Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | HELENA MELO | ||
Descritores: | PROPRIEDADE DA ÁGUA DIREITO DE PASSAGEM DIREITO ACESSÓRIO DIREITO DE TAPAGEM COMPROPRIETÁRIO TERRENO ALHEIO. | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/02/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário (da relatora): . A rejeição da impugnação da matéria de facto por falta de cumprimento dos ónus, não determina a extemporaneidade do recurso, como consequência automática, quando o recurso é apresentado entre o 31º e o 40º dia. Se da análise do recurso, incluindo das conclusões, se concluir que a parte pretendeu impugnar a matéria de facto, então assiste-lhe o direito de beneficiar do acréscimo do prazo de 10 dias, concedido pelo artº 638, nº 7 do CPC, não sendo o recurso, porque apresentado no 40º dia, extemporâneo. .Quando tiverem sido realizadas duas perícias e não forem convergentes, a segunda perícia não invalida a primeira. Nessa situação, o tribunal terá de decidir pela perícia que se lhe afigure que melhor apreciou a realidade, designadamente, tendo em conta a fundamentação apresentada. . A obras destinadas à captação, derivação armazenamento ou derivação das águas não são águas, nem constituem uma modalidade destas. Assim, pode estar determinada a propriedade da água sem que esta abranja a propriedade dos meios de captação. O direito de passagem nos casos como o dos autos, não constitui uma servidão autónoma, mas apenas um meio necessário, funcionalizado ao inerente aproveitamento da água de que os AA. são comproprietários; trata-se do que se denomina de “adminicula servitutis” . Consequentemente, o acesso ao prédio dos RR., é apenas autorizado para o cabal exercício do direito de propriedade sobre a água, quando as circunstâncias o imponham, constituindo o direito de passagem um direito acessório. .O direito de tapagem que assiste aos RR. está limitado pelas faculdades ou poderes instrumentais acessórios ou complementares, que se mostrem adequados ao pleno aproveitamento do direito de propriedade sobre uma água que é captada em terreno alheio. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório L. G. e esposa M. P., vieram intentar ação sob a forma de processo comum contra D. C. e Herança Ilíquida e Indivisa Aberta Por óbito de M. F., representada pelo requerido D. C., por H. C. e por B. C.. Alegaram, em síntese, que são os donos dos prédios identificados no art. 7º da petição e que o prédio rústico descrito confronta pelo sul com o prédio da propriedade dos RR., composto de casa de 2 pavimentos e logradouro, divisão essa que é feita por uma parede em pedra, construída pelo menos há mais de 100 anos. Mais alegaram que a menos de um metro da parede que divide o prédio dos réus do prédio dos autores, situa-se um poço, localizado no prédio dos RR., onde é captada água, sendo a mesma conduzida por um tubo subterrâneo que segue em direção ao prédio dos autores e desemboca num reservatório de água situado no mesmo prédio, sendo essa água depois utilizada pelos autores para a lima e rega do prédio rústico e para uso e gastos domésticos no prédio urbano. Invocaram, ainda, que a referida água é compropriedade dos autores e réus, tendo aqueles adquirido o direito sobre a mesma por compra e venda celebrada em 4 de setembro de 1871 e, de qualquer forma, por usucapião. Aquando de tal contrato foi feita uma entrada na divisória dos prédios para que os antepossuidores dos autores pudessem aceder ao poço para praticarem os atos necessários à utilização da água. Mais asseveraram que há mais de 20 anos onde existia inicialmente uma abertura foi colocada uma cancela e posteriormente, com a edificação da parede de pedra, um portão em ferro. É por esse portão que os autores têm vindo a fazer o acesso ao poço. Para o caso de não se entender que adquiriram o direito de propriedade sobre as águas, defenderam que sempre ter-se-á de concluir pelo direito de servidão de tais águas, a par, dos sempre constituídos direitos acessórios de servidão de passagem, de presa e de aqueduto a onerar o prédio dos réus. Mais alegaram que, em março de 2016, os réus procederam à construção de uma parede em tijolos e cimento com cerca de 1,80m, na entrada do portão de acesso ao poço, assim os impedindo de ali aceder, encontrando-se os autores sem acesso e impedidos de praticar todos os atos necessários para que possam usufruir da sua água livremente e sem limitações. Por último, invocaram que os réus, apesar de terem sido condenados em sede de providência cautelar a destruírem a parede de blocos, ainda não o fizeram, continuando a impedir os autores de acederem ao poço. Pediram: .a) que se declare que os autores são os donos e legítimos proprietários dos prédios identificados no artigo 7º da petição; .b) que sejam os réus condenados a reconhecer o direito de posse e propriedade dos autores sobre o poço situado no prédio dos RR. e as águas nele captadas; o direito de passagem e os direitos acessórios de servidão de presa e aqueduto; .c) serem os réus condenados a absterem-se da prática de quaisquer atos que impeçam o exercício, gozo ou fruição desses direitos; Subsidiariamente .d) ser declarado que os autores são os donos e proprietários da água que nasce ou é captada ou existe no subsolo do prédio por usucapião; .e)Subsidiariamente pedem que se declare que os autores são os donos e proprietários da água que existe no subsolo do prédio identificado no artigo 10º; .f)E ainda para a hipótese de não proceder o pedido formulado na alínea b), se declare constituída por destinação do anterior proprietário e por usucapião, um direito de servidão de águas a onerar o prédio identificado em 10ª, em benefício dos identificados no artº 7º para rega e lima e gastos domésticos dos referidos prédios, bem como direito de passagem e os direitos acessórios alegados no artº 41º; . g) serem os AA. condenados a reconhecer estes direitos, o direito de passagem e demais direitos acessórios dos autores e absterem-se de praticar qualquer ato que pertube, impeça ou diminua o seu completo e livre exercício pelos autores; .h)ordenar os RR. a proceder à demolição da parede de blocos e cimento; .i) ordenar os réus a proceder à demolição de toda e qualquer construção que de alguma forma interfira com o direito de posse e propriedade dos autores sobre as águas captadas, o direito de passagem e os direitos acessórios, alegados no artº 41º; j) se condenem os RR. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a favor dos AA. no valor de 500 euros por cada dia que mantenham a parede de blocos e cimento. Os réus, contestaram, pugnando pela ineptidão da petição inicial e impugnaram a maioria dos factos alegados pelos autores. Defenderam que na parede que divide os prédios não havia cancela nem havia portão. Mais invocaram que os autores têm vindo a retirar as utilidades do poço através da cabine por detrás do mesmo, pelo que não necessitam de outro acesso. Referem também que o poço se encontra fechado e por isso não necessita de manutenção e as poucas vezes que os AA. terão necessidade de aceder à bomba de captação submersível não lhes confere o direito de entrarem no seu prédio quando entenderem. Os réus, deduziram ainda pedido reconvencional nos seguintes termos: .serem os Reconvindos condenados a reconhecer a sua propriedade sobre o poço e sobre a água aí extraída, abstendo-se da prática de quaisquer atos que conflituem com tais direitos. E, subsidiariamente (1), para a hipótese de se reconhecer a servidão de aproveitamento de águas, pediram que “os adminicula servitutis sejam determinados na medida da necessidade do aproveitamento de águas através de canos subterrâneos”. Por último, pediram a condenação dos autores no pagamento da quantia de €5.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos pelo R. D. C. e ainda, a sua condenação como litigantes de má-fé, em multa e em indemnização aos Reconvintes no montante de 1.000,00. Notificados, os autores, apresentaram resposta, impugnando os factos alegados pelos réus, pedindo a improcedência do pedido reconvencional, bem como do pedido de condenação como litigantes de má fé e, por sua vez, requereram a condenação dos réus como litigantes de má fé por terem deduzido pedido de indemnização a que sabem não ter direito. Os réus igualmente se defenderam do pedido de condenação como litigantes de má fé, por considerarem que o mesmo não tem fundamento legal. Foi realizada a audiência prévia na qual, foi admitida a reconvenção e esclarecido pelos autores que os pedidos deduzidos em b), d) e e), são de compropriedade e não de propriedade plena. Proferiu-se despacho saneador, no qual se julgou improcedente a alegada exceção de ineptidão da petição inicial e foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova. Em 02.10.2019 foi realizada a inspeção judicial ao local, efectuada pela Mma. Juíza então em funções Em 10.09.2020, por ter mudado a titular do processo, foi efectuada nova inspeção ao local, pela Mma. Juíza que proferiu a decisão recorrida. Teve lugar a audiência final e após foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo expendido e em conformidade com as supra disposições legais, julgo: .A) a ação procedente por provada e, em consequência: .a) condenam-se os réus a reconhecerem o direito de posse e compropriedade dos autores sobre o poço e as águas captadas no mesmo poço referido em 9, bem como a reconhecer-lhes o direito de passagem descrito em 16 e absterem-se da prática de atos que impeçam o exercício desses direitos. .b) condenam-se os réus no pedido de demolição da parede de blocos e cimento referida em 18, bem como de toda e qualquer construção que interfira com o exercício dos direitos ora reconhecidos. .c) absolvem-se os réus do pedido de sanção pecuniária compulsória. .B) a reconvenção improcedente, por não provada e, em consequência, absolvem-se os autores dos pedidos deduzidos, bem como do pedido de condenação como litigantes de má fé.” Os RR. não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações da seguinte forma: I – Nulidade da sentença, nos termos do 615, n.º1 , b) e c) porquanto os factos dados como provados pelo tribunal recorrido não são suficientes para o mesmo fundamentar a decisão recorrida; no mais concluindo com matéria factual contrária à prova testemunhal e documental constante dos autos. II- Questão de facto de alteração/ ampliação da matéria de facto. III- Questão de direito, sobre aplicação de normas de ónus probatório, alegação e prova de factos essenciais, contradição entre factos provados e conclusões e prova pericial. 1- Não foram alegados nem provados factos que atribuam a propriedade ou a compropriedade do poço aos AA. 2- Resulta dos factos provados 5.º e 26.º que o poço é uma construção física existente no prédio dos RR. 3- Foram os próprios AA. que alegaram que haviam adquirido por concessão datada de 4.09.1871 o direito de tirar água do poço. 4- No mesmo contrato ficou estabelecido que “(…)e por esta também concedo a licença ao mesmo comprador de tirar a Agoa do meu poço para uso de sua casa para todo o tempo do mundo podendo fazer entrada quando fizer a parede para o mesmo poço na parte mais procima ao dito poço(…)”. 5- Os AA., apesar de o alegarem, não provaram sequer que o poço fosse o mesmo a que diz respeito os autos. 6- Os AA. apenas provaram que retiram água de um poço por meio de tubos subterrâneos. 7- Ora, o poço em discussão nos autos é parte integrante do prédio rústico dos RR., enquanto construção com caracter de permanência, nos termos do art. 204, n.º1,d) e n.º 3 do C.C. 8- A posse e propriedade do poço estabelece-se por inerência à posse do imóvel em que o mesmo se integra. 9- Não foram alegados e muito menos provados e a matéria de facto provada atribui a propriedade aos AA. (ponto 5.º e 26.º dos factos provados) e bem assim, salvo o devido respeito não ficou provado que o direito água do poço não conhecesse quaisquer restrições ou limites. 10- Existe contradição entre os factos provados nos itens 5. º e 26.º e a decisão de compropriedade AA. do poço, pelo que por manifesta falta de prova não pode julgar-se procedente a compropriedade dos AA. sobre o poço. 11- Considera-se incorretamente julgado o ponto 13) da matéria de facto dada como provada, mormente quando refere “sem limitações”. 12- As próprias testemunhas dos AA. não produziram prova sobre os termos e extensão dos proveitos de água retirados (eliminou-se a transcrição do depoimento da testemunha F. J. que constava desta conclusão). 13- Considera-se incorretamente julgado que se dê como provado os pontos 13, 14), 15), 16) e 17), 21), 22) e 23) da matéria de facto.(eliminou-se a referência à transcrição parcial do depoimento da testemunha F. J. aos mm 7:45 aos 8:23mm que igualmente constava desta conclusão) E o testemunho de A. S., foi peremtório em afirmar que o poço se encontrava no quintal dos pais, inexistindo qualquer entrada para aceder no muro de pedra sobre pedra (igualmente se eliminou a transcrição do segmento do depoimento desta testemunha que foi reproduzido nesta conclusão). 14-Face à ausência de prova dos AA. e à prova produzida pelos RR. devia julgar-se não provada a matéria dos itens 13 a 17 e 21 a 23. 15- NO QUE CONCERNE À MATÉRIA DE DIREITO Além da discórdia da matéria de facto dada como provada e não provada, discorda-se ainda da fundamentação de direito. 16 - Com feito, cabia aos AA. nos termos de distribuição do ónus probatório provarem os factos que alegaram. 17- O douto tribunal recorrido não pode tirar ilações e conclusões diferentes dos depoimentos efetivamente prestados pelas testemunhas, muito menos dando como provados factos, mormente quanto à compropriedade do poço, que tão pouco foram alegados. 18- Reza a sentença em crise que: Estes depoimentos devidamente conjugados entre si e analisados à luz das regras da experiência comum, auxiliados pelas fotografias juntas e pela perceção resultante da inspeção judicial, permitiram apurar as várias fases do muro que separa as propriedades dos autores e dos réus, a existência de uma entrada, posterior cancela e depois portão que permite aos autores aceder ao poço, que dúvidas não temos dessa prova que os autores utilizam a água aí captada há mais de 50 anos. A verdade é que a própria configuração do poço e da cabine também os factos relatados denunciam, pois que a cabine tem duas portas, uma virada para cada uma das propriedades e o poço tem a tampa dividida e tem dois óculos. A porta da cabine permite o acesso à mesma, mas não tem acesso direto ao poço, só o tendo os réus através do portão. 19- Todavia, como este douto superior tribunal retirará da prova testemunhal produzida em Audiência de Julgamento, da mais avisada leitura da prova pericial, bem como dos elementos fotográficos constantes dos autos não é correto afirmar se que os AA. não retirem todas as comodidades de utilização da água pela cabine. 20- Os AA. não fizeram prova que alguma vez houvessem procedido a limpeza do poço ou que acedessem com caracter regular ao mesmo. 21- Estará certamente esta superior instância atenta ao facto de os AA. nunca haverem alegado necessidade concreta de acesso ao poço e quais as comodidades que efetivamente não conseguem retirar do mesmo pela utilização da cabine, posto que durante os 3 anos que seguiu a contenda, os AA. exerceram todos os seus direitos pela dita cabine. 22- Salvo o devido respeito foi violado o art. 342 do C.C.. 23- A matéria provada pelos AA. não é suficiente para se constituir uma situação de compropriedade, mas sim de servidão de águas. 24- Perante a escassez e debilidades dos depoimentos prestados impunha-se que o tribunal de primeira instância, na dúvida, houvesse optado por uma situação de servidão em detrimento de compropriedade de águas. 25- Assim se impondo a apreciação das questões colocadas pelos RR. na sua Reconvenção, de restrição às especificas necessidades que viessem surgir. 26-Posto que o douto tribunal recorrido não conheceu assim da Reconvenção, o que se requer a V. Ex.as se dignem apreciar. 27- Obstando, a uma justa composição do litígio. 28- Não se justifica é abusivo que sobre pretexto, não provado, de necessidade de acesso regular ao poço, os AA. devassem o direito dos RR. a terem o seu prédio vedado e a terem os AA. que se anunciarem quando nele se introduzirem. 29-DOS DIREITOS ACESSÓRIOS SEREM DETERMINADOS NA MEDIDA DA NECESSIDADE DO APROVEITAMENTO DE ÀGUAS: 30- Os RR. nunca negaram o uso que os AA. vinham fazendo da água, nos termos das tubagens existentes. 31- Opondo-se antes a que os AA. tenham acesso ao poço para além de uma cabine, pois pretendem igualmente aceder aos mesmo por uma cancela que os AA. construíram no muro. 32- A contenda dos autos centrou-se igualmente no fato de os RR. querem a sua propriedade vedada e os AA. a isso se oporem pretendendo manter outra passagem por pretexto de terem necessidade de aceder ao motor que têm no poço ou sob pretensa necessidade de limparem o mesmo. 33- Na esteira do alegado sobre a propriedade do poço, a prova, mormente testemunhal dos AA. foi inexistente quanto ao facto de alguma vez haverem ter exercido atos sobre o poço, nomeadamente de limpeza. 34- Bem como prova alguma foi feita que utilizavam a água captada no poço sem limitações. 35- O douto tribunal recorrido, não podia deixar justificar incongruências que as testemunhas manifestamente não disseram, nem quiseram dizer. 36- As testemunhas F. J. e M. C. souberam fazer destrinça clara entre a cabine e o poço, que disseram se situar, ambos, a meio das propriedades de AA. e RR. 37- A justificação da incongruência das testemunhas pelo tribunal, respeitosamente, não é admissível “Importa, ainda, referir que apesar das testemunhas F. J. e M. C. terem situado o poço a meio das propriedades, a verdade é que a cabine se encontra efetivamente a meio das duas propriedades e o muro com a rede encostava na mesma, segundo a testemunha J. F., pelo que se entende não colocar este facto em causa estes depoimentos que por todas as razões expendidas lograram convencer o tribunal do conteúdo da sua versão.” 38- Com o devido respeito, para além de no caso se entender que as testemunhas não provaram a concreta forma de como água era utilizada pelos AA. e não concretizam os seus termos. 39-Com o devido e merecido respeito o douto tribunal recorrido não pode tirar ilações não permitidas por lei e abster-se de criteriosamente julgar as motivações que enredam todo os depoimentos prestados. 40- Repare-se que mesmo quando a testemunha F. J. se cortou no motor dos AA., o dito motor estava na cabine! 41- O douto tribunal deveria valorar o facto de o poço se situar em terreno dos RR. e a cerca de pelo menos um metro da dita parede. 42- Salvo o devido respeito, igualmente mal andou o douto tribunal recorrido na análise da prova pericial; resultando inequivocamente da mesma, mormente por perito melhor qualificado no seu âmbito de atividade que “o poço praticamente não precisa de manutenção; muito esporadicamente i.é, uma vez de 10 por 20 anos”. 43- Não obstante ser o douto juiz de 1.ª instância, o perito dos peritos, não se vê razão para o douto tribunal se afastar da perícia, tanto mais, repete-se, ser a 2.ª perícia realizada, por perito melhor qualificado nessa área. 44- A segunda perícia refere que perante a questão se: é possível retirar todos os proveitos do poço a partir da cabine existente? Sim. Somente quando seja necessário o acesso à bocado poço que é fora da cabina. Esta necessidade raramente ocorre. 45- Mais uma vez com o devido respeito, não se acha devidamente fundada a irrelevância dada a uma prova pericial fundamental para discussão dos autos, mormente porque especialmente relacionada com os acessos e devassa que outra entrada, que não pela cabine, causa no prédio dos RR.; sem justificação devida. Requer-se assim a Vossas Excelências se dignem apreciar os factos e o direito em discussão, e que pelos amplos poderes conferidos a esta Relação se dignem apreciar a prova produzida e a constante dos autos, mormente a pericial de forma a se alcançar solução conforme o direito e justa. A parte contrária contra-alegou, tendo concluído do seguinte modo: 1º - O presente recurso apresentado pelo recorrente tem NECESSARIAMENTE de ser REJEITADO por extemporâneo, sem prescindir, mesmo que assim não se entenda, deve o mesmo ser julgado improcedente. 2º - Isto porque o recorrente apresentou as suas alegações no 40º dia que tinha para o efeito, pois apelou e no âmbito da apelação impugnou a decisão da matéria de facto, aproveitando para o efeito a extensão do prazo de 10 dias prevista no nº 7 do art. 638º do CPC. 3º - Ora não deve ser admitido o recurso por decurso do prazo legal, tendo em conta que o recorrente não cumpriu os ónus de alegação previstos no art. 640º do CPC. 4º - Não obstante o recorrente ter indicado passagens de gravações de testemunhas, não desenvolve uma análise critica dessa prova por forma a demonstrar o alegado erro decisório, e não especifica quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa. 5º - Sobre a propriedade do poço, o recorrente transcreveu parte do depoimento da testemunha F. J., não obstante não explicou de que forma é que o depoimento esta testemunha infirmava a matéria de facto dada ou não como provada, e como tal não cumpriu os ónus de alegação previstos no art. 640º do CPC. 6º - O que o recorrente fez, foi isolar parte do depoimento da referida testemunha, em que esta refere que o poço era de um tal das “eiras”. 7º - No seu depoimento a dita testemunha referiu claramente, sem deixar margem para qualquer dúvidas que o dito poço era “meeiro” do tal “das Eiras” e do “pai do L. G.” autor nestes autos. 8º - O Douto Tribunal a quo, decidiu e bem que os autores são PROPRIETARIOS DA ÁGUA E POÇO que nasce no prédio dos réus, aqui recorrentes. 9º - Propriedade essa que foi adquirida por USUCAPIÃO, conforme resulta explanado da Douta Sentença agora recorrida, e as águas para serem apropriadas tem de ser captadas, ou por poço ou por furo. 10º - Sem poço ou furo NÃO há captação de águas em prédio alheio, e logo, não há propriedade das águas por usucapião, significa isto que o direito de propriedade das águas no caso ENGLOBA a forma de captação. 11º - Entende também o recorrente que apenas devia ter sido reconhecido aos recorridos um direito de servidão das águas. 12º - O Douto Tribunal julgou bem reconhecer o direito de propriedade dos autores, aqui recorridos, sobre as águas em causa nos presentes autos. 13º - O recorrente alega que o ponto 13 da matéria de facto está incorretamente julgado por referir “sem limitações”. 14º - E para sustentar esta alegação transcreve parte do depoimento da testemunha F. J., sem, no entanto, explanar de que modo é que o depoimento da dita testemunha infirma o que foi dado como provado, e como tal não cumpriu os ónus de alegação previstos no art. 640º do CPC. 15º - Mais grave, o recorrente de seguida alega que considera incorrectamente julgado que se dê como provado os pontos 14, 15, 16, 17, 21, 22 e 23 e para o efeito transcreve parte do depoimento das testemunhas F. J. e A. S.. 16º - No entanto, mais uma vez, o recorrente não indica em concreto de que forma esses depoimentos infirmam os pontos que julga incorretamente julgados, não desenvolve uma análise crítica dessa prova por forma a demonstrar o alegado erro decisório, e não especifica quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa. 17º - E assim, foi da forma supra descrita que o recorrente alegadamente impugnou a decisão da matéria de facto, aproveitando para o efeito a extensão do prazo de 10 dias prevista no nº 7 do art. 638º do CPC. 18º - Ora não deve ser admitido o recurso por decurso do prazo legal, tendo em conta que o recorrente não cumpriu os ónus de alegação previstos no art. 640º do CPC, conforme supra demonstrado. 19º - É importante referir que o recorrente, para infirmar os pontos 14, 15, 16, 17, 21, 22 e 23 da matéria de facto dada como provada transcreveu o depoimento de uma testemunha, A. S., que conforme consta da Douta Sentença agora recorrida, desde 1955, ou seja há mais de 65 ANOS! que não vai ao local e poço em causa. 20º - E que por isso, revelou um conhecimento escasso e pouco preciso, não sendo suficiente para colocar em causa a restante prova produzida, como é bem referido na Douta Sentença agora recorrida. 21º - Alega também o recorrente, não explicando no entanto de que forma concreta o alegado erro decisório, que “ a abertura da parede é recente e cabia aos autores a prova de quando a mesma foi aberta”. 22º - Assim, além de não explicar de como ou onde resulta que “a abertura na parede é recente” o recorrente parece ESQUECER-SE do que foi referido pelas restantes testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, nomeadamente a testemunha M. C., A. O. e J. F.. 23º - Conforme foi decidido na Douta Sentença recorrida: “Estes depoimentos devidamente conjugados entre si e analisados à luz das regras da experiência comum, auxiliados pelas fotografias juntas e pela perceção resultante da inspeção judicial, permitiram apurar as várias fases do muro que separa as propriedades dos autores e dos réus, a existência de uma entrada, posterior cancela e depois portão que permite aos autores aceder ao poço, que dúvidas não temos dessa prova que os autores utilizam a água aí captada há mais de 50 anos. A verdade é que a própria configuração do poço e da cabine também os factos relatados denunciam, pois que a cabine tem duas portas, uma virada para cada uma das propriedades e o poço tem a tampa dividida e tem dois óculos. A porta da cabine permite o acesso à mesma, mas não tem acesso direto ao poço, só o tendo os réus através do portão.” 24º - Além disso o recorrente tenta impugnar matéria de facto dada como provada, mas nem sequer dá ao trabalho de sequer explicar como é que chega a essa conclusão, nomeadamente quando afirma que os autores não fizeram prova que alguma vez houvessem procedido a limpeza do poço ou que acedessem com caracter regular ao mesmo. (ponto 16 da matéria de facto dado como provada). 25º - Conforme foi bem decido pelo Douto Tribunal a quo, e resulta da matéria de facto dada como provada, os autores aqui recorridos, adquiriram por usucapião o direito de propriedade das águas e do poço. 26º - Ser titular de um direito de propriedade sobre as águas ou de um direito de servidão sobre as mesmas são realidades jurídicas distintas. Como refere Antunes Varela(1) “…existe entre os dois direitos reais uma profunda diferença, tanto no seu conteúdo, como na sua extensão ou dimensão: no primeiro caso, há um direito pleno e, em princípio, ilimitado sobre a coisa, que envolve a possibilidade do mais amplo aproveitamento, ao serviço de qualquer fim, de todas as utilidades que a água possa prestar; o segundo confere ao seu titular apenas a possibilidade de efectuar o tipo de aproveitamento da água previsto no título constitutivo e na estrita medida das necessidades do prédio dominante”. 27º - No Manual do Direito de Águas, Tavarela Lobo estabelece da seguinte forma a distinção entre o direito de propriedade e o direito de servidão: “se o terceiro adquirente pode fruir ou dispor livremente da água nascida em prédio alheio e desintegrada da propriedade superficiária, aliená-la ou captá-la subterraneamente, usá-la neste ou naquele prédio, para este ou aquele fim, constitui-se um direito de propriedade…Constituir-se-á um direito de servidão se o aproveitamento de uma nascente existente num prédio (serviente) é concedido a terceiro em benefício de um seu prédio (dominante) e para as necessidades deste”. 28º - É assim que o titular de um direito de propriedade sobre a água pode dispor dela livremente, transmitindo a outrem a respectiva propriedade ou constituindo servidões e pode utilizá-la livremente em qualquer prédio ou para qualquer finalidade, sem quaisquer restrições além das que são impostas por lei e das que resultam de direitos legitimamente adquiridos por terceiros; o titular de um direito de servidão não tem qualquer poder de disposição sobre a água (não pode aliená-la ou cedê-la a terceiro nem constituir sobre ela qualquer ónus) e o direito à sua utilização é restrito e limitado, na medida em que não pode utilizar a água em prédio diverso daquele em benefício do qual foi constituída a servidão (prédio dominante) nem pode utilizá-la para finalidade diversa ou em termos diferentes daqueles que estão abrangidos pelo respetivo título ou conteúdo. 29 º - Assim, atendendo à matéria dada como provada torna-se claro que os autores, aqui recorridos, tem a propriedade e posse das águas e poço em discussão nos presentes autos. 30º - Pelo que, deve ser julgado TOTALMENTE improcedente o recurso interposto pela Ré. II – Objeto do recurso Considerando que: . o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e, . os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a decidir são as seguintes: . se a sentença é nula – artº 615º, nº 1, alíneas b) e c) do CPC; .se os factos considerados provados nos pontos 13 a 17 e 21 a 23 devem ser considerados não provados; . se deve ser revogada a sentença quando declara que os AA. são comproprietários do poço; . se deve ser revogada a sentença quando declara que os AA. são comproprietários de um direito sobre as águas captadas no poço, porquanto são apenas titulares de um direito de servidão de águas; e, . se deve ser revogada a sentença quando condena os réus na demolição da parede de blocos e cimento erigida pelos RR.. III – Fundamentação Na primeira instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos: 1. No dia 12 de Janeiro de 2015, na freguesia de …, concelho ... faleceu M. F., no estado de casada com D. C., em primeiras núpcias de ambos, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade. 2. Como únicos e universais herdeiros sucederam-lhe o seu marido, D. C. e seus dois filhos H. C. e B. C.. 3. Os Requerentes são donos e legítimos proprietários dos seguintes imóveis: - Casa de r/c, andar, coberto ao poente e dependência a nascente, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …/União das freguesias de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, e aí inscrito e registado em favor dos autores nos termos da inscrição Ap. 56 de 2000/03/27; - Eirado, cultura, ramada e quatro macieiras inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …/União das freguesias de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, e aí inscrito e registado em favor dos autores nos termos da inscrição Ap. 56 de 2000/03/27. 4. Estes prédios advieram ao domínio dos autores, por lhes ter sido adjudicado na partilha a que procedeu por óbito da mãe do autor marido. 5. O prédio rústico descrito em 3. confronta pelo sul com o prédio da propriedade dos réus composto de casa de 2 pavimentos e logradouro, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …/União das freguesias de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº …, e aí inscrito e registado em favor do 1º réu e da falecida M. F., nos termos da inscrição Ap. 5352 de 2010/09/23. 6. A divisão e separação entre o supra identificado prédio dos réus dos prédios dos autores era feita, há mais de cinquenta anos, por uma parede de pedra sobre pedra, que foi substituída, inicialmente, por uma parede de blocos com uma rede em cima e, mais tarde, por um muro em pedra. 7. Esta parede separa e divide os prédios ao longo da estrema norte do prédio dos réus e da estrema sul do dito prédio dos autores. 8. Situado a menos de um metro da parede que divide o prédio dos réus do prédio dos autores existe um poço. 9. No prédio dos réus é captada uma água, através desse poço situado a menos de um metro da parede que divide os prédios, o qual se revela por uma aduela de cimento que sobressai acima da quota do nível do solo, fechado por tampa que tem duas bocas de acesso ao referido poço. 10. Após ser captada no poço referido por motor, a água, é conduzida por um tubo subterrâneo que segue na direção ao prédio dos autores e desemboca num reservatório de água situado no prédio urbano daqueles. 11. Essa água é depois utilizada pelos autores para a lima e rega do prédio rústico e para uso e gastos domésticos no prédio urbano. 12. O referido poço constituiu obra visível a olho nu e permanente. 13. Há mais de 50 anos que os autores por si e os antepossuidores dos prédios identificados em 3. se encontram a utilizar a água captada no referido poço, sem limitações, para lima e rega dos seus terrenos e para os usos e gastos domésticos da sua casa, de forma contínua, ininterrupta e reiterada, por forma a exercerem sobre a mesma a propriedade em seu único e exclusivo proveito e interesse. 14. Há mais de 50 anos que foi feita uma entrada na divisória dos prédios de autores e réus, para que os antepossuidores do prédio dos autores pudessem aceder ao poço, para colocar tubagens necessárias à captação de água, verificar os níveis de água, proceder a limpeza e manutenção desse poço. 15. No muro que separa a propriedade dos autores da dos réus existia, inicialmente, uma abertura, que, há mais de 20 anos, foi substituída por uma cancela aquando da edificação da parede de blocos com uma rede em cima e, posteriormente, com a edificação da parede de pedra, por um portão em ferro, que os autores usam para aceder ao poço supra identificado. 16. Há mais de 50 anos, que os autores por si e antepossuidores utilizam a entrada no muro que separa as duas propriedades de forma a poder aceder ao poço para colocar tubagens necessárias à captação de água, verificar os níveis de água, proceder a limpeza e manutenção desse poço e aceder à sua bomba de captação submersível no interior do poço a fim de proceder a eventuais reparações. 17. Constituindo essa entrada com portão o único acesso sem qualquer limitação que os autores têm para aceder ao referido poço a fim de praticar todos os atos necessários para que possam usufruir da sua água livremente e sem limitações. 18. Os réus, em data concretamente não apurada, mas que se situa em Março de 2016, procederam a construção de uma parede em tijolos e cimento com cerca de 1,80m, na entrada com portão de acesso ao poço, no muro que separa as duas propriedades, da dos réus da dos autores, impedindo o acesso destes ao poço identificado. 19. Na sequência desses factos, os autores intentaram uma providência cautelar, a fim de assegurarem o acesso ao poço. 20. A referida providencia correu termos no Juízo Local Cível ..., Juiz 1, com o processo nº 804/16.2T8BCL e aí foi proferida Decisão, já transitada em julgado, que decidiu: - ordenar os réus a procederem à demolição da parede de blocos e cimento supra identificada; - ordenar os réus a proceder à demolição de toda e qualquer construção que de alguma forma interfira com a captação de agua do poço supra identificado; - condenar os réus a reconhecerem o direito de posse e propriedade dos autores sobre as águas captadas no poço supra identificado, bem como o direito acessório de passagem supra explanado, e a absterem-se da pratica de quaisquer atos que impeçam o exercício desses direitos; 21. Contudo, na presente data os autores não têm acesso ao referido poço e estão impedidos de praticar todos os atos necessários para que possam usufruir da sua água livremente e sem limitações. 22. A qualquer momento os autores podem ficar sem água para uso doméstico e rega, na eventualidade de suceder qualquer problema no poço, motores ou bomba, que impeça o abastecimento de água. 23. Através da cabine não é possível fazer a manutenção necessária do poço, bem como da bomba de captação de água dos autores, que se encontra no fundo do poço 24. Pela X – Águas ..., SA, foi declarado, em Março de 2019, que os autores não usufruem da rede pública de abastecimento de água para o prédio em causa, embora a rede pública de água se encontre concluída e disponível para se poderem ligar desde 2011. 25. Junto ao referido poço, existe uma cabine para abrigo dos motores que retiram a água do poço, a qual tem duas portas, uma para acesso a partir da propriedade dos autores e outra para acesso a partir da propriedade dos réus. 26. São os réus que, por si e antecessores e há mais de 1, 5, 10, 15 e 20 anos, vêm retirando do aludido prédio identificado em 5. e de todas as estruturas que aí existem, designadamente os frutos civis e naturais, dele cuidado e tratando da sua manutenção, fazendo as respetivas plantações e colhendo os frutos e produtos daí resultantes, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, e suportando os respetivos encargos, designadamente fiscais, o que fazem de dia e de noite, à vista de toda a gente, sem entrave ou contestação de quem quer que seja, na convicção de quem exerce o direito de propriedade que lhe pertence e de que não se encontram a lesar qualquer direito. * b) Factos não provados a) No dia .. de Setembro de 1871, M. G., bisavô do autor marido, comprou uma parcela de terreno à M. M., que hoje é parte integrante do prédio rústico dos requerentes. b) No mesmo contrato ficou estabelecido que “(…)e por esta também concedo a licença ao mesmo comprador de tirar a Agoa do meu poço para uso de sua casa para todo o tempo do mundo podendo fazer entrada quando fizer a parede para o mesmo poço na parte mais procima ao dito poço(…)”. c) O poço que é referido no supra mencionado contrato é o mesmo que é mencionado acima. d) E o vendedor no supra referido contrato é o antepossuidor do prédio que atualmente é da propriedade dos réus. e) Os atos relatados em 16. dos factos provados são praticados pelos autores com uma regularidade semanal. f) os autores têm na referida cabine todos os materiais necessários para extração da água. g) Os únicos instrumentos que os autores têm no poço são mangueiras e tubos. h) Os autores nunca fizeram qualquer tipo de manutenção no poço. i) Os níveis da água são possíveis verificar a partir da cabine. j) A necessidade de aceder à bomba de captação submersível que se encontra no fundo do poço é esporádica. k) O réu D. C. é uma pessoa recatada, respeitador e respeitado. l) Desde que os autores encetaram esta atitude litigiosa o réu tem tido enormes perturbações e aborrecimentos. m) Antes de o réu colocar os blocos que taparam a abertura do muro o autor, acompanhado de terceiros, entrava por aí, na propriedade dos réus, fazendo-o sem ter qualquer objetivo relacionado com a manutenção ou limpeza do poço. n) Esta contenda tem consumido a vida do réu D. C., prejudica-lhe o descanso e o lazer, causa-lhe desgosto e consternação e tal situação prejudica fortemente o relacionamento do réu D. C. em termos de amigos e vizinhança. o) O autor e terceiros tecem considerações pejorativas sobre o processo visando afetar o réu, intimidando-o e aproveitando-se da sua solidão. Da nulidade da sentença Entende a apelante que a sentença é nula porquanto os factos considerados provados pelo tribunal recorrido não são suficientes para fundamentar a decisão recorrida, assim como a matéria factual dada como provada é contrária à prova produzida. Os defeitos que os apelantes apontam à sentença recorrida não constituem causas de nulidade da sentença. Os vícios que causam a nulidade da sentença são apenas os constantes do nº 1 do artº 615º do CPC e dizem respeito a vícios formais da sentença. Os erros apontados à sentença recorrida, a existirem, constituem erros de julgamento – erro de direito porque os factos são insuficientes para o enquadramento jurídico efetuado pelo tribunal e erro na apreciação da prova que poderá ser sanado mediante impugnação da decisão da matéria de facto – os quais podem conduzir à revogação da decisão, mas não geram a sua nulidade. Improcede, assim, a invocada nulidade da sentença. Da impugnação da matéria de facto O Tribunal da Relação pode alterar a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa (rtº 662º nº 1 do CPC). Defendem os apelados que o recurso não devia ter sido recebido por extemporâneo. O recurso quanto à matéria de facto devia ser rejeitado, porque os apelantes não especificam quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa nem desenvolvem uma análise crítica da prova, pelo que não podiam beneficiar, como beneficiaram, da extensão de 10 dias concedida pelo artº 638º, nº 7 do CPC, ao apresentar o recurso no 40º dia. Vejamos: A parte que pretende impugnar a matéria de facto tem de cumprir diversos ónus exigidos pelo artº 640º do CPC. No entanto, a rejeição da impugnação da matéria de facto por falta de cumprimento dos ónus, não determina a extemporaneidade do recurso, como consequência automática, quando o recurso é apresentado entre o 31º e o 40º dia. Se da análise do recurso, incluindo das conclusões, se concluir que a parte pretendeu impugnar a matéria de facto, como ocorre no caso, então assistirá à parte o direito de beneficiar do acréscimo do prazo de 10 dias, concedido pelo artº 638, nº 7 do CPC, não sendo o recurso, porque apresentado no 40º dia, extemporâneo. Com o actual preceito o legislador teve em vista dois objectivos: eliminar dúvidas que o anterior preceito legal suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente que deverá indicar qual a decisão que o Tribunal deveria ter tido. O sistema que passou a vigorar impõe o seguinte (2): .a) o recorrente deve indicar os concretos pontos da matéria de facto que considere encontrarem-se incorrectamente julgados, tanto na motivação do recurso como nas conclusões, ainda que nestas de modo mais sintético; .b) quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve indicar aqueles que em seu entender conduzem a uma decisão diversa relativamente a cada um dos factos; .c) no que concerne aos pontos da matéria de facto cuja impugnação se apoie em prova gravada (no todo ou em parte), para além da especificação dos meios de prova em que se fundamenta, tem de indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes, transcrevendo, se assim o entender, os excertos que considere oportunos; .d) o recorrente deverá mencionar expressamente qual a decisão que deve ser proferida sobre os pontos concretos da matéria de facto impugnada. Todos estes pontos têm de ser observados com rigor (cfr. se defende, entre outros, no Ac.do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11-07-2012, proferido no proc. 781/09 que embora proferido no domínio do CPC anterior à Lei 43/2013, mantém actualidade, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados sem indicação da fonte). O não cumprimento destes mencionados ónus, conduz à rejeição imediata do recurso na parte afectada, não havendo sequer lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento, porquanto esse convite se encontra apenas consagrado no n.º 3 do artigo 639º do Código de Processo Civil para as conclusões relativas às alegações sobre matéria de direito (em sentido contrário, mas em clara minoria, o acórdão do STJ, de 26-05-2015, processo 1426/08.7TCSNT.L1.S1 que admite também o convite ao aperfeiçoamento das conclusões relativas ao recurso de impugnação da matéria de facto). A alegação e, em particular, as conclusões devem identificar e localizar com clareza mas de forma sintética, o erro de julgamento em que o tribunal incorreu e que deu causa à impugnação e explicar os concretos motivos da discordância, de modo que a Relação possa reapreciar o percurso decisório levado a cabo pelo tribunal a quo, e decidir a impugnação, pronunciando-se sobre o seu mérito. Não é pacífico na jurisprudência a questão de saber se os ónus do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto devem constar formalmente das conclusões e se, devendo constar, deverão ser todos ou apenas alguns e quais. Com base no artº 640º CPC, no sentido de que nada refere, há quem entenda (minoritariamente ao que pensamos) que os requisitos aí referidos não têm de ser incluídos nas conclusões, uma vez que, quanto a estas especificamente, consideram nada se exigir, pois que os nºs 1 e 2, do artº 639º CPC apenas se reportam ao recurso da matéria de direito. Os acórdãos do STJ, de 19-02-2015, proferido no processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, de 13.10.2016, processo 98/12.9TTGMR.G1.S1, de 12-05-2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1 e de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, consideraram suficiente que nas conclusões se especifiquem os concretos pontos de facto impugnados e a decisão a proferir nesse domínio, enquanto delimitativas do objecto do recurso. A falta destas menções nas conclusões, implicará a rejeição do recurso. Nas conclusões, os apelantes cumprem esse mínimo, indicando os pontos impugnados (conclusão 13ª) e a resposta que pretendem que seja dada pelo tribunal (conclusão 14ª). É certo que os apelantes não fazem uma apreciação crítica da prova testemunhal, pois que se limitam a transcrever segmentos dos depoimentos de duas testemunhas – F. J. e de A. S. – e a defender que com base nos segmentos transcritos se extrai a conclusão de que o poço é parte integrante do prédio dos RR.. Mais alegam que destes depoimentos se extrai também que a abertura existente no muro é recente, pelo que o portão em chapa não é o único meio de acesso ao poço. Os apelantes não tentaram demonstrar porque razão o Tribunal deveria ter conferido outra e diferente valoração ao depoimentos destas duas testemunhas e apenas se insurgiram quanto à valoração da prova pericial pelo tribunal a quo, privilegiando a 1ª perícia, em detrimento da 2ª. Os apelantes procederam à impugnação da matéria de facto de modo algo confuso, intercalando a impugnação da matéria de facto com considerações sobre a fundamentação de direito exarada na sentença. E também pedem a eliminação de pontos da matéria de factos na sua totalidade dos factos provados quando apenas não concordam com uma parte dos factos, como acontece relativamente ao ponto 13, onde pretendem pôr, essencialmente, em causa, segundo interpretamos, o segmento que se refere à utilização da água “sem limitações”. A falta de apreciação crítica da prova poderá conduzir ao malogro da impugnação, por os recorrentes não conseguirem demonstrar o erro de julgamento, mas, tendo os apelantes indicado os meios probatórios em que se fundamentam, os pontos impugnados e a decisão que entendem que deverá ser dada, considera-se não ser caso de rejeição da impugnação. Vejamos então os pontos impugnados: 13. Há mais de 50 anos que os autores por si e os antepossuidores dos prédios identificados em 3. se encontram a utilizar a água captada no referido poço, sem limitações, para lima e rega dos seus terrenos e para os usos e gastos domésticos da sua casa, de forma contínua, ininterrupta e reiterada, por forma a exercerem sobre a mesma a propriedade em seu único e exclusivo proveito e interesse. 14. Há mais de 50 anos que foi feita uma entrada na divisória dos prédios de autores e réus, para que os antepossuidores do prédio dos autores pudessem aceder ao poço, para colocar tubagens necessárias à captação de água, verificar os níveis de água, proceder a limpeza e manutenção desse poço. 15. No muro que separa a propriedade dos autores da dos réus existia, inicialmente, uma abertura, que, há mais de 20 anos, foi substituída por uma cancela aquando da edificação da parede de blocos com uma rede em cima e, posteriormente, com a edificação da parede de pedra, por um portão em ferro, que os autores usam para aceder ao poço supra identificado. 16. Há mais de 50 anos, que os autores por si e antepossuidores utilizam a entrada no muro que separa as duas propriedades de forma a poder aceder ao poço para colocar tubagens necessárias à captação de água, verificar os níveis de água, proceder a limpeza e manutenção desse poço e aceder à sua bomba de captação submersível no interior do poço a fim de proceder a eventuais reparações. 17. Constituindo essa entrada com portão o único acesso sem qualquer limitação que os autores têm para aceder ao referido poço a fim de praticar todos os atos necessários para que possam usufruir da sua água livremente e sem limitações. 21. Contudo, na presente data os autores não têm acesso ao referido poço e estão impedidos de praticar todos os atos necessários para que possam usufruir da sua água livremente e sem limitações. 22. A qualquer momento os autores podem ficar sem água para uso doméstico e rega, na eventualidade de suceder qualquer problema no poço, motores ou bomba, que impeça o abastecimento de água. 23. Através da cabine não é possível fazer a manutenção necessária do poço, bem como da bomba de captação de água dos autores, que se encontra no fundo do poço. Procedemos à audição das testemunhas em que os apelantes se fundamentaram. São elas: F. J., nascido em 1941, reformado, que declarou ter trabalhado em 1960/61 para A. N., como criado de servir, anterior dono do prédio que hoje é dos RR.. Disse ainda ter estado no prédio há cerca de 5 anos. A. S., nascida em 1939, doméstica, que declarou ter residido no prédio que hoje é dos RR. e que foi dos seus pais, tendo deixado de residir no mesmo quando casou, com 16 anos de idade, tendo ainda visitado o pai e os irmãos no local, mas já aí não retornando há várias décadas. Ponto 13 A testemunha A. S. declarou de forma convicta que o poço sempre se situou no prédio que hoje é dos RR. e que entre o poço e muro que dividia ambos os prédios, existia ainda uma pereira. Por sua vez a testemunha F. J., embora num primeiro momento tivesse referido que o poço era pertença dos Eiras (antecessor do R. D. C.) – segmento da declaração em que os apelantes fundamentam a impugnação - posteriormente referiu que o poço era do A. N. e do pai do A. (antecessor deste), situando o poço a meio dos dois prédios –actualmente dos AA. e dos RR., afigurando-se que terá sido certamente por o situar na linha divisória dos dois prédios que declarou que o poço era de ambas as partes. Acontece porém que o poço não se situa na linha divisória dos dois prédios, estando as partes de acordo que o mesmo se situa totalmente dentro do prédio dos RR.. Nenhum destes depoimentos põe em causa o que foi dado como provado neste ponto 13, desde logo porque não foram dados como provados quaisquer factos que pudessem suportar a conclusão de que os AA. e os RR. são comproprietários do poço, como melhor desenvolveremos infra. Relativamente ao uso limitado da água, nenhuma das testemunhas em que os apelantes se fundamentam depôs nesse sentido, pelo que se mantém inalterado este ponto da matéria de facto. Pontos 14 a 17 Entendem também os apelantes que a abertura que permitia a passagem entre os prédios no muro e que foi tapada pelos RR., é recente, o que significa que os apelados sempre puderam aceder ao poço, sem necessidade da demolição da parede que peticionam. Relativamente à passagem existente no muro que divide os prédios, o tribunal fundamentou-se no depoimento da testemunha M. C., cujo depoimento, apesar de ser irmão do A., considerou credível, não tendo a testemunha, de acordo com a motivação que exarou, evidenciado qualquer interesse no desfecho da causa e que depôs sobre a configuração primitiva do prédio quando os seus pais o adquiriram e que referiu que antes da porta de ferro que ainda hoje existe, colocada pelo seu irmão, existia uma cancela, colocada pelo réu, tendo este adquirido o prédio há mais de 20 anos. Estes factos foram confirmados pela testemunha J. F. que procedeu à construção do muro que divide os dois prédios e que procedeu à substituição da rede que os separava até então e da cancela antiga com estrutura em ferro e em rede, pela porta de ferro ainda hoje existente e visível nas fotografias juntas aos autos. Também a testemunha A. O. confirmou a existência de rede divisória, existente há mais de 20 anos. Os apelados nas contra-alegações relativamente à matéria de facto vertida nos pontos 14 a 17 fundamentaram-se no depoimento da testemunha J. F., (artº 640º, nº 2, alínea b) do CPC).. Igualmente se procedeu à audição do depoimento da testemunha J. F. em que os apelados se fundamentaram, tendo a testemunha declarado ser operário da construção civil, amigo do A. e vizinhos das partes, tendo trabalhado no prédio dos AA., juntamente com o seu pai, nas obras de demolição e reconstrução da casa, do muro e da cabine que se iniciaram em 2006 e que descreveu as obras que foram efectuadas, designadamente, no muro e como este era antes da intervenção, cujo depoimento nos soou credível. Ora, os apelantes pedem que se dê como não provados os pontos da matéria de facto relativos às várias fases do muro, mas em momento algum referem porque razão não deverão merecer crédito as testemunhas em que se baseou o tribunal a quo e que detém um conhecimento muito mais recente que o demonstrado pelas testemunhas em que os apelantes se fundamentaram. Acresce que as várias fases do muro foram perceptíveis na inspeção judicial a que se procedeu no início da audiência final, de acordo com o vertido na motivação da decisão de facto, o que também não foi posto em causa pelos apelantes. Nos autos constam dois autos de inspeção levados a cabo pela Mma. Juiza que proferiu a sentença recorrida e um outro anterior, realizada pela Mma. Juíza que a antecedeu. Deve assim serem mantidas as respostas aos pontos 14 a 17 por não se vislumbrar a ocorrência de qualquer erro. Pontos 21 a 23 Quanto à prova de que se pode aceder ao poço sem ser necessária a abertura que os apelados reclamam, consignou-se, a propósito, na sentença que “Quantos aos factos vertidos em 22. e 23. no essencial, os mesmos resultam do relatório pericial de fls. 82 a 86 (3), pois que resulta do mesmo a necessidade de inspecionar o próprio poço para recolha de água para análises, bem como para manutenção do equipamento aí instalado. Mais resultou aí explicado que as bombas submersíveis exigem o acesso ao poço para sua instalação e manutenção, não sendo tal possível realizar através da cabine em causa. Apesar de no relatório de fls. 129 a 134 (4) que o poço praticamente não precisa de manutenção, inicialmente referiu-se que poderia ser necessária uma limpeza do fundo do poço e que em caso de avaria da bomba ou rutura dos tubos poderia também haver necessidade de intervenção. O que não resulta lógica na referida segunda perícia, e daí o Tribunal se ter convencido mais da apreciação realizada na primeira, é que se afirme que é possível tirar todos os proveitos do poço através da cabine, depois de se afirmar todas as anteriores necessidade de aceder ao mesmo e depois de se afirmar que também pode ser necessário alterar a altura da suspensão da bomba. Tanto assim é que já em sede de esclarecimentos o Sr. perito veio a afirmar que podem ocorrer avarias na bomba ou rutura dos tubos e é necessário aceder ao poço.” O depoimento da testemunha A. S. não põe em causa o que foi dado como provado. Basta ler o segmento transcrito que não se pronuncia sobre esta matéria. Este depoimento, assim com também o da testemunha F. J. foram muito difíceis de obter pois que as testemunhas, devido decerto à sua idade, não ouviam bem e foi preciso repetir várias vezes as perguntas, para que conseguissem responder, o que fizeram de modo não muito claro, afirmando as testemunhas não compreender o que lhes estava a ser perguntado. E o referido pela testemunha F. J. no segmento transcrito está posto em causa pelos relatórios periciais. Tanto a testemunha A. S. como a testemunha F. J. durante muitas décadas deixaram de ir aos prédios em questão e destas duas apenas a testemunha F. J. voltou aos prédios mais recentemente. A testemunha F. J. referiu ter lá estado há 5 anos, ao que parece para ver o poço (não foi claro o seu depoimento) mas a testemunha A. S. disse não ir ao prédio dos RR., há mais de 50 anos, pelo que o seu conhecimento dos factos é escasso e desatualizado. No relatório pericial de 8 de março de 2018 (1º relatório) é afirmado que não é possível aceder ao poço nas circunstâncias atuais, designadamente, através da cabine existente no prédio dos AA. (resposta aos quesitos 4 e 7). E também no relatório relativo à segunda perícia se refere que se for necessário alterar a altura da suspensão das bombas (o que no relatório é referido poder acontecer raramente, a cada dez a 20 anos), não se pode aceder ao poço (resposta ao quesito 7) através da cabine, sendo que não vemos razões para pôr em causa o afirmado por dois peritos e muito menos pelo depoimento de uma testemunha que revelou pouco conhecimento sobre a questão. A divergência entre os dois relatórios é somente quanto à regularidade dos acessos ao poço. Insurgem-se os apelantes por o tribunal ter privilegiado o relatório da 1ª perícia, em detrimento do relatório da 2ª perícia. A prova pericial é livremente apreciada pelo tribunal – artº 389º do CC e 489º do CPC - o que significa que o tribunal não está vinculado ao laudo dos peritos ou dos peritos do laudo maioritário, podendo socorrer-se de outros meios probatório. A livre apreciação da prova não significa apreciação arbitrária da prova, mas sim uma apreciação racional e criticamente fundamentada das provas de acordo com as regras da experiência comum e com corroboração pelos dados objectivos existentes. No entanto, não dispondo o juiz de conhecimentos especiais na área a que respeita a perícia, salvo casos de erro grosseiro, não estará em condições de sindicar o juízo científico emitido pelo perito. Como se refere, no Ac. do TRC de 31.05.2011, proferido no proc. 1197/05 (5) “será, talvez, ao nível dos dados de facto que servem de base ao parecer científico que o juiz se acha em posição de pôr em causa o juízo pericial. Apesar do princípio enunciado no citado artigo 389.º do CC, perante a especificidade técnica das questões suscitadas, ao Tribunal impõe-se que respeite o princípio da interdisciplinaridade na definição da verdade material, traduzido na aceitação do contributo das várias áreas do saber (técnico-científico), podendo o julgador, no exercício da liberdade que a citada norma lhe confere, pôr em causa o relatório técnico dos peritos, devendo no entanto fazê-lo apenas com recurso a argumentação técnica, eventualmente baseada noutros meios de prova divergentes, de igual ou superior credibilidade técnica.” Manuel de Andrade (6) ensinou que a prova pericial “traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legítima susceptibilidade) das pessoas em quem se verificam tais factos; ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca doutros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas.” Pretendendo o juiz divergir do laudo pericial deverá exercer essa faculdade de forma especialmente prudente, fundamentando os motivos do seu desacordo, principalmente quando estão em causa factos que implicam conhecimentos especiais que os julgadores não dispõem. Daí que se deva exigir, em caso de divergência com o laudo pericial, um acrescido dever de fundamentação (cfr. se defende nos Acs. do TRG de vide o Acórdão da Relação de Guimarães de 26.10.2017, Processo n.º 5237/16.8T8GMR.G1 e do TRE de 28.01.20121, proc. 1991/15.2T8PTM-E.E1). Quando tiverem sido realizadas duas perícias, como no caso, e não forem convergentes, a segunda perícia não invalida a primeira (artº 489º do CPC). Nessa situação, o tribunal terá de decidir pela perícia que se lhe afigure que melhor apreciou a realidade, designadamente, tendo em conta a fundamentação apresentada. No caso a primeira perícia no tocante à necessidade de acesso ao poço, afigura-se-nos mais de acordo com o normal acontecer das coisas. Afigura-se-nos pouco de acordo com o normal acontecer que o acesso ao poço só se imponha a cada 10/20 anos, como se afirmou no relatório da 2ª perícia, atento que a extração da água é efectuada por um motor colocado no fundo do poço que como máquina está sujeita a avarias, carecendo de operações de manutenção e limpeza, pelo que o acesso ao poço se mostra necessário para estas tarefas e outras que importe realizar com uma regularidade mais frequente que a considerada na 2ª perícia. Não se descortina, consequentemente, qualquer erro de julgamento do tribunal a quo, ao basear-se relativamente aos pontos 22 e 23 nos laudos periciais, conferindo maior relevo ao 1ª laudo, em detrimento do 2º. A matéria de facto é pois a dada como provada e não provada pelo tribunal a quo. Do Direito Da compropriedade sobre a água extraída do poço existente na propriedade dos RR. (7) Entendem os apelantes que os AA. não são titulares de um direito de propriedade sobre as águas, mas de um direito de servidão. Os AA. fundamentam o direito de propriedade sobre às águas com base em contrato e por usucapião. No seu recurso, os apelantes defendem que os AA. são apenas titulares do direito de servidão sobre a água, alicerçando-se no contrato celebrado entre o bisavó do A. e M. M.. Contudo, estes factos foram dados como não provados (alíneas a) e b) dos factos não provados) os quais os apelantes não impugnaram. As águas são públicas ou particulares. Apenas as segundas estão sujeitas às disposições dos artigos 1386º e seguintes do Código Civil (artº 1385º do CC). São particulares, designadamente, as águas subterrâneas existentes em prédios particulares (artº 1386º, nº 1, alínea b) do CC). De acordo com o nº 1 do artº 1390º do CC considera-se título justo de aquisição da água das fontes e nascentes, conforme os casos, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões. A usucapião, porém, só é atendida quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse de água nesse prédio (nº 2 do artº 1390º do CC). Apenas são susceptíveis de aquisição as águas particulares (artº 202º, nº 1 do CC). Ser titular de um direito de propriedade sobre as águas ou de um direito de servidão sobre as mesmas são realidades jurídicas distintas. Como refere Antunes Varela (8) “…existe entre os dois direitos reais uma profunda diferença, tanto no seu conteúdo, como na sua extensão ou dimensão: no primeiro caso, há um direito pleno e, em princípio, ilimitado sobre a coisa, que envolve a possibilidade do mais amplo aproveitamento, ao serviço de qualquer fim, de todas as utilidades que a água possa prestar; o segundo confere ao seu titular apenas a possibilidade de efectuar o tipo de aproveitamento da água previsto no título constitutivo e na estrita medida das necessidades do prédio dominante”. No Manual do Direito de Águas (9), Tavarela Lobo estabelece da seguinte forma a distinção entre o direito de propriedade e o direito de servidão: “se o terceiro adquirente pode fruir ou dispor livremente da água nascida em prédio alheio e desintegrada da propriedade superficiária, aliená-la ou captá-la subterraneamente, usá-la neste ou naquele prédio, para este ou aquele fim, constitui-se um direito de propriedade…Constituir-se-á um direito de servidão se o aproveitamento de uma nascente existente num prédio (serviente) é concedido a terceiro em benefício de um seu prédio (dominante) e para as necessidades deste”. Como se defende no Ac. do TRP de 12.03.2009 (10) ”a distinção entre o direito de propriedade e o direito de servidão reside, pois, na existência ou não do poder de disposição sobre a água em causa e na amplitude do poder de utilização da mesma água. É assim que o titular de um direito de propriedade sobre a água pode dispor dela livremente, transmitindo a outrem a respectiva propriedade ou constituindo servidões e pode utilizá-la livremente em qualquer prédio ou para qualquer finalidade, sem quaisquer restrições além das que são impostas por lei e das que resultam de direitos legitimamente adquiridos por terceiros; o titular de um direito de servidão não tem qualquer poder de disposição sobre a água (não pode aliená-la ou cedê-la a terceiro nem constituir sobre ela qualquer ónus) e o direito à sua utilização é restrito e limitado, na medida em que não pode utilizar a água em prédio diverso daquele em benefício do qual foi constituída a servidão (prédio dominante) nem pode utilizá-la para finalidade diversa ou em termos diferentes daqueles que estão abrangidos pelo respectivo título ou conteúdo.” Também no Ac. do STJ, 03-03-2005 se faz a referida distinção. Assim: “I - Enquanto não forem desintegradas da propriedade superficiária, por lei ou negócio jurídico, as águas são partes componentes dos respectivos prédios. II - Quando desintegradas, adquirem autonomia e são consideradas, de per si, imóveis. III - Considera-se justo título de aquisição das águas das fontes e nascentes, conforme os casos, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões. IV - O direito à água que nasce em prédio alheio, conforme o título da sua constituição, pode ser um direito ao pleno uso da água, sem qualquer limitação, e pode ser apenas o direito de a aproveitar noutro prédio, com as limitações inerentes, por conseguinte, às necessidades deste. V - No primeiro caso, a figura constituída é a do direito de propriedade da água; no segundo é a da servidão. VI - A constituição de um direito de propriedade da água depende da existência de um título capaz de a transferir. VII - A constituição de uma servidão resulta da existência de um dos meios referidos no art. 1547 do C.C.” A exigência da permanência e visibilidade das obras ou sinais equiparados, justifica-se pela possibilidade de, assim, se presumir no dono do imóvel a renúncia ao direito de propriedade da água ou a assunção de conduta consentânea com a constituição de correspondente servidão e, bem assim, na necessidade de salvaguardar a boa fé do comércio jurídico relativamente a eventual adquirente nos termos em que a lei pretende tutelá-la (11). Sobre o significado das obras é admitida qualquer espécie de prova. A construção onde existe a fonte ou nascente tem de revelar a captação de água e a posse da água nesse prédio (12). Ora, o poço é uma obra de escavação, destina-se à captação da água é reveladora de actos de posse sobre essa água, assim como a existência de tubagens que conduzem até aos prédios das partes e de duas cabines onde se encontra guardados os motores que servem ambos os prédios. E essa obra, reveste as características de visibilidade e permanência, sendo que para que uma obra possa relevar para efeitos de aquisição do direito de propriedade das águas por usucapião, não é preciso que a obra seja visível no seu todo. Basta que o seja parcialmente. Os apelados vêm utilizado a água do poço há mais de 50 anos, por forma a exercerem sobre a água a propriedade em seu único e exclusivo interesse (ponto 13), ou sejam atuam com animus de proprietários. Assim não merece censura a sentença recorrida neste segmento ao considerar que os apelados são titulares de um direito de propriedade sobre a água. Da compropriedade do poço Embora não tenha sido alterada a matéria de direito, vejamos se assiste razão aos apelantes quando afirmam que a factualidade provada não permite que seja dada procedência ao pedido dos AA. de que são comproprietários do poço. Na petição inicial os AA. começam por alegar que em 4 de Setembro de 1871, foi celebrado um contrato entre o M. G., bisavó do A. marido e M. M., nos termos do qual aquele comprou a este o prédio que hoje é dos AA. e que no mesmo contrato M. M. concedeu “licença ao mesmo comprador de tirar a Agoa do meu poço para uso da sua casa para todo o tempo do mundo podendo fazer entrada quando fizer a parede para o mesmo poço na parte mais procima ao dito poço”. No artigo 62 da petição inicial, diferentemente, os AA. já vêm alegar não poderem aceder ao seu poço. Para além da referência inicial de que o M. M. se intitulava dono do poço e da referência posterior que o poço é seu (ou também seu), nada mais alegaram, designadamente, quanto à sua construção, decerto devido ao facto do poço ser muito antigo (no 1º relatório é referido que o poço é muito antigo com base na sua construção de pedras soltas e no 2º é referido que tem várias décadas). No entanto, a final, os AA. pedem na alínea b) do seu pedido que o tribunal declare “o direito de posse e propriedade dos Autores sobre o poço e as águas nele captadas”. Os apelados entendem que o direito de propriedade sobre as águas engloba a forma de captação, pelo que provada a compropriedade sobre a água do poço, demonstrada está a compropriedade do poço. Como se referiu já, apenas são susceptíveis de aquisição, designadamente por usucapião, as águas particulares. O artº 1386º define quais são as águas consideradas como particulares. No artigo 1387º, nº 1, alínea a) são considerados como particulares “os poços, galerias, canais, levadas, aquedutos, reservatórios, albufeiras e demais obras destinadas à captação, derivação ou armazenamento de águas públicas ou particulares”. O Decreto nº 5787, iii, incluía entre as águas particulares os poços, galerias, canais, levadas, reservatórios, albufeiras e demais obras destinadas à captação, derivação ou armazenamento de águas públicas ou particulares (cfr. referem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, anotação aos artºs 1386 º e 1387º do CC). Ora, as obras destinadas à captação, derivação armazenamento ou derivação das águas não são águas, nem constituem uma modalidade destas, o que resulta evidente face ao Código Civil. Assim, pode estar determinada a propriedade da água sem que esta abranja a propriedade dos meios de captação. E a factualidade apurada não permite que se conclua pela compropriedade do poço. As obras que a sentença menciona que foram feitas pelos AA., são apenas a colocação de tubagens necessárias à captação de água (ponto 16 dos factos provados), assim como a colocação do motor no poço, essas sim da propriedade dos AA.. Nada foi apurado que permita concluir pela compropriedade de uma construção que se situa em terreno alheio. Cabe perguntar: os RR. venderam ou de algum modo cederam parte da propriedade da construção edificada no seu terreno aos AA.? Nada os apelados alegaram a este propósito. A sentença recorrida quanto à propriedade do poço apenas menciona que os AA. alegam que este também lhes pertence (página 17) mas nada mais refere sobre esta questão na fundamentação de direito, pronunciando-se apenas sobre a propriedade das águas e o modo como foi adquirida a propriedade – por usucapião -, só fazendo referência à compropriedade do poço no dispositivo da sentença. Assim, deve ser alterada a sentença recorrida no segmento em que se condenou os RR. a reconhecerem o direito de propriedade dos AA. sobre o poço, mas não por força da alteração da matéria de facto a que não se procedeu, mas por insuficiência da matéria de facto para a prova da invocada compropriedade e face aos factos apurados em 26, procedendo nessa parte o pedido reconvencional. Relativamente ao exercício do direito de passagem Os apelantes entendem que deve ser negado aos AA. o direito destes acederem ao poço por outro meio que não seja a cabine já existente, pelo que não se mostra necessária a demolição da parede por si construída, conforme lhes foi ordenado na sentença recorrida. Defendem que, uma vez que o direito de passagem para aceder ao poço é meramente acessório, não pode ter a extensão que lhe foi conferida. Ora, como se apurou, através da cabine não é possível fazer a manutenção necessária da água do poço, bem como da bomba de captação dos autores que se encontra no fundo do poço (ponto 23) e assim sendo é necessário, ainda que não constitua uma necessidade muito regular, que os apelados possam aceder ao poço, entrando, para o efeito e com esse fim, no prédio dos RR. Tal não impede que os RR. tenham o seu prédio vedado como pretendem. Terão é de deixar uma entrada e fornecer a chaves aos AA., caso coloquem uma fechadura e mantenham o acesso fechado, os quais apenas poderão entrar no seu prédio, em caso de necessitarem de aceder ao poço, para limpar a água e prestar assistência ao motor que aí se encontra colocado, para ajustar e desentupir os tubos por onde a água é conduzida ou qualquer outro ato que necessitem de praticar tendo por fim a utilização da água de que são proprietários. O direito de tapagem que assiste aos RR. (art.º 1356º do Código Civil), está limitado pelas faculdades ou poderes instrumentais acessórios ou complementares, que se mostrem adequados ao pleno aproveitamento do direito de propriedade sobre uma água que é captada em terreno alheio. O direito de passagem nos casos como o dos autos, não constitui uma servidão autónoma, mas apenas um meio necessário, funcionalizado ao inerente aproveitamento da água de que os AA. são comproprietários; trata-se do que se denomina de “adminicula servitutis”. Assim o acesso ao prédio dos RR., é apenas autorizado para o cabal exercício do direito de propriedade sobre a água, quando as circunstâncias o imponham. O direito de passagem é pois um direito acessório para aceder à água. Se bem que na sentença recorrida se tenha feito alusão à figura da servidão de passagem e ao artº 1544º do CC, não se declarou constituída qualquer servidão de passagem por usucapião, mas apenas um direito de passagem acessório. No dispositivo expressamente se menciona também essa caráter acessório, na alínea a). Consequentemente, também não merece censura a sentença recorrida, quando concede o direito de passagem aos AA., com caráter acessório, ao prédio dos RR. e determinou a demolição da parede para permitir a passagem. IV – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente: .A) .a) condenam os réus a reconhecerem o direito de posse e compropriedade dos autores sobre as águas captadas no poço referido em 9, bem como a reconhecer-lhes o direito de passagem descrito em 16 e absterem-se da prática de atos que impeçam o exercício desses direitos. .b) condenam os réus no pedido de demolição da parede de blocos e cimento referida em 18, bem como de toda e qualquer construção que interfira com o exercício dos direitos ora reconhecidos. .c) absolvem-se os réus do pedido de sanção pecuniária compulsória. .B) julgam a reconvenção parcialmente procedente por provada e, em consequência, declaram que os autores são donos do poço referido em 9) e absolvem-se os autores dos demais pedidos deduzidos, bem como do pedido de condenação como litigantes de má fé.” Custas na primeira instância da ação principal e da reconvenção por ambas as partes, na proporção do decaimento que se fixa em 25% para os AA. e 75% para os RR.. Custas da apelação na proporção de 25% para os AA. e 75% para os RR.. Guimarães, 2 de junho de 2021 1. Impropriamente os RR. utilizaram a expressão “em alternativa”, mas o que se trata é de pedido subsidiário formulado para a hipótese do principal não proceder (artº 554, nº 1 do CPC). 2. Seguiu-se de perto o entendimento defendido no A. do TRG proferido no proc. 1120/13.7TBCHV.G1 – 1.ª, relatado pelo desembargador José Amaral e no qual a relatora deste acórdão interveio como adjunta. 3. Relatório da 1ª perícia. 4. Relatório da 2ª perícia. 5. Acessível em www.dgsi.pt, onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados sem indicação da fonte. 6. Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, Reimpressão, pág. 262. 7. Não se procede ao conhecimento das questões suscitadas pelos apelantes pela ordem em que as colocaram, porquanto afigura-se-nos que o conhecimento da questão da compropriedade das águas, deve anteceder a da compropriedade do poço. 8. Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 115º, pág. 220. 9. Vol. II, 1990, págs. 35 e 36. 10. Proferido no processo nº 0836201. 11. Cfr. A. Varela in RLJ Ano 115º /222). 12. Cfr. Ac. do STJ de 20.01.2010, proferido no proc. nº 678/99. |