “nos puxados posteriores” do conjunto … é um espaço privado e constitui a cobertura de um edifício privado”. “No entanto, a utilização desse espaço é apenas para estacionamento e estacionamento público, geral, ou seja, não pode ser limitado pelo proprietário do edifício aos condóminos ou como ele entender.”
92- Acrescenta o referido parecer que “… aquando da construção do edifício este estacionamento foi considerado necessário e a sua existência prometida pelo construtor”.
93- Aduz ainda o mesmo parecer que a Câmara teria de verificar as condições apresentadas pelo Requerente para evitar “ser desvirtuado o fim para que o local foi primitivamente destinado”.
94- Essas condições teriam de ter em atenção o preço, o horário, e a gestão do espaço, tendo sempre em consideração o referido fim do espaço.
95- O parecer conclui que o regulamento proposto não constitui uma postura municipal em virtude de o espaço ser propriedade privada.
96- Que o mesmo constituiria uma condição posta pela Câmara para a gestão do espaço que deveria manter os mesmos fins que a Câmara entendesse dever manter.
97- E ainda conclui que não se tratando de um regulamento policial ou postura municipal o mesmo não teria de ser apreciado em assembleia municipal.
98- Levado mais uma vez o assunto à reunião da Câmara em 6 de Abril de 1992, esta limitou-se a “concordar com o parecer do consultor jurídico”.
99- Da certidão passada pela Câmara Municipal em 13 de Janeiro de 1999, a pedido do administrador do condomínio do bloco A, Torre C, do Edifício do …, consta que os terraços de cobertura do Cento Comercial …, “bem como o logradouro que serve de estacionamento junto das instalações da Direção Geral de Finanças, são espaços privados de utilidade pública, competindo ao condomínio a sua reparação e manutenção”, esclarecendo-se que certamente por lapso quem passou a certidão escreveu “utilidade” quando queria dizer “utilização”.
100- E mais tarde, em resposta ao Senhor Provedor de Justiça, a Câmara Municipal de Vila Real, referindo-se aos mesmos “puxados posteriores” do edifício …, e quanto à licença de construção e utilização do parque de estacionamento público, informou que “a área ocupada pelo parque de estacionamento e designada como os puxados posteriores do edifício … foi incluída como área privada de utilização pública nos espaços comuns do empreendimento em causa, constituindo, aliás, parte da cobertura de parte das caves do edifício”.
101- O acesso de carro ao terraço/cobertura em causa faz-se por uma porção de terreno que tem uma forma irregular, mas formando aproximadamente um quadrado, com cerca de 15 metros de lado, desenvolvendo-se em rampa descendente desde o final da rua pública até ao terraço.
102- Pelos atos de posse, demolição do prédio, retirada de material demolido e arranjo do terreno, com vista àquela finalidade de acesso, quiseram os anteriores proprietários, H… e 6ª Ré, colocar a disponibilidade do dito terreno a favor do referido terraço que constitui a cobertura do prédio inscrito sob o artigo 00 da freguesia de ….
103- Terreno que, desde a aquisição dos prédios e após a demolição das construções aí implantadas, teve como utilidade permitir o acesso àquele terraço.
104- O uso dessa parcela de terreno para aceder ao terraço de cobertura onde existe o parque de estacionamento e a ocupação do terraço para estacionamento e circulação de pessoas e veículos, constituíram, desde o seu início, utilidades, entre outras, das frações, agora, locadas à Autora.
105- Essas utilidades foram criadas pelos sócios da 6ª Ré, pessoalmente, pelo seu sócio H…, como proprietários dos prédios demolidos e, dessa forma, assumidas pela 6ª Ré, Sr. H… e seus familiares, que exploraram as diferentes fracções que daquelas utilidades beneficiaram ao longo de 30 anos, e assumidas também pelo público em geral que, de uma forma ou de outra, utilizou tal terreno de acesso e o parque.
106- As frações ocupadas pelo antigo supermercado ali instalado e a funcionar durante uns trinta anos, mas de um modo especial, as frações ocupadas pela Direção de … e posteriormente pelo Tribunal de … e, desde 2011, a Autora, todas elas têm, exclusivamente, as suas portas de acesso a dar para o parque de estacionamento, que faz de cobertura do prédio dos 2º e 3ª Réus, embora com a ressalva da existência do espaço/passeio referido supra.
107- Durante os anos que se seguiram à respetiva aquisição e construção, e assim há mais de 20, 30 anos, vêm os mesmos proporcionando aquelas utilidades às ditas frações e, assim, aos respetivos clientes, utentes, funcionários e fornecedores que se dirigiam aos estabelecimentos ou equipamentos ali instalados.
108- À vista de toda a gente.
109- Sem oposição de quem quer que seja.
110- Sem interrupção por nada, nem ninguém.
111- Na convicção de exercerem um direito legítimo de estacionamento, por não existir impedimento por parte de ninguém.
112- Em face do contrato celebrado entre a autora e a 1ª ré, a autora teve de realizar obras, para adaptar o espaço que as frações locadas ocupavam, com a área total de 672 m2 e uma área útil de 636 m2, ao fim do contrato celebrado.
113- A autora mandou realizar estudos de viabilidade económica, os projetos de engenharia, arquitetura, eletricidade, segurança contra incêndios, plano de acessibilidades.
114- As obras consistiram na construção de paredes divisórias de todos os espaços, construção de instalações sanitárias, colocação de tetos falsos, implantação de rede elétrica, de água, saneamento, sistemas de comunicações e de climatização, colocação de diferentes tipos de pisos, para além de revestimento de paredes e pinturas e janelas das fachadas exteriores.
115- E tendo a sociedade autora fins lucrativos, todos estes investimentos terão de ser pagos através do desenvolvimento da sua atividade corrente.
116- Atividade, essa, que igualmente é prosseguida para obter fundos que permitam fazer face a todas as despesas do funcionamento normal da autora.
117- Possui acordos com as seguradoras e clubes desportivos, realizando ali exames médico-desportivos, de clubes e associações de toda a região interior.
118- Proporciona consultas, exames de diagnóstico, tratamentos e cirurgias de ambulatório e fisioterapia.
119- Realiza biópsias cancerígenas em toda a região interior.
120- Tem consultas de várias especialidades e de clínica geral.
121- Estes serviços implicam um grande movimento diário de pessoas, que se deslocam em automóveis, ambulâncias e transportes de doentes.
122- Muitas dessas pessoas são portadoras de deficiências e muitas sofrem de dificuldade motoras, havendo também muitos utentes com idades avançadas, a exigirem condições de atendimento e acolhimento especiais.
123- Nunca a primeira ré impediu o acesso pedonal dos utentes, funcionários e colaboradores da Clínica às instalações da mesma.
124- Nunca os Réus impediram ou obstaculizaram a entrada ou o acesso dos clientes da Autora às suas instalações.
125- A primeira ré deu de arrendamento à Autora cinco frações autónomas designadas pelas letras B6, B8, B9, B10 e B11 sitas na segunda cave Torre C Bloco A do prédio urbano inscrito na matriz com o art.º 1557º, da União de Freguesia de Vila Real descritas na conservatória do registo predial de Vila Real sob o n.º 000.
126- Para além das referidas frações, cedeu-lhe por contrato cinco lugares de estacionamento no parque privado, parque que integra e faz parte do prédio denominado “X”.
127- Esses lugares de aparcamento estão devidamente assinalados e destinados a servir as frações que a Autora tomou de arrendamento.
128- A cedência de cinco lugares de estacionamento foi a título gratuito, pois, o parque onde as viaturas aparcam é privado.
129- O acesso às instalações da Autora e da Primeira Ré faz-se pela travessa da Rua Nova tendo tais instalações acesso pedonal, acesso servido por umas escadas em pedra.
130- Onde hoje estão instaladas as instalações da Autora e da Primeira Ré, funcionou, em tempos, o antigo supermercado.
131- Supermercado que ocupava quase todas as frações, então existentes (hoje divididas entre Clínica e Academia).
132- Cedo o construtor das Torres do …, Sr. H…, se apercebeu que faltava ao supermercado lugar para armazém, cargas e descargas.
133- Por isso, à data, construiu o prédio urbano denominado …, prédio contíguo ao edifício …, composto por 4 pisos – destinado a arrumações, garagens, armazém, comércio.
134- Em tal prédio, então composto por quatro andares foram instalados os armazéns do supermercado, a zona de cargas e descargas, garagens, o Bingo e o Megaginásio .
135- Tem o referido prédio propriedade horizontal autónoma; não pertence às Torres do ….
136- Sendo o acesso a tal prédio feito por uma rua sita nas suas traseiras.
137- Sendo hoje os proprietários de todas as frações que integram o referido prédio o Réu C…, irmão da Primeira Ré, e D…, terceira Ré.
138- No “telhado” de tal prédio existe o parque privativo do antigo Supermercado; hoje parque privativo afeto às frações propriedade da Primeira Ré, cinco das quais arrendadas à Autora.
139- Parque que sempre foi privativo e o seu acesso condicionado.
140- Sempre tal parque esteve afeto apenas aos clientes do …; hoje afeto à Clínica e Academia.
141- As Torres do … não têm qualquer acesso pelas traseiras.
142- O acesso ao referido parque do supermercado só foi possível porque o então construtor, Sr. H…, adquiriu o prédio urbano inscrito na matriz com o nº 00, composto de casa de loja e 1º andar para poder aceder ao parque.
143- Pois, demolido o referido prédio, deu lugar à entrada do parque do supermercado, hoje parque afeto à Clínica e Academia.
144- Ou seja, o acesso ao parque é feito por atravessamento de dois imóveis propriedade dos terceiros, quartos e quintos Réus.
145- A manutenção de tal parque esteve sempre a cargo de Sociedade I., Lda..
146- Porque privado, foi o único parque que não teve intervenção da “Polis” na zona do ….
147- Sempre existiu à entrada de tal parque uma “cancela automática” e um portão.
148- Sempre o acesso a tal parque foi reservado, sendo ainda hoje visível a antiga máquina automática; hoje substituída por um Segurança.
149- Porque a Autora arrendou cinco frações, foram-lhe cedidos cinco lugares de estacionamento, gratuitamente.
150- Desde meados do mês de março do corrente ano que a Autora ocupava não só os lugares que lhe foram cedidos, como os lugares que estão afetos à academia J., instalações da Primeira Ré.
151- A velha “cancela automática” foi substituída por um porteiro (Segurança) que tem como função, entre outras, controlar a entrada dos veículos que vão para o parque, nunca de pessoas.
152- Por tal motivo, quando se apercebe que os lugares estão completos (da Clínica ou da Academia), informa as pessoas (clientes e colaboradores) que não têm lugar e que têm que estacionar noutro lugar.
153- Nunca impediu a entrada seja de quem for a pé, apenas controla os carros que entram no parque, como é sua função.
154- As aulas são lecionadas de modo a não perturbar o funcionamento quer da Clínica, quer da própria Academia.
155- Até ao mês de março, tal facto poderia ser comprovado pela L…, pois frequentava tais aulas, sendo aluna da Academia e, nessa data, nunca se queixou que o barulho incomodava.
156- Quando no dia 14 de Abril do corrente ano, a polícia se deslocou ao local, de imediato, a aula parou.
157- A P.S.P. tem-se deslocado ao local a pedido da Primeira Ré porque o segurança não consegue exercer as suas funções.
158- São os colaboradores e funcionários da Autora que, à força, desautorizando o Segurança, ordenam aos carros que entram para o parque de estacionamento.
159- Todas as frações têm acesso pedonal por umas escadas que existem desde a construção do Edifico.
160- O parque de estacionamento é distinto do acesso pedonal às frações.
161- Os “X” são um Edifício contíguo ao Edifício … que foi adquirido pela Sociedade I., Lda. por escritura pública a 6 de Novembro de 1986.
162- O licenciamento do complexo iniciou-se em 1979 – Processo Camarário nº 00/79.
163- No dia 17 de Fevereiro de 1982 foi pedida uma ampliação do edifício sito na Av. 1º de Maio.
164- Esta ampliação nada tem a ver com os “X”.
165- Pois os “X” não se situam na Av. 1º de Maio.
166- O licenciamento do complexo … nada tem a ver e não esteve dependente do licenciamento do Parque privado que se situa na cobertura dos “X”.
167- A 17 de Julho de 1981, mercê do aditamento ao projeto do complexo …, ampliou-se a construção no sentido nascente.
168- Construindo a piscina do Hotel, parte integrante das Torres ….
169- O parque automóvel aí identificado é o parque que se situa na Av. 1º de Maio (frente ao Banco … e Banco…), que lá continua.
170- O Logradouro público é o terraço que integra as Torres …, que serve de miradouro e porque público, foi intervencionado pela “Polis”.
171- Nos finais dos anos 70, a sociedade I,Lda. (cujo um dos sócios fundadores foi o marido da R. D…) iniciou a construção das Torres de ….
172- Em virtude da grandiosidade e complexidade da construção, as várias torres foram construídas ao longo de vários anos, havendo necessidade de requerer junta da Câmara Municipal de Vila Real a prorrogação das licenças de construção.
173- Quando as torres iam ficando prontas, a sociedade I,Lda. ia solicitando as várias licenças de habitabilidade (ou de ocupação) junta da Câmara Municipal de Vila Real.
174- Em 13/07/1984, a sociedade I, Lda. celebrou com a Fazenda Nacional (atualmente designada por Autoridade Tributária e Aduaneira) um contrato de arrendamento onde estavam incluídas as seguintes frações: “(…)à segunda cave que compreende na Torre C-Bloco A, as frações: B-SEIS, loja número sete; B-OITO, loja número nove; B-NOVE, loja número onze; BDEZ, loja número treze; B-ONZE, loja número quinze; B-DOZE, loja número dezassete, e na torre B – Bloco A, as frações: B-loja número dezanove; B-UM, loja número vinte e um; B-DOIS, loja número vinte e três; B-TRÊS, loja número vinte e quatro; B-SETE, loja número vinte e seis; B-OITO, loja número vinte e oito; B-NOVE, loja número trinta (…).”.
175- Nos dias de hoje, muitas dessas frações são ocupadas pela sociedade aqui Autora e pela sociedade da Ré B…(Academia J…).
176- Durante esse período, a sociedade I…, Lda. decidiu construir um imóvel, composto por quatro pisos que se destina a arrumações, garagens, armazém e comércio.
177- Em 06/11/1986, a sociedade I…,Lda. efetuou no Cartório Notarial de Vila Real uma escritura de “Constituição de Propriedade Horizontal” do prédio designado por “X” contíguo ao edifício …, composto por quatro pisos que se destina a arrumações, garagens, armazém e comércio, descrito na conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o número 00 da freguesia de … e omisso na matriz.
178- Os “X” são constituídos pelas seguintes frações: -Fração A (1º Piso Arrumos); Fração B (Garagem 1); Fração C (Garagem 2); Fração D (Garagem 3); Fração E (Garagem 4); Fração F (Garagem 5); Fração G (Garagem 6); Fração H (Garagem 7); Fração I (Garagem 8); Fração J (Garagem 9); Fração K (2º Piso Armazém); Fração L (3º Piso Armazém); Fração M (4º Piso Armazém); Fração N (4º Piso Armazém).
179- Em 20/02/2003, a Ré D… adquiriu as frações A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K e L do prédio supra, identificado.
180- Na mesma data, o sobrinho da Ré D., C…, adquiriu as frações M e N.
181- Nos anos 80, o Sr. H…, entretanto falecido (sócio da sociedade I…,Lda. e familiar da Ré D…) decidiu abrir um Supermercado no Centro Comercial.
182- Como o prédio “X” pertencia à sociedade da família, o Sr. H… decidiu implementar na cobertura do dito prédio um parque de estacionamento para servir os clientes do Supermercado.
183- Para que os veículos automóveis tivessem acesso ao parque de estacionamento, através do Largo do Ferreiro, o Sr. H… dois imóveis.
184- Em 29/07/1981, o Sr. H…, na qualidade de sócio-gerente da I…,Lda., adquiriu “uma casa de pedra, loja e primeiro andar, no lugar do Ferreiro, a confrontar do nascente com José, do poente com o Largo do…, do norte com Francisco e do sul com Filipe, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 00 (…)”.
185- Nos dias de hoje, o imóvel supra, identificado pertence à sociedade I…, Lda.
186- O primeiro andar foi demolido com o objetivo de ser possível os veículos automóveis acederem ao parque de estacionamento.
187- De acordo com a Declaração da Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Vila Real “o terreno situado no lugar da Travessa da Rua … (…) está classificado como Área consolidada como dominância de habitação coletiva – Tipo RC1, e ainda como Unidades operativas de planeamento e gestão (U.O.P.G.2)”.
188- Em 07/03/1985, o Sr. H… adquiriu “um prédio urbano, que se compõe de casa de loja e 1º andar, sita no Largo do …, freguesia de …, desta cidade, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 00”.
189- Essa casa foi demolida com o propósito de ser possível o acesso ao parque de estacionamento.
190- Nesse local foi colocado um portão, cancelas de controlo de tráfego e, mais recentemente, uma pequena “casa” para o segurança.
191- A aquisição destes dois prédios foi fundamental para se ter acesso ao parque de estacionamento.
192- O parque de estacionamento foi construído para servir os clientes do supermercado (que beneficiavam gratuitamente do parque de estacionamento no caso de fazerem compras no supermercado), mas o Sr. H…, em prol de uma boa vizinhança e do princípio de solidariedade entre vizinhos, sempre autorizou que os outros comerciantes e os clientes desses usufruíssem do parque de estacionamento.
193- Para isso, o Sr. H… atribuía determinado número de lugares aos comerciantes, a título de exemplo, o Megaginásio que pertence ao Senhor N…, tem atribuído 5 lugares.
194- Mesmo com o falecimento do Sr. H…, a família (onde se inclui a Ré D…) continuou a autorizar os comerciantes a utilizar o parque de estacionamento, nos moldes definidos pelo seu familiar.
195- Aos outros utentes do parque de estacionamento, durante determinado período, era cobrado uma taxa pela utilização do parque de estacionamento.
196- Aliás, foi a Câmara Municipal de Vila Real que estipulou quais os valores que deveriam ser cobrados aos utentes do parque de estacionamento, de acordo com a ata nº 6 de 92.02.10.
197- A autora tem utilizado os lugares de estacionamento que lhe foram acordados com a senhoria (colocou sinalização, suporte para bicicletas e decoração).
198- As frações onde se encontra o estabelecimento comercial da Autora, bem como o estabelecimento comercial da Ré B… possuem caminhos próprios e independentes do parque de estacionamento, possuindo um tipo de pavimento (tijoleira) diferente do pavimento do parque de estacionamento.
199- O acesso ao parque de estacionamento sempre foi condicionado.
200- As cancelas de controlo de tráfego (entretanto vandalizadas) foram colocadas, desde o tempo do Supermercado Mira Corgo, para se poder controlar o número de viaturas no parque e a presença do segurança no local é para garantir o respeito e a harmonia entre os utentes do parque de estacionamento, uma vez que já existiram algumas escaramuças entre utentes.
201- Todas as obras de conservação e manutenção dos puxados posteriores (onde se inclui o parque de estacionamento) foram realizadas a cargo da Ré D… e do H…
202- A Ré D… atribuiu a gestão do parque de estacionamento à Ré B…, uma vez que possui no local um ginásio, não tendo a Ré D… qualquer interferência nessa gestão.
Questões a decidir:
1ª. Da nulidade processual por violação do artigo 493º do CPC.
2ª. Da nulidade por violação do nº4 do artigo 607º do CPC;
3ª. Da nulidade da sentença prevista no artigo 615º, nº1, alínea c), por contradição entre factos provados (entre o ponto 154º e os nºs 31 e 32; entre o ponto nº150 e os nºs 18º, 19º, 20º e 21º, e entre os factos do ponto 161º e os dos itens 133º e 177º);
4ª. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
5ª. Se os factos permitem concluir que está constituída por usucapião ou por destinação de pai de família a reclamada servidão de passagem e de estacionamento, ou se as fracções arrendadas (prédio dominante) devem considerar-se encravadas.





1.Da nulidade processual.
A apelante alega que o tribunal não cumpriu o disposto no artigo 493º do CPC, por não ter sido lavrado o auto relativo à inspecção judicial realizada na sessão da audiência de julgamento de 16.Março.2015, e que a inobservância dessa formalidade é uma nulidade insanável, nos termos dos nºs 1 e 2, do artigo 195º.




Contrapõem as recorridas que a nulidade, a ter sido cometida, deve considerar-se sanada nos termos do artigo 199º, nº1, por não ter sido arguida no acto onde a parte esteve presente. E com razão, visto que as nulidades de que tratam os artigos 185º e seguintes do C. P.C. são nulidades processuais, cujo regime é distinto das nulidades de julgamento (1), devendo ser objecto de reclamação das partes perante o tribunal onde foi cometida, dentro dos prazos legalmente previstos (artigos 196º, 197º e 199º), sendo admissível recurso da decisão que sobre elas recair (sem prejuízo das restrições previstas pelo artigo 630º, nº2), o que traduz a velha máxima de que dos despachos recorre-se, das nulidades reclama-se.
Pelas razões expostas, não se conhece da invocada nulidade secundária, que nada tem que ver com a questão de saber se este tribunal ad quem pode exercer sindicância sobre uma decisão da matéria de facto, no segmento em que a convicção do juiz a quo foi formada também com base numa inspecção judicial ao local, mas relativamente à qual não foi lavrado o correspondente auto.



2. Da violação do disposto no nº4 do artigo 607º do CPC.
Pondo de lado a crítica dirigida à qualidade literária da sentença a nível do ordenamento/repetição da matéria de facto provada -quod abundat non nocet-, importa dizer que a violação desse normativo não se pode bastar com a alegação vaga e inconsequente de que os factos insertos nos pontos 163º a 173º “nem sequer têm a ver com o caso dos autos”. Ademais, constata-se que é uma matéria alegada pelos réus na contestação (cfr. itens 68º, 69º, 70º, 71º e 74º, da peça de fls. 201 e sgs), visando eles por essa via demonstrar a autonomia – quanto ao regime de propriedade horizontal e de licenciamento - de prédios que a própria autora puxou para o litígio, os denominados “Torres…” e o “X”, pertencendo ao primeiro as fracções arrendadas (prédio dominante) e ao segundo o terraço que é usado como parqueamento (prédio serviente).



3. Da contradição entre factos provados:
As situações indicadas não encerram quaisquer contradições.
No entendimento de Alberto dos Reis “as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente” (Código de Processo Civil anotado, Volume IV, página 553). Constitui um vício da decisão que deve resultar da simples análise do próprio texto, e ele existe se num primeiro momento o tribunal considera provada uma realidade factual e num segundo momento dá como provado o oposto, ou factos que com ela não podem conviver. Por outro lado, ainda que existam contradições, só relevam as que se prendem com factos essenciais à boa decisão do mérito da causa.

Não existe contradição entre os factos do ponto 154º e os dos nºs 31 e 32. A a correcta interpretação é dada pelos recorridos nas contra-alegações, isto é: para além da referência ao teor da cláusula 8ª, nº2, do contrato de arrendamento, o que ressalta da conjugação desses pontos é que as aulas são leccionadas no ginásio de modo a não causarem perturbação ao funcionamento da clínica (conduta-regra), à excepção do conhecido episódio de 14 de Abril de 2014, em que foi utilizado o terraço para uma aula de zumba;

E também não há o apontado vício na relação entre a factualidade do ponto nº150 e os a dos nºs 18º, 19º, 20º e 21º?. O ponto 150º parece sugerir uma coisa diferente do consignado nos itens 18º, 19º, 20º e 21º, isto é, que os lugares da PT só passaram a ser ocupados desde meados de Março de 2014, mas o verdadeiro sentido da decisão não se capta pela isolada leitura desses factos, pois se os conjugarmos por exemplo com o item 22º, vemos que a versão acolhida pelo tribunal a quo é que “o livre parqueamento dos funcionários e utentes da autora desde a realização das obras e início das actividades começou a ser posto em causa pela 1ª ré em Abril de 2014, dada a ocupação não só os 5 lugares previstos no contrato, bem como os afectos à J…”.






E quanto à invocada contradição entre os factos do ponto 161º e os dos itens 133º e 177º, apenas se constata a inocuidade do vocábulo “adquiriu” inserto no item 161º, pois o que de relevante e incontroverso deve ser retido é o acto titulado pela escritura pública de 6 de Novembro.1986, o regime da propriedade horizontal do edifício “X”, e que ele foi construído pela sociedade.

4. Do mérito da impugnação da decisão da matéria de facto.
Consigna-se desde já que, ouvidas as gravações e analisada a prova documental, na globalidade da matéria de facto impugnada a nossa convicção está em sintonia com a explicitada pela Srª Juíza a quo na circunstanciada motivação.




Matéria vertida nos itens 48, 106, 129, 159, 160 e 198.
A discordância da recorrente incide sobre o acesso pedonal à Torre a que pertencem as fracções arrendadas, não aceitando a autonomia que desses factos decorre relativamente ao denominado edifício “X” (entende que o passeio é parte integrante desse prédio, para cujo terraço deitam as entradas das fracções arrendadas e da … e que o acesso se processe também pelas escadas de pedra (nesse ponto, assevera que a serventia cessou com o encerramento do supermercado). Pretende ainda que transitem para o acervo provado os seguintes factos que a decisão considerou não provados: As frações pertencentes à 1ª Ré não possuem qualquer outro acesso à via pública para além do permitido pelo terraço e daí para a parcela de terreno que antecede a rua pública; Essas parcelas deitam diretamente para o terraço/cobertura em causa; E sem esse acesso aquelas frações, mormente as frações arrendadas pela Autora nunca poderiam ser utilizados e muito menos obter licenças de utilização para quaisquer fins junto das autoridades administrativas competentes.

Com a impugnação dessa matéria de facto, a apelante só pode ter em vista demonstrar o encravamento das fracções, temática que extravasa os fundamentos e pedidos formulados na acção e necessariamente as questões tratadas na sentença recorrida (as quais se centram na constituição por usucapião ou por destinação de pai de família duma servidão inominada de passagem e de estacionamento, e responsabilidade da 1ª ré pelo ressarcimento dos danos causados à autora com os actos de perturbação do exercício da posse dessa servidão)(2), e isso obsta ao conhecimento da questão suscitada no que ao encravamento diz respeito.
Com efeito, a recorrente está a confrontar este tribunal ad quem com uma questão nova, e é sabido que, salvo as matérias de conhecimento oficioso, «os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas» (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Proc. Civil, pág. 87).
Aliás, o reconhecimento judicial duma situação de «encravamento» dum prédio só tem utilidade prática se for exercido o correspondente direito potestativo de constituição da servidão de passagem sobre outro prédio independentemente da vontade do dono deste, e isso não está na disponibilidade do arrendatário, mas sim do proprietário do prédio encravado; o encargo só pode ser imposto sobre prédios rústicos (artigo 1550º, nº1) e pressupõe o pagamento duma indemnização (artigos 1552 e 1554º).
Em suma, de nada valeria do ponto de vista dos interesses da recorrente que se considerasse «encravadas» as fracções arrendadas», sem o consequente pedido de constituição da servidão de passagem, direito que (a ser apreciado) sempre soçobraria, desde logo porque a autora é mera arrendatária e o prédio a onerar é urbano.

A deduzida impugnação visa demonstrar a dependência das fracções arrendadas na Torre … em relação ao Edifício X, nas acessibilidades e licenciamento de quaisquer actividades, tese que é contrariada pelo facto de serem distintos e autónomos os processos de licenciamento e o regime de propriedade horizontal- sem cuidarmos agora de saber se foi ou não dada prevalência ao jus aedificandi em detrimento de interesses urbanísticos-, e há factos que sugerem uma realidade bem diferente, isto é, que nas em fracções ora cedidas de arrendamento à autora já funcionou um supermercado desde 1983 e os serviços das finanças desde 1984, períodos anteriores à fase em que foi construído o projecto do Edifício X – e não foi a sua execução que poderia ter originado o encravamento, visto que o edifício foi erigido no lugar onde já existia outro prédio, que só foi adquirido pela sociedade ré em 1986.



Não é de aceitar como verosímil a pré-existência do encravamento total ou parcial de um prédio urbano licenciado e utilizado em regime de propriedade horizontal. Que escadas eram e são utilizadas, se os acessos interiores se faziam pelas galerias do centro comercial, e os exteriores através da estreita faixa de terreno situada entre o edifício e o tal prédio, pouco ou nenhum interesse tem para a decisão do mérito da causa, tanto mais que a autora não alega impedimentos ou restrições ao acesso pedonal, nem os réus o questionam.



Questão bem diferente é o estacionamento automóvel que passou a fazer-se no terraço do Edifício X - e saber se nesse âmbito está constituída a invocada servidão, cuja posse a autora pretende exercer em função da qualidade de arrendatária das fracções dominantes- e da contribuição que esse parque teve no licenciamento da clínica (provou-se que “por exigência legal, tinha de ser dotada de lugares de estacionamento para pessoas com mobilidade reduzida, e com vista à circulação e estacionamento de ambulâncias e veículos de emergência, e por isso a 1ª ré acedeu a demarcar cinco lugares no parque”- cfr. ponto 13), e quiçá para o licenciamento da própria construção desse edifício, como se infere do fim a que ele se destinava, anunciado na memória descritiva(3).

Quanto ao facto do ponto 12: “A 1ª Ré procedeu à delimitação da fração B11, contígua à fração B12, que a 1ª Ré ocupa, de forma a obter um bom isolamento acústico, com vista ao cumprimento do disposto no contrato, e às normas legais em vigor”.
Para além de não se vislumbrar qual o peso que pode ter na resolução de qualquer questão do mérito da causa, é certo que nenhuma prova autoriza que se tome como provado que o isolamento acústico é bom e de acordo com as normas legais em vigor, e a circunstância da sócia gerente da Clínica A. não ter reclamado sobre o modo de funcionamento do ginásio da 1ª ré durante no período em que o frequentou não tem o peso que os recorridos lhe atribuem, e alguma razão haverá para o facto de ainda não ter sido licenciado (cfr. docs de fls. 604 a 606, e 614). E a perícia realizada pelo ISQ concluíu que o estabelecimento “não cumpre os requisitos legais aplicáveis a ruído” (cfr. 643 a 655). Nestes termos, o item 12 passa a ter a seguinte redacção: “A 1ª Ré procedeu à delimitação da fração B11, contígua à fração B12, que a 1ª Ré ocupa».

Sobre a matéria dos pontos 147º (“Sempre existiu à entrada de tal parque uma “cancela automática” e um portão”) e 202º (“A Ré D… atribuíu a gestão do parque de estacionamento à Ré B…, uma vez que possui no local um ginásio, não tendo a Ré D… qualquer interferência nessa gestão”), na essência da factualidade aí contida não há razão válida para por em causa a convicção do tribunal recorrido. Quanto à cancela, a o que ressalta da prova é que ela foi colocada e funcionou como acesso condicionado à zona de parqueamento do Edifício X já após a abertura do supermercado – as pessoas ouvidas referem que era facultado aos utentes um ticket na entrada, validado aos balcões do supermercado para a saída (cfr. depoimentos de José Carlos, Gustavo, Luis Leite, Maria de Fátima e Maria Helena), mas já não foram claras sobre o processo usado pelos funcionários das Finanças e do tribunal-, e assim se manteve praticamente até ao seu encerramento, envolvido em permanente controvérsia com os serviços camarários sobre a natureza e gestão do espaço, como comprova a factualidade provada nos itens 67º e segs, a que se seguiu um período em que a passagem era livre, até que a 1ª ré decidiu fazer o controlo através dum porteiro. Quanto ao ponto 202º, a circunstância da 1ª ré se ter intitulada dona do espaço – qualidade que não possui – não impede que efectivamente lhe tenha sido dada a gestão do espaço, como ressalta dos depoimentos das testemunhas André e Isabel.
Pelas razões expostas, à excepção da diferente redação dada ao ponto 12, mantém-se estabilizada a matéria de facto tal como foi fixada em 1ª instância.

5. Do mérito da causa.
As demais questões suscitadas no recurso prendem-se em saber se, para o exercício da actividade descrita em 1., a demandante beneficia da utilização ilimitada do terraço que cobre o edifício X” para estacionamento de veículos dos funcionários e dos utentes que se dirigem à Clínica A., em função quer do contrato de arrendamento celebrado com a 1ª ré quer da circunstância das fracções arrendadas beneficiarem duma servidão inominada de estacionamento, bem como de passagem carral e pedonal, constituída por usucapião, ou por destinação de pai de família.

A sentença recorrida negou provimento a essas pretensões. Quanto à servidão, afastou a sua constituição por usucapião ao considerar que “só os proprietários do prédio dominante podem adquirir direitos reais sobre o prédio serviente” e por não estar provado que “os proprietários do alegado prédio dominante, ou seja, das fracções da ré B…, entre as quais se encontram as locadas à autora, alguma vez tivessem actuado com animus de titulares do direito real em causa».

As fracções arrendadas pela 1ª ré (proprietária e locadora) destinaram-se ao exercício da actividade pela autora das actividades inerentes ao seu objecto social da clínica -“fisioterapia, optometria, ortóptica, dietética, hidroterapia, massagem, ginástica médica, terapia, quiropodia, homeopatia, acupuntura, hipoterapia, psicologia e atividades similares, exercidas em consultórios privados, postos médicos, escolas, lares, no domicílio ou noutros locais”-, estando os contratantes cientes que era condição essencial do seu licenciamento dispor de lugares de estacionamento para pessoas com mobilidade reduzida, e com vista à circulação e estacionamento de ambulâncias e veículos de emergência, razão por que a 1ª ré acedeu a demarcar cinco lugares no parque (cfr. ponto 13 da matéria de facto), e o significado das declarações que preenchem a cláusula 11ª do contrato (segundo a doutrina da impressão do destinatário prevista no artigo 236º do Cód. Civil), é que ficavam reservados à Clínica cinco lugares no parque exterior, mas não ficava excluída a utilização doutros espaços, pagando, tanto mais que a 1ª ré sempre se intitulou legítima proprietária do espaço, inclusivamente aquando das negociações que precederam o contrato (36º e 37º), e aliás, quer durante a realização das obras, quer após a autora ter iniciado a sua atividade, nunca a Ré B… interferiu com o funcionamento da clínica, nem levantou qualquer obstáculo à entrada de viaturas, de trabalhadores e de funcionários da clínica, colaboradores e utentes da mesma (pontos 18º e 19º).



Essa factualidade pode ter interesse a nível da responsabilidade civil da 1ª ré pelos danos culposamente causados à autora na formação do contrato (art. 227º do Código Civil), ou servir de fundamento à anulação do contrato por erro (art. 1035º, 251º e 247º do Código Civil), mas não é nessa sede que se situam as questões recursivas – a apelante não recorre sequer do segmento que absolveu a 1ª ré do pagamento da indemnização peticionada a título de ressarcimento dos danos decorrentes do incumprimento do contrato-, nem foi nesses termos que a autora estruturou a causa. O que se pretende averiguar é a extensão das utilidades e direitos que a nível do uso do parque exterior a 1ª ré transmitiu e/ou podia transmitir à autora, sabendo-se que ela não era proprietária do terraço e da parcela de terreno que lhe dá acesso, nem a única comunheira.

O artigo 1022º do Código Civil define a locação como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição”. Independentemente da natureza que se atribua ao contrato de locação, matéria que tem suscitado na doutrina alguma discussão, como nos dá conta Menezes Cordeiro(4) (o direito do locatário é um direito de crédito, um direito real ou um direito pessoal de gozo?), o que de relevante deve reter-se para o caso é que o nº2 do artº 1037º, nº2, do Código Civil, faculta ao locatário o direito de usar contra o locador e contra terceiros dos meios concedidos ao possuidor previstos nos artigos 1276 e seguintes, não obstante não seja possuidor à luz do instituto possessório, mas mero detentor.

Anotando o acórdão do STJ de 10.12.1981, escreve Antunes Varela que «A posse, de acordo com a pureza genética do instituto, apenas abrange, na disciplina traçada no Código Civil (artigo 1251º), a actuação de facto correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, sabendo-se que tanto a propriedade como os restantes direitos reais incidem somente sobre coisas corpóreas. Nestas circunstâncias, tendo a relação locatícia por base, não um dever geral de abstenção que (temporariamente) abranja também o dono da coisa, mas o dever específico de prestar que recai sobre o locador (vide a alínea b) do artigo 1031º do Cód. Civil), nem o locatário nem o sublocatário, no exercício do seu direito pessoal de gozo são considerados por lei como possuidores. É, aliás, a própria lei (artigo 1253º do Código Civil), em perfeita coerência lógica com as premissas do instituto possessório, que considera como simples detenção (ou posse precária) a situação de todos os possuidores em nome de outrem (locatário, depositário, mandatário, comodatário, etc..). Adaptando, porém o regime destas situações de posse precária às reais necessidades da sua tutela, várias disposições legais estendem a elas, a título excepcional, a aplicabilidade dos meios de defesa próprios da posse. Entre essas disposições figura o artigo 1037º do Código Civil…».


Os direitos que o locatário pode defender contra terceiros são apenas os que existiam na esfera jurídica do locador - o locador não pode transferir para o locatário utilidades que o locado não tem – e, se nada em contrário resultar do contrato, neles se incluem os direitos acessórios, designadamente as servidões prediais (cfr. Menezes Cordeiro, Obra citada, pág. 45).

A Clínica A… sustenta que as fracções tomadas de arrendamento à 1ª ré beneficiavam à data do contrato (21.10.2011) duma servidão de estacionamento de veículos automóveis no terraço que encima o edifício X, prédio dos RR. C… e D…(bem como de passagem pela parcela descrita no ponto 101º dos factos provados), que segundo ela fora constituída por usucapião e/ou por destinação de pai de família.



A usucapião é um direito potestativo que não opera pelo mero decurso do prazo da posse nem é de conhecimento oficioso. Para ter eficácia “o possuidor deve invocá-la, ou seja, manifestar a vontade em usucapir o direito a que se refere a sua posse”(5) (artigos 292º e 303º do Código Civil) e nos termos do nº1 do artigo 305º do C. Civil, aplicável por força do artigo 1292º, “a prescrição é invocável pelos credores e por terceiros com legítimo interesse na sua declaração, ainda que o devedor a ela tenha renunciado”.



Embora seja válida a asserção constante da sentença recorrida de que “só os proprietários do prédio dominante podem adquirir direitos reais sobre o prédio serviente”, não se pode negar ao locatário a faculdade de alegar que esse direito existia (ainda que não tenha sido declarado) à data em que celebrou o contrato, uma vez que a lei lhe possibilita os meios previstos no artigo 1276º e segs para a defesa da posse das utilidades do arrendado (artigo 1037º, nº2, do Código Civil), ou seja, é de considerar um terceiro para efeitos do artigo 305º do C.C. com legítimo interesse na invocação da usucapião.



Porém, os factos sugerem que a relação de serventia foi iniciada no tempo em que os prédios pertenciam ao mesmo dono, e manteve-se nos mesmos moldes após a separação dos prédios, com a mesma ideia de tolerância e de boa vizinhança, daí a sentença ter referido faltar à actuação o animus correspondente ao exercício da servidão. Por outro lado, é insuficiente o tempo de posse para a usucapião (cfr. art. 1296º), já que o prédio serviente e os que beneficiam do encargo nele imposto pertenceram ao mesmo dono, a ré I., Lda. até 2003 (assim sendo, à data do contrato não teriam decorrido mais que 8 anos de actos de posse), e não há servidões sobre coisa própria - nemini res sua servit-, isto é, só releva a posse após a separação dos prédios, já que a constituição da servidão pressupõe que os prédios pertençam a donos diferentes (art. 1543º).

E que dizer sobre a servidão por destinação de pai de família?
Estabelece o artigo 1549º que “Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento”.

Vale apenas evocar para o caso os ensinamentos de P. de Lima e Antunes Varela (Cód. Civil Anotado, vol. III, págs.632/633): “Assim, dos quatro pressupostos exigidos pelo Código anterior para a constituição da servidão, ficaram de pé os três fundamentais. O primeiro é que os dois prédios, ou as duas fracções do prédio, tenham pertencido ao mesmo dono. Tanto faz que os prédios sejam rústicos ou sejam urbanos, que um seja rústico e o outro urbano; e nenhum obstáculo constitui também à solução a diferente aplicação dada a cada um dos prédios (habitação, instalação dum estabelecimento comercial, etc.). Tão pouco se pode contestar a possibilidade de a servidão se constituir por esta via sobre dois ou mais prédios. O facto de a letra da lei se referir apenas à serventia de um prédio para com outro não impede, de modo nenhum, que ela abranja inequivocamente, pelo seu espírito, a hipótese de os sinais atestarem a utilização de dois ou mais prédios em proveito”

Na situação em apreço, resulta dos factos provados que os prédios dominantes – v.g. as fracções arrendadas, aquelas onde está instalada a academia da 1ª ré e outras - e os prédios servientes (o Edifício X e a parcela de terreno por onde se faz o acesso ao terraço), pertenceram ao mesmo dono, e que à data da celebração do contrato de arrendamento dos autos já pertenciam a donos diferentes; separados esses prédios, continuou a mesma relação de serventia, traduzida essencialmente na utilização do terraço que encima o Edifício X para estacionamento de veículos, e na passagem/acesso através da parcela de terreno descrita no ponto 101, e não se conhece qualquer título que contenha uma declaração no sentido da extinção da serventia à data da separação dos prédios.






O parque foi originariamente concebido para servir os clientes do supermercado (que beneficiavam gratuitamente do parque de estacionamento no caso de fazerem compras no supermercado), mas dizem os factos que o “Sr. H…, em prol de uma boa vizinhança e do princípio de solidariedade entre vizinhos, sempre autorizou que os outros comerciantes e os clientes desses usufruíssem do parque de estacionamento”, e na verdade ele serviu também outras fracções do mesmo complexo comercial, designadamente as que albergaram os serviços das Finanças e do tribunal judicial(6), e também é inegável que não faltam os sinais visíveis e permanentes reveladores da serventia.

Tudo converge por isso no sentido do reconhecimento da invocada servidão por destinação de pai de família, constituída em benefício de diversas fracções prediais do complexo comercial, que não apenas as que se estão arrendadas à Clínica A., e por isso importa determinar a medida e extensão do direito de cada um dos comunhantes no uso dos prédios onerados, devendo para o efeito convocar-se as regras da compropriedade, visto que “são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos” – artigo 1404º do C. Civil.

E dispõe o nº1 do artigo 1406º, do Código Civil que “na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer comproprietário é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquela a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito”. Em anotação a esta disposição, escrevem P. de Lima e A. Varela (obra citada, pág. 357) que em primeiro lugar, há que respeitar o acordado entre os interessados, mas a maioria “nunca poderá privar qualquer dos consortes, sem o respectivo consentimento, do uso da coisa a que tem direito. Apenas lhe será lícito disciplinar esse uso, de modo a evitar conflitos e choques de interesses entre os vários comproprietários” (sublinhado nosso) (7).

A factualidade relata um passado de uso partilhado/condicionado do parqueamento e da passagem pela parcela que lhe dá acesso, e tudo recomenda a necessidade de esse uso continuar a ser regulado e disciplinado. E a constatação óbvia que se deve extrair é que, contrariamente ao que pretende a autora, não é viável a utilização indiscriminada e ilimitada do terraço do Edifício X para estacionamento automóvel, porque além de por em risco a própria segurança do edifício, não garante a equilibrada conciliação dos interesses dos diversos comunhantes.

Decisão:
Acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, embora com fundamentos não exactamente coincidentes com os da decisão da 1ª instância.
Custas pela apelante.

TRG, 19 de Maio de 2016

__________________
(1) As nulidades de julgamento são as que decorrem dos vícios da própria sentença, os elencados nas alíneas b) a e), do nº1, do artigo 615º, do Código de Proc. Civil, ou das nulidades principais que devam merecer idêntico tratamento
(2) A sentença sintetizou as questões da seguinte forma: 1ª: «se a favor das fracções de que é locatária e sobre os três prédios que identifica se constituiu uma servidão inominada de passagem e estacionamento, com todos os direitos daí decorrentes»; 2ª: «Se a ré B… tem praticado atos que ponham em causa as condições de funcionamento do estabelecimento da autora»; 3ª: «Se em consequência da actuação da ré Patrícia teles, a autora sofreu danos de ordem patrimonial, e a sua quantificação.
(3) Gomes Canotilho e Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª edição, página 333, refere que: “limites particularmente intensos a este aspecto do direito de propriedade são os que o ocorrem no domínio urbanístico e do ordenamento do território, a ponto de se questionar se o direito de propriedade inclui o direito de construir – jus aedificandi- ou se este radica no acto administrativo autorizativo (licença de construção)”.
(4) In Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, edição 2014, pág. 25/26.
(5) José Alberto Cunha, in Direitos Reais, 2016-pág. 370.
(6) “A servidão constituir-se-á desde que exista uma relação de serventia entre os dois prédios que deixam de ter o mesmo dono, sendo indiferente o título (servidão, mera tolerância, licença administrativa, contrato com eficácia obrigacional, etc.) em que assenta a utilização dos prédios ou terrenos intermédios” (Antunes Varela, RLJ, ano 115º, pág. 222).”
(7) No entendimento de José Alberto Cunha, “Havendo uma impossibilidade do uso integral, e na falta de consenso, não resta outra alternativa senão o recurso à via judicial ” (Direitos Reais, pág. 326).