Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4589/16.4T8GMR.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: RETRIBUIÇÃO
ACRÉSCIMOS SALARIAIS
SUBSÍDIO DE CONDUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - É ajustado o entendimento, se entendido como indicador, no sentido de considerar regular e periódica, integrando o conceito de retribuição para os efeitos de cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorra todos os meses de atividade do ano, seja, onze meses.

II - Os pressupostos do abono de viagem e do subsídio de condução previstos no IRCT são distintos, não sendo cumuláveis.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

J. G., intentou a presente ação emergente de contrato de trabalho contra Correios, SA, pedindo que seja julgada provada e procedente e, em consequência, a R. condenada a pagar-lhe:

-A quantia de € 1576,45 relativamente à média anual da retribuição correspondente a trabalho suplementar, trabalho noturno, complemento especial distribuição, abono de viagem, subsídio de condução e compensação especial por dedicação à empresa, não paga pela Ré ao Autor no mês de férias, respetivo subsídio e subsídio de Natal nos anos de 1999 a 2003;
-A quantia de € 4125,37 relativamente à média anual da retribuição correspondente a trabalho suplementar, trabalho noturno, complemento especial distribuição e abono de viagem não paga pela Ré ao Autor no mês de férias e respetivo subsídio nos anos de 2004 a 2013;
-A quantia de € 4125,37 relativamente à média anual da retribuição correspondente a trabalho suplementar, trabalho noturno, complemento especial distribuição e abono de viagem não paga pela Ré ao Autor no mês de férias e respetivo subsídio nos anos de 2004 a 2013;
– Juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor para cada ano, acrescendo e reportados às quantias supra mencionadas e a vencer desde as datas em que cada verbal deveria ter sido posta à disposição do Autor, contabilizados até integral e efetivo pagamento, que neste momento atinge o montante global de € 2167,60;
– Juros à taxa legal de 5%, previstos no artigo 829-A, n.º 4 do CC, relativos aos valores pecuniários supra mencionados, desde o trânsito em julgado da decisão até integral e efetivo pagamento;

Caso se entenda que o abono de viagem tem a simples natureza de compensar as despesas do Autor com o veículo próprio – o que não se concede e por mero dever de patrocínio se equaciona - deverá a Ré ser condenada a pagar ao Autor:

– O valor de € 5489,44 -ou caso assim não se entenda o que se vier a apurar em execução de sentença -, valor correspondente ao subsídio de condução relativamente aos meses/dias de trabalho em que o Autor se deslocou em distribuição de correio, implicando a condução de veículos automóveis ou motociclos independentemente da propriedade dos mesmos entre 1999 a 2013;
- Os valores referentes ao subsídio de condução, relativamente aos meses de trabalho em que o Autor se deslocou em distribuição de correio, implicando a condução de veículos automóveis ou motociclos independentemente da propriedade dos mesmos, que se vencerem entre a data da propositura e a data do trânsito em julgado da presente decisão, valores a liquidar em execução de sentença;
– Integrar para futuro, após o trânsito em julgado da presente ação, o subsídio de condução, na retribuição do Autor, sempre que este se desloque para efetuar a distribuição de correio, implicando a condução de veículos automóveis ou motociclos independentemente da propriedade dos mesmos e de acordo com o valor diário previsto pelo AE/CORREIOS em vigor;
-A quantia de € 943,36 ou caso assim não se entenda o que se vier a apurar em execução de sentença -relativamente à média anual da retribuição correspondente ao subsídio de condução nos moldes supra indicados, não paga pela Ré ao Autor no mês de férias, respetivo subsídio e subsídio de Natal nos anos de 1999 a 2013;
– Juros de mora vencidos e vincendos, reportados às quantias supra mencionadas, relativas ao subsídio de condução enunciados nos pontos IV, V e VIII da petição, a vencer desde a data de citação da presente contabilizados até integral e efetivo pagamento;
– Juros à taxa legal de 5%, previstos no artigo 829-A, n.º 4 do CC, relativos aos valores pecuniários supra mencionados, desde o trânsito em julgado da decisão até integral pagamento.

Para tanto alega em síntese:

-O Autor foi admitido para prestar serviço, por conta a sob autoridade da Ré, em abril de 1989, com a categoria profissional de CRT no CDP X - A sua retribuição mensal sempre foi composta por diversas prestações que lhe foram pagas nos diversos anos que se manteve o vínculo, regular e periodicamente.

- Alega ainda que caso se entenda que o abono de viagem não é mais do que o pagamento das despesas que o Autor tem com a deslocação/distribuição em veículo próprio – o que não se concede – deverá entender-se que face à paridade de circunstâncias, entre este e os outros trabalhadores da Ré, carteiros, que para fazer a deslocação no exercício da atividade de distribuição do correio, em veículo próprio da Ré, o Autor terá direito a receber, para além das despesas que tem como o seu veículo, o subsídio de condução uma vez que este último é retribuição, pago diariamente a quem exerça a tarefa de condução enquanto faz a distribuição do correio, na medida em que visa compensar o esforço e a perigosidade acrescidas da atividade de condução, sob pena de se assim não ocorrer o A. estar a ser sujeito a uma discriminação.

A R. contestou pela forma constante de fls. 204 a 226, que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual, alega, no essencial, que:

-Os subsídios ora peticionados não são nem nunca fizeram parte da retribuição do A., pois só lhe eram pagos quando se verificassem os requisitos para a sua atribuição, nos termos do AE/CORREIOS e este entendimento sempre foi aceita por aquele e pelos restantes trabalhadores da R., pelo que não pode dizer-se convencido do seu recebimento, nem que tinha expectativas no seu recebimento;
- A R. julgava proceder bem numa situação que não foi sancionada, durante anos a fio por milhares de trabalhadores, uma vez que a posição dos trabalhadores ao longo dos anos, designadamente, o não exercício de qualquer direito até recentemente, fez com que a R. perpetuasse no tempo o mesmo método de cálculo na convicção de que o mesmo era satisfatório para todos;
- O caso em apreço, ainda mais do que abuso de direito na forma de venire contra factum proprium, estaremos perante a figura da supressio, que mais não é do que uma forma de abuso de direito que se traduz no exercício tardio de uma posição jurídica de tal modo que o devedor, de todo, já não contasse com ela, pelo que não são devidos juros de mora desde o vencimento de cada uma das prestações, como pretende o A.;
- Só após o trânsito da sentença é que o crédito do A. se torna líquido e será exigível à R. o seu pagamento, pelo que só após aquela data há mora;
- Mas mesmo que assim não se entenda, por respeitarem a quantias que não estão liquidadas no momento do pagamento da retribuição de férias e subsídios de férias, só estão em mora a partir da interpelação para pagamento, pelo que não existindo interpelação anterior é de considerar a data da citação;
- Mas mesmo que se entenda que a R. incorreu em mora na data em que se venceram os subsídios peticionados, sempre estariam prescritos os juros de mora vencidos há mais de cinco anos antes da citação da R., por já ter decorrido o prazo na al d) do artº 310º do C. Civil;

E, quanto ao mais:

- As prestações aludidas pelo A., não fazem parte do conceito legal de retribuição, já que o seu pagamento só é devido quando prestado efetivamente o trabalho, ou quando verificados os requisitos expressos no AE/CORREIOS;
- Não se verifica a alegada discriminação, uma vez que os aludidos subsídios de abono de viagem e de condução não se confundem, pois visam situações completamente dispares;
- Também carece igualmente de fundamento o pagamento do subsídio de condução, sempre que este se desloque em veículo próprio ou da R., sendo certo que os valores apresentados não tem em conta a assiduidade e os valores que o mesmo recebeu quando efetivamente exerceu tarefas de condução em veículo da R.;

Conclui pedindo a procedência das exceções invocadas, a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

Respondeu o A. alegando que não assiste razão à R. quanto à invocada prescrição dos juros de mora, uma vez que os juros têm uma natureza acessória face à obrigação laboral omitida pela R. e são devidos desde o vencimento da obrigação não satisfeita, pelo que não se pode falar de uma autonomia dos juros face aos créditos laborais, sendo-lhe, por isso, aplicável o regime previsto nos artº 38º da LCT, 381º do C. do Trabalho de 2003 e 337º do C. do Trabalho de 2009.

Acordando as partes na matéria de facto, foi proferida decisão julgando nos seguintes termos:

“ Pelo exposto julgo a ação parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência:

a) Condeno a R. a pagar ao A. a quantia de € 826,62 (oitocentos e vinte e seis euros e sessenta e dois cêntimos) a título de diferenças salariais, acrescida de juros de mora, à taxa legal que tiver vigorado sucessivamente, desde as datas dos respetivos vencimentos e dos juros à taxa de 5% ao ano desde o trânsito em julgado desta sentença, ambos até integral pagamento.
b) No mais absolvo a R. do pedido.
(…)”

Inconformado o autor interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

1- Entendeu o tribunal a quo que deverá ser considerada prestação regular e periódica toda aquela a que o pagamento tenha sido efetuado durante os onze (11) meses durante o ano.
2- Discorda o Recorrente e Autor, que o entendimento para aferir a regularidade e periocidade tenha se ser respeitante a um critério que está mais relacionado com a efetividade e permanência rígida do recebimento da retribuição, deixando apenas de considerar, tal como se seria de esperar, o mês em que o trabalhador se encontre de férias.
3- Baseia-se o Tribunal a quo num acórdão recente do STJ, datado de 01.10.2015, proc. 4156/10.6TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
4- Acontece que esse acórdão tem em vista fixar a interpretação do sentido e alcance de uma cláusula constante num regulamento relativo a uma prestação muito específica, paga com condições peculiares e totalmente diferentes das prestações reivindicadas pela Recorrente, e a um acordo de empresa que em nada tem que ver com o AE/CORREIOS. Da leitura atenta do referido acórdão percebe-se a necessidade que estandardizar o entendimento no que aquela questão em concreto diz respeito.
5- Este entendimento tem vindo a ser sufragado em vários votos vencidos…
6- O recentíssimo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 26.01.2017 no âmbito do processo 1891/16.9T8CRB.C1 … defende que “para aferição de caracter regular e periódico de uma prestação para efeitos da sua integração na retribuição do Trabalhador, basta o seu pagamento, em pelo menos, 6 meses ao ano.”
7- Ora como se deixará plasmado, nunca teve o legislador o intuído de que tal critério fosse aferido de forma a abarcar apenas as prestações que o trabalhador recebe de forma efetiva e permanente, sem qualquer falha, durante os onze (11) meses de trabalho.
8- De acordo com o disposto no n.º 2, do artigo 82.º, da LCT “A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie”.
9- A norma supra citada refere no critério para aferir a retribuição variável todas as prestações regulares (habituais, frequentes, normais) e periódicas (com intervalos idênticos).
10- Ora, caso o legislador pretendesse referir que tal critério tivesse em consideração as prestações pagas aos trabalhador de forma efetiva e/ou permanente teria utilizado adjetivos diferentes dos que empregou.
11- Relativamente ao que se deverá entender como prestação regular, preconizando o entendimento do Acórdão da Relação de Coimbra de 02/03/2011 (Relator José Eusébio Almeida), disponível em www.dgsi.pt, entende também o Autor, ora recorrente, que “só não deve ponderar-se nas férias e subsídios o que se revela excecional, ocasional, inesperado”- (sublinhado nosso).
12- Tal entendimento visa a adequação e flexibilidade a cada caso em concreto, com essenciais benefícios na solução mais justa, discordando o supra mencionado acórdão que “o critério da regularidade tenha que ser aferido mecanicamente por um período certo, de mais de metade (seis em onze) ou, muito menos, da totalidade (onze em onze) de repetições da prestação em cada ano;…”
13- Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datada de 08.01.2012 e disponível em www.dgsi.pt entende que e regularidade e periocidade se verifica “ desde que num determinado ano, SEJA MAIOR O NÚMERO DE MESES EM QUE FOI PERCEBIDA DO QUE AQUELES EM QUE NÃO FOI.”

16- Pelo exposto o tribunal a quo violou o artigo n.º 2, do artigo 82.º, da LCT, correspondente ao artigo 249 n.º2 na versão do CT de 2003, ao qual também corresponde o artigo 258 n.º 2 do CT de 2009…
Do pedido subsidiário relativo ao subsídio de condução (atenta a decisão em crise que negou natureza retributiva ao abono de viagem)
17- O subsídio de condução está previsto atualmente na cláusula 79.º do AE CORREIOS de 2015.
18- No AE/CORREIOS 2006, assim como nos anteriores, a redação da cláusula relativa ao subsídio de condução era ligeiramente diferente, estando prevista na cláusula 146.º desse acordo tendo o seguinte teor: “Os trabalhadores não motoristas que exerçam a tarefa condução de veículos automóveis ou motociclos ao serviço da empresa têm direito a um subsidio por cada dia de condução (…)”.(sublinhado nosso).
19- Considerou a douta decisão em crise que apesar do Recorrente receber o abono de viagem, considerando este como um simples pagamento das despesas que o Autor tem quando utiliza o seu veículo próprio na distribuição do correio, não tem este direito ao subsídio de condução, nos meses em que recebeu o abono de viagem.
20- Ficou provado que o pagamento do subsídio de condução é um incentivo à aceitação das tarefas de condução e que é pago por cada dia em que o trabalhador conduz, independentemente do tempo durante o qual conduz, e é para compensar a imposição aos trabalhadores das tarefas de condução (tarefas para as quais não foram contratados).
21- O trabalhador, carteiro, que faz a distribuição do correio em veículo próprio, recebendo apenas, tal como decidiu o Tribunal a quo, despesas pela disponibilização do seu veículo ao serviço da Ré (abono de viagem), apesar de ter também como tarefa a condução não receberá, de acordo com a decisão em crise, qualquer contrapartida remuneratória por tal tarefa para a qual não foi contratado!
22- Atenta a “rácio” do subsídio de condução, portanto, retribuir o carteiro pelo esforço acrescido que tem no âmbito da condução uma vez que não exerce a função de condutor, terá, igualmente, que incentivar o carteiro que se desloque na sua moto (ou automóvel) pelo mesmo esforço e/ou perigosidade uma vez que se entende que o abono de viagem visa apenas o pagamento de despesas.
23- A efetuar-se o raciocínio no sentido de apenas pagar ao Recorrente, que efetua o serviço em veículo próprio, as despesas que suporta com a mota própria e nada mais para além disso, está-se a discriminar e a prejudicar, a nível remuneratório, esse trabalhador em relação àquele que trabalha em veículo propriedade da Ré.
24- O art.º 59.º, n.º 1, al. a) da CRP confere um direito fundamental aos trabalhadores que se cifra em, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, serem retribuídos pelo seu trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual.
25- Este princípio está ancorado no princípio, mais amplo, da igualdade, consignado no art.º 13.º da CRP e, dada a sua natureza, não obstante a respetiva inserção no Título III, postula não só uma natureza negativa (no sentido de proibição da respetiva violação), como ainda uma aplicabilidade direta em moldes similares aos direitos, liberdades e garantias incluídos nos Títulos I e II da sua Parte I, impondo-se a sua aplicação e vinculatividade às entidades públicas e privadas, como comanda o n.º 1 do art.º 18.º da referida lei constitucional.
26- Pelo que, compreendendo-se que o abono de viagem não é mais do que o pagamento das despesas que o Recorrente tem com a deslocação/distribuição em veículo próprio deverá entender-se que face à paridade de circunstâncias, entre o este e os outros trabalhadores da Ré, carteiros, que para fazer a deslocação no exercício da atividade de distribuição do correio, em veículo próprio da Ré, o Recorrente/Autor terá direito a receber, para além despesas que tem com o seu veiculo, o subsídio de condução uma vez que este último é retribuição, pago diariamente a quem exerça a tarefe de condução enquanto faz a distribuição do correio, na medida em que visa compensar o esforço e a perigosidade acrescidas da atividade de condução.

Sem prescindir,

27- E mesmo que tal não se entenda, o que não se concebe, e por mero dever de patrocínio se equaciona, sempre se terá de concluir que pelo menos até a entrada em vigor do AE/CORREIOS de 2008, o veiculo propriedade do Recorrente, nos anos de 2004 a 2008 estava ao serviço da empresa uma vez que era utilizado para que a prossecução do fim da mesma, tal como exigiam as clausulas do AE/CORREIOS em vigor até essa altura.
28- Pelo exposto, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou, entre outras e com o douto suprimento desse Venerado Tribunal, a previsão da cláusula 146.º do AE/CORREIOS 2006 e anteriores, e os artigos 59.º, n.º 1, al. a), 13.º e o n.º 1 do art.º 18.º da Constituição da República Portuguesa.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.
***
Factualidade:

1-O Autor foi admitido para prestar serviço, por conta a sob autoridade da Ré, em abril de 1989.
2-O Autor está ao serviço da Ré com a categoria profissional de CRT.
3-O local de exercício de atividade do Autor é no CDP X.
4-As relações de trabalho entre a Ré e os trabalhadores ao seu serviço têm vindo a ser sucessivamente reguladas por instrumentos de regulação coletiva de trabalho.
5-O Autor é associado do Sindicato Independente dos Trabalhadores da Informação e Comunicação.
6-Ao longo da sua prestação laboral e em virtude das suas funções e do horário de trabalho que praticava ao serviço da Ré, o Autor recebe e recebeu, além do seu vencimento base e diuturnidades, subsídios de diversa ordem, conforme os quadros seguintes:
(constantes da decisão de primeira instância, para que se remete)
7-Até novembro de 2003, a Ré não pagou ao Autor os valores médios mensais das prestações complementares supra referidas, quer na retribuição de férias, quer no subsídio de férias e de Natal, que incluem exclusivamente o vencimento base e as diuturnidades.
8-Após 2003, Ré pagou ao Autor parte dos valores médios mensais das prestações complementares supra referidos, quer na retribuição de férias quer no subsídio de férias, conforme o quadro seguinte:

Pago
2003 145,68 €
2004 127,16 €
2005 136,08 €
2006 157,43 €
2007 179,33 €
2008 97,47 €
2009 109,26 €
2010 115,83 €
2011 48,01 €
2012 88,94 €
2013 0,00 €
Total 1 205,19 €
9-O Autor é carteiro (CRT) e faz a distribuição do correio na grande maioria das vezes em veículo motorizado (mota) próprio.
10- O pagamento do subsídio de condução é hoje determinado pela condução de veículo para a execução do serviço disponibilizado pela Ré.
11- Esse subsídio tem como fim incentivar a aceitação das tarefas de condução.
12- O subsídio é pago por cada dia em que o trabalhador conduz, independentemente do tempo durante o qual conduz, e é para compensar a imposição aos trabalhadores das tarefas de condução.
13- O abono km/abono de viagem e marcha moto/abono de viagem e marcha auto, e das Ordens de Serviço internas, é pago aos trabalhadores que utilizam a sua viatura pessoal ao serviço da Ré, na distribuição do correio.
14- A Compensação especial, paga 12 vezes ao ano, corresponde à isenção do pagamento da taxa telefónica e posteriormente, ao pagamento da assinatura do telefone.
***
Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Importa apreciar as seguintes questões:

- Caráter regular e periódico das prestações.
- Direito ao subsídio de condução nos meses em que utilizou viatura própria.
***
Assim, atenta a data a que se reportam os factos, vigorava e era aplicável:

a)- Até novembro de 2003, a LCT, aprovada pelo DL 49.408, de 24.11.69, o DL 874/76, de 28.12 (quanto a férias e respetivo subsídio) e o DL 88/96, de 03.07 (quanto ao subsídio de Natal);
b) - A partir de 01.12.2003 o Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27.08;
c) - A partir de 17.02.2009, o Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02.
É também aplicável o AE celebrado pela R. publicado no BTE 24/1981 e suas alterações posteriores (publicadas nos BTE 37/83, 44/85, 45/88, 48/89, 13/90, 12/91, 39/91, 39/92, 8/93, 5/95, 21/96, 28/99, 30/2000, 29/2002, 29/2004, 27/2006, 14/2008, 25/2009 e 34/2010, sendo a mais recente alteração de abril de 2013, publicada no BTE, nº 15, de 22.04.2013).
*
Quanto à consideração dos pagamentos efetuados durante 11 meses no ano para considera ruma prestação regular e periódica.

Trata-se de verificar quais as quantias que integram o conceito de retribuição, para efeito de subsídios.

Nos termos do artigo 82º da LCT, constitui retribuição tudo aquilo a que nos termos do contrato das normas e dos usos o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho (disponibilidade). Abrange, como explicita o nº 2 do normativo, a retribuição base, e todas as prestações regulares e periódicas feitas direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.

O nº 3 do normativo estabelece uma presunção no sentido de até prova em contrário, se considerarem retribuição todas as prestações da entidade patronal. Só assim não será se outra norma dispuser em sentido diferente.

A “retribuição” representa a contrapartida da prestação de trabalho (da disponibilidade do trabalhador) em resultado do contrato, das normas ou dos usos, e caracteriza-se essencialmente pelas seguintes notas:

– Obrigatoriedade.
- regularidade - “ caráter permanente, duradoura, não meramente esporádica da prestação. Esta característica constitui indício de que se trata de prestação retributiva, por fazer presumir a existência de uma vinculação prévia, expressa ou tácita, e por criar no trabalhador expectativas legítimas no seu recebimento.
- Conexão com a força de trabalho prestada ou colocada à disposição da entidade patronal.

O caráter periódico assume particular relevo, pois que dessa periodicidade advém a expectativa legítima do empregado no seu recebimento. Conquanto tenha por fonte uma situação que pode um dia deixar de se verificar, a sua permanência durante um certo período de tempo cria a expectativa de que a mesma constitui retribuição, sendo adequado assim o considerar enquanto se mantiver a situação.
Com a ideia de periodicidade a lei pretendeu que a prestação se insira ela própria na ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes (Acs. do STJ de 8/5/96, processo nº 004422, de 9 de maio de 2007, processo n.º 3211/06, da RP de 26/1/2015, processo nº 848/13.6TTPRT.P1, todos em www.dgsi.pt, e Bernardo Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., pág. 382.

Sobre o critério de aferição da periodicidade necessária defendeu-se que o pagamento entre cinco a onze meses bastaria, no Ac. RL de 16/12/2009, Processo n.º 3323/08.7TTLSB.l, referido em “Retribuição e outras Atribuições Patrimoniais”, CEJ, maio de 2013, pág. 15. O Ac. STJ de 18/4/2007, proc. nº 06S4557, www.dgsi.pt, pressupõe entendimento aproximado. E este é o entendimento, com uma ou outra pequena variante, dos acórdãos referidos pelo recorrente.

Outros acórdãos aludem a um critério mais apertado, referindo a “cadência mensal, independentemente da variação dos valores recebidos, o que, de algum modo, tem correspondência com o critério estabelecido na lei para efeito de cálculo da retribuição variável”. Aludem ao recebimento em todos os meses de atividade do ano. STJ de 23.06.2010, processos nº 607/07.5TTLSB.L1.S1; de 15.09.2010, processo nº 469/09.4, de 16.12.2010, processo nº 2065/07.5TTLSB.L1.S1, de 5.06.2012, processo nº 2131/08.0TTLSB.L1.S1, de 2/4/2014, processo nº2911/08.6TTLSB.L1.S1, de 14/1/2015, processo nº 2330/11.7TTLSB.L1.S1, todos em www.dgsi.pt. Entendimento este que tem sido perfilhado nesta relação, e tem sido seguido pelo STJ, sem alteração, desde o acórdão datado de 01.10.2015, proc. 4156/10.6TTLSB.L1.S1. Assim recentemente, STJ de 30/3/2017, proc. 2978/14.8TTLSB.L1.S1. O entendimento é válido em relação às previsões do CT, quer de 2003 quer de 2009.

É ajustado o entendimento, se entendido como indicador, tal como defendemos no Ac. de 21/1/2016, processo nº 139/13.2TTVRL.G1.

Assim e nesta parte improcede a apelação.
***
Vejamos quanto à questão do subsidio de condução, nos meses quem que recebeu abono de viagem por utilização de viatura própria.

Nos termos da clª146ª do AE/96 “1. Os trabalhadores não motoristas que exerçam a tarefa de condução de veículos automóveis ou motociclos ao serviço da empresa têm direito a um subsídio por cada dia de condução, no montante previsto no nº3.1 do anexo IX” (…). [no AE/2004 a clª146ª manteve a mesma redação assim como no AE/2006].

No que diz respeito ao abono de viagem resulta da cláusula 147º do Acordo de Empresa de 1996 e AE de 2000 e já resultava do AE de 81 na cláusula 155º e os posteriores mantêm a referência, que, quando os trabalhadores, por necessidade de serviço, tenham de se deslocar em transporte próprio, a empresa, pagar-lhes-á, por quilómetro, os subsídios seguintes:

a) 25% do preço médio do litro de gasolina, quando se tratar de automóvel;
b) 12%, quando se tratar de motociclo;
c) 10%, quando se tratar de velocípedes com motor ou de ciclomotores;
d) 6%, quando se desloquem a pé ou em velocípede a pedal.

A questão colocada tem a ver com a alternatividade ou não das duas previsões, ou seja, saber se os campos de aplicação se excluem, com base na condução de viatura própria, cl. 147ª, ou de viatura da empresa, cl. 146º.

Sobre o assunto pronunciou-se este tribunal no acórdão de 28/6/2018, processo nº 1264/16.3T8GMR.G1, em que fomos adjunto, nos seguintes termos:

“Em concordância com o que assertivamente se fez consignar na sentença recorrida diremos que para além dos pressupostos do abono de viagem e do subsídio de condução serem distintos e não se confundirem, também resulta dos factos provados que tais atribuições pecuniárias não são cumuláveis, já que o carteiro ou faz a deslocação em veículo próprio ou no veículo propriedade da Ré. Estes subsídios ou abonos são alternativos, tendo o trabalhador direito a um ou a outro.
(…)

No que concerne ao subsídio de condução resulta da clª 146ª do AE/96… E no que concerne ao abono de viagem/abono quilométrico, resulta da clª 147ª do AE/96 …
Das transcritas disposições resulta desde logo que o subsídio de condução pressupõe que o trabalhador para além de exercer as funções de carteiro - aquelas para que foi contratado – para as desempenhar tem ainda de conduzir uma viatura propriedade da Ré ou por esta disponibilizada.

Em suma, este subsídio tem como causa específica, a da condução de veículo disponibilizado pela empregadora ao trabalhador que não foi contratado para exercer tais funções, mas sim a de carteiro. Tal como resulta dos factos provados este subsídio tem por fim incentivar a aceitação das tarefas de condução e é para compensar a imposição aos trabalhadores das tarefas de condução – …

Por seu turno, os pressupostos da atribuição do abono de viagem/abono quilométrico são diferentes. Este tem uma causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este, já que visa ressarcir o trabalhador de despesas por ele suportadas em virtude da prestação do trabalho e com a utilização de transporte próprio. É assim pago aos trabalhadores que utilizam a sua viatura pessoal ao serviço da Ré na distribuição do correio …

Resumindo se o trabalhador aceita conduzir viatura propriedade da Ré tem direito a receber o subsídio de condução. Se o carteiro conduzir viatura própria tem direito a receber o subsídio de transporte próprio (abono de viagem).

Daqui resulta evidente a inexistência da invocada discriminação, pois ambas as cláusulas aplicam-se a situações distintas ou seja a clª 146ª pressupõe a condução pelo carteiro de veículo propriedade da Ré ou por esta disponibilizado e a cl.ª 147ª pressupõe a condução pelo carteiro de veículo próprio.

O que distingue a aplicação de uma ou de outra cláusula, não é propriamente o exercício da condução, pois este é pressuposto de qualquer uma das cláusulas, mas sim o facto da condução de veículo ocorrer com viatura disponibilizada pela empregadora ou com viatura do próprio trabalhador.

Não vislumbramos por um lado qualquer ofensa ao disposto no artigo 59º, nº1, al. a) da CRP do qual resulta que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna. E por outro lado tal não ofende nem viola o princípio da igualdade estabelecido no artigo 13.º da CRP.

Por fim, importa ainda dizer que também não assiste razão ao recorrente no que respeita à interpretação que pretende dar à cláusula 146.ª antes e depois do AE/2008 pois onde se dizia “condução de veículos automóveis ou motociclos ao serviço da empresa” passou a constar “condução de veículos automóveis ou motociclos disponibilizados pelos Correios” – razão pela qual defende que pelo menos até à entrada em vigor do AE/2008 o veículo sua propriedade estava ao serviço da Ré uma vez que era utilizado para as funções de carteiro, determinando assim a atribuição desse subsídio.
Como já foi por nós referido a clª146ª respeita à condução de veículos ao serviço da Ré, quer sejam de sua propriedade, quer estejam apenas na sua disponibilidade, já que de outra forma não se entenderia, uma vez que a cl.ª 147ª refere-se ao transporte próprio do trabalhador, sendo certo que cada uma destas cláusulas aplicam-se, consoante se conduza veículo próprio ou veículo disponibilizado pela Ré.
Neste sentido se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 13/03/2017, proferido no proc.º n.º 415/16.2T8PNF.P1 (relatora Fernanda Soares) (…)
Consequentemente improcede a apelação.
*
DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o decidido.
Custas pelo recorrente.
Guimarães, 24/01/19

Relator – Antero Veiga
Adjuntos – Alda Martins
Eduardo Azevedo