Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ESPINHEIRA BALTAR | ||
Descritores: | JURISPRUDÊNCIA OBRIGATÓRIA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/06/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1 - Os assentos tinham como fundamento garantir a certeza, a segurança da ordem jurídica, criando princípios normativos vinculativos dos tribunais, das autoridades públicas e dos cidadãos, no sentido de que as normas que foram objecto de discussão interpretativa passassem a ser interpretadas de determinada maneira. 2 - Com a revogação do artigo 2.º do C.Civil pelo artigo 4.º n.º 2 do DL. 359-A/95 de 12/12 foi criado um sistema de formação de acórdãos uniformizadores de jurisprudência e foram equiparados a estes os assentos existentes. 3 - Com este novo regime deixou de haver, legalmente, uma vinculação dos tribunais judiciais a estes acórdãos. Quis-se implantar um sistema de uniformização jurisprudencial assente na autoridade dos acórdãos, que se devem impor por si, pelos seus fundamentos, de molde a que consigam a adesão de todos os intervenientes judiciários. 4 - Dentro deste novo sistema, o juiz, em princípio, está vinculado à doutrina dos acórdãos uniformizadores, em nome da unidade jurisprudencial, potenciadora da certeza, da segurança da ordem jurídica e da sua unidade. 5 - Só deve recusar a aplicação da doutrina uniformizada, em casos excepcionais, em que surjam circunstâncias supervenientes, capazes de imporem uma nova interpretação, justificando a sua revisibilidade. 6 - No caso em apreço, o assento 1/02/1966, que interpretou o artigo 31 & 4 da LULU. no sentido de que " o mesmo no domínio das relações imediatas o aval que não indique o avalizado é sempre prestado a favor do sacador", não se verificam circunstâncias supervenientes que justifiquem uma revisibilidade da doutrina uniformizada do assento, pelo que é de manter a sua aplicação. 7 - Os valores em causa são os mesmos, impondo-se a defesa do título de crédito, consubstanciado no princípio da literalidade, abstracção e autonomia. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães Os Opoentes A e B deduziram oposição à execução por apenso à acção executiva sob a forma comum que também contra si foi instaurada por C , alegando, em resumo: A exequente apresentou à execução quatro letras de câmbio, por ela sacadas e todas aceites pelo executado D . O aval concedido pelos opoentes nas letras de câmbio dadas à execução é a favor da sacadora, nos termos do § 4 do art.31 da LULL e tratando-se de presunção inilidível, nenhum direito assiste à exequente, invocando em abono da sua tese o Assento do STJ de 1 de Fevereiro de 1966. Mesmo assim não sendo entendido, sempre os opoentes seriam parte ilegítima, invocando os opoentes em arrimo dessa excepção o Acórdão da RL, de 5/2/98; BMJ 474º, pág.534. Pediram que seja julgada procedente a oposição à execução por parte dos avalistas, ora oponentes, com todas as legais consequências. Contestou a exequente concluindo, em síntese, que a oposição deduzida deve improceder. A final foi prolatado despacho saneador sentença que julgou improcedente a oposição e determinou o prosseguimento da execução. Inconformados com o decidido, os opoentes interpuseram recurso d apelação, formulando conclusões. Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido, suscitando o abuso de direito caso sejam procedentes as conclusões no que concerne à aplicação da doutrina do assento de 1 de Fevereiro de 1966, relativamente à interpretação do artigo 31 & 4 da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças. Colhidos os vistos cumpre decidir. Das conclusões de recurso ressaltam as seguintes questões a saber: 1 – Impugnação na vertente do facto 1.1 – Alterar o teor do ponto de facto n.º 4 da decisão recorrida no sentido de não provado, isto é, que não seja dado como provado que o aval foi dado a favor do aceitante. 2 - Impugnação na vertente do direito 2.1 – Se a doutrina dos antigos assentos, que hoje valem como acórdãos de uniformização de jurisprudência, vinculam os Tribunais Judiciais da 1.ª instância e Relação, podendo apenas ser impugnados no STJ. 2 – Se, no caso em apreço, a interpretação do artigo 31 &4 da LULL. vai no sentido do assento do STJ. de 1/2/1966, publicado no D.G. n.º 44 de 22 de Fevereiro, com a seguinte proposição doutrinária: “ Mesmo no domínio das relações imediatas o aval que não indique o avalizado é sempre prestado a favor do sacador”. Iremos conhecer as questões enunciadas 1.1– O ponto de facto n.º 4 da decisão recorrida dá como assente “ que o aval prestado no verso dos títulos dados à execução foi prestado a favor do aceitante D ( facto alegado a fls. do requerimento inicial executivo dos autos principais, aqui não impugnados pelos opoentes, que se limitaram a deduzir na presente posição à execução uma mera defesa por excepção ao alegado pela exequente no aludido requerimento executivo)”. Daqui resulta que o julgador entendeu que não houve oposição por impugnação ao requerimento executivo. O certo é que temos de analisar a oposição como um todo, e fazendo-o, constata-se que, em parte alguma, os opoentes aceitaram que deram o seu aval a favor do aceitante. Pelo contrário, afirmam, ao longo do seu requerimento de oposição à execução, que o aval foi dado a favor da sacadora exequente. Claro que o fizeram invocando o disposto no artigo 31 & 4 da LULL interpretado à luz do assento do STJ de 1/2/1966. Mas esta defesa não deixa de ser por impugnação, na medida em que ataca o requerimento executivo na parte do aval a favor do aceitante, como nele está expresso. E esta impugnação, apesar de não ser de uma forma directa, resulta do conjunto do requerimento de oposição, em que está patente que os opoentes não aceitam, de forma alguma, que tenham dado o seu aval a favor da sacadora. Daí que nos termos do artigo 817 n.º 3 do CPC, tenhamos da admitir que houve oposição aos factos identificados no requerimento de execução, mais concretamente os referentes a que “...por declaração aposta e subscrita no verso das letras ora dadas à execução, constituíram-se avalistas do aceitante os executados A e B. Assim, a matéria de facto inserida no ponto 4 da decisão recorrida terá de considerar-se não provada, porque a sua prova assentou em fundamentos que não se verificaram, isto é, não houve uma confissão ficta, por parte dos opoentes à execução. Daí que a Relação, ao abrigo do disposto no artigo 712 n.º 1 al. b) do CPC. tenha de julgar como não provada a matéria consignada no ponto 4 da decisão recorrida. Iremos fixar a matéria de facto assente, que passamos a transcrever: 1) - Com o requerimento inicial, a exequente juntou ao processo quatro letras de câmbio, conforme documentos 1 a 4 ( cf. fls.9 a 12 dos autos principais ), todas com data de saque de 05/06/07, e vencimento, respectivamente, em 2005/06/30, 2005/07/24, 2005/08/21 e 2005/09/30, nos montantes de €2.700, €2.700, €2.700, €2.947,23. 2) - Em cada uma delas, consta como sacadora a aqui exequente e como sacado e aceitante D . 3) - Nas letras de câmbio dadas à execução referidas em 1), consta nos respectivos versos as palavras “ bom por aval “, com as assinaturas dos aqui opoentes após tal expressão, não existindo naquelas letras qualquer referência ou indicação sobre qual fosse o beneficiário da garantia que constitui o aval. 4) – Em 05/09/2005, o executado D fez um pagamento de €1.453,27 por conta da quantia total em dívida decorrente do referido em 1), tendo a quantia exequenda ficado reduzida ao montante de €9.593,96, nada mais tendo sido pago até hoje, (facto alegado a fls.2 do requerimento inicial executivo dos autos principais, aqui não impugnado pelos opoentes, que se limitaram a deduzir na presente oposição à execução uma mera defesa por excepção ao alegado pela exequente no aludido requerimento executivo). No que tange à impugnação da matéria de direito, foram elencadas duas questões, que iremos conhecer em conjunto, porque são interdependentes. 2.1 e 2.2 – O tribunal recorrido recusou aplicar ao caso a doutrina do assento do STJ, de 1/02/1966, publicado no D.G. 44 de 22/02/1966, na interpretação do artigo 31 & 4 da LULL, porque, com a revogação do artigo 2.º do C.Civil os assentos deixaram de ter força obrigatória geral, valendo apenas como acórdãos de jurisprudência uniformizadora, meramente orientadora e não vinculativa. E, além disso, existem razões suficientes para não ser aplicada a sua doutrina, uma vez que foi criticada pela doutrina, essencialmente por Vaz Serra, Ferrer Correia, que admitem que no domínio das relações imediatas, é possível a prova do contrário, porque não está em causa a protecção de terceiros de boa fé, e seguida pela jurisprudência. E acabou por julgar improcedente a oposição à execução, porque ficou provado que os opoentes prestaram o seu aval a favor do aceitante. Os opoentes insurgiram-se contra o decidido, alegando e concluindo, em síntese, que os assentos, como acórdãos uniformizadores de jurisprudência, vinculam os tribunais de 1.ª instância e da Relação, podendo apenas ser impugnados perante o STJ. Os assentos tinham como fundamento garantir a certeza, a segurança da ordem jurídica, criando princípios normativos vinculativos dos tribunais, das autoridades públicas e dos particulares, no sentido de que as normas que foram objecto de discussão interpretativa passassem a ser interpretadas de determinada maneira. E assim conseguir-se-ia a unidade do sistema, porque a sua aplicação abrangia todas as pessoas de forma igual. E isto estava consagrado no artigo 2.º do C. Civil. Este normativo veio a ser declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Ac. Trib. Const. 743/96 de 28/05 publicado no DR. Série I, A n.º 165, a 18/07/1996, na parte que “.. atribui aos tribunais competência para fixar doutrina com força obrigatória geral, por violação do artigo 115 n.º 5 da constituição”. De acordo com este acórdão do Tribunal Constitucional, os assentos continuariam a vincular os tribunais judiciais, podendo ser alterados pelo STJ. O certo é que, por opção do legislador, o artigo 2.º do C.Civil veio a ser revogado pelo artigo 4.º n.º 2 do decreto-lei 395-A/95 de 12/12, e, simultaneamente, foi criado um sistema de formação de acórdãos uniformizadores de jurisprudência e foram equiparados a estes os assentos existentes e a criar até à entrada em vigor da reforma ao CPC, como resulta da leitura do artigo 17 do mesmo diploma. Com este novo regime jurídico sobre os acórdãos uniformizadores de jurisprudência e a equivalência dos assentos, deixou de haver, legalmente, uma vinculação dos tribunais judiciais a estes acórdãos. Quis-se implantar um sistema de uniformização jurisprudencial assente na autoridade dos acórdãos, que se devem impor por si, pelos seus fundamentos, de molde a que consigam a adesão de todos os intervenientes judiciários. O que quer dizer que a unidade da jurisprudência passa pela força da razão dos fundamentos invocados nesse acórdãos e não pela razão da força imposta pela lei. Pretendeu-se manter o espírito de unidade jurisprudencial, fundamento da certeza, da segurança da ordem jurídica e da sua unidade, mas compatível com a independência dos tribunais na vertente da autonomia do juiz na interpretação e aplicação do direito( que apenas está vinculado à constituição e à lei, como resulta do artigo 206 da CRP e do artigo 4º da seu estatuto), como garantia dos cidadãos e da criatividade do direito, que é algo que está em permanente evolução, face à dinâmica social, económica e política da ordem jurídica. Dentro deste novo sistema, o juiz, em princípio, está vinculado à doutrina dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência. Pois só assim se pode manter a segurança, a certeza e unidade do sistema, fundamento da uniformização da jurisprudência. É que o juiz, enquanto integrado no órgão de soberania Tribunais, deve acatar a jurisprudência uniformizada, para que não se caia numa situação de caos jurisprudencial, em que sobre a mesma questão, que já teve uma decisão qualificada, se mantenham duas ou mais correntes jurisprudenciais, criando-se a incerteza, a imprevisibilidade nos meios judiciários, que perturbará os cidadãos em geral, que deixam de acreditar na justiça. O que desencadeia a criatividade do direito ( autonomia do juiz na decisão), que é indispensável para que o direito acompanhe o devir histórico, acaba por desestabilizar o sentimento de segurança e previsibilidade que é importante preservar, para que o sistema possa ser eficaz. Daí que a recusa de aplicação da doutrina uniformizada seja uma excepção. O juiz, antes de tomar um posição de recusa ou rejeição desta doutrina, deve analisar bem os fundamentos do acórdão, das questões jurídicas em conflito, da posição vencida, e só quando surjam circunstâncias supervenientes, capazes de imporem uma nova interpretação, isto é, quando haja razões profundas para a sua revisibilidade, porque se alteraram as circunstâncias que estiveram presentes no momento do debate colectivo alargado, é que deve afastar-se da doutrina uniformizada. Só assim se justifica, em termos objectivos, a recusa da sua aplicação, em nome da independência dos juizes e da criatividade do direito, não se ferindo o sentido da jurisprudência uniformizada. Agora importa focarmo-nos no acórdão que gerou o assento de 1/2/1966, cuja doutrina foi rejeitada pela decisão recorrida, para aquilatarmos das questões em conflito, dos fundamentos invocados que suportam a decisão e dos votos de vencido, que reflectem a posição vencida, para ponderarmos da justeza dos fundamentos invocados na rejeição deste assento. Nesse acórdão foi definido o objecto do recurso que se traduzia no conflito de dois acórdãos prolatados pelo STJ., um a 14 de Outubro de 1960, que defendia que, no domínio das relações imediatas, era possível ao sacador ou portador da letra ilidir a presunção de que o aval aposto no rosto da letra era a favor do sacador, e outro de 28 de Abril de 1964, que consignava que a presunção constante na al. 4 do artigo 31 da LULL não admitia prova do contrário, quer no domínio das relações imediatas quer nas relações mediatas. A doutrina do assento, que veio eliminar o conflito, foi no sentido de que “ mesmo no domínio das relações imediatas o aval que não indique o avalizado é sempre prestado a favor do sacador”. Prevaleceu a posição do acórdão de 28 de Abril de 1964. Essa doutrina assentou, essencialmente, na tutela do título de crédito, tanto no domínio das relações imediatas como mediatas, porque, pela sua natureza, se impunha o princípio da literalidade, que gerava a segurança e confiança nas relações jurídicas que incorporava, de natureza cartular. E isto, não admitia que o normativo a interpretar contivesse qualquer presunção, mas antes configurava a vontade de quem presta o aval. Ou expressa-o de forma inequívoca na letra, ou é o normativo que o indica – o sacador. Temos, dentre 11 conselheiros que subscreveram o acórdão, 9 que votaram a tese vencedora e dois a tese vencida. Estamos perante uma maioria muito qualificada, o que é importante, enquanto espelha o grau de consenso alcançado nesta votação e legitimidade da doutrina saída do acórdão que gerou o assento. E, se analisarmos a anotação ao artigo 31 da LULL por parte juiz Abel Pereira Delgado, na sua “Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças”, 3.ª Edição, a fls. 157, constata-se que a jurisprudência estava dividida, tanto nas Relações como no STJ. Não havia uma corrente que se considerasse dominante. E, ao nível da doutrina, temos quatro nomes sonantes como G. Dias, M. Figueiredo, Cunha Gonçalves e Pinto Coelho, que defendiam a posição que veio a prevalecer. Apenas é indicado o Dr. Bento Roque como defensor da posição vencida. O que nos leva a concluir que a tese vencedora sufragou o sentimento jurídico dominante na época sobre a interpretação deste preceito legal ( artigo 31 n.º 4 da LULL.). Os votos de vencido sustentam a posição contrária que vai no sentido de ser admissível prova do contrário no domínio das relações imediatas, em que não se justifica os princípios da literalidade, abstracção, porque não há que proteger terceiros de boa fé. E foi esta posição que foi defendida mais tarde pelo Prof. Vaz Serra e Ferrer Correia, após a prolação do assento, que se encontra também explanada na anotação ao artigo 31 da LULL, por parte do juiz Abel Pereira Delgado. E é esta doutrina, que espelha os votos de vencido, que fundamentou a recusa de aplicação do assento, por vários tribunais, ao nível da 1.ª instância, das Relações e do STJ. após a derrogação do artigo 2.º do C.Civil. Criou-se uma corrente jurisprudencial, que não se pode considerar maioritária, ao nível dos tribunais superiores, que rejeitou a doutrina do assento, mas em que não invoca fundamentos novos, emergentes de circunstâncias ou valores supervenientes capazes de porem em causa a doutrina do assento. O que defendem não é mais do que o ressuscitar das cinzas da posição vencida traduzida nos votos de vencido do acórdão que originou a doutrina do assento. Os valores em discussão são os mesmos apesar de já se terem passado mais de 40 anos. Não está em causa uma necessidade de adaptar o direito a uma nova realidade sócio-económica capaz de exigir uma revisão da doutrina. Pois o que se discutiu e prevaleceu é o que está em causa – título de crédito. Só que agora se pretende mudar a orientação, fazendo prevalecer o que anteriormente foi a posição vencida. Não trazendo novos argumentos, não se justifica a recusa. Pois, se assim fosse, não se prosseguiria os objectivos da jurisprudência uniformizada, assente na necessidade da segurança, certeza na ordem jurídica, e na unidade do sistema. Qualquer acórdão uniformizador, que tenha votos de vencido, é fonte de discórdia e gerador de insegurança, caso seja seguida, em decisões futuras, a posição vencida. Será uma forma de bloquear o sistema e descredibilizar a justiça perante os seus destinatários – os cidadãos em geral, o que julgamos que não deve acontecer. Para tal, está previsto o recurso para o STJ, independentemente de alçada, para controlar estas situações, colocando à disposição das partes um mecanismo protector da jurisprudência uniformizada ( artigo 678 n.º 6 do CPC), ( conferir – Abrantes Geraldes, Valor da Jurisprudência Cível, CJ.(STJ) 1999, Tomo II, pag. 5; Ac. STJ. 18/02/1999, BMJ. 484/325). Depois de traçados os princípios orientadores, vamos aplicá-los ao caso sub judice. Estamos perante uma decisão que recusou a aplicação do assento do STJ de 1/02/1966, com fundamento na doutrina crítica do Prof. Vaz Serra, Ferrer Correia, e o juiz Abel Pereira Delgado, que defendem a posição do voto de vencido, e ainda na jurisprudência do STJ e das Relações que aderiram a esta doutrina, cujas citações são variadas. O que quer dizer que não adiantou qualquer fundamento novo, limitando-se a fazer renascer das cinzas a posição vencida, pondo em causa a segurança e certeza da ordem jurídica e unidade do sistema, em que na nossa opinião não justifica a rejeição. Os valores em discussão são os mesmos e actuais, pois o que está em causa é a protecção do título de crédito enquanto tal, tanto nas relações mediatas ou imediatas. Pois, os princípios da literalidade, abstracção e autonomia são próprios dos títulos de crédito, neste caso da letra de câmbio. E, enquanto estivermos perante um título de crédito incorporador da relação cambiária, estes princípios e todo o direito cartular, mais concretamente a LULL são aplicáveis, tanto nas relações imediatas como mediatas. Isso só não acontecerá quando algum subscritor do título faça valer a relação jurídica subjacente. Nesse caso o direito aplicável ou regulador dessa relação jurídica é o direito civil e não o cartular, porque o interessado abdica do título de crédito, para discutir a relação jurídica material e não cartular, como o permite o artigo 17 da LULL. Assim passaremos a estar perante um mero documento particular que pode traduzir uma determinada realidade jurídica civil ( a relação jurídica causal), em que as partes intervenientes podem alegar factos estranhos ao documento com vista à caracterização da mesma, em que o direito aplicável é o civil e não o cartular, porque a relação é de natureza civil e não cambiária. No caso, o titular das letras invocou a relação jurídica cambiária e não a relação causal ou material, pelo que o direito aplicável será o da LULL e não o direito civil. Daí que a norma em causa, o artigo 31 & 4 da LULL é a aplicável, nos termos interpretados pelo assento, porque a sua doutrina mantém-se actualizada como à data que foi prolatado, não tendo havido circunstâncias posteriores que imponham uma interpretação diferente. Não tendo sido indicada a pessoa em nome de quem os avalistas prestaram o seu aval, teremos de concluir que estamos perante um aval incompleto, pelo que nos termos do artigo 31 & 4 da LULL é considerado dado a favor do sacador. O que quer dizer que os avalistas recorrentes não podem ser demandados pela sacadora, uma vez que esta se apresenta como credora do aceitante, devedor da mesma. A recorrida suscitou, nas suas contra-alegações, o abuso do direito por parte dos avalistas ao invocarem o disposto no artigo 31 & 4 da LULL. Alegou, em síntese, o facto de os recorrentes terem subscrito as letras de câmbio como avalistas a favor do aceitante. O certo é que, apesar de terem alegado este facto, acabou por não ser provado. Ora, não tendo provado o fundamento do abuso de direito, na vertente do “venire contra factum proprium”, não se coloca sequer a questão do abuso de direito. Pois, isso só poderia equacionar-se se porventura se tivesse provado que deram o aval a favor do aceitante, e em face da aplicação da doutrina do assento isso não fosse admitido legalmente, considerando-se sempre a favor do sacador. Aí poderiam estar a agir de má fé, usando um direito que contrariava, de forma clamorosa, o sentimento jurídico da sociedade ou a confiança da parte contrária. Mas no caso em apreço, isso não se verificou, e seria difícil acontecer, face ao princípio da literalidade, em que o título só vale quanto ao que nele constar, e tudo o que lhe for estranho é como se não existisse juridicamente, pelo que a prova não seria possível porque não consta da letra a indicação expressa em nome de que foi prestado o aval. Apenas temos a expressão, no verso da letra, “ bom para aval “ seguida dos nomes dos avalistas. Daqui se conclui que nenhuma indicação foi dada em nome de quem foi prestado o aval. E não se poderia agora, através doutro elemento exterior à letra, provar que foi concedido a favor do aceitante. Em face de tudo isto, temos de concluir que os recorrentes, ao defenderem-se nos termos em que o fizeram, exerceram legitimamente um direito, pelo que não se verificam os pressupostos do artigo 334 do C.Civil. Decisão Pelo exposto, acordam os juizes da Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a sentença recorrida e declaram extinta a execução no que respeita aos avalistas. Custas pela recorrida Guimarães, |