Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1069/20.7T8VCT-F.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: ALTERAÇÃO OFICIOSA DA MATÉRIA DE FACTO
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PLURALIDADE DE CREDORES CONCORRENTES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/05/2022
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÕES
Decisão: PROCEDENTES
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) Concorrendo – para serem pagos pelos seus créditos reclamados e reconhecidos, na respectiva Lista homologada, pelo produto da liquidação de bens móveis onerados com penhor (apreendidos para a Massa da insolvência) –, além das Dívidas a esta, os Credores titulares daquela garantia real, bem como os Credores beneficiários de privilégio mobiliário geral sobre tais bens (Estado, Segurança Social e Trabalhadores) e Outros (Comuns e Subordinados), a aplicação concreta das normas jurídicas convocáveis para proceder à graduaçãomaxime dos artºs 666º, nº 1, 737º, nº 1, alínea d), 747º, nº 1, alíneas a) e f), e 749º, do Código Civil, artº 204º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, e artº 333º, nºs 1, alínea a), e 2, alínea a), da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro –, suscita um problema de compatibilização dado que o seu teor exprime regras de ordenação aparentemente dissonantes.
2) Nessa hipótese – concurso multilateral – deve adoptar-se, como mais justa, legal e conforme às regras e princípios estruturantes do sistema jurídico, a solução interpretativa e harmonizadora da aplicação das referidas normas perfilhada pela chamada tese restritiva, segundo a qual:
2.1. O nº 2, do artº 204º, da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro – que dispõe dever o privilégio mobiliário geral prevalecer sobre o penhor – apenas é de observar no caso de unicamente concorrer crédito da Segurança Social com crédito pignoratício – concurso bilateral;
2.2. no caso da referida pluralidade de credores concorrentes, então não funciona a aludida prevalência especial e a graduação deve fazer-se com respeito pela ordem de prioridade determinada em geral pelas referidas normas do Código Civil, do Código do Trabalho e do Código Contributivo da Segurança Social, ou seja: primeiro o crédito pignoratício, depois o crédito laboral e, a seguir, o do Estado e o de contribuições.
3) Assim não tendo sido entendido e decidido em 1ª Instância – em cuja sentença, relativamente a bens objecto de penhor, se graduou primeiro o crédito da Segurança Social, a seguir o crédito pignoratício e depois o do Estado – deve proceder a apelação deduzida pelo Credor garantido, e, em função dos critérios preconizados em 2.2, haveria de colocar-se o seu crédito à frente dos demais.
4) Contudo, na decisão do recurso, tem de respeitar-se o caso julgado formado quanto aos outros credores que, não recorrendo, se conformaram com a ordem que lhes foi atribuída na graduação, uma vez que, em relação a eles, a sentença transitou em julgado. Daí que, apenas se questionando naquele a posição do Credor pignoratício e a da Segurança Social, somente estes trocam a respectiva ordem entre si.
5) Apesar de, por isso, nessa fase e instância, por força do caso julgado, apenas se questionarem esses dois créditos, tal não autoriza, com efeito, que se considere estar-se, então, perante concurso bilateral, nem que, consequentemente, se aplique a solução interpretativa referida em 2.1 – que conduziria a manter-se a ordem definida na sentença recorrida e a julgar improcedente a apelação –, pois que, apesar dos limites decorrentes do trânsito parcial da decisão, não deixa de estar em causa, para efeitos de escolha, interpretação e aplicação da lei, um concurso multilateral e, portanto, de relevar a solução aludida em 2.2, embora, depois, na decisão concreta do recurso, tenham de respeitar-se obrigatoriamente as consequências geradas pela aceitação por cada um dos demais Credores não recorrentes da respectiva posição tornada definitiva nos autos.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO [1]

Com trânsito em julgado no dia 12-05-2020, foi judicialmente declarada a insolvência da Sociedade Comercial X, SA.
Em 15-06-2020, o Administrador Judicial apresentou a Lista de Credores reconhecidos (por ele posteriormente rectificada).
Por sentença de 11-08-2020, igualmente transitada, foram julgadas improcedentes todas as impugnações deduzidas às reclamações respectivas e homologada a referida Lista.

Dela constam:
-sob o nº 28 (páginas 32 e 33), créditos reclamados pelo Banco ..., SA, e, entre eles, o de capital no montante de 844,07€ e 6.62€ de juros, e o de capital de 39.259,26€ e 107,37€ de juros, ambos admitidos como garantidos com fundamento em “Contrato de Mútuo com Penhor Mercantil celebrado com a insolvente em 10-09-2019” (além de também o estarem por hipoteca sobre a fracção A inscrita na Matriz sob o artº …, de ..., e descrita na CRP sob o nº ...).
-sob o nº 49 (páginas 44 e 45), créditos do Centro Distrital de Viana do Castelo do Instituto de Segurança Social, IP, tendo natureza privilegiada o de 9.890,25€, de capital, sendo comum o de juros de mora e custas no montante de 4.381,93€ e garantido (por hipoteca voluntária) o de 215.382,59€.
-sob os nºs 115 e 116 (fls. 100 a 102), créditos com natureza privilegiada (privilégio creditório geral, nos termos do artº 97º, do CIRE) da Fazenda Nacional, de IVA e de IRS, por diversos montantes.
-sob o nº 124 (fls. 108 e 109), e conforme rectificação apresentada pelo AJ, o crédito de Y – Sociedade de Garantia Mútua, SA, entre outros, sendo de natureza garantida, os de 81.666,68€ e 7.500,00€, com fundamento em “penhor sobre 5.300 acções nominativas do capital social da Y (…) no valor de 1€ cada”.
-sob vários números e por diversos montantes (cfr. páginas 1 a 140 da Lista), créditos, de natureza privilegiada, mobiliária e imobiliária, de dezenas de trabalhadores, com fundamento em salários, férias, subsídios de férias e de natal, horas nocturnas ou extraordinárias, indemnizações por cessação (revogação/resolução, despedimento com justa causa) do contrato de trabalho, subsídios de alimentação, transporte e de formação.

No apenso relativo aos bens apreendidos para a Massa Insolvente (fls. 13 do auto de 25-11-2020 junto pelo AJ e que contém rectificação ao de 21-05-2020, entre outros bens, constam:
-sob a verba nº 67, diversos bens móveis, do estabelecimento sito na Rua …, em ..., parte dos quais objecto do penhor mercantil (fls. 13 e 14).
-sob a verba 77, 1500 acções nominativas representativas do capital social da Y, no valor nominal de 1€ cada.
-sob a verba 78, 1000 acções nominativas representativas do capital social da Y, no valor nominal de 1€ cada.

Em 20-01-2022, pelo AJ foi apresentado Parecer sobre a forma de graduar os diversos créditos concorrentes (com garantias reais, com privilégios mobiliários ou imobiliários, especiais ou gerais, comuns e subordinados), para serem pagos pelo produto da liquidação dos diversos bens apreendidos.

Em 23-01-2022, foi proferida a sentença de graduação de créditos.

Nela, além da alusão a princípios e regras considerados aplicáveis, seguiu-se de perto e adoptou-se o entendimento do Acórdão da Relação de Coimbra, de 21-05-2019 [2] de que, face ao concurso de diversos créditos com aquela diferente natureza, os laborais prevalecem sobre todos os restantes com privilégio mobiliário geral e especial, devendo ser graduados antes dos imobiliários referidos no artº 748º, do CC, e dos relativos a contribuições para a Segurança Social e mesmo antes dos garantidos por penhor.
Consequentemente, quanto ao grupo de bens de diversas verbas da relação dos apreendidos, inclusivo dos (móveis) da verba 67, parte dos quais onerados com penhor mercantil em garantia do crédito do BANCO ... referido sob o nº 28 da Lista, e das verbas 77 e 78 (acções) objecto da garantia (penhor) de uma parte dos créditos da Y descritos sob o nº 124 da referida Lista, respectivamente, foi feita a seguinte graduação:
“Considerando os princípios atrás expostos, proceder-se-á ao pagamento dos créditos, na sequência da liquidação resultante da venda das verbas que compõem a massa insolvente, pela seguinte ordem:
- Relativamente às verbas 1 a 69 (bens móveis), […]
1º. As dívidas da massa insolvente saem precípuas;
2º. Do remanescente, dar-se-á pagamento ao créditos constantes da lista dos credores reconhecidos como privilegiados por força da qualificação como créditos laborais;
3º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos privilegiados reclamados pela Fazenda Pública e Segurança Social procedendo-se, se necessário, a rateio;
4º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos enumerados na lista dos credores como comuns procedendo-se, se necessário, a rateio;
5º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos enumerados na lista dos credores como subordinados procedendo-se, se necessário, a rateio;
[…]
- Relativamente às verbas 77 e 78 (acções nominativas da Y)
1º. As dívidas da massa insolvente saem precípuas;
2º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos privilegiados reclamados pela Segurança Social;
3º. Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito garantido por penhor reconhecidos ao credor Y - Sociedade de Garantia Mútua, S.A.;
4º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos enumerados na lista dos credores reconhecidos como privilegiado por força da qualificação como créditos laborais, procedendo-se, se necessário, a rateio;
5º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos privilegiados reclamados pela Fazenda Nacional;
6º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos enumerados na lista dos credores como comuns procedendo-se, se necessário, a rateio;
7º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos enumerados na lista dos credores como subordinados procedendo-se, se necessário, a rateio;
*
Custas sem tributação autónoma [art.º 304.º do CIRE].
Valor da ação: o correspondente ao valor do ativo [art.º 301.º do CIRE].
Registe e notifique.”

A credora Y (titular de parte do crédito nº 124, com penhor sobre acções – verbas 77 e 78) não se conformou e defendeu graduação diversa, alegando e concluindo para tal:

A) A douta sentença recorrida deve ser revogada, porque nela se fez errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do Direito.
B) O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que, face à conjugação dos nº 1 e 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro com o artigo 333º, nº 2, a) do Código do Trabalho e artigos 666º e 747º, nº 1, do Código Civil, entendeu que o crédito garantido reclamado pela Segurança Social deveria prevalecer sobre o crédito garantido por penhor e sobre os créditos laborais.
C) Por aplicação dos artigos 666º e 749º do Código Civil, o crédito garantido por penhor, como é o da aqui recorrente, prevalece sobre i) o crédito com privilégio mobiliário geral dos trabalhadores (artigo 333º do Código do Trabalho) e ii) os créditos do Estado por impostos (mencionados na referida alínea a) do nº 1 do artigo 747º do Código Civil).
D) Segundo o nº 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, o privilégio mobiliário geral de que goza o crédito da Segurança Social por contribuições, quotizações e juros de mora “prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior”.
E) Pela mera aplicação da letra da lei, no confronto – exclusivo – entre um crédito da Segurança Social com privilégio mobiliário geral e um crédito garantido por penhor terá de prevalecer o primeiro.
F) Mas a solução poderá não ser a mesma quando, na graduação, estejam em concurso outros créditos com privilégio mobiliário geral (in casu, os créditos privilegiados dos trabalhadores e os créditos do Estado por impostos), sob pena de graves e arbitrárias distorções e incoerências jurídicas.
G) A graduação levada a cabo pelo Tribunal a quo não resolve adequadamente o concurso de credores, especificamente o concurso entre os créditos que gozam de privilégios mobiliários gerais e o crédito garantido por penhor.
H) Individualmente considerados, o crédito privilegiado dos trabalhadores prevalece sobre o crédito privilegiado da Segurança Social (cfr. artigo 333º, nº 2, a) do Código do Trabalho e artigo 204º, nº 1 da Lei nº 110/2009) mas cede perante o crédito garantido por penhor (artigo 666º e 749º, nº1, do CC); o crédito privilegiado da Segurança Social prevalece sobre o crédito garantido por penhor (artigo 204º, nº 2 da Lei nº 110/2009); o crédito garantido por penhor prevalece sobre os créditos dos trabalhadores e sobre os créditos do Estado por impostos (artigo 666º e 749º, nº 1 do Código Civil).
I) Na categoria dos privilégios mobiliários gerais, o legislador conferiu uma força especial aos privilégios laborais, uma vez que estes devem ser graduados antes dos restantes créditos privilegiados, nomeadamente os do Estado e os da Segurança Social (artigo 333º, nº 2, a), do Código do Trabalho).
J) Todavia, no confronto entre os privilégios mobiliários gerais e o penhor (garantia real) apenas o crédito privilegiado da Segurança Social prevalece, por aplicação da norma absolutamente excecional do nº 2 do artigo 204º, da Lei nº 110/2009, mas já não os privilégios laborais ou os do Estado por impostos.
K) Ao conjugar os normativos aplicáveis (nºs 1 e 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro com o artigo 333º, nº 2, a) do Código do Trabalho e artigos 666º, 747º, nº 1, do Código Civil) de forma a graduar em primeiro lugar o crédito da Segurança Social, em segundo o crédito pignoratício da Y, em terceiro o crédito dos trabalhadores, o Tribunal a quo não interpretou adequadamente a Lei.
L) À luz dos critérios estipulados no artigo 9º do CC, a unidade sistémica do ordenamento jurídico e a realização da justiça do caso reclamam uma interpretação corretiva-restritiva da norma do nº 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, segundo a qual quando concorram em exclusivo, este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.
M) Quando concorrem outros créditos com privilégio mobiliário geral (nomeadamente os créditos do Estado por impostos ou os créditos dos trabalhadores) a prioridade conferida pelo artigo 204º, nº 2, da Lei nº 110/2009, de 16 de setembro não opera, uma vez que há uma contradição insanável entre todos os dispositivos aplicáveis.
N) O princípio da prevalência do penhor sobre os privilégios mobiliários gerais deve, assim, enformar a decisão a proferir pelo Tribunal, por ser um princípio geral nesta matéria, respeitando-se, ainda, a coerência do sistema jurídico.
O) Esta é a única solução que: i) Respeita a ordem geral de graduação dos privilégios mobiliários gerais, estabelecida no artigo 747º, nº 1, a) Código Civil, artigo 204º, nº 1 da Lei nº 110/2009 e artigo 333º, nº 2, a) do Código do Trabalho;
ii) Cumpre os princípios gerais do direito, mormente a natureza real e a característica da sequela do penhor, nos termos dos artigos 666º do Código Civil;
iii) Privilegia o substantivo em relação ao processual, na medida em que respeita o princípio substantivo, plasmado no artigo 749º do Código Civil, de que “o privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente”, como é o caso do penhor.
P) A decisão a quo viola os artigos 9º, 666º, 747º, nº 1 e 749º, nº 1 do Código Civil, o artigo 204º,nº1e 2da Lei nº110/2009,de 16de setembro (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social), o artigo 333º, nº 1 e 2, do Código do Trabalho, não podendo por isso ser mantida.
Q) Este mesmo Tribunal Superior já ditou em processo em que discutia o mesmo que nos presentes, douto acórdão de 19 de Novembro de 2020 do processo Proc. Nº 7078/19.1T8VNF-C.G1 “Tendo em consideração a solução a que aderimos impõe-se, no caso presente, pelo produto da venda das 2700 acções, a seguinte graduação: em lugar, os créditos garantidos por penhor (da Y); em lugar, os créditos privilegiados dos trabalhadores da insolvente; em lugar, os créditos privilegiados da Segurança Social (e depois, sucessivamente, os créditos como vêm referidos na decisão)”.
Nestes termos, e nos que V/ Exas. mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso de apelação e revogando a Douta Sentença proferida, substituindo-a por outra que gradue, pelo produto da venda das 5.300 ações apreendidas pelo auto de apreensão, em primeiro lugar, o crédito reclamado pela aqui requerente, Y – Sociedade de Garantia Mútua, SA, na parte garantida por penhor.
FARÃO ASSIM INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”.

Também discordando, o Banco ... (titular de parte do crédito nº 28, objecto de garantia por penhor sobre bens móveis – verba 67), defendeu semelhante alteração, alegando e concluindo para o efeito:

“13.1. A sentença da qual se recorre, relativamente ao produto da liquidação das verbas 1 a 69 (bens móveis), 70 a 72 (viaturas) e 79 a 88 (ações BANCO …; caixa, cobranças diversas e marca), graduou os créditos do seguinte modo:
1º. As dívidas da massa insolvente saem precípuas;
2º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos constantes da lista dos credores reconhecidos como privilegiados por força da qualificação como créditos laborais;
3º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos privilegiados reclamados pela Fazenda Pública e Segurança Social procedendo-se, se necessário, a rateio;
4º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos enumerados na lista dos credores como comuns procedendo-se, se necessário, a rateio;
5º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos enumerados na lista dos credores como subordinados procedendo-se, se necessário, a rateio;
13.2. O recorrente “Banco ...” beneficia de penhor mercantil sobre os bens que constituem a verba n.º 67, abrangida no segmento da sentença acima reproduzido, quanto ao crédito no valor de € 40.217,32 (quarenta mil duzentos e dezassete euros e trinta e dois cêntimos), emergente do Contrato de Mútuo com Penhor Mercantil, celebrado, em 10/09/2019, entre o Banco recorrente e a sociedade insolvente, o que lhe atribui primazia face aos demais créditos reclamados.
13.3. A natureza garantida do crédito reclamado pelo Banco recorrente, emergente do penhor mercantil constituído sob os bens móveis que constituem, no seu conjunto, a verba n.º 67, relativamente ao crédito reclamado e reconhecido no valor de € 40.217,32, foi reconhecida pelo Senhor Administrador da Insolvência, na lista definitiva de credores a que alude o artigo 129.º do CIRE, e determinou a retificação do Auto de Apreensão de Bens Móveis, por reconhecer que sobre os bens em causa incide o ónus do penhor mercantil a favor do ora recorrente, Banco ..., S.A., “atempadamente reclamado.
13.4. o penhor constitui uma das garantias especiais das obrigações e “confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou de outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro” cfr. n.º 1 do artigo 666.° do Código Civil;
13.5. De acordo com o disposto no artigo 204.º n.º 2 do Código Contributivo, o direito de crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social prevalece sobre qualquer penhor, independentemente da data de constituição deste ser anterior.
13.6. Porém, relativamente aos direitos de crédito privilegiados dos trabalhadores os direitos de crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social já não prevalecem, uma vez que no confronto com outros créditos que beneficiam de privilégio mobiliário geral, os créditos do Instituto da Segurança Social são colocados no mesmo nível dos créditos por impostos referidos aludidos no artigo 747.º n.º 1, al. a) do Código Civil, para o qual remete o artigo 204.º n.º 1 do Código Contributivo.
13.7. Os créditos privilegiados dos trabalhadores são graduados antes dos créditos referidos no artigo 747.º n.º 1 do Código Civil (art. 333.º n.º 2, al. a) do Código do Trabalho), isto é, os créditos por impostos, bem como os créditos do Instituto da Segurança Social.
13.8. O penhor constitui um direito real de garantia que tem por objeto bens móveis e que atribui ao crédito de que é acessório preferência sobre os demais créditos (art. 666.º n.º 1 do Código Civil).
13.9. No confronto entre os créditos privilegiados dos trabalhadores e os créditos que beneficiam de penhor, como é o caso dos créditos do recorrente, verifica-se que caso o bem móvel ou direito empenhado venha a ser penhorado no âmbito de uma ação executiva, o credor pignoratício tem legitimidade para reclamar o seu crédito provido de garantia real (art. 788.º n.º 1 do Código de Processo Civil), sendo, nessa medida, oponível ao exequente.
13.10. Quando no artigo 749.º n.º 1 do Código Civil se diz que o “privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente”, está-se, manifestamente, a dizer o seguinte: que os privilégios gerais cedem perante o penhor.
13.11. À luz das normas citadas nas conclusões anteriores é inequívoco que o penhor prevalece sobre o privilégio creditório mobiliário geral dos trabalhadores e este, por seu turno, prevalece sobre o privilégio creditório mobiliário geral da Autoridade Tributária (art. 747.º n.º 1, al. a) do CC) e do Instituto da Segurança Social, na conjugação do art. 747.º n.º 1, al. a) do Código Civil (aplicável por remissão do art. 204.º n.º 1 do Código Contributivo) com o art. 333.º n.º 2, al. a) do CT.
13.12. Da disposição conjugada das normas acima citadas, o penhor prevalece, não só sobre o privilégio creditório mobiliário geral dos trabalhadores, mas também sobre o privilégio creditório mobiliário geral da Autoridade Tributária e do Instituto da Segurança Social,
13.13. Não é possível aplicar o disposto no artigo 204.º n.º 2 do Código Contributivo, sem que sejam preteridos os artigos 749.º n.º 1 do Código Civil e 333.º n.º 2, al. a) do Código do Trabalho e vice-versa.
13.14. Como as normas jurídicas em causa têm o mesmo valor e têm plena vigência nos dias de hoje, umas tiram eficácia às outras, deixando sem regulação específica o caso dos presentes autos, verificando-se, assim, uma lacuna jurídica, porque não podemos ficar sem saber a ordem de satisfação dos direitos de crédito que incidem sobre o depósito a prazo empenhado a favor do recorrente.
13.15. Na prática, verifica-se um conflito entre os arts. 747.º n.º 1, al. a) (para o qual remete o art. 204.º n.º 1 do Código Contributivo) e 749.º n.º 1 do Código Civil, o art. 333.º n.º 2, al. a) do CT e o art. 204.º n.º 2 do Código Contributivo, que deixa sem regulação jurídica o caso dos presentes autos, em que o penhor do recorrente e o privilégio mobiliário geral do Instituto da Segurança Social concorrem ao saldo da conta DP n.º ……51, no montante de € 130.707,50 (cento e trinta mil setecentos e sete euros e cinquenta cêntimos), apreendido para a massa.
13.16. Esta situação de lacuna da lei criada pela colisão de normas jurídicas de igual valia, em plena vigência, perante a impossibilidade de recorrer à analogia – porque, no plano da analogia, o artigo 204.º n.º 2 do Código Contributivo equipara-se ao artigo 749.º n.º 1 do Código Civil -, deve ser sanada pela aplicação da norma que o próprio intérprete criaria se tivesse de legislar dentro do espírito do sistema jurídico (artigo 10.º n.º 3 do Código Civil).
13.17. O artigo 749.º n.º 1 do Código Civil, que se insere na secção do Código Civil dedicada aos privilégios gerais, estabelece como regra a prevalência do penhor sobre os privilégios mobiliários gerais.
13.18. Na definição desta regra, o legislador teve em conta que o penhor incide especificamente sobre um determinado bem, tratando-se de um direito real de garantia e atribuindo ao credor a especial confiança de que esse bem estará destinado à satisfação do seu crédito, enquanto o privilégio mobiliário geral incide sobre todos os bens do devedor.
13.19. A análise do espírito do sistema jurídico diz-nos que a regra geral é a de que o penhor, por consubstanciar um direito real de garantia, que incide sobre bens específicos do devedor, cria no credor a especial expectativa de satisfação do seu direito com o produto da venda desses bens, devendo, assim, prevalecer sobre os privilégios mobiliários gerais, que, pelo seu carácter genérico, não têm uma ligação tão forte com os bens abrangidos, não criando uma expectativa tão forte de satisfação do crédito (art. 749.º n.º 1 do CC).
13.20. Neste sentido, o espírito do sistema jurídico obriga-nos a preencher a lacuna da lei com base na regra geral do art. 749.º n.º 1 do CC e não com base na regra excecional do artigo 204.º n.º 2 do Código Contributivo, atribuindo maior relevância à expectativa fundada do credor pignoratício de ver satisfeito o seu crédito com o saldo do depósito a prazo dado em penhor.
13.21. A regra geral prevista no artigo 749.º n.º 1 do CC tem, aparentemente, como exceção o artigo 204.º n.º 2 do Código Contributivo, que estabelece a prevalência do privilégio da Segurança Social sobre o penhor, ainda que não se trata de uma verdadeira exceção,
13.22. Para que se pudesse considerar a aludida norma (artigo 204.º n.º 2 do Código Contributivo) como uma verdadeira exceção, tornar-se-ia, necessário, que o privilégio creditório mobiliário geral dos trabalhadores cedesse ou não prevalece-se, como efetivamente prevalece, sobre o privilégio creditório mobiliário geral do Instituto da Segurança Social.
13.23. Se o legislador previu que o privilégio creditório mobiliário geral dos trabalhadores prevalece sobre o privilégio creditório mobiliário geral da Autoridade Tributária e do Instituto da Segurança Social, mas não prevalece sobre o penhor, por um argumento de maioria de razão, o que o legislador pretendeu, com aquela conjugação de normas, foi que, à semelhança do privilégio creditório mobiliário geral dos trabalhadores, também o privilégio creditório mobiliário geral do Instituto da Segurança Social não prevalecesse sobre os créditos garantidos por penhor.
13.24. Este entendimento vertido na conclusão antecedente é o que resulta da apreciação do sistema jurídico na sua globalidade, sendo que o respeito pelo espírito desse sistema jurídico obriga-nos a ter em conta a regra geral do artigo 749.º n.º 1 do Código Civil, que se funda no carácter específico do penhor, face ao carácter genérico do privilégio mobiliário geral.
13.25. Deste modo, deve ser alterada a graduação especial constante da parte decisória da sentença recorrida, no que respeita ao produto da venda dos bens que integram a verba n.º 67 do auto de apreensão, sobre os quais foi constituído um penhor a favor do Banco ..., para garantia do crédito, no valor de € 40.217,32 (quarenta mil duzentos e dezassete euros e trinta e dois cêntimos), emergente do Contrato de Mútuo com Penhor Mercantil, celebrado, em 10/09/2019, entre aquele e a sociedade insolvente, devendo ser graduado pela ordem que se passa a descrever:
1.º As dívidas da massa insolvente saem precípuas;
2.º O crédito, até ao montante de € 40.217,32, garantido por penhor, reclamado pelo Banco ..., S.A.;
3º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos constantes da lista dos credores reconhecidos como privilegiados por força da qualificação como créditos laborais;
4º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos privilegiados reclamados pela Fazenda Pública e Segurança Social procedendo-se, se necessário, a rateio;
5º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos enumerados na lista dos credores como comuns procedendo-se, se necessário, a rateio;
6º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos enumerados na lista dos credores como subordinados procedendo-se, se necessário, a rateio;
13.26. Ao não decidir desta forma, a sentença da qual se recorre violou os arts. 10.º n.º 3, 666.º, 747.º n.º 1, al. a) e 749.º n.º 1 do Código Civil, o art. 333.º n.º 2, al. a) do Código do Trabalho e art. 204º, n.º 1 e 2 da Lei nº 110/2009, de 16 de setembro (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social);

NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO APLICÁVEIS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, NESSA CONFORMIDADE, REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, NA PARTE RELATIVA À GRADUAÇÃO ESPECIAL DOS CRÉDITOS QUE INCIDEM SOBRE O PRODUTO DA VENDA DOS BENS QUE INTEGRAM A VERBA N.º 67 DO AUTO DE APREENSÃO, SOBRE OS QUAIS FOI CONSTITUÍDO UM PENHOR A FAVOR DO BANCO ..., PARA GARANTIA DO CRÉDITO, NO VALOR DE € 40.217,32 (QUARENTA MIL DUZENTOS E DEZASSETE EUROS E TRINTA E DOIS CÊNTIMOS), EMERGENTE DO CONTRATO DE MÚTUO COM PENHOR MERCANTIL, CELEBRADO, EM 10/09/2019, ENTRE AQUELE E A SOCIEDADE INSOLVENTE, DEVENDO SER GRADUADO PELA ORDEM QUE SE PASSA A DESCREVER:
1.º AS DÍVIDAS DA MASSA INSOLVENTE SAEM PRECÍPUAS;
2.º O CRÉDITO, ATÉ AO MONTANTE DE € 40.217,32, GARANTIDO POR PENHOR, RECLAMADO PELO BANCO ..., S.A.;
3º. DO REMANESCENTE, DAR-SE-Á PAGAMENTO AOS CRÉDITOS CONSTANTES DA LISTA DOS CREDORES RECONHECIDOS COMO PRIVILEGIADOS POR FORÇA DA QUALIFICAÇÃO COMO CRÉDITOS LABORAIS;
4º. DO REMANESCENTE, DAR-SE-Á PAGAMENTO AOS CRÉDITOS PRIVILEGIADOS RECLAMADOS PELA FAZENDA PÚBLICA E SEGURANÇA SOCIAL PROCEDENDO-SE, SE NECESSÁRIO, A RATEIO;
5º. DO REMANESCENTE, DAR-SE-Á PAGAMENTO AOS CRÉDITOS ENUMERADOS NA LISTA DOS CREDORES COMO COMUNS PROCEDENDO-SE, SE NECESSÁRIO, A RATEIO;
6º. DO REMANESCENTE, DAR-SE-Á PAGAMENTO AOS CRÉDITOS ENUMERADOS NA LISTA DOS CREDORES COMO SUBORDINADOS PROCEDENDO-SE, SE NECESSÁRIO, A RATEIO.”.
Em dois longos e repetitivos articulados [3], a Segurança Social respondeu a ambos os – únicos – recursos no sentido de que, seguindo-se a orientação jurisprudencial adoptada na sentença, deve manter-se o nela decidido, considerando tal traduzir a boa solução legal.
Apesar de, da interposição dos dois recursos, os demais contra-interessados (credores reclamantes) terem sido notificados “entre mandatários” e, o Ministério Público e Administrador Judicial, “pessoalmente”, mais nenhuma resposta foi apresentada ou qualquer posição foi por eles expressa.
Foram, depois, aqueles admitidos como de apelação, a subir de imediato, nos autos, com efeito devolutivo.
Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.
Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.
O ponto de partida do recurso, por princípio, é sempre a própria decisão recorrida.
Com efeito, no nosso modelo (de reponderação e não de reexame da causa), por meio daquele reapreciam-se questões já julgadas na instância inferior e visa-se alterar o decidido, se e na medida em que afectado por invalidade ou por erro de julgamento.
As que, apesar de invocadas, aí não tenham sido apreciadas permanecerão fora do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem [4]. Tal como as que sejam suscitadas como novidade. [5]

Ora, no caso aqui em apreço, para além da alteração oficiosa da matéria de facto, e tendo em conta que, quanto aos bens da verba 67 objecto de penhor em garantia do crédito do BANCO ..., o Tribunal a quo não atentou nessa particularidade e a incluiu no conjunto de todos os demais considerados como sem qualquer oneração (1 a 69, 70 a 72 e 79 a 88), assim procedendo à graduação sem, quanto à mesma, tomar em consideração aquele facto; e que, quanto aos bens das verbas 77 e 78 (as acções), onerados com penhor em garantia do crédito da Y, assumiu o entendimento explícito de que sobre ele prevalece o privilégio mobiliário da Segurança Social, a questão colocada em termos e com fundamentos muito análogos nos dois recursos [6] por ambas as apelantes – sendo certo que nenhum dos demais interessados, salvo a Segurança Social (que, todavia se limitou a contra-alegar), tomou qualquer outra posição expressa sobre o decidido ou quanto a qualquer dos apelos – consiste em saber se, concorrendo com créditos dos Trabalhadores, do Estado e da Segurança Social (todos beneficiando de privilégio mobiliário geral), o crédito de cada uma delas, garantido pelo penhor sobre os referidos bens, prevalece, quanto ao pagamento pelo produto da respectiva liquidação, sobre o da Segurança Social, e não este sobre aqueles, em razão da chamada tese correctiva-restritiva – que defendem e em que se baseiam – do nº 2, do artº 204º, da Lei 110/2009, de 16 de Setembro, imposta como solução interpretativa para a alegada colisão de normas inconciliáveis (também já apelidada de “imbróglio jurídico”), e, por isso, ser graduado em primeiro lugar (logo a seguir às custas precípuas), assim se corrigindo o alegado erro de interpretação e aplicação da lei que imputam ao Tribunal a quo.
Com efeito – saliente-se – o que, como resultado concreto do seu recurso, a recorrente Y pediu foi que, se revogue a sentença “substituindo-a por outra que gradue, pelo produto da venda das […] acções apreendidas […], em primeiro lugar, o crédito reclamado pela aqui requerente […], na parte garantida por penhor”.
E o que o Banco... também peticionou foi que, na procedência do seu, para pagamento do crédito que titula e está garantido por penhor sobre bens móveis (os da verba 67) seja “alterada a graduação” decidida, passando para primeiro lugar tal crédito com essa garantia (penhor), mantendo-se os demais tal como graduados na sentença.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal a quo, além de esparsas referências, não procedeu a uma clara, distinta e precisa discriminação mínima da matéria de facto provada com relevo para a questão da graduação, como devia ter feito, nos termos dos artigos 17º e 136º, nº 6, do CIRE, e dos artigos 154º, nºs 1 e 2 , 607º, nºs 3 e 4, e 615º, nº 1, alínea b), do CPC, nem ao menos por meio de uma sucedânea remissão para as peças processuais deles demonstrativas e expressivas.
Assim, nos termos do artº 662º, nº 2, alínea c), CPC, suprindo tal lacuna, consideram-se provados, com base nos elementos constantes no processo físico [7] e nos examinados no Citius (designadamente os Apensos de Reclamação de Créditos e de Apreensão de Bens, além do da Insolvência) e relevantes os factos já descritos no relatório inicial, para o qual e para cujos autos ora se remete, maxime quanto aos créditos reclamados, bens apreendidos e respectivas garantias sobre alguns deles incidentes, sendo que as partes tal não questionaram e antes pressupuseram como certo o alegado especialmente quanto às verbas 67 e 77 e 78 em causa.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A matéria jurídica em causa e a controvérsia gerada em torno da respectiva interpretação e dificuldade (ou até impossibilidade) de aplicação com vista a resolver justa e harmonicamente situações fácticas idênticas à aqui colocada estão amplamente expostas e os respectivos argumentos esgrimidos no sentido das duas principais teses em múltiplos arestos proferidos, desde há mais de uma década, pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelos diversos Tribunais de Relação.
A origem do “imbróglio” está na equivocidade do sentido e na aparente desarmonia entre o regime normativo geral traçado no Código Civil de 67 e o, entretanto, introduzido em legislação diversa, como é o caso da relativa ao trabalho e à segurança social, mormente quando concorrem, para haverem o pagamento dos respectivos créditos, os titulares de um direito real de garantia, como é sem discussão considerado o penhor, e os beneficiados com privilégios gerais sobre certos bens móveis.
Com efeito, enquanto que os artºs 666º, nº 1, e 749º, nº 1, daquele compêndio privatístico, estabelecem, respectivamente, que o penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito “com preferência sobre os demais credores” e que “o privilégio geral não vale contra terceiros…”, ou seja, em regra, uma clara supremacia e prioridade deste direito real de garantia, já o artº 204º, nº 2, da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro – CRCSPSS –, dispõe, especialmente, que o privilégio mobiliário geral de que gozam os créditos da segurança social “prevalece sobre qualquer penhor….”.[8]
Sendo isso assim e não suscitando polémica tal prevalência quando em concurso estão apenas o crédito garantido por penhor e o crédito privilegiado da segurança social, a questão complica-se sobremaneira quando, na corrida ao pagamento dos seus créditos pelo desejado produto da liquidação de certo bem, se juntam – como no presente caso sucede – aos titulares daqueles o Estado e os Trabalhadores (além dos comuns).
Com efeito, se é certo que, como se viu, em geral, o privilégio mobiliário geral não vale contra o penhor favorecente de credor terceiro, aquele, se respeitar a crédito da segurança social, já prevalece excepcionalmente sobre este.
E se não o é menos que, como deflui do artº 747º, em conjugação por tal norma imposta com o artº 737º, ambos do CC, quanto a créditos com privilégio mobiliário, estes se graduam (olhando agora só aos aqui concorrentes):
-primeiro, os relativos a impostos (Estado);
-depois, os créditos laborais (alínea d), daquele artigo);
Também não é, ainda, que, por um lado, estes últimos (os laborais), por força da alínea a), do nº 2, do artº 333º, da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro – Código do Trabalho (CT) – são graduados “antes de crédito referido no nº 1 do artº 747º”, ou seja, antes dos do Estado (por impostos).[9]
E que, por outro lado, mesmo os da segurança social, em vista do nº 1, do artº 204º, graduam-se “nos termos referidos na alínea a), do nº 1, do artº 747º” – isto é, “nos termos” em que o são os créditos por impostos[10].
Não obstante, enquanto que os créditos por impostos e laborais não prevalecem sobre o penhor, já os da segurança social, que gozam igualmente de privilégio mobiliário geral, prevalecem sobre ele (penhor).
Sentido e coerência realmente difíceis de descortinar.
Então, como e onde graduar o crédito garantido por penhor?
Além de uma tese mais remota mas que não fez caminho [11], digladiam-se, ainda na actualidade, como aqui sucede, duas:
-uma, no sentido de que, tal como se entendeu na decisão recorrida, deve prevalecer, por mor do artº 204º, nº 2, do CRCSPSS, o crédito da segurança social e graduar-se depois dele o garantido pelo penhor (e, a seguir, os laborais e do Estado);
-e, a outra, sustentada na chamada interpretação restritiva-correctiva defensora de que aquela norma especial só opera quando concorrentes forem exclusivamente créditos da segurança social e créditos garantidos por penhor, no sentido, preconizado por ambos os apelantes, de que, havendo, neste caso, outros privilegiados, deve prevalecer o crédito pignoratício e graduarem-se, seguidamente, os demais (laborais, fiscais e segurança social).
Batem-se pela primeira:
-Acórdão da Relação de Guimarães, de 31-03-2016, processo nº 565/14.0T8VCT-B.G1 (António Santos);
-Acórdão da Relação do Porto, de 14-07-2020, processo nº 2645/19.6T8STS-A.P1 (Fátima Andrade);
-Acórdão da Relação do Porto, de 09-05-2019, processo 535/18.9T8AMT-C.P1 (Carlos Portela, com voto de vencido de Filipe Caroço, relator do Acórdão da mesma Relação de 06-05-2010, no processo 744/08.9TBVFR-E.P1, sustentando a segunda tese);
-Acórdão da Relação de Coimbra, de 11-01-2021, processo nº 182/18.5T8TCS-A.C1 (Maria João Areias);
-Acórdão da Relação de Coimbra, de 28-05-2019, processo nº 3810/17.6T8VIS-B.C1 (Maria Catarina Gonçalves);
-Acórdão da Relação de Coimbra, de 21-05-2019, processo nº 4705/19.17.9T8VIS-B.C1 (Barateiro Martins);
Defendem a segunda [12]:
-Acórdão do STJ, de 05-04-2022, processo nº 1855/17.5T8SNT-A.L1.S1 (Ricardo Costa, com voto de vencido de Barateiro Martins, relator do Acórdão da Relação de Coimbra, de 21-05-2019, no processo nº 4705/17.9T8VIS-B.C1);
-Acórdão do STJ, de 22-09-2021, processo nº 775/15.2T8STS-C.P1.S1 (José Rainho);
-Acórdão da Relação de Guimarães, de 11-01-2021, processo nº 881/07.7TBVCT-M.G1 (Teresa Pardal);
-Acórdão da Relação de Guimarães, de 08-07-2020, processo nº 159/15.2T8VLN-B.G1 (F. Fernandes Freitas);
-Acórdão da Relação de Guimarães, de 25-05-2017, processo nº 703/13.0TBMDL-K.G1 (F. Fernandes Freitas);
-Acórdão da Relação de Guimarães, de 13-02-2014, processo nº 1216/13.5TBBCL-A.G1 (Ana Cristina Duarte);
-Acórdão da Relação do Porto, de 11-09-2018, processo nº 1211/17.5T8AMT-E.P1 (Vieira e Cunha);
-Acórdão da Relação de Lisboa, de 09-11-2021, processo nº 211/11.3TYLSB-C.L1-1 (Renata Linhares Castro);
-Acórdão da Relação de Lisboa, de 24-11-2020, processo nº 1536/10.3TYLSB-G.L1-1 (Amélia Rebelo);
-Acórdão da Relação de Évora, de 24-03-2022, processo nº 485/17.6T8EVR-C.E1 (Paulo Amaral);
-Acórdão da Relação de Évora, de 05-11-2015, processo nº 284/14.7TBRMR-A.E1 (Mário Serrano).

Acolhendo ainda esta segunda orientação, pronunciaram-se os Acórdãos desta Relação de Guimarães, ao que se crê não publicados e que, por isso, serão juntos aos autos depois deste, por certidão:
-de 19-11-2020, processo nº 7078/19.1T8VNF-C.G1 (Conceição Bucho); [13]
-de 21-10-2021, processo nº 3489/20.8T8VCT-A.G1 (Maria João Matos, aqui 2ª adjunta).
*
Ora, como já se referiu, no nosso caso, seja quanto a parte dos bens móveis da verba 67 seja quanto às acções das verbas 77 e 78, concorrem (além de créditos da Massa Insolvente) créditos da Segurança Social, do Estado (Fazenda Pública), de Trabalhadores (vários), enquanto privilegiados (privilégio mobiliário geral) e créditos garantidos por penhor (a favor do Banco ..., no primeiro caso, e da Y, no segundo) – bem assim, os demais comuns e subordinados.
Temos, portanto, relativamente aos garantidos e privilegiados, não um concurso bilateral mas um concurso multilateral gerador da já aflorada problemática.

Como, perante idêntica situação e em face das disposições legais também já atrás referidas, foi proficientemente exposto no citado Acórdão deste Tribunal de 21-10-2021, proferido no processo nº 3489/20.8T8VCT-A:
“[…] resulta evidente neste momento a dificuldade de harmonizar o regime pertinente à graduação de créditos, quando concorram créditos garantidos por penhor e créditos garantidos por privilégios mobiliários gerais, dizendo estes últimos respeito, e simultaneamente, a créditos relativos a contribuições para a Segurança Social, a créditos de impostos (da Fazenda Nacional) e a créditos laborais.
Com efeito, se no concurso único entre créditos pignoratícios e créditos por contribuições devidas à Segurança Social, a preferência dada a estes últimos pelo art. 204.º, n.º 2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, não suscita quaisquer dificuldades de coerência e harmonização do sistema, já o mesmo não sucede quando simultaneamente concorram créditos pignoratícios, créditos por contribuições devidas à Segurança Social, créditos da Fazenda Nacional por impostos e créditos laborais.
Precisando, sendo estes três últimos beneficiados com um privilégio mobiliário geral, afirmando o art. 333.º, n.º 2, al. a), do CT, que os créditos laborais prevalecem sobre todos os demais assim privilegiados, afirmando o art. 204.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, que os créditos por contribuições devidas à Segurança Social são equiparados aos créditos do Estado por impostos, sendo pagos a par dos mesmos, e afirmando o art. 666.º, n.º 1, do CC, que o crédito pignoratício prevalece sobre os demais, teríamos a seguinte graduação: crédito garantido por penhor (como garantia real completa, dotada de sequela); crédito laboral (com especial e intencional favor legislativo); e, a par, crédito por contribuições devidas à Segurança Social e crédito da Fazenda Nacional por impostos.
Importa, porém, atender, neste exacto contexto, ao que dissonantemente veio impor o n.º 2, do art. 204.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, ao afirmar que, afinal, o crédito garantido por penhor não prefere ao privilégio mobiliário geral de que gozam as contribuições devidas à Segurança Social. Logo, e considerando como especial [14] a norma do n.º 2, do art. 204.º citado, temos a seguinte (e diferente) graduação: crédito por contribuições devidas à Segurança Social (que, em regra, é graduado após os créditos laborais); crédito garantido por penhor (que, em regra, é graduado antes dos créditos com privilégio mobiliário geral); crédito laboral (que, em regra, é graduado sobre todos os demais beneficiados com privilégio mobiliário geral); e crédito da Fazenda Nacional por impostos (que, em regra, é graduado a par com os créditos por contribuições devidas à Segurança Social).
Ora, tentando respeitar a ordem geral de graduação dos privilégios mobiliários gerais (estabelecida no art. 747.º, n.º 1, a), do CC, no art. 204.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, e no art. 333.º, n.º 2, a), do CT), cumprir os princípios gerais do direito (maxime, a natureza real do penhor, com a inerente sequela, nos termos do art. 666.º, do CC), e privilegiar o regime substantivo (maxime, o princípio contido no art. 749.º, do CC, de que o «privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente»), veio parte da jurisprudência propor uma interpretação correctiva-restritiva do art. 204.º, nº 2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, cujo teor reconhece como excepcional: o preceito só se aplicaria quando estivessem unicamente em concurso créditos pignoratícios e créditos relativos a contribuições devidas à Segurança Social.
Nos restantes casos, ou seja, quando concorram outros créditos com privilégio mobiliário geral (nomeadamente, os créditos do Estado por impostos, e/ou os créditos dos trabalhadores), a prioridade conferida pelo art. 204.º, n.º 2, citado (aos créditos relativos a contribuições devidas à Segurança Social) não operaria, sob pena de se comprometer «a unidade do sistema jurídico».”[15].

No presente caso, sendo certo que, quanto ao concurso sobre a verba 67, por manifesto erro do Tribunal a quo ao incluí-la no conjunto dos bens das verbas 1 a 69 sem considerar, fosse em que sentido ou com que efeito fosse, o penhor que a onera em garantia do Banco ..., foram os créditos graduados:
1º Dívidas da Massa;
2º Os laborais;
3º Os do Estado e da Segurança Social (a par);
4º Os comuns (em que se inclui o referido Banco, também titular de créditos com essa classificação);
5º Os Subordinados;
E que, quanto ao concurso sobre as verbas 77 e 78, tomando já em conta o penhor em benefício do crédito da Y, a sentença graduou em:
1º Dívidas da Massa;
2º Créditos da Segurança Social;
3º Crédito da Y garantido pelo penhor;
4º Créditos laborais;
5º Créditos do Estado;
6º Créditos Comuns;
7º Créditos Subordinados;
Sendo isso certo, como íamos dizendo, verdade é também que apenas os credores pignoratícios interpuseram recurso, pretendendo ser graduados ambos em primeiro lugar, todos os demais se tendo conformado e omitido qualquer tomada de posição perante as suas apelações.

Ora, em face da pluralidade de credores concorrentes (pignoratícios e privilegiados) e das dificuldades já referidas e sobejamente descritas, explicadas e justificadas atrás e nos múltiplos arestos citados, tendo em conta:
-a orientação emanada das decisões do Supremo Tribunal de Justiça, bem como a predominante nesta Relação de Guimarães e, bem assim, nas demais quatro Relações – sobretudo a respectiva fundamentação para que, nos termos do artº 663º, nº 5, in fine, CPC, se remete;
-a natureza do penhor como garantia real, as características inerentes (sequela, preempção) e sua oponibilidade erga omnes;
-o carácter relativamente mais “fraco” da preferência conferida pelos privilégios mobiliários gerais;
-apesar das evidentes preocupações sociais e públicas que se admite subjazerem à consagração da excepção de prevalência dos créditos da Segurança Social sobre os garantidos por penhor – artº 204º, nº 2, da Lei 110/2009;
Concluímos que terá o legislador querido apenas estabelecer especialmente essa prioridade quando se confrontem exclusivamente esses dois tipos de créditos e não genericamente impô-la quando, na corrida, entram outros, como os do próprio Estado e os dos Trabalhadores, igualmente merecedores de idêntica consideração e protecção por via dos privilégios de que gozam e regras de graduação inerentes.[16]
Não terá querido ir ao ponto de assim por em causa toda a matriz em que assenta e os equilíbrios que presidem ao normal e já tradicional sistema civilístico consagrado e enraizado na nossa ordem jurídica.
Por isso e tendo em conta, enfim, toda a argumentação que, em sede interpretativa, tem sido esgrimida na defesa de cada uma das duas teses alinhavadas e em torno dos respectivos efeitos, inclinamo-nos para o acolhimento da dita tese restritiva-correctiva, cientes embora das dificuldades de justificação e de aplicação e das consequentes fragilidades que à mesma podem sempre apontar-se e que só um legislador desejavelmente mais atento e eficiente poderá remover: o artº 204º, nº 2, do CRCSPSS (que estabelece a prioridade dos créditos previdenciais sobre os pignoratícios) aplicar-se-á, tão só, quando em concurso estão, unicamente, a Segurança Social e o credor garantido por penhor (concurso bilateral); nos restantes casos (isto é, naqueles em que, juntamente com esses, concorrem, ao produto da liquidação de certo bem, outros credores gozando de privilégio mobiliário geral – caso do Estado por impostos e Trabalhadores por prestações de índole laboral -, verificando-se, assim, o chamado concurso multilateral), a prioridade do crédito da Segurança Social sobre o credor pignoratício consagrada no citado nº 2, do artº 204º, não operará, respeitando-se a unidade do sistema jurídico.
A essa luz, deveria, no presente caso em que se apresentaram ao concurso vários daqueles credores (verificando-se portanto, um concurso multilateral), prevalecer o penhor (artºs 666º, nº 1, e 749º, nº 1, do CC), a seguir os créditos laborais (artº 333º, nº 2, alínea a), do Código do Trabalho), depois os créditos do Estado (artº 747º, nº 1, a), CC) e, a seguir [17] a estes, os da Segurança Social (artº 204º, nº 1, da referida Lei).
Assim sendo, quanto aos bens das verbas 67 e 77 e 78, onerados todos com penhor e com os ditos privilégios mobiliários, resultaria – deveria assim ter resultado em 1ª instância – a seguinte graduação:
Verba 67:
1º Dívidas da Massa;
2º Crédito do Banco ... (penhor);
3º Créditos laborais;
4º Créditos do Estado;
5º Créditos da Segurança Social.
Verbas 77 e 78:
1º Dívidas da Massa
2º Crédito da Y (penhor);
3º Créditos laborais;
4º Créditos do Estado;
5º Créditos da Segurança Social.
Num e noutro caso, aos do Estado e da Segurança Social seguir-se-iam os créditos comuns e, por fim, os subordinados.
A consequência disso, relativamente à graduação, quanto a tais bens operada na sentença recorrida, seria – deveria ter sido –, pois, que:
-Relativamente à verba 67, para além de o crédito garantido pelo penhor, passar para a frente (só sendo preterido pelas dívidas da Massa), os créditos laborais manteriam a mesma posição relativa, ou seja, antes dos do Estado e da Segurança Social, mas estes deixariam de estar, como estão ali, graduados a par, passando os do Estado para a frente dos da Segurança Social [18]; os comuns e os subordinados, permaneceriam como penúltimos e últimos, respectivamente.
-Relativamente às verbas 77 e 78, para além de, igualmente, o crédito garantido pelo penhor, passar para a frente (só sendo preterido também pelas dívidas da Massa), o crédito da Segurança Social seria removido para 5º lugar, passando os laborais para 3º e, os do Estado para 4º; os comuns e os subordinados, permaneceriam como penúltimos e últimos, respectivamente.
Assim, quanto à verba 67, além da entrada do crédito pignoratício colocado à frente (ressalvadas as dívidas da Massa), só mudaria de posição relativa (descendo) o crédito da Segurança Social (passando para trás dos do Estado).
E, quanto às verbas 77 e 78, além do crédito pignoratício, que passaria para a frente (embora antes das dívidas da Massa), os laborais e os do Estado manteriam a mesma posição relativa, descendo, isso sim, os da Segurança Social para depois destes (os de impostos).
Sucede, porém, que, como já se salientou, apenas os dois credores pignoratícios interpuseram recurso.
Todos os demais permaneceram inactivos, inclusivamente a Segurança Social, que se limitou a responder à pretensão recursiva daqueles (cuja procedência é susceptível de a afectar) e a defender a manutenção do decidido.
Como também já se relatou, o que cada um dos recorrentes peticionou foi que o respectivo crédito seja graduado em primeiro lugar (naturalmente depois das dívidas da Massa).
Todos os demais concorrentes, além de se sujeitarem às consequências da eventual procedência de tais recursos, conformaram-se com a posição, necessariamente relativa, com que, na sentença recorrida, foram contemplados (graduados) pelo Tribunal a quo.
Tem isso consequências na decisão a proferir aqui, quanto aos recursos?
Tem, necessariamente.
Vejamos quais.
Deparando-se-nos na causa – no concurso de credores reclamantes e respectiva graduação dela objecto – uma óbvia pluralidade de partes e tendo a relação jurídica, em que todas elas aí se situam como concorrentes ao produto da liquidação dos bens para o efeito apreendidos (e portanto com interesses controversos sobre aquele), sido materialmente resolvida e disposta nos termos constantes da sentença recorrida, coloca-se-nos o problema do alcance do respectivo caso julgado, uma vez que, se é certo que grande parte delas aceitaram e, consequentemente, se vincularam ao decidido, houve duas que a impugnaram, sendo que naturalmente o direito (posição) que, em resultado desta, lhes seja porventura reconhecido na graduação (no caso de ser acolhida a sua tese), pode, em abstracto, contender com o direito e consequente posição, ainda que relativa, dos demais e, assim, suscitar, por coerência jurídica, uma diversa decisão da referida relação material controvertida consequente ao reordenamento da grelha dos concorrentes.
Acontece é que as regras do caso julgado, dada a sua específica natureza, função e efeitos diversos das ditadas pelo direito substantivo (virados para a composição do litígio concreto, aquelas; e destinadas a prover geral e abstractamente sobre situações idênticas, estas), nem sempre se harmonizam e acabam mesmo por vezes em colisão.
Por isso é que, mesmo que ostensivamente proferida contra legem, uma decisão, seja de que Tribunal ou Instância for, é definitivamente obrigatória depois de transitar em julgado, status que atinge depois de ela se tornar, no todo ou em parte, insusceptível de recurso, maxime pela extinção do direito de o interpor uma vez esgotado o prazo para o efeito (artºs 628º, 139º, nº 3, e 638º, CPC).
Aflorações disso se encontram nos artºs 634º e 635º, de que promanam regras segundo as quais, apesar de haver recurso, ele não aproveita aos compartes (ressalvadas as situações aí contempladas) nem prejudica os efeitos do julgado na parte não recorrida.
A respeito especificamente da particular situação do concurso de credores e da graduação de créditos, o Supremo Tribunal de Justiça já entendeu [19] que o recurso interposto por um daqueles quanto à ordenação do seu não aproveita aos outros credores reclamantes – formando-se quanto a estes caso julgado na medida em que aceitantes da decisão – porque não se verifica litisconsórcio necessário nem qualquer das hipóteses do (actual) nº 2, do artº 634º, CPC, posto que nenhum tenha aderido ao recurso, não sendo o seu interesse dependente essencialmente do interesse do recorrente, nem se tratando de condenação solidária.
Mais recentemente [20], considerou aquele Alto Tribunal, na mesma linha, que “Em sede de reclamação e verificação de créditos insolvencial inexiste um interesse comum a todos os credores, porquanto cada um deles tem de vir arguir o seu crédito, caso queira obter pagamento através da liquidação do património do insolvente: os créditos dos vários credores em jogo não se confundem, são autónomos“ e que “Essa autonomia implica que a parte que veja a sua pretensão ser denegada deverá interpor as providências adequadas à defesa das mesma”.
Também a Relação de Lisboa [21], estudando o assunto, resumiu lapidarmente que “Proferida sentença de verificação e graduação de créditos no processo de insolvência, não se verificando qualquer das hipóteses contempladas no art. 634.º do CPC, aplicando-se o princípio da personalidade, os credores que não recorreram dessa decisão ficam excluídos do âmbito do recurso, não sendo afetados pela decisão do tribunal superior; quanto a estes, a sentença transita imediatamente, operando-se o caso julgado nos termos do art. 628.º do CPC.”.
Como naquele se justifica, “no processo de insolvência, os vários credores reclamantes não se encontram numa relação litisconsorcial entre si, mas numa relação de concurso: declarada a insolvência abre-se o concurso de credores, com vista à verificação e graduação dos créditos de cada um. Fica, pois, afastada a hipótese tipificada no número 1 do art. 634.º do CPC, reservada aos casos de litisconsórcio necessário, em que se discutem interesses incindíveis, impedindo que se alcancem resultados diversos para cada um dos litisconsortes”, sendo que, no caso em apreço, também não ocorria nenhuma das hipóteses do nº 2.
Nesta Relação de Guimarães, já se entendeu também [22], em situação análoga à nossa, que o credor pignoratício não recorrente não beneficia, quanto ao seu crédito garantido, da alteração decidida na sequência de apelação de outro credor igualmente pignoratício em favor deste (ao qual foi reconhecida, como aqui se pretende, a pretendida prioridade) “posto que não recorreu nem aderiu ao recurso” e, por isso, “não lhe aproveita esta decisão”.
Semelhantemente, noutro aresto deste Tribunal [23], em que foi reconhecida razão à mesma credora pignoratícia ali recorrente (Y) e com os mesmos fundamentos (ou seja, adotando a tese restritiva e, em consequência, reconhecendo a sua prioridade, colocando-a à frente na grelha de graduação), em que, de acordo com o mesmo entendimento, devia ser seguida pelos créditos dos trabalhadores, depois os do Estado e, por fim, os da Segurança Social, apenas se trocou a posição do credor pignoratício (que era segundo e passou para primeiro) e da Segurança Social (que era primeira e passou para segunda) mas mantiveram-se em 3º os trabalhadores (que, como se disse, segundo o entendimento adoptado no acórdão, deviam ser graduados logo a seguir ao penhor e antes do Estado e da Segurança Social), isto porque, como se esclareceu: “No entanto, e uma vez que não foi interposto por parte dos trabalhadores recurso, nem aderiram ao mesmo, não lhes aproveita esta decisão – artº 634º, nº 2, alínea a), CPC”.
Não há dúvida, portanto, de que os credores não recorrentes não podem ser afectados pela decisão do Tribunal Superior e que, quanto a eles, a sentença transita imediatamente, operando-se o caso julgado.

Assim e por consequência:
Relativamente à verba 67, uma vez que o Estado (Fazenda Pública) e a Segurança Social, que se encontravam graduados a par e ambos atrás dos créditos laborais, não recorreram e, portanto, aceitaram não só essa posição relativa quanto àqueles e a eventual modificação dessa mesma posição relativa decorrente do recurso interposto pelo Banco ... e consequente “salto” pretendido para a frente (deles e dos laborais) do respectivo crédito pignoratício, a que não responderam sequer, devem permanecer no respectivo lugar e na mesma paridade com o Estado, ou seja:
1º Dívidas da Massa;
2º Crédito do Banco ... (penhor);
3º Créditos laborais;
4º Créditos do Estado e créditos da Segurança Social;
5º Créditos Comuns;
6º Créditos Subordinados.

Relativamente às verbas 77 e 78, por idênticas razões, uma vez que nem a Segurança Social, nem os Trabalhadores, nem o Estado, recorreram e aceitaram a posição tal como lhes foi reconhecida na sentença impugnada, só sendo questionada no recurso a daquela primeira Instituição (ISS, IP) na medida em que colocada em 1º lugar e o credor pignoratício recorrente em segundo, importa, na procedência do recurso, colocar este no lugar devido e manter os demais nas posições relativas atribuídas em 1ª instância, ou seja;
1º Dividas da Massa
2º Crédito da Y (penhor);
3º Créditos da Segurança Social;
4º Créditos laborais;
5º Créditos do Estado (Fazenda Nacional);
6º Créditos comuns;
7º Créditos subordinados.
Crê-se, assim, com respeito pelos limites impostos pelo caso julgado quanto aos não recorrentes e reconhecendo o merecimento dos recursos, alcançar por tal modo a justa subsunção da situação fáctica em apreço nos autos (quanto aos bens onerados com penhor e aos credores concorrentes ao pagamento pelo produto da liquidação dos mesmos) ao regime legal aplicável à graduação e em conformidade com a interpretação que do mesmo acima dissemos entender afigurar-se-nos como sendo a mais adequada e correcta e que ora reafirmamos, mas sem prejuízo do obstáculo que à sua implementação plena levanta a assinalada barreira constituída por aquele instituto e que aqui tem de ser respeitado.
Por isso é que, quanto à verba 67 apenas se intercala no 2º lugar o crédito pignoratício do recorrente BANCO ..., mantendo-se a sequência tal como na sentença consta, nem sequer se discutindo a respeitada colocação a par dos créditos do Estado e da Segurança Social.
E por isso também é que, quanto às verbas 77 e 78, se conserva a posição relativa dos créditos laborais e do Estado (que estes não questionaram) e apenas se troca a da Segurança Social pela do credor pignoratício Y, únicas discutidas por este no recurso.
Caminho algo diverso e desfecho não exactamente coincidentes a respeito do resultado dos recursos respectivos percorreram, quanto à compatibilização do caso julgado com a aplicação da chamada tese restritiva na interpretação e aplicação do regime legal, os já mencionados Acórdãos da Relação de Lisboa de 24-11-2020 [24] e de 08-02-2022 [25], bem como o desta Relação de Guimarães, de 21-10-202[26].
Nestes, com efeito, considerou-se que, permanecendo apenas em litígio, na instância recursiva, em resultado do caso julgado quanto aos demais credores, apenas o credor pignoratício e a Segurança Social, então se estava apenas perante aquilo que, na tarefa de interpretação do regime jurídico, se considerou ser um problema de ordenação bilateral, sem necessidade de aplicação da dita tese restritiva que deve operar em caso de, por concorrerem outros credores privilegiados, então se estar ante problema de ordenação multilateral.[28]
Consequentemente, entendeu-se que, em face de tal concurso assim circunscrito ou restante (apenas, na 2ª Instância, entre credor pignoratício e Segurança Social), deveria prevalecer, nos termos do artº 204º, nº 2, da Lei 110/2009, de 16 de Setembro, o crédito desta sobre o daquele, não se lançando mão da interpretação imposta pela necessidade de compatibilizar tal regra com as demais, mormente do Código Civil, quando existam outros concorrentes privilegiados.
E, coincidindo a graduação feita, quanto àqueles dois, em 1ª instância, na sentença apelada, com a decorrente da aplicação ao caso dos autos daquela norma especial (artº 204º, nº 2)assim interpretada como se apenas aqueles se tivessem nela apresentado e se tratasse de exclusivamente os ordenar a ambos, então nenhuma alteração haveria a fazer, sendo a mesma mantida e assim julgada improcedente a apelação do credor pignoratício, como acabou por se decidir no referido Acórdão desta Relação, de 21-10-2021.
Considerou-se, pois, que, por não terem os demais credores reagido e restando na controvérsia apenas aqueles dois, a questão a resolver – e também a questão da escolha, interpretação e aplicação do Direito – se cinge e se soluciona apenas em função da posição recíproca de ambos – apenas de ambos – e não já da dos outros concorrentes que, apesar de não deixarem de o ser (ou de não deixarem de o ter sido…) nos autos, se encontram agora, devido ao caso julgado, à margem da instância recursiva e alheios ao resultado da apelação.
Entendeu-se, assim, a despeito, observamos nós, de a operação de subsunção jurídica (e, portanto, a interpretação das normas e a escolha dos critérios para tal) continuar a ser, a nosso ver, a convocada pelo conjunto dos factos alvo do litígio envolvente dos múltiplos interessados e de, por isso, dever continuar a assumir-se, para tanto, tal como ab initio e antes da sentença de 1ª Instância, em relação a toda a causa (seu objecto e respectivos sujeitos), que não deixamos de estar a priori ante um concurso multilateral e que, portanto, aceitando-se, em abstracto, como dependente desta realidade, a opção quanto à referida interpretação, não é pelo facto de, a posteriori, em sede de recurso e por efeito do caso julgado quanto aos demais, apenas se manterem dois concorrentes que deve adoptar-se, no caso, a solução diferente também em abstracto admitida mas como reservada a tal hipótese (a de concurso bilateral).
É que, sendo certo, como resulta da tese dominante aqui perfilhada – utilizando-se agora parte do sumário do Acórdão do STJ, de 22-09-2021 – que “O n.º 2 do art. 204.º do CRCSPSS, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16-09, deve ser interpretado restritivamente, sendo aplicável apenas quando a graduação de créditos envolve exclusivamente créditos pignoratícios e créditos da Segurança Social” (concurso bilateral), e que “Concorrendo na mesma graduação créditos garantidos por penhor, créditos com privilégio mobiliário geral emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, e créditos com privilégio mobiliário geral da Segurança Social por contribuições e quotizações” (concurso multilateral), então, “a ordem de prioridade que compete a esses créditos é aquela que, em geral, estabelece a lei”, não nos parece que, sendo esta segunda a situação que a priori se verifica na presente causa e, portanto, esta a solução jurídica à partida aplicável à resolução do objecto do litígio (à graduação), deva ficcionar-se e considerar-se aquela primeira e adoptar-se a respectiva solução diversa para ela preconizada apenas pela circunstância de, agora, na instância recursiva, apenas se encontrarem os credores pignoratícios (únicos recorrentes) e de a procedência do recurso brigar com a posição da Segurança Social.
O entendimento e a solução interpretativa das normas jurídicas convocáveis não pode, no mesmo processo, vogar e variar consoante se esteja na 1ª Instância (onde se discutia a posição relativa de todos) ou na 2ª Instância (onde se discute apenas a de um deles em confronto com outro), em razão de os demais não terem recorrido, se terem conformado e de, em relação a estes, haver caso julgado.
Com efeito, repise-se, o facto de, por força do caso julgado, se ter definitivamente consolidado a posição relativa dos demais credores privilegiados não recorrentes e de restar em discussão, apenas, a dos credores pignoratícios e da Segurança Social não transmuda o concurso para bilateral nem permite que tal circunstância, propiciada pelos efeitos privativos daquele instituto, se acolha e erija em critério interpretativo das normas em conjunto aplicáveis ao concurso multilateral que continua a ser objecto da causa, nem, portanto, que se julgue em função do entendimento restrito aceite para as mesmas quando objecto desta é um concurso bilateral.[29]
Isto sem embargo, como é evidente, dos limites inultrapassáveis que este coloca aos resultados daqueles (recursos), designadamente o de não poderem ser afectadas as posições relativas das partes que se conformaram com o decidido a respeito das suas pretensões.
A interpretação jurídica suscitada numa causa consiste na tarefa de descobrir o justo e real sentido das normas susceptíveis de ser convocadas para solucionar o litígio dela objecto tal como definido em função da relação material litigada em que ele se estrutura.
Apesar de o recurso ter por efeito uma delimitação subjectiva e objectiva (artº 635º, CPC) do thema decidendum que baliza os limites cognitivos do tribunal ad quem e de, concomitantemente com a barreira oposta pelo caso julgado parcial, tal thema, por tudo isso, se apresentar a este restringido em relação àquele com que se defrontou o tribunal a quo (artº 608º, nº 2), tal circunstância não autoriza que, como resultado daquela tarefa, se admitam e adoptem interpretações e consequentemente aplicações do Direito variáveis e ajustáveis em função do estado do processo, da instância em que ele se encontra, da matéria ainda em discussão e dos sujeitos ainda interessados (ou seja, daquilo que resta do litígio com que a causa originariamente se configurou) e em função, portanto, dos recursos e do caso julgado.
Este (o caso julgado), como se disse, atento o seu sentido e finalidades, não pode ser erigido em prévio critério de escolha, interpretação e aplicação do Direito, ainda que, em função das suas regras próprias que atinam sobretudo com a certeza e a segurança jurídicas, se atinjam resultados com este desconformes.
Se é certo que estas (as regras do caso julgado) limitam o resultado daquela tarefa (da subsunção jurídica) no momento da decisão do recurso, não o é que a execução desta seja condicionada previamente por aquelas, já que umas e outras se não confundem em qualquer das suas dimensões.
Mesmo que, portanto, nesta fase e em decorrência dos termos do recurso, se assista a uma redução objectiva e subjectiva do âmbito do litígio, não nos parece que, para os estritos efeitos de interpretação e aplicação da lei, maxime de opção ou rejeição da tese correctiva-restritiva, se devam considerar apenas os restritos fundamentos de facto respeitantes aos únicos interessados que ainda permanecem em confronto como se de um efectivo concurso bilateral originariamente tratasse a causa.
Antes se nos afigura que a base de facto à partida realmente existente e que os envolvia a todos (concurso multilateral) deve ser a pressuposta e atendida para o efeito de determinação do regime legal aplicável – sem prejuízo, repise-se, dos limites opostos pelo caso julgado à implementação plena dos resultados a que aquela mesma conduziria se não fossem estes.
O instituto do caso julgado, com as suas regras, impõe que se respeite o decidido com trânsito, impede que o Tribunal volte a pronunciar-se sobre a questão de mérito, mais ainda que decida alterá-la. Ele, porém, não comporta nem aquelas podem transmudar-se em critérios de interpretação e, por tal via, de determinação das normas material ou substancialmente reguladoras de quaisquer relações jurídicas.[30]
Este é, parece-nos, sem prejuízo do máximo respeito por opinião diversa, o entendimento melhor e predominante na Jurisprudência, designadamente em casos análogos.
Em suma, procedem ambos os recursos, com as consequências acima definidas.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedentes ambos os recursos e, em consequência, dando provimento a ambas as apelações, alteram a decisão recorrida, graduando os créditos respectivos do seguinte modo:
Quanto à verba 67:
1º Dívidas da Massa;
2º Crédito (garantido pelo penhor) do Banco ...;
3º Créditos laborais;
4º Créditos do Estado e créditos da Segurança Social;
5º Créditos Comuns;
6º Créditos Subordinados.
Quanto às verbas 77 e 78:
1º Dívidas da Massa
2º Crédito (garantido pelo penhor) da Y;
3º Créditos da Segurança Social;
4º Créditos laborais;
5º Créditos do Estado (Fazenda Nacional);
6º Créditos comuns;
7º Créditos subordinados.
*
No mais, mantém-se o decidido na sentença.
*
Custas das duas apelações pela credora recorrida Segurança Social (que contra-alegou e ficou vencida) – (artºs ...º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP, e, ainda, Acórdãos da Relação de Lisboa de 03-04-2013, 07-05-2013 e 10-09-2015, proferidos nos processos nºs 2359/08.2TAVFX-A.L1-3, 1838/11.9TDLSB.L1-5 e 4424/12.2T3SNT-A.L1-9).
*
Extraia-se e junte-se aqui certidão dos Acórdãos desta Relação de 19-11-2020, processo nº 7078/19.1T(VNF-C.G1, e de 21-10-2021, proferido no processo nº 3489/20.8T8VCT-A.G1.
*
Notifique.
Guimarães, 05 de Maio de 2022
Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:

Relator: José Fernando Cardoso Amaral;
Adjuntos: Eduardo José Oliveira Azevedo;
Maria João Marques Pinto de Matos, esta com a seguinte

Declaração de voto

Não obstante ter já entendido de outro modo, nomeadamente no Acórdão da Relação de Guimarães n.º 3489/20.8T8VCT-A.G1, de 21.10.2021, por mim relatado, revejo neste momento a minha anterior posição, aderindo definitivamente e sem reservas à presente.
Com efeito, sou sensível à ponderação referida supra, de que a determinação do regime legal aplicável, e a sua interpretação, não devem variar entre instâncias, mercê da generalizada iniciativa recursiva das partes (mantendo o concurso multilateral), ou da respectiva limitação a duas (reduzindo o inicial concurso multilateral a concurso bilateral), desse modo se reforçando a certeza e segurança jurídicas, nomeadamente face a menos felizes iniciativas legislativas.

Maria João Marques Pinto de Matos



1. Por opção do relator, o texto próprio não segue as regras do novo acordo ortográfico.
2. Proferido no processo nº 4705/17.9T8VIS-B.C1 (Barateiro Martins), em cujo sumário se lê: “1 - O privilégio mobiliário geral, não incidindo sobre coisa certa e determinada, mas sobre o património do devedor, não é um verdadeiro direito real; mas uma mera preferência de pagamento, que assume a eficácia que lhe é própria aquando do acto da penhora, ou seja, que confere preferência no pagamento em relação aos credores comuns. 2 - O penhor é uma garantia real completa, que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores. 3 – Daqui decorre que o penhor prevalece contra e em relação aos privilégios mobiliários gerais de que gozam os créditos laborais e os créditos do Estado. 4 – E também seria assim em relação ao privilégio mobiliário geral de que gozam os créditos do ISS, se a lei – art. 204.º/2 do CRCSPSS – não determinasse, imperativamente, que este privilégio do ISS prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior. 5 - Perante o conflito (de disposições legais) que assim se estabelece entre o art. 333.º/2/a) do C. T. (ao dizer que os créditos laborais tem preferência sobre os créditos com idêntico privilégio do Estado), o referido art. 204.º/1 do CRCSPSS (quando diz que os créditos do ISS se graduam logo após os referidos na alínea a) do n.º 1 do 747.º do CC), a prevalência do privilégio mobiliário geral do ISS sobre qualquer penhor (estabelecida imperativamente pela lei) e a também referida prevalência do penhor sobre o privilégio mobiliário geral, a solução está em efectuar (quando concorram na mesma graduação um crédito garantido por penhor, um crédito do ISS, um crédito de Trabalhadores e um crédito do Estado, todos estes com privilégio mobiliário geral) a seguinte graduação: 1.º: O crédito do ISS; 2.º: O crédito garantido por penhor; 3.º: Os créditos laborais; e 4.º: Os créditos do Estado. 6 – E, identicamente, quando a estes 4 créditos se junta ainda um crédito do Estado, constituído após o penhor, que goze de privilégio mobiliário especial, situação em que deve efectuar-se a seguinte graduação: 1.º: O crédito do ISS; 2.º: O crédito garantido por penhor; 3.º: O crédito do Estado com tal privilégio mobiliário especial; 4.º: Os créditos laborais; e 5.º: Os créditos do Estado (com privilégio mobiliário geral). 7 – Efectivamente, os privilégios mobiliários especiais são verdadeiras garantias reais, em que vigora o princípio da prioridade (prior in tempore, potior in iure), por força do qual o privilégio goza da prevalência que lhe advém da sua anterioridade sobre os direitos de terceiro (cfr. art. 750.º do C. Civil), ou seja, se o direito real de garantia do terceiro for de constituição anterior, ficará à frente do privilégio mobiliário especial.”.
3. Por isso e por, inutilmente e ao arrepio do dever de as sintetizar e simplificar, se limitarem a reproduzir as alegações, não se transcrevendo as intituladas conclusões.
4. Caso não seja arguida a nulidade com base em tal omissão de pronúncia e se não trate de matéria de conhecimento oficioso.
5. Isto mesmo foi lembrado no recentíssimo Acórdão desta Relação de 07-10-2021, proferido no processo nº 886/19.5T8BRG.G1.
6. Como, em suma, se extrai das respectivas conclusões apresentadas, escusadamente densas e longas e deficientemente cumpridoras do ónus de síntese traçado no nº 1, do artº 639º, CPC.
7. Cujo amontoado de folhas, em parte desnecessárias, nem sequer foi numerado pela Secretaria e, por isso, não permite melhor e mais eficaz identificação.
8. Já assim dispunha o nº 2, do artº 10º, da Lei 103/80, norma que, apreciada pelo Tribunal Constitucional nos Acórdãos nºs 64/2009 e 108/2009, de 10-02-2009 e 10-03-2009, respectivamente, foi julgada conforme à Lei Fundamental.
9. Pelo regime geral, eram depois os da alínea d), do nº 1, do artº 737º, por força da alínea f), do nº 1, do artº 747º.
10. Sendo equívoco o critério que aponta para “os termos”, uma vez que, quanto a “termos”, o que na alínea a), do nº 1, do artº 747º, se estabelece é que os créditos por impostos do Estado preferem relativamente aos das Autarquias, referindo o percursor nº 1, do artº 10º, do Decreto-Lei 103/80, de 9 de Maio, que os da segurança social seriam graduados “logo após” os dos impostos, expressões verbais que, na sua letra e conceito, apontam para significado e função implicantes de resultados juridicamente diversos.
11. No sentido de que o penhor deveria ser graduado em último lugar – Acórdão do STJ, de 26-09-1995, processo 087303.
12. Amostra sem qualquer especial citério ou preocupação estatísticos, embora o número dos encontrados e referenciados quanto à segunda traduzam predomínio da mesma.
13. Aliás, enfatizado pela recorrente “Y” (aí com a mesma posição processual) mas sem ter tido o cuidado de localizar a sua eventual publicação nem de o juntar aos autos.
14. O texto original aqui transcrito, entre ouras notas, inseria, neste ponto, uma dizendo: “Enfatiza-se, a propósito, os objetivos e princípios do Instituto da Segurança Social, a quem cabe assegurar a sustentabilidade do sistema previdencial, o que, pela sua enorme repercussão social, terá que sobrelevar aos direitos individuais decorrentes dos restantes créditos.”.
15. O texto original acabado de transcrever, entre outras notas de rodapé, inseria aqui uma, dizendo: “Pondera-se, para o efeito, que se os créditos da Segurança Social são de interesse público e social, igualmente o são os interesses creditórios do Estado e das autarquias locais por impostos, bem como os interesses creditórios laborais (já que, em derradeira linha, são relacionáveis com prestações que o sector público pode ser chamado a suportar, para com os trabalhadores e suas famílias em situação de carência económica). Justificar-se-ia, assim, que, em caso de concurso desses outros créditos com os da Segurança Social, o legislador opte por uma solução que não inverta o paradigma que ele próprio estabeleceu como regra, em atenção aos diversos interesses em jogo: nesta última hipótese (concurso simultâneo de créditos pignoratícios, de créditos dos trabalhadores, de créditos do Estado e das autarquias locais, e de créditos da Segurança Social), o legislador limitou-se a deixar a solução das preferências para as regras gerais que graduam os créditos em confronto, procurando desse modo obviar à preterição desproporcionada (isto é, em beneficio injusto da Segurança Social) dos interesses de um conjunto mais alargado de outros credores (nomeadamente, dos trabalhadores).”.
16. Vejam-se precedentes notas 14 e 15
17. A seguir ou a par, consoante a interpretação que se fizer, ainda, do segmento normativo constante do nº 1, do mesmo artº 204º, que diz: “graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil.”. Cfr., sobre isso, precedente nota 10.
18. No caso de assim se interpretar o artº 204º, nº 1, conforme referido nas notas 10 e 17.
19. Acórdão de 21-09-2000, processo nº 00A2153 (Pais de Sousa).
20. Acórdão de 26-01-2021, processo nº 920/16.0T8OLH-H.E1.S1 (Ana Paula Boularot).
21. Acórdão de 23-11-2021, processo nº 1647/11.5TYLSB-Q.L1-1 (Isabel Fonseca).
22. Acórdão de 25-05-2017, processo 703/13.0TBMDL-K.G1 (F. Fernandes Freitas).
23. Acórdão de 19-11-2020, processo nº 7078/19.1T8VNF-C.G1 (Conceição Bucho).
24. Processo nº 1536/10.0TYLSB-G1.L1-1 (Amélia Rebelo).
25. Processo nº 857/21.1T8VFX-A.L1 (Isabel Fonseca).
26. Processo nº 3489/20.8T8VCT-A.G1 (Maria João Matos, aqui 2ª adjunta), não publicado mas junto a final.
27. Graduada esta primeiro e seguida daquele, como aqui sucedeu quanto às verbas 77 e 78, que já não quanto à 67, uma vez que, aí, a Segurança Social foi colocada atrás dos créditos laborais e não incluído o pignoratício por, como se explicitou, se ter ignorado a oneração de tal verba com o penhor a favor do Banco ….
28. Com efeito, no Acórdão da Relação de Lisboa de 08-02-2022, começou esse Tribunal por referir, apesar de no caso nele apreciado concorrerem dois credores privilegiados (Estado e Segurança Social) e um pignoratício: “Saliente-se que não estamos perante um confronto concursal extensível a outros créditos porquanto, relativamente ao crédito do Estado, por IRS, o mesmo mostra-se definitivamente graduado depois do crédito da apelante – que não vê, pois, a sua esfera patrimonial atingida desfavoravelmente com essa graduação –, como decorre da sentença de graduação e, por outro lado, não concorrem no caso créditos laborais.”. E, depois de expor a controvérsia gerada pela interpretação e conjugação dos artºs 204º, nº 2, do CRCSPSS, com o artº 747º, nº 1, CC, e a tese restritiva que se inclina no sentido de, quando concorrerem, além da Segurança Social e credor pignoratício, outros credores privilegiados (como era o caso), então não dever aplicar-se a regra daquele primeiro artigo (prevalência das prestações da segurança social sobre o penhor), concluiu, partindo do pressuposto de que, por efeito do caso julgado, a posição do Estado se tornou indiscutível, não podendo ser afectada, e apenas se defrontavam, no recurso, aqueles dois créditos, havendo, por consequência, apenas, um concurso bilateral: “Mas essa questão, sobre a qual se tem pronunciado largamente a jurisprudência, de forma não coincidente, insiste-se, não tem aqui que ser apreciada”. Desse modo, julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença que, em 1ª Instância, graduara em 1º lugar o crédito privilegiado da Segurança Social e, em 2º, o crédito pignoratício do credor apelante, como sucederia, indiscutivelmente, se o concurso fosse limitado a estes dois (bilateral). Semelhantemente, no desta Relação, de 21-10-2021, consignou-se: “….tendo-se os titulares dos créditos laborais e a Fazenda Nacional conformado com a sentença dos autos, transitou quanto a eles a graduação dos créditos respectivos; e pedindo a Recorrente exclusivamente no seu recurso que se «gradue, pelo produto da venda das ações, em primeiro lugar, o crédito reclamado pela Y, na parte garantida por penhor», a eventual procedência do mesmo apenas é susceptível de afectar a graduação do seu crédito e dos créditos relativos a contribuições para a Segurança Social. Por outras palavras, discute-se exclusivamente nos autos, nesta fase do seu processamento, o concurso do crédito pignoratício com os créditos da Segurança Social, isto é, qual deles deve ser graduado em primeiro e em segundo lugar, para (por essa ordem) ser pago pela venda das 1.100 acções apreendidas (já que, quanto aos demais créditos, a ordem da respectiva graduação transitou já em julgado). Logo, quer pela literal aplicação do art. 204.º, n.º 2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (tida como norma especial), quer por não se verificarem, neste momento, os fundamentos de facto necessários a uma interpretação correctiva-restritiva daquele preceito (tido como norma excepcional) - um efectivo e actual concurso de créditos privilegiados -, não pode este Tribunal ad quem deixar de manter a graduação de créditos feita na sentença recorrida: em primeiro lugar, os créditos relativos a contribuições devidas à Segurança Social; e em segundo lugar, o crédito pignoratício, da Recorrente.”. Por isso, foi a apelação desta julgada improcedente.
29. O caso julgado constitui excepção dilatória (artºs 576º, nºs 1 e 2, 577º, alínea i), 580º e 581º, CPC) que tem por função e finalidade evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior e a expressão constante do artº 621º “limites e termos em que julga” significa que a extensão objectiva dele se afere face às regras substantivas relativas à natureza da situação que ele define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na acção – cfr., v.g., Acórdão do STJ, de 12-07-2011, processo nº 129/07.4TBPST.S1 (moreira Camilo).
30. Assim sucederia aqui, por exemplo quanto à graduação sobre os bens das verbas 77 e 78, caso se seguisse o caminho trilhado pelos referidos acórdãos referidos acima (cfr. notas 24 a 26), se considerássemos que, por nenhum dos outros credores ter recorrido, apenas estávamos diante de um concurso bilateral entre a Segurança Social e a Y. Não havendo, em tal perspectiva, que compatibilizar a solução do artº 204º, nº 2, do CRCSPSS, com as demais regras do sistema jurídico relativas a outros credores privilegiados, e aplicando-se literal e indiscutivelmente o que dessa norma resulta, então a graduação feita em primeira instância – Segurança Social antes e credor pignoratício a seguir – estaria certa e o recurso da Y deveria improceder, diversamente da solução que aqui se preconiza.