Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL ROCHA | ||
Descritores: | PETIÇÃO INICIAL INDEFERIMENTO LIMINAR TAXA DE JUSTIÇA APOIO JUDICIÁRIO EXCEPÇÃO DILATÓRIA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/07/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Tendo sido recebida e distribuída a petição inicial sem a junção do comprovativo da concessão do apoio judiciário ou do pagamento da taxa de justiça, não deve indeferir-se liminarmente a petição. II – A parte não pode ser sancionada pelo facto de a secretaria não ter procedido com a diligência necessária, designadamente por não lhe ter dado a oportunidade de sanar a omissão da junção daqueles documentos nos termos do disposto no art.º 476.º do CPC. III – Assim, detectada tal falta pelo juiz, deve este mandar notificar os Autores para, no prazo de dez dias, juntarem o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães. I – RELATÓRIO Na presente acção de divisão de coisa comum, intentada em 21 de Dezembro de 2010 por C… e mulher, M… e distribuída ao 3.º juízo cível do Tribunal Judicial de Barcelos, foi proferido despacho que indeferiu liminarmente o requerimento ou petição inicial, com o fundamento de que os Autores não juntaram, com a mesma petição, decisão da Segurança Social concedendo-lhes o apoio judiciário, mas apenas o comprovativo de que efectuaram tal pedido, remetido pelo correio em 25/11/2011, nem procederam ao pagamento da taxa de justiça devida. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação de tal despacho, que foi recebido, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1.º No dia 21 de Dezembro de 2010, os recorrentes apresentaram pelo sistema informático Citius, o requerimento inicial à qual anexaram vários documentos bem como os comprovativos dos pedidos de concessão do apoio judiciário que enviaram por carta registada para o Instituto da Segurança Social; 2° - O senhor escrivão adjunto informou a Meritíssima Juíza "a quo" de que os AA: apenas juntaram aos autos o pedido de apoio judiciário"; 3° - A Meritíssima Juíza "a quo" proferiu despacho no sentido de "indeferir liminarmente o requerimento. 4° - A fundamentação apresentada consistiu em "os requerentes não juntaram, com o requerimento inicial, a decisão da SS concedendo-lhe o benefício do apoio judiciário, nem procederam ao pagamento da taxa de justiça devida. 5° - Os recorrentes consideram que tendo em conta a supremacia da lei especial sobre a lei geral, prevalece a redacção dos artigos 18 e 29 da Lei n° 34/2004 de 29 de Julho sobre o n° 3 do artigo 467 do Cod. Proc. Civil; 6° - Em consequência da supremacia da lei especial sobre a lei geral, prevalece a redacção dos art.ºs 18.º e 29.º da Lei n° 34/2004 de 29 de Julho, bastando ao recorrente apresentar juntamente com a p. i., o comprovativo da concessão do apoio judiciário ficando, a partir dessa data, suspenso o prazo para pagamento da taxa de justiça até que a decisão da Segurança Social seja notificada ao recorrente; 7° - Dispõe o no 18 da Lei n° 34/2004 de 29 de Julho com a alteração introduzida pela Lei no 47/2007 que “o apoio judiciário é concedido independentemente da posição processual que o requerente ocupe na causa e do facto de ter sido já concedido à parte contrária." 8° - A primeira parte do n°2 da referida disposição legal que o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual; 9° - O n° 2 do artigo 29 do aludido diploma prevê que "para concretização do beneficio do apoio judiciário nas modalidades previstas nas alíneas a) e d) do n° 1 do artigo 16.°, devem os interessados apresentar o documento comprovativo da sua concessão ou da apresentação do respectivo pedido no momento em que deveriam apresentar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça"; 10° - A alínea a) do n° 5 do referido preceito legal determina que "não havendo decisão final quanto ao pedido de apoio judiciário no momento em que deva ser efectuado o pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo judicial, proceder-se-á do seguinte modo: a) no caso de não ser ainda conhecida a decisão do serviço da segurança social competente, fica suspenso o prazo para proceder ao respectivo pagamento até que tal decisão seja comunicada ao requerente"; 11° - Nos termos do artigo 37 do diploma indicado, "são aplicáveis ao procedimento de concessão de protecção jurídica as disposições do Código do Procedimento Administrativo em tudo o que esteja especialmente regulado na presente lei. 12° - O artigo 38 que "aos prazos processuais previstos na presente lei aplicam-se às disposições da lei processual civil"; 13° - O n° 3 do artigo 467 do Cod. Proc. Civil prescreve que "o autor deve juntar a petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo; 14° - O n° 5 que, "sendo requerida a citação nos termos do artigo 478.°, faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor apresentar documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido"; 15° - Consideramos que o Código de Processo Civil é uma lei geral enquanto a Lei n° 34/2004 de 29 de Julho e uma lei especial que apresenta disposições excepcionais; 16° - A redacção dada aos artigos 18 e 29 da Lei n° 34/2004 de 29 de Julho data de 28 de Agosto de 2007 com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2008 enquanto que, o n° 3 do artigo 467 do Cod. Proc. Civil resulta do Decreto-lei n° 34/2008 de 26 de Fevereiro coin entrada em vigor em 1 de Setembro de 2008; 17° - Se a vontade do legislador era revogar a lei especial, tê-lo-ia dito, expressamente neste diploma; uma vez que tal não veio a verificar-se e atendendo a supremacia da lei especial sobre a lei geral, entendemos que prevalece o texto dos artigos 18 e 29 da Lei n° 34/2004 de 29 de Julho; 18.º - Os recorrentes apresentaram juntamente com o requerimento inicial, o comprovativo da apresentação do pedido de concessão do apoio judiciário; 19° - A partir dessa data, ficou suspenso o prazo para proceder ao pagamento da taxa de justiça até que a decisão lhe seja notificada. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. IIFUNDAMENTAÇÃO II FUNDAMENTAÇÃO Objecto do recurso O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nºs 3 e 4 e 690 nº 1 do Código de Processo Civil); Nos recursos apreciam-se questões e não razões. Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. Assim sendo, a questão a decidir é a de saber se deve ser indeferida liminarmente a petição inicial, por não terem os Autores feito junção, com esta, do comprovativo da concessão do apoio judiciário ou do pagamento da taxa de justiça. O circunstancialismo fáctico e processual a ter em conta na decisão a proferir é o descrito supra no relatório. O Direito O principal argumento do recorrente para sustentar que não deveria ter sido indeferido liminarmente a sua petição é o de que a norma do art.º 467.º n.º 4 do Processo Civil, que sustentou tal indeferimento, tem a natureza de lei geral, cedendo perante o disposto nos art.ºs 18.º e 29.º da Lei 34/2004 de 29 de Julho, (alterada pela Lei 47/2007), relativa ao regime legal do acesso ao direito e aos tribunais, que considera ser lei especial. Salvo o devido respeito não podemos concordar com tal entendimento. Seguido de perto José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, pag. 207 e ss. uma lei é especial em relação a outra quando, sem contrariar substancialmente o princípio nela contido, a adaptar a circunstâncias particulares. A Lei 34/2004 estabelece o regime de acesso ao direito e aos tribunais e, nesta matéria, constitui lei geral. Dispõe o art.º 18.º n.ºs 1 e 2 desta Lei que o apoio judiciário é concedido independentemente da posição processual que o requerente ocupe na causa, devendo ser requerido, por regra, antes da primeira intervenção processual, a não ser que a situação de insuficiência económica seja superveniente. Por sua vez, dispõe o art.º 29.º n.º 1 da mesma lei que, para concretização do benefício do apoio judiciário, designadamente na modalidade de dispensa de taxa de justiça, devem os interessados apresentar o documento comprovativo da sua concessão ou da apresentação do respectivo pedido no momento em que deveriam apresentar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça. Acrescenta o n.º 5 al a) do mesmo art.º 19.º que, não havendo decisão final quanto ao pedido de apoio judiciário no momento em que deva ser efectuado o pagamento da taxa de justiça, fica suspenso o prazo para proceder ao respectivo pagamento até que tal decisão seja comunicada ao requerente. É este o regime e o procedimento regra que, contudo, comporta excepções. Uma dessas excepções é a que resulta, precisamente, do disposto art.º 467.º do Código de Processo Civil que se reporta aos requisitos da petição inicial, mais concretamente o seu n.º 4 (anterior n.º 3) cuja redacção originária, introduzida pelo Dec. Lei 183/2000 de 10 de Agosto, foi mantida nas sucessivas alterações ao mesmo diploma, a última das quais, através do Dec. Lei 226/2008 de 20/11. Segundo esta norma, o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo. Isto é, não basta, no momento em que se apresenta a petição inicial, que o Autor se limite a juntar o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça, exigindo a lei que seja apresentado o comprovativo da decisão da Segurança Social que concedeu tal benefício. A especificidade de tal procedimento justifica-se plenamente em função do momento em que é exigido tal comprovativo. Como bem refere o Mm.º Juiz a quo, em “Nota Prévia” ao despacho que admitiu o presente recurso, o Autor não sofre qualquer prejuízo por ter de aguardar a decisão definitiva da Segurança Social antes de propor a acção. Nos casos em que tal prejuízo poderia verificar-se, isto é quando exista urgência na propositura da acção, então, bastará ao Autor apresentar o comprovativo do pedido de apoio judiciário, em consonância com o disposto no n.º 5 do mesmo art.º 467 do CPC e com o procedimento regra do regime de acesso aos tribunais. O mesmo sucede com o réu que, por ter prazo peremptório para contestar, pode limitar-se a juntar o comprovativo do pedido do apoio (cfr. art.º 486-A do CPC). Ou seja e como também se escreveu também na dita “nota prévia”, a especificidade do regime do n.º 4 do art.º 467.º do CPC, justifica-se no princípio da preclusão. E, assim, ao contrário do que defendem os apelantes é esta norma que tem natureza de norma especial, tendo em conta as referidas especificidades, prevalecendo, tal como a norma do art.º 474.º al. f), sobre o regime regra estabelecida na Lei de acesso ao direito e aos tribunais. Mesmo que assim não fosse, não podemos esquecer que o legislador, ao manter a redacção daquela norma processual civil na última alteração que fez ao Código de Processo Civil, em 2008, quis inequivocamente que a mesma prevalecesse sobre o regime regra da Lei 34/2004. Concluindo-se que é aplicável ao caso o disposto no art.º 467.º n.º 4 do CPC, vejamos então se, mesmo assim, existe fundamento para o indeferimento liminar. É ponto assente que os Autores não juntaram, com a petição inicial, nem o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, nem o comprovativo da concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento dessa taxa, mas apenas o comprovativo do pedido desse benefício, sendo certo que, tendo em conta a data em que o mesmo foi remetido pelo correio á Segurança Social, ainda não tinha decorrido o prazo necessário para se considerar que existiu um deferimento tácito (cf. art.º 25.º da Lei 34/2004). Também é pacífico que não se verifica nenhuma das situações de urgência referidas no n.º 5 do art.º 467.º do CPC. A consequência do não cumprimento da aludida obrigação processual por parte do autor ou requerente, é a recusa oficiosa da petição inicial ou do requerimento inicial pela própria secretaria, conforme o art.º 474.º al f) do CPC, que dispõe: “A secretaria recusa o recebimento da petição inicial indicando por escrito o fundamento da rejeição, quando ocorrer algum dos seguintes factos: … f) Não tenha sido junto o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou o documento que ateste a concessão de apoio judiciário, excepto no caso previsto no n.º 5 do artigo 467.º” No caso dos autos, não obstante ter sido omitida a junção destes documentos, a petição foi recebida. Apesar de indevidamente recebida pela secretaria, podia ainda ser recusada a distribuição da petição, ao abrigo do disposto no artº 213º CPC, uma vez que não continha um dos requisitos externos exigidos por lei. Contudo, efectuou-se a distribuição. Mas, recebida a petição pela secretaria e efectuada a sua distribuição nas referidas circunstâncias, deverá o juiz indeferi-la liminarmente? Entendemos que não. Se a secretaria tivesse procedido como devia, a questão que agora nos ocupa poderia ter sido sanada desde logo nos termos do disposto no art.º 476.º do CPC, o que permitiria aos Autores juntar o documento a que se refere o art.º 474.º al f), durante os 10 dias subsequentes à recusa do recebimento, à recusa da distribuição da petição, ou á notificação que a haja confirmado. Não se vê porque tal faculdade não lhe possa, neste momento, ser concedida, sob pena de se penalizar o Autores por uma falta de cuidado da secretaria. Como refere Abrantes Geraldes, TEMAS DA REFORMA DO PROCESSO CIVIL, 1 – Princípios Fundamentais e 2 – Fase Inicial do Processo Declarativo, Almedina, 1997, pág. 223. o indeferimento liminar previsto no art.º 234-A do CPC, só deve ter lugar quando a petição apresenta vícios formais ou substanciais de tal modo graves que permitem prever, logo nesta fase, que jamais o processo assim iniciado terminará com uma decisão de mérito ou que é inequívoca a inviabilidade da pretensão apresentada pelo autor. Por outro lado, a actual lei processual civil tem evoluído no sentido de reforçar os princípios do inquisitório, da verdade material e da economia processual, dando ao Juiz a faculdade de suprir, mesmo oficiosamente, a falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a regularização da instância conferindo-lhe até o poder de adequar a tramitação processual prevista na lei às especificidades da causa, privilegiando, assim, as decisões de mérito, como decorre do disposto no art.º 265.º e 265-A do Código de Processo Civil. Tais faculdades atribuídas ao juiz constituem, mais que um poder, um verdadeiro dever. Em conclusão, no caso concreto, verificada a omissão, por parte dos Autores, da junção do comprovativo da concessão do apoio judiciário, ou do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, apenas depois de recebida e distribuída a petição inicial, devem os mesmos ser notificados para a suprir tal omissão, no prazo de dez dias. Neste sentido decidiu-se, entre outros, nos acórdãos da Relação do Porto de 11/09/2006 e de 23/05/2006, proferidos nos processos n.º 0612888 e n.º 0622181 e no acórdão da Relação de Coimbra de 13/10/09, proferido no processo 1485/09.4.5BACB, todos em www.dgsi.pt . Caso não seja suprida tal omissão, verificar-se-á então uma excepção dilatória inominada (consubstanciada numa irregularidade formal que o agravante não supriu em tempo útil), a obstar ao conhecimento do mérito da causa e que conduzirá à absolvição da instância (artº 493º, nº2 CPC). Veja-se, neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 16/11/2006, proferido no processo 0635709, em www.dgsi.pt. Deve pois ser revogada a decisão apelada em conformidade III – DECISÃO Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta secção cível em revogar o despacho apelado, determinando-se que o Mm.º Juiz da primeira instância notifique os Autores para, em dez dias, juntarem o comprovativo da concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça ou o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, com a devida cominação. Custas pela parte vencida a final. Notifique. Guimarães, 7 de Abril de 2011 Isabel Rocha Manuel Bargado Helena Melo |