Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
582/17.8T8BRG.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA PERFILHAÇÃO
LEGITIMIDADE ACTIVA
ATENDIBILIDADE DE FACTOS NÃO ALEGADOS
RECUSA ILEGÍTIMA/NÃO JUSTIFICADA DE SUBMISSÃO A EXAME PERICIAL
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/03/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Assiste legitimidade ao autor/recorrido para impulsionar ação de impugnação da perfilhação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1859.º, n.º 2, do CC, quando este invoca ser o pai biológico do perfilhado, alegando um conjunto de factos constitutivos do seu direito que são objetivamente idóneos a consubstanciar a conclusão formulada quanto à desconformidade entre o reconhecimento da paternidade pelo réu, tal como consta do ato de perfilhação, e a verdade biológica;

II - Se a ampliação pretendida pelos apelantes em sede de impugnação da matéria de facto importa o aditamento à matéria provada de factos não considerados na decisão recorrida mas que não podem assumir qualquer relevância jurídica à luz das circunstâncias específicas do caso em apreciação, revelando-se tal matéria inconsequente para a decisão de mérito a proferir, não deverá proceder-se, nessa parte, à reapreciação da matéria de facto, por configurar um ato inútil, como tal proibido por lei, nos termos do disposto no artigo 130.º do CPC;

III - Verificando-se que a conduta dos réus ao recusarem sem justificação submeter-se aos exames periciais determinados nos autos, para além de ilegítima e culposa, determinou a impossibilidade da prova direta da procriação biológica, que era, em concreto, o meio idóneo para o autor fazer prova da invocada falta de coincidência entre a verdade registada e a verdade biológica, enquanto facto essencial constitutivo do direito que se arroga na ação de impugnação da paternidade, por perfilhação, deve operar a inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º, n.º 2, do CC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

P. T. intentou contra 1. P. R.; 2. V. F.; e 3. V. C., este último nascido a ..-..-2015, ação declarativa sobre a forma comum, pedindo que seja declarado que o réu V. C. não é filho do réu P. R. e que se ordene a retificação do assento de nascimento, com a eliminação da paternidade e dos apelidos paternos.

Para tanto, alegou, em síntese, que a menção de paternidade que consta do assento de nascimento do 3.º réu, decorrente de perfilhação efetuada em 10-09-2015, não corresponde à verdade pois este não é filho biológico do 1.º réu, existindo pelo contrário uma grande probabilidade de o réu V. C. ser seu filho, fruto de um relacionamento que manteve com a mãe durante o período legal de conceção. Indicou os meios de prova, requerendo, além do mais, a realização de exame pericial biológico junto do Instituto de Medicina Legal (INML).

Foi nomeado curador especial ao 3.º réu, o qual foi citado em sua representação.

Os réus apresentaram contestação, impugnando a factualidade alegada pelo autor na petição inicial e afirmando que a 2.ª ré apenas com o 1.º réu, P. R., teve relações sexuais durante os cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento do 3.º réu, posto que com aquele manteve um prolongado tempo de namoro.
Apresentaram os meios de prova, sendo que os réus P. R. e V. F. declararam expressamente, na parte final da sua contestação, a sua oposição a serem submetidos a exame pericial.
Foi dispensada a audiência prévia, após o que veio a ser proferido o despacho saneador, tendo sido fixado o valor da causa, delimitado o objeto do litígio e selecionados os temas da prova.
Foram admitidos os meios de prova, enunciando o autor as questões de facto a esclarecer através da perícia.
Os réus foram ouvidos sobre o objeto da perícia, declarando não pretenderem sujeitar-se à realização de exame pericial biológico.
Por despacho de 2-03-2018 entendeu o Tribunal a quo determinar a realização do exame pericial, apesar da posição assumida pelos réus no processo, solicitando o agendamento do exame junto do INML, logo advertindo os réus que o comportamento que aqueles viessem a adotar seria oportunamente valorado para efeitos probatórios, em consonância com o disposto nos artigos 417.º do Código de Processo Civil (CPC), e 344.º, n.º 2 do Código Civil (CC).
Fixado o objeto da perícia e agendado o correspondente exame pelo INML, os réus não compareceram na data e no local designados para a recolha das amostras biológicas, nem apresentaram qualquer justificação para essa ausência, apesar de regularmente convocados para o efeito.
Foi então designada data para a realização da audiência final, no início da qual foram os 1.º e 2.º réus, bem como a curadora do 3.º réu, novamente advertidos pessoalmente pelo Tribunal a quo para as consequências probatórias que poderão advir da recusa em submeterem-se a exame genético com vista a determinar com rigor científico se o menor V. C. é ou não filho do demandado P. R., nomeadamente para a inversão do ónus da prova em decorrência do disposto nos artigos 417.º, n.º 2, do CPC e 344.º, n.º 2, do CC tendo uma vez mais declarado que mantinham aquela recusa.
Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, julgando procedente a ação e declarando que o menor V. C. não é filho biológico do réu P. R..
Mais ordenou que no assento de nascimento do menor seja eliminada a paternidade estabelecida por perfilhação daquele réu, bem como a avoenga paterna e os apelidos “M. S.”, condenando ainda os réus no pagamento das custas do processo e determinando que, após trânsito, fosse extraída certidão da sentença e remetida à competente conservatória do registo civil.

Inconformados, os réus apresentaram-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença com a consequente improcedência da ação, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1ª. Os Réus não podem conformar-se com a douta sentença recorrida, uma vez que, face à prova produzida, entendem que a acção deve ser julgada não provada e improcedente.
2ª. Para a procedência da presente acção, a douta sentença recorrida alicerçou-se apenas na inversão do ónus da prova resultante da recusa dos Réus a sujeitarem-se à realização de exame hematológico.
3ª. Ora, os Réus entendem que fizeram prova efectiva de que o Réu P. R. é o pai biológico do menor V. C., do que, aliás, nunca tiveram dúvidas.
4ª. Importa ainda referir que, mesmo face à recusa dos progenitores em submeter-se ao exame pericial, tal não implica automaticamente a inversão do ónus da prova, sendo antes esta uma mera possibilidade, a decidir face às demais circunstâncias e provas produzidas.
5ª. Ora, face à prova produzida, interesses em causa e à própria posição e alegações do Autor, não se justifica, no caso, a inversão do ónus da prova.
6ª. A mera dúvida ou suspeita, aliás infundadas, lançadas injustificadamente pelo Autor, não podem colher força capaz de destruir a paternidade do Réu P. R. estabelecida e plenamente assumida, constante da certidão emitida pelo Registo Civil.
7ª. Além disso, os Réus entendem também que a decisão de facto deve ser alterada, não só no sentido de eliminar dos Factos Provados o facto nº 3, mas também no sentido de que os factos constantes das alíneas d), e e) dos Factos Não Provados devem ser julgados provados, devendo outros factos alegados pelos Réus, e não impugnados, ser também incluídos nos Factos Provados.
8ª. Na sua contestação, os Réus, embora não expressamente, põem em causa a legitimidade do Autor para intentar a presente acção.
9ª. Esta acção foi intentada por um terceiro, alegando os Réus na sua contestação que desconhecem o que o move, mas que só pode ser o intuito de prejudicar os pais do menor e tentar desestabilizar o seu relacionamento familiar.
10ª. A douta sentença recorrida é totalmente omissa quanto à questão da legitimidade do Autor, embora este não preencha nenhuma das hipóteses previstas no artº. 1859º do Cód. Civil.
11ª. Na verdade, não foi trazida à acção nem consta dos factos alegados qualquer interesse moral ou patrimonial a favor do Autor que legitimasse a propositura desta acção.
12ª. Por outro lado, os Réus V. F. e P. R. alegaram na sua contestação que mantinham um prolongado namoro e que passaram a viver juntos, em união de facto, circunstancialismo que não foi impugnado nem posto em causa e o contrário também não resultou da prova produzida em julgamento, antes foi confirmado.
13ª. Ora, este facto deve ser incluído nos Factos Provados.
14ª. Embora não tenha sido alegado pelos Réus, dos depoimentos prestados na audiência de julgamento resulta provado, como facto instrumental, que o Réu P. R. sempre agiu como pai do menor V. C. e como pai foi reconhecido por todos os que com eles convivem, conforme se pode ver dos depoimentos atrás assinalados.
15ª. Assim, devem esses factos ser incluídos nos Factos Provados.
16ª. Igualmente devem ser julgados como provados os factos referidos nas alíneas d) e e) constantes dos Factos Não Provados.
17ª. Por sua vez, deve ser julgado como não provado o facto referido no nº 3 dos Factos Provados, por ser o que está de acordo com a prova produzida em julgamento.
18ª. Ainda que se entendesse que tinha ocorrido a inversão do ónus da prova pelo facto de os Réus terem recusado o exame pericial, a verdade é que os Réus provaram a paternidade do P. R., conforme está registada.
19ª. Além disso, não se provaram as relações sexuais do Autor com a Ré V. F..
20ª. A mera dúvida, ainda para mais, infundada, não é constitutiva do direito do Autor de pôr em causa a paternidade do Réu P. R., constante da certidão de nascimento do menor V. C., nem pode sustentar a sentença recorrida, tanto mais quando nesta se reconhece que não foi feita prova de que a verdade biológica não coincide com a paternidade do menor V. C. levada a registo, e, apesar disso, se decidiu deixar o menor sem pai, olvidando os superiores interesses deste.
21ª. Deste modo, deve ser revogada a douta sentença recorrida e julgar-se a acção improcedente».
O Ministério Público apresentou resposta à alegação dos recorrentes, sustentando a manutenção do decidido.
O recurso veio a ser admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC - o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

A) Da questão suscitada pelos recorrentes em sede de recurso sobre a ilegitimidade ativa do recorrido para a presente ação;
B) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
C) Reapreciação do mérito da causa.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1.Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:
1.1.1. O menor V. C. nasceu no dia .. de .. de 2015 e encontra-se registado como sendo filho da ré V. F., e também do réu P. R., por ter sido por este último perfilhado, mediante declaração perante oficial público, no dia 10 de setembro de 2015.
1.1.2. Os réus P. R. e V. F. eram e são namorados.
1.1.3. No período temporal que corresponde aos 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor, a ré V. F. manteve relações sexuais de cópula completa com o autor.
1.2. Da decisão recorrida constam como não provados os seguintes factos:

a) Apesar da menção de paternidade constante do registo, o menor V. C. não é filho biológico do réu P. R..
b) A ré V. F. referiu que o autor era o pai biológico do menor.
c) O autor é pai biológico do réu V. C..
d) A ré nunca teve relações sexuais com o autor.
e) A ré apenas teve relações sexuais com o réu P. R., único com quem aquela manteve relações sexuais repetidas e sem qualquer protecção durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do seu filho V. C..

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Da questão suscitada pelos recorrentes em sede de recurso a propósito da alegada ilegitimidade ativa do autor/recorrido para a presente ação

Sustentam os recorrentes nas correspondentes alegações que a sentença recorrida é totalmente omissa quanto à questão da legitimidade do autor.
Ainda que reconheçam que não invocaram expressamente tal exceção em sede de contestação, defendem que logo ali puseram em causa tal legitimidade ao alegarem desconhecer o que move o autor, mas que só pode ser o intuito de prejudicar os pais do menor e tentar desestabilizar o seu relacionamento familiar, não preenchendo o autor nenhuma das hipóteses previstas no artigo 1859.º do CC, arguição que enunciam nas conclusões 8.ª, 9.ª, 10.ª e 11.ª das alegações de recurso.
Em resposta vem o Ministério Público sustentar ser por demais evidente a legitimidade do autor, não só face à configuração que o mesmo faz da relação controvertida, mas sobretudo face ao disposto no art.º 1859.º, n.º 2, do CC, que prevê um regime aberto/alargado de legitimidade ativa, no âmbito da impugnação da perfilhação, bem demonstrativo do interesse público de que se reveste, na área da filiação fora do casamento, a regra da coincidência da filiação com a realidade biológica.

Cumpre apreciar.

Como se sabe, a lei procede à classificação das exceções entre dilatórias e perentórias (artigo 576.º, n.º 1 do CPC), estabelecendo que as primeiras obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (n.º 2 do citado preceito), enquanto as exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor (artigo 576.º, n.º 3 do CPC).

Ora, a legitimidade das partes, incluindo em todas as situações em que se considere que existe preterição de litisconsórcio necessário ativo ou passivo, configura um pressuposto processual que a lei classifica expressamente como exceção dilatória, de conhecimento oficioso, e cuja verificação dá lugar à absolvição do réu da instância, sem prejuízo dos casos em que tal exceção é sanável, nos termos conjugados dos artigos 30.º, 33.º, 261.º, 576.º, nºs 1 e 2, 577.º, al. e), todos do CPC.
A questão da legitimidade tem que ser apreciada e decidida à luz do que dispõe o artigo 30.º do CPC, que reporta a legitimidade do autor ao interesse direto em demandar (n.º 1 do referido preceito), o qual, por sua vez, se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação (n.º 2 do referido preceito).
Tal como resulta claro da redação do n.º 3 do artigo 30.º do CPC, o legislador consagrou sem restrições o critério da determinação da legitimidade em função da titularidade da relação material controvertida com a configuração que lhe foi dada unilateralmente na petição inicial, ao dispor que «Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor».
Porém, tal como decorre do segmento inicial do n.º 3 do artigo 30.º do CPC, a par do critério residual em que assenta a legitimidade direta, pautado pela titularidade da relação controvertida, tal como esta é configurada pelo autor, hipóteses há em que o próprio legislador indica quais os titulares do direito de ação ou de defesa.
Ora, analisada a decisão recorrida, temos por evidente que o Tribunal a quo não deixou de ponderar o interesse em que se baseia o autor para instaurar a presente ação, aferindo da existência do interesse relevante que justifica a legitimidade ativa à luz do preceito legal antes citado, sem contudo esquecer a configuração dada pelo autor à ação. Nesta medida, tal como se observa pela fundamentação vertida na decisão em referência, o Tribunal a quo, após enunciar os propósitos e os fundamentos da ação de impugnação de perfilhação, reportou-se expressamente ao âmbito da prova a efetuar sempre que o impugnante seja o perfilhante, o Ministério Público ou «qualquer outra pessoa dotada de legitimidade para intentar a ação nos termos do artigo 1859º, nº 2 do Código Civil» para de seguida reconhecer ser esta a hipótese que justifica a atribuição da legitimidade ao autor no caso em apreciação: «nomeadamente quando, como aqui sucede, o impugnante seja a pessoa que perante juízo se afirma como verdadeiro pai biológico do perfilhado»(1).
É certo que em lado algum da referida sentença o Tribunal a quo decidiu a questão da legitimidade, nem apreciou da verificação da exceção dilatória de ilegitimidade agora suscitada pelos recorrentes.
Mas certamente não o fez porque no caso em apreciação nunca tal exceção foi suscitada pelos réus, nem entendeu oficiosamente conhecer da mesma.
Deste modo, e tal como reconhecem os próprios recorrentes nas alegações de recurso, do articulado de contestação oportunamente apresentado nos autos não consta a invocação expressa da exceção dilatória agora invocada em sede de recurso [que por isso também não especificaram separadamente no referido articulado, conforme exige o artigo 572.º, al. c), do CPC].
Acresce constatar que os factos alegados em sede de contestação também não permitem basear a concreta exceção de ilegitimidade agora invocada, atenta a sua natureza.
Por outro lado, verifica-se que no despacho saneador proferido nos autos em 30-10-2017 o Tribunal a quo consignou o seguinte:
«
III. Despacho saneador.

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
Não há nulidades que invalidem todo o processo.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são as legítimas e encontram-se devidamente patrocinadas.
Não há outras nulidades, excepções ou questões prévias e incidentais que cumpra conhecer e obstem à apreciação do mérito da causa».
Tal como resulta do disposto no artigo 595.º, n.º 1, al. a), do CPC, o despacho saneador é o momento próprio para o Tribunal, no processo de declaração, conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente.

Ora, no caso vertente, vem interposto recurso da sentença final proferida no âmbito da ação declarativa em referência, sendo que no âmbito do despacho saneador oportunamente proferido o Tribunal a quo pronunciou-se, ainda que de forma genérica ou tabelar, sobre tal pressuposto processual, considerando as partes legítimas.
Contudo, é manifesto que não foi apreciada qualquer concreta questão relativa à relação processual, designadamente sobre a legitimidade das partes, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 595.º, n.º1, al. a), e 3, do CPC.
Deste modo, a referida pronúncia não tem a virtualidade de produzir efeito de caso julgado formal (2), podendo este Tribunal de recurso conhecer da exceção agora invocada pelos recorrentes, a qual é de conhecimento oficioso.

Neste domínio, importa considerar o regime específico previsto para a impugnação de perfilhação, tal como decorre do artigo 1859.º do CC, com a seguinte redação:

«Artigo 1859.º
(Impugnação)
1. A perfilhação que não corresponda à verdade é impugnável em juízo mesmo depois da morte do perfilhado.
2. A ação pode ser intentada, a todo o tempo, pelo perfilhante, pelo perfilhado, ainda que haja consentido na perfilhação, por qualquer outra pessoa que tenha interesse moral ou patrimonial na sua procedência ou pelo Ministério Público.
3. A mãe ou o filho, quando autores, só terão de provar que o perfilhante não é o pai se este demonstrar ser verosímil que coabitou com a mãe do perfilhado no período da conceção».

Como se vê, o n.º 2 do citado preceito indica em especial algumas pessoas com legitimidade para instaurar ação de impugnação da perfilhação, entre os quais menciona «qualquer outra pessoa que tenha interesse moral ou patrimonial na sua procedência».

Trata-se de um regime de impugnação menos exigente, quando confrontado com o que sucede relativamente à paternidade presumida, o que se traduz desde logo na ausência de prazo para a correspondente ação de impugnação, na possibilidade de impugnação mesmo depois da morte do perfilhado, no regime alargado da legitimidade e ainda no que dispõe o n.º 3 quanto ao âmbito da prova para o caso de ação proposta pela mãe ou pelo filho. Tais particularidades revelam claramente que «pese embora assente numa forma diversa de encarar a paternidade estabelecida por perfilhação e a paternidade presumida, o legislador (…) acabou por ser aqui pioneiro no que respeita à afirmação quer da importância do princípio da verdade biológica quer do interesse público presente no estabelecimento de uma filiação conforme à verdade biológica» (3).

No caso em apreciação nos presentes autos, vem o autor/recorrido impugnar a perfilhação registada relativamente à criança V. C., nascido a ..-..-2015, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1859.º, do CC, alegando para o efeito, no essencial, que a perfilhação não corresponde à verdade biológica, porquanto, apesar da menção constante do assento de nascimento, o 3.º réu não é filho biológico do 1.º réu (4). Para o efeito sustenta, em síntese, que no período temporal que corresponde aos 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor, a 2.ª ré manteve relações sexuais de cópula completa com o autor, nomeadamente, a partir do dia 05 de dezembro de 2014 até o dia 29 de abril de 2015, hiato temporal em que mantinham uma relação muito frequente (5). Acrescenta que a 2.ª ré referiu que o autor era o pai biológico do 3.º réu, o que levou o demandante a agendar um exame biológico para comprovar o que a 2.ª ré afirmara, ao qual esta não compareceu, sem que nada o fizesse prever, tendo mesmo cortado contactos com o autor (6). Conclui que existe uma grande probabilidade de ser o pai biológico do 3.º réu, não tendo dúvidas sobre tal qualidade, pretendendo vir a perfilhá-lo, o que tudo decorre da petição inicial oportunamente apresentada nos autos (7).
Daí que, não se tratando nos presentes autos de ação intentada pelo perfilhante, pelo perfilhado, pela mãe ou pelo Ministério Público, a resolução da questão relativa à exceção dilatória de ilegitimidade ativa depende apenas de saber se ao autor, ora recorrido, assiste interesse moral ou patrimonial na procedência da ação, atendendo ao regime alargado da legitimidade previsto no citado artigo 1859.º, n.º 2, do CC.
José da Costa Pimenta (8), depois de enunciar a questão sobre quem pode intentar a ação de impugnação de paternidade estabelecida por perfilhação, esclarece que «qualquer interessado tem legitimidade. Diz a lei (n.º 2 do art. 1859.º), esclarecendo, que o interesse pode ser moral ou patrimonial. Tem interesse moral (pelo menos) os parentes do perfilhante e os do perfilhado, e também o verdadeiro pai, que eventualmente pretenda fazer ele declaração de perfilhação».
Igualmente o Prof. Guilherme de Oliveira (9), em nota ao citado artigo 1859.º do CC, após enunciar que «a possibilidade de impugnar a paternidade adquirida por via de perfilhação constitui o modo de controlar a verdade do reconhecimento», sublinhando que «um controle prévio, para ser suficiente, tornaria a perfilhação morosa e incómoda; e para não desincentivar o reconhecimento voluntário não poderia ser suficiente», sintetiza que «a lei dá legitimidade, genericamente, a quem tiver um interesse moral ou patrimonial; e, especialmente, ao perfilhante, ao perfilhado e ao Ministério Público», para depois dar alguns exemplos de «qualquer outra pessoa» que tenha um interesse relevante para impugnar, entre os quais inclui, sem qualquer dúvida «o pai real que precisa de impugnar se quiser, depois, cumprir o dever de reconhecer».
Aqui chegados, facilmente se constata, tal como se refere na sentença recorrida, que no caso em apreciação o impugnante é a pessoa «que perante juízo se afirma como verdadeiro pai biológico do perfilhado».
Nesta conformidade, resulta indiscutível que, no contexto dos autos e perante os factos que foram alegados com vista à procedência da ação, o autor/recorrido preenche o conceito legal de pessoa dotada de interesse moral na procedência da impugnação da perfilhação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1859.º, n.º 2, do CC, porquanto, para além de invocar ser o pai biológico do perfilhado, alegou um conjunto de factos constitutivos do seu direito que são objetivamente idóneos a consubstanciar a conclusão formulada quanto à desconformidade entre o reconhecimento da paternidade constante do ato de perfilhação e a verdade biológica.
Daqui resulta assistir legitimidade ativa ao autor/recorrido para impulsionar a ação de impugnação da perfilhação em referência.
Por conseguinte, reconhecida a legitimidade ativa para a ação, não merece censura a decisão recorrida quando conheceu do mérito da causa sem apreciar ou decidir a propósito da questão da legitimidade, designadamente quanto à verificação da exceção dilatória de ilegitimidade do autor, ora recorrido.

Pelo exposto, improcede, nesta parte, a apelação.

2.2. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Os recorrentes impugnam a decisão sobre a matéria de facto incluída na sentença recorrida.

Sustentam que devem ser aditados os seguintes factos à matéria provada, por entenderem que não foram levados em conta pelo Tribunal a quo:

i) Os Réus P. R. M. S. e V. F. vivem em união de facto;
ii) O Réu P. R. M. S. sempre agiu como pai do menor V. C. e como pai foi reconhecido por todos os que com eles convivem.

Consideram ainda que a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida deve ser alterada, nos termos seguintes:

iii) Deve ser dado como não provado o facto n.º 3 constante dos Factos Provados e devem ser dados como provados os factos das alíneas d) e e) constantes dos Factos Não Provados.

Relativamente ao circunstancialismo aludido em i), sustentam, em síntese, que os réus P. R. M. S. e V. F., na sua contestação, alegaram que mantinham um prolongado namoro e que passaram a viver juntos, em união de facto, circunstancialismo que não foi impugnado pelo autor e o contrário também não resultou da prova produzida em julgamento, antes foi confirmado.
Defendem que muito embora a matéria vertida em ii) não tenha sido alegada pelos réus em sede de contestação, dos depoimentos da prova produzida e, nomeadamente, dos depoimentos prestados na audiência de julgamento, resulta também provado, como facto instrumental, que o réu P. R. M. S. sempre agiu como pai do menor V. C. e como pai foi reconhecido por todos os que com eles convivem.
Por último, quanto à alteração preconizada em iii), sustentam que da prova produzida não resultou provado o facto n.º 3, dos Factos Provados, isto é, que, «No período temporal que corresponde aos 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor, a ré V. F. manteve relações sexuais de cópula completa com o autor». E, sendo considerado como não provado o facto n.º 3 dos factos provados, deve também dar-se como provado o facto constante da alínea d), dos Factos Não Provados, isto é, tem de dar-se como provado que a ré nunca teve relações sexuais com o autor. Na mesma linha de pensamento, a alínea e) dos factos não provados tem de dar-se como provada isto é, tem de dar-se como provado que «A ré apenas teve relações sexuais com o réu P. R., único com quem aquela manteve relações sexuais repetidas e sem qualquer protecção durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do seu filho V. C.».
Tal como resulta da análise conjugada do preceituado nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
A impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências, cujo incumprimento pode determinar a respetiva rejeição, pelo que deverá a questão do cumprimento dos ónus impostos ao recorrente ser apreciada em momento prévio à reapreciação da decisão proferida.
No caso em apreciação haverá ainda que averiguar se os factos que a recorrente pretende sejam aditados à matéria provada, tal como enunciados em i) e ii) supra se incluem nos poderes de cognição do Tribunal em matéria de facto.
Começando pela matéria enunciada em ii), sustentam os apelantes que os correspondentes factos, apesar de não terem sido alegados, deveriam ter sido considerados provados dado consistirem em factos instrumentais que resultaram da instrução da causa, indicando os elementos probatórios que entende imporem o aditamento/alteração da decisão proferida.
Sob a epígrafe «Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal», dispõe o artigo 5.º do CPC, no n.º 1, o seguinte: Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas; acrescenta o n.º 2 que: Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Decorre deste regime que se incluem nos poderes de cognição do tribunal determinados factos não alegados pelas partes nos respetivos articulados: os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Ora, estando assente que os factos que a recorrente pretende sejam aditados à matéria provada, tal como enunciado em ii), não foram alegados pelas partes, concretamente pelos réus, cumpre averiguar se se trata de factos instrumentais que resultem da instrução da causa, conforme alegam os recorrentes e, em caso afirmativo, se estão sujeitos ao regime previsto para tais factos, dado que, como se viu, quanto a estes a lei permite que sejam atendidos, sem se encontrarem sujeitos ao ónus da alegação.
Explica Lopes do Rego (10), em anotação ao artigo 264.º do anterior Código de Processo Civil, a qual se mantém atual na parte relativa à qualificação dos factos - que o regime se baseia numa fundamental distinção entre factos essenciais e factos instrumentais, esclarecendo, a propósito, o seguinte: «Os factos essenciais são os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, da reconvenção ou da defesa por excepção, sendo absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer pelas partes. Os factos instrumentais destinam-se a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes - assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa».
Os recorrentes não esclarecem, na apelação, qual o valor probatório dos factos em causa nem concretizam as razões pelas quais entendem poderem os mesmos eventualmente servir para provar determinados factos principais, de forma a perspetivar-se a pretendida qualificação como factos instrumentais. Assim sendo, cumpre analisá-los à luz das pretensões deduzidas pelas partes nos presentes autos.
Como se viu, a presente ação tem por objeto a impugnação da paternidade estabelecida por perfilhação, visando o autor demonstrar que a declaração constante do registo de perfilhação não corresponde à verdade. Foi isso que o autor veio pedir ao Tribunal e não também que declarasse que o 3.º réu era seu filho.
Não se tratando nos presentes autos de ação intentada pelo perfilhado ou pela mãe, à qual tem aplicação o regime especial de prova previsto no n.º 3 do citado artigo 1859.º do CC, impende sobre o autor/impugnante o ónus de demonstrar que o reconhecimento da paternidade contido na declaração de perfilhação não correspondia à verdade, «visto ser esse facto, à luz da norma substantiva aplicável (art. 1859.º, n.º 1), o elemento constitutivo do direito que o autor se arroga. Feita essa prova, caberia ao réu (o perfilhante), fazer a contraprova do facto, nos termos do artigo 346» (11).
E, atento o objeto da ação, alegaram os réus, para contrariar o pedido formulado pelo autor, que o 3.º réu é filho e só pode ser filho do 1.º réu, «o único com quem a ré teve relações sexuais repetidas e sem qualquer proteção durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do seu filho» (12).
Daí que as questões essenciais que foram vertidas nos temas da prova não se tenham circunscrito à ocorrência de relações entre o autor e a mãe do perfilhado mantidas no período legal da conceção (ou seja nos primeiros 120 dos 300 dias que precederam o nascimento do perfilhado) (13) ou da ocorrência da gravidez da ré na sequência de relacionamento íntimo entre aquela e outro homem que não o 1.º réu (14), abarcando ainda a exclusividade das relações sexuais entre o 1.º réu e a 2.ª ré, e desta apenas com aquele, nos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que antecederam o nascimento do 3.º réu, bem como a ocorrência da gravidez da ré na sequência de relacionamento íntimo entre aquela e o 1.º réu (15).
Pretendem agora os apelantes o aditamento de factos que não foram alegados.
Analisando os factos que os recorrentes pretendem ver aditados à matéria provada, supra indicados em ii), verifica-se que os mesmos permitem concretizar todos os elementos relativos à denominada posse de estado tal como estabelecida na alínea a), do n.º 1 do artigo 1871.º do CC, segundo o qual «a paternidade presume-se quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público» (16). Tal como decorre deste último preceito, as circunstâncias previstas nas diversas alíneas do seu n.º1 têm «o valor técnico-jurídico de factos-operativos de presunções legais de paternidade» (17), aplicáveis ao reconhecimento judicial da paternidade mediante ação de investigação da paternidade, funcionando tais presunções em face da prova de qualquer uma das circunstâncias previstas nas mesmas.
As presunções são, conforme as define o artigo 349.º do Código Civil, “as ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, sendo que não estão em causa, no caso presente, presunções judiciais, mas sim presunções legais, tal como previstas no artigo 350.º do CC, o qual dispõe, no n.º1, que “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz”, mais prevendo, no respetivo n.º 2, que “as presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir”. Deste modo, as presunções legais dividem-se em presunções legais absoluta (iuris et de iure) e presunções legais relativas (ou iuris tantum), admitindo estas prova em contrário enquanto aquelas não admitem prova em contrário, ou seja, na presunção legal relativa, a lei considera um facto como certo até prova em contrário pelo que tais presunções constituem prova plena quanto ao facto presumido enquanto não se prove o contrário - não podendo este facto ser infirmado por simples contraprova mas apenas mediante prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto, conforme prevê o artigo 347.º do CC -, enquanto a presunção legal absoluta tem o valor de prova pleníssima, não admitindo prova em contrário do facto presumido nem por confissão, ainda que seja admissível prova destinada a demonstrar que o facto que serve de base à presunção não se verificou (18). Mas precisamente no âmbito das presunções de paternidade consagradas no n.º 1 do artigo 1871.º do CC para a ação de investigação da paternidade, prevê a lei a possibilidade de as afastar, desde que se provem factos suscetíveis de suscitar “dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado”.

Neste domínio, verifica-se que os factos enunciados em ii), que os recorrentes pretendem ver aditados à matéria provada, nunca podiam ser considerados em sede de reapreciação da prova produzida porquanto não foram oportunamente alegados e, no enquadramento antes delineado, seguem o regime dos factos essenciais. Assim, conforme sublinham António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa (19), «a aludida característica da instrumentalidade abarca apenas os factos que possam servir para a formação da convicção sobre os demais factos (designadamente por via do uso de presunções judiciais), devendo distinguir-se dos que sirvam para integrar presunções legais (v.g. em matéria de responsabilidade civil extracontratual, da posse os do regime da filiação).
Neste quadro, tais factos são “essenciais”, devendo ser alegados em conformidade (art. 5º, nº 1) e ser objecto de pronúncia positiva ou negativa na sentença» (20).
Julgamos, contudo, que as presunções que decorrem do citado artigo 1871.º do CC têm o respetivo valor probatório especialmente fixado por lei no âmbito da ação de investigação da paternidade, tal como prevista no artigo 1869.º do CC, nada consentindo que as mesmas sejam também aplicáveis à ação de impugnação de perfilhação, atendendo ao regime especial previsto no artigo 1859.º, n.ºs 1 e 3 do CC, do qual resulta, como se viu, impender sobre o autor/impugnante o ónus de provar que o perfilhante não é o pai biológico, disciplina que é aplicável mesmo aos casos em que a ação é intentada pelo perfilhado ou pela mãe (aos quais tem aplicação o regime especial de prova previsto no n.º 3 do citado artigo 1859.º do CC), mas neste caso desde que o réu prove a verosimilhança da coabitação com a mãe do perfilhado no período da conceção. E, mesmo nestas situações, o referido preceito legal também não admite outra possibilidade para o réu afastar a inevitável procedência da ação instaurada pela mãe e pelo perfilhado - nem mesmo com recurso à alegação e prova dos factos-operativos das presunções legais de paternidade previstas no artigo 1871.º, n.º1, do CC -, ficando então estes dispensados de provar que o perfilhante não é o pai biológico, perante a mera negação da paternidade, a não ser, como é evidente, que este venha a provar ser o pai biológico do perfilhado.

Ora, tal como se refere no Ac. do STJ de 17-05-2017 (relatora: Fernanda Isabel Pereira) (21) «O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo - pelo juiz, pela secretaria e pelas partes - desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo.
(…)
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis» (22).
Neste enquadramento, revela-se manifesto que os factos enunciados em ii), que não foram alegados mas cujo aditamento vem requerido nesta apelação, revelam-se absolutamente irrelevantes para a decisão a proferir.
Por conseguinte, a ampliação da matéria de facto aludida em ii) mostra-se inconsequente, configurando um ato inútil, como tal proibido por lei, nos termos que decorrem do disposto no artigo 130.º do CPC pelo que deve ser rejeitada.

Pretendem ainda os apelantes a ampliação da matéria de facto no sentido de contemplar a circunstância enunciada em i):

«Os Réus P. R. M. S. e V. F. vivem em união de facto».

Também relativamente a esta matéria se verifica que os recorrentes não esclarecem, na apelação, qual o valor probatório dos factos em causa nem retiram da sua pretensão qualquer consequência jurídica.
Ora, mesmo entendendo que no contexto dos autos o facto vertido no ponto agora em apreciação, para além do seu sentido jurídico, possa constituir expressão de uso corrente, como tal inteiramente compreensível no contexto da restante matéria de facto, certo é, porém, que, no enquadramento antes enunciado, a eventual demonstração de tal facto seria absolutamente inócua.
Acresce a circunstância de, em lado algum, a alegada comunhão duradoura de vida entre a 2.ª ré e o 1.º réu ter sido delimitada no tempo, resultando, por isso, evidente que a mesma nunca foi sequer reportada ao período legal de conceção o que desde logo afastaria qualquer possibilidade de tal matéria vir a assumir o valor de facto-operativo de qualquer presunção legal de paternidade, designadamente da prevista na alínea c), do n.º 1 do artigo 1871.º do CC para a ação de investigação da paternidade.
Sendo assim, resta concluir que também a eventual discussão sobre a matéria enunciada em i), nunca assumiria qualquer relevância jurídica à luz das circunstâncias específicas do caso em apreciação.
Nesta conformidade, não se tratando de factos relevantes a considerar pelo juiz, não há que proceder à pretendida reapreciação da prova produzida, no que respeita aos factos que os recorrentes pretendem sejam aditados à matéria provada.
Por conseguinte, é manifesto que não pode proceder a ampliação à matéria de facto agora proposta pelos recorrentes, quanto aos concretos factos enunciados em i) e ii).
Deste modo, decide-se rejeitar, nessa parte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, assim improcedendo as correspondentes conclusões dos apelantes.
Os apelantes pretendem a reapreciação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida, sustentando que deve ser dado como não provado o facto n.º 3 constante dos Factos Provados e devem ser dados como provados os factos das alíneas d) e e) constantes dos Factos Não Provados.

O artigo 640.º do CPC, prevê diversos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo o seguinte:

«Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

Relativamente ao alcance do regime decorrente do preceito legal acabado de citar, refere António Santos Abrantes Geraldes (23), que «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar, com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto».

Tal como sintetiza ainda António Santos Abrantes Geraldes (24), a propósito do sistema em vigor relativamente aos recursos sobre matéria de facto - o qual, em comparação com o disposto no artigo 639.º do CPC não deixa margem para dúvidas quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recurso da matéria de direito -, «a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos».

No caso vertente, resulta da análise das alegações dos recorrentes que estes indicam os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados, nos termos enunciados supra.
Também relativamente à decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, decorre das alegações apresentadas que os recorrentes especificam a decisão que deve ser proferida sobre os referidos pontos da matéria de facto.
Por último, quanto às concretas alterações suscitadas pelos recorrentes, igualmente se verifica que estes especificam suficientemente os meios probatórios que entendem impor as alterações preconizadas, com indicação em cada um dos depoimentos de concretas passagens da gravação correspondentes aos respetivos depoimentos, e sintetizando o teor de tais depoimentos. Julgamos que tais elementos permitem minimamente a sua identificação pelo que se considera, quanto a estes pontos, suficientemente cumprido o ónus imposto pelo artigo 640.º do CPC.
Resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, com a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A este propósito, refere António Santos Abrantes Geraldes (25) que, « (…) sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando estejam em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos à livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência.
(…) a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem».
Cumpre, assim, proceder à reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância relativamente à factualidade impugnada pelos recorrentes e enunciada em iii) supra.

Analisada a decisão recorrida, verifica-se que o concreto ponto da matéria de facto provada, que os recorrentes consideram incorretamente julgado, tem a seguinte redação:

«3. No período temporal que corresponde aos 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor, a ré V. F. manteve relações sexuais de cópula completa com o autor».

Por contraponto, os pontos da matéria de facto não provada que os recorrentes consideram incorretamente julgados têm a seguinte redação:

«d) A ré nunca teve relações sexuais com o autor».
«e) A ré apenas teve relações sexuais com o réu P. R., único com quem aquela manteve relações sexuais repetidas e sem qualquer protecção durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do seu filho V. C.».

Com vista à reapreciação da matéria de facto impugnada, foram revistos e analisados de forma atenta os concretos meios probatórios indicados pelos recorrentes em sede de alegações do presente recurso. Mais, procedeu-se à audição integral dos registos da gravação efetuada em sede de audiência final, constantes do Citius, relativamente a todos os depoimentos prestados.
Foram ainda analisados todos os documentos juntos aos autos.
A audiência final realizou-se em duas sessões. A primeira teve lugar em 25 de junho de 2018, pelas 15:00 horas, com as declarações de parte da curadora do menor (3.º réu), I. F., as declarações de parte da 2.ª ré, V. F., e do autor, P. T. - seguidas de acareação entre a 2.ª ré e o autor -, e inquirição das testemunhas - L. C., B. C., J. A., T. M., V. P. -, tendo sido interrompida para continuar no dia 11 de julho de 2018, pelas 15:00 horas, com inquirição da testemunha J. B..
Os apelantes baseiam a sua discordância quanto à decisão da matéria de facto na alegação de que a sentença recorrida não valorizou o depoimento prestado pela 2.ª ré em declarações de parte, ao negar de forma perentória a existência de relações sexuais entre ela e o autor, mesmo depois de acareada com este, e afirmando com clareza e segurança, mas do que uma vez, que nunca teve relações com o Autor e que o pai do V. C. é o 1.º réu, afirmando desconhecer a razão pela qual o autor intentou a presente ação.
Desvalorizam o documento junto aos autos, que consubstancia declarações prestadas pela mãe do menor V. C., ora 2.ª ré, alegando desconhecer em que circunstâncias foram prestadas essas declarações, sendo certo que as mesmas não foram prestadas sob juramento nem compromisso de honra.
Reportam-se ainda ao depoimento da testemunha L. J., ex-namorada do autor, que entendem vago, impreciso e prestado por alguém que alegam ter sido consumida pelo ciúme e que quis apenas defender os interesses do antigo namorado, acrescentando ainda que tal testemunha, no referido depoimento, referiu que o autor sempre lhe disse que não tinha tido nada com ela, (com ela, a V. F.).
Feita a reapreciação crítica e concatenação de todos os elementos de prova produzidos e juntos nos autos julgamos que os mesmos permitem formular uma convicção idêntica à do Tribunal a quo no que concerne à matéria de facto concretamente impugnada pelos apelantes/réus.
Na verdade, a valoração da concreta factualidade em referência não pode restringir-se ao resultado das declarações prestadas pela própria recorrente, muito menos perante as concretas fragilidades e inconsistências que a propósito foram sublinhadas na decisão recorrida e que facilmente se constatam mediante a audição atenta do respetivo depoimento.
Acresce que os argumentos utilizados pelos ora recorrentes no sentido de desvalorizar o relevo probatório da certidão junta aos autos - que consubstancia as declarações prestadas pela mãe do menor V. C., ora 2.ª ré, relativa ao processo administrativo com o n.º 231/16.1Y2BRG que correu termos nos Serviços do Ministério Público - Procuradoria da República junto da Comarca de Braga - Juízo de Família e Menores de Braga -, bem como o depoimento da testemunha L. J., não se revelam suficientemente idóneos para abalar o relevo probatório que deles efetivamente resulta.
Ora, em primeiro lugar e tal como decorre da motivação da decisão da matéria de facto que consta da decisão recorrida, cumpre assinalar que os concretos depoimentos assinalados pelos recorrentes como relevantes para a alteração da matéria de facto, à semelhança da globalidade dos depoimentos prestados em sede de audiência final, não deixaram de ser considerados pelo Tribunal a quo.
Relativamente aos factos agora em causa, atinentes à existência de relacionamento de cariz sexual entre que autor e 2.ª ré no período em referência nos presentes autos, resulta indiscutível que apenas estes declarantes revelaram um conhecimento suscetível de confirmar ou infirmar de forma direta e abrangente tal materialidade, à luz da qualidade em que prestaram os respetivos depoimentos.
Das referidas declarações de parte resultaram, no essencial, duas versões factuais díspares e inconciliáveis.
Assim, enquanto a ré negou que alguma vez se tivesse relacionado sexualmente com o autor, este afirmou, de forma perentória, que no período compreendido entre 5 de dezembro de 2014 e finais de abril de 2015 manteve encontros com aquela com a frequência de pelo menos uma vez por semana, durante os quais mantiveram um com o outro relações sexuais.
Mais se observa que as partes em referência mantiveram as mesmas versões contraditórias no âmbito da acareação a que foram sujeitas pelo tribunal a quo em sede de audiência final.
No contexto anteriormente assinalado é normal que o julgador procure analisar criticamente os depoimentos prestados, confrontando-os com os restantes meios de prova disponíveis, procurando evidenciar as contradições, as imprecisões e mesmo a postura assumida perante as questões colocadas durante as declarações produzidas em sede de audiência final, sendo certo que tal convicção foi formada com recurso à imediação, oralidade e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
É o que se verifica ter sido feito pelo Mm.º Juiz a quo ao analisar a globalidade dos meios de prova produzidos, enquadrando-os criticamente, nos termos e pelas razões que foram explicitadas na referida decisão, não deixando de valorar a consistência das declarações prestadas em sede de audiência final e mesmo a postura durante a acareação, ponderando a credibilidade dos relatos feitos à luz do comportamento anteriormente assumido pelas partes, concretamente pela ré ao longo do processo, ao recusar submeter-se à prova pericial apesar de advertida das consequências de tal comportamento, designadamente para efeitos probatórios, bem como perante o que resulta das declarações por esta anteriormente prestadas, em 23-05-2016, conforme decorre do teor da certidão oportunamente junta aos autos, relativa ao processo administrativo com o n.º 231/16.1Y2BRG que correu termos nos Serviços do Ministério Público - Procuradoria da República junto da Comarca de Braga - Juízo de Família e Menores de Braga.
Assim, a motivação da decisão recorrida começou por enfatizar que o relato feito pelo autor, P. T., em sede de declarações de parte se mostrou bem mais convincente, não só quando colocado frente-a-frente com a ré, como também quando, de forma circunstanciada, prestou as declarações de parte, relatando todos os contornos que envolveram o relacionamento mantido com a demandada.
Ora, depois de ouvirmos as declarações prestadas em audiência final pelo autor P. T., verificamos que da respetiva análise não resulta qualquer constatação relevante que nos permita divergir da apreciação feita pelo Tribunal a quo a propósito da credibilidade e conteúdo material de tais declarações, totalmente compatíveis com a versão uniforme, escorreita e consistente já decorrente das declarações que prestou quando ouvido nos serviços do Ministério Público, no âmbito do processo administrativo com o n.º 231/16.1Y2BRG, no dia 9-03-2016, portanto menos de um ano após o nascimento do 3.º réu - V. C.. Já então o autor relatava o relacionamento mantido com a ora 2.ª ré bem como a sua firme intenção de resolver a questão suscitada a propósito da paternidade biológica da criança, desfazendo as dúvidas que se colocavam sobre a mesma e disponibilizando-se para efetuar os exames biológicos determinativos da paternidade. Referia inclusivamente estar disponível para suportar a parte respetiva ou até a totalidade dos custos dos exames caso se verificasse que a mãe da criança, ora ré, não tinha capacidade para pagar a sua parte. Idêntica preocupação revelou quando foi ouvido em sede da audiência final que teve lugar nos presentes autos, na qual reafirmou a sua convicção no sentido de poder ser o pai do 3.º réu e que o seu único interesse consiste em «saber a verdade», confirmando viver atormentado com essa dúvida que o persegue há cerca de três anos, realçando, uma vez mais, ser esse o seu único objetivo, considerando que, como o próprio afirmou, todos seguiram vidas autónomas. Sublinhou, a propósito, que não pretende ficar sujeito a vir a ser confrontado no futuro com essa questão ainda por resolver, pretendendo assumir as suas responsabilidades. Explicitou todas as tentativas que efetuou previamente junto da mãe da criança, ora ré, logo desde setembro de 2015, no sentido de resolver essa dúvida, sem sucesso, atenta a recusa da ré em sujeitar-se e à criança à realização dos competentes exames, explicando que foi essa atitude que o levou então a dirigir-se aos serviços do Ministério Público, no sentido de tentar que a situação fosse resolvida com o auxílio das entidades competentes, na sequência do que veio a ser instaurado o processo administrativo com o n.º 231/16.1Y2BRG dos Serviços do Ministério Público - Procuradoria da República junto da Comarca de Braga - Juízo de Família e Menores de Braga, conforme decorre da certidão oportunamente junta aos autos.
Mais se constata que a versão dos factos apresentada pelo autor foi narrada com indiscutível clareza e de forma convincente, não se eximindo a responder de forma direta, precisa e eloquente às questões formuladas.
Como se vê, as preocupações decorrentes das dúvidas legítimas reveladas pelo declarante/autor nas declarações que prestou em sede de audiência final mostram-se alicerçadas de forma consistente e credível na medida em que também resultam evidenciadas no confronto com outros meios de prova disponíveis no processo, permitindo consubstanciar de forma pertinente e justificada o interesse subjacente à propositura da ação.
Revela-se, assim, absolutamente inconsistente a posição assumida pela ré nas declarações que prestou em audiência ao afirmar desconhecer a razão que está subjacente à instauração da presente ação pelo autor, chegando mesmo a tentar evidenciar alguma surpresa pelo facto de, alegadamente, este nunca ter suscitado a questão anteriormente, ao ponto de afirmar que a propositura da ação só pode dever-se a algum tipo de “oportunismo”, “aproveitamento” ou mesmo “maldade”. Contudo, não logrou justificar tais afirmações mesmo perante as questões que lhe foram insistentemente suscitadas a propósito, restando assim inconsequentes ou mesmo incompreensíveis à luz das regras da lógica, da experiência comum e perante critérios de normalidade social.
A este propósito, justifica-se ainda que na motivação da decisão recorrida se tenha sublinhado a inconsistência das declarações produzidas pela 2.ª ré em audiência final, desde logo porque «frontalmente contraditórias com aquelas que prestou quando ouvida nos serviços do Ministério Público, no âmbito de processo administrativo que ali correu termos, no dia 23 de Maio de 2016, em que reconheceu ter-se envolvido sexualmente com o autor», apesar de já se relacionar com o seu namorado, contradição com a qual a ré foi confrontada em audiência final e que não conseguiu minimamente justificar. Na verdade, à ré foram lidos em audiência excertos relevantes daquelas declarações, tal como constam da certidão oportunamente junta ao processo, repletos de pormenores e de circunstâncias que surgem devidamente enquadrados em termos temporais e acompanhados de explicações que são totalmente compatíveis com a versão que vem sustentada de forma uniforme pelo autor desde, pelo menos, as declarações que também ele prestou nos competentes Serviços do Ministério Público, em 9-03-2016, e que reiterou no âmbito da presente ação. Constata-se, porém, que a ré nada de relevante esclareceu que permita com verosimilhança justificar as diferentes versões que apresentou nos dois momentos em referência. E tanto assim é que em audiência começou por se “perder” em considerandos inócuos sobre a razão das declarações inicialmente prestadas junto dos Serviços do Ministério Público, que acabou por não negar serem de sua autoria e de ter assinado, apesar de simultaneamente afirmar não se recordar de as ter feito com o referido alcance, assumindo sempre uma postura que se revelou marcadamente cautelosa, defensiva e mesmo evasiva quanto às questões colocadas a propósito.
Ora, o documento que reproduz as declarações prestadas pelo autor e pela 2.ª ré junto dos Serviços do Ministério Público consubstancia uma certidão que foi requisitada pelo Tribunal a quo e oportunamente junta ao processo sem que merecesse das partes, no momento próprio, qualquer tipo de impugnação quer quanto à sua autenticidade quer relativamente ao seu valor probatório. Acresce que se verifica que sobre o respetivo teor foi confrontada a ré em sede de audiência final, com possibilidade de então poder infirmar de forma credível o contexto ou o significado de tais declarações, o que, como se viu, não logrou fazer.
Revelam-se, assim, manifestamente impertinentes as conclusões que os recorrentes pretendem agora extrair em sede de recurso relativamente ao alegado desconhecimento das circunstâncias em que foram prestadas as declarações e ao facto de as mesmas não terem sido ajuramentadas.
Por último, resta sublinhar que a versão apresentada pelo autor mostra-se, no essencial, em consonância com o depoimento prestado pela testemunha L. C. - ex-namorada do autor, com quem namorava à data em que ocorreu o referenciado relacionamento entre este e a 2.ª ré -, depoimento que o Tribunal a quo entendeu - e bem - valorar pelas circunstâncias que também deixou enunciadas.
Assim, esta testemunha não escondeu o grande sofrimento por que passou com a situação que relatou em Tribunal. Apesar disso, ao que nos foi dado constatar, prestou um depoimento que nos pareceu seguro, rigoroso e objetivo, apesar de se ter emocionado em diversos momentos do mesmo, o que também se considera normal dadas as circunstâncias que relatou e a proximidade que revelou manter à data dos factos em apreciação com as partes no processo, designadamente com o autor (de quem era namorada), e com a 2.ª ré, que qualificou como sendo, então, a sua melhor amiga. Confirmou que todo o grupo de amigos, que ela, o autor e os réus V. F. e P. R. então integravam, teve na altura conhecimento do envolvimento entre o demandante e a demandada, circunstância que, de resto, também foi confirmada, de forma credível, pela testemunha J. B., que igualmente fazia parte desse grupo.
Voltando ao depoimento da testemunha L. J., importa ainda acrescentar, como - bem - foi referido na sentença recorrida que a referida testemunha relatou como veio a saber que o autor «se tinha envolvido com a ré, após um amigo do mesmo grupo que todos integravam a ter alertado para esse facto. Referiu que, perante essas suspeitas, certo dia seguiu-os de carro e viu a ré deixar o seu namorado de então na casa dele, por volta das 2:00 horas da madrugada. E disse ainda que posteriormente confrontou o autor, em finais de abril de 2015, tendo este inicialmente negado o relacionamento com a ré, mas que depois acabou por admiti-lo, confessando-lhe também que no dia 12 de dezembro de 2014 - data em que ela, testemunha, estava ocupada num jantar de Natal da empresa onde trabalhava - tinha estado com a demandada, na noite desse mesmo dia».
Justifica-se, por outro lado, que na motivação da decisão recorrida se tenha sublinhado que a referida testemunha nenhuma razão teria para querer beneficiar o demandante, o que se revela evidente à luz das circunstâncias narradas e pela simples constatação, que também resultou do próprio depoimento em referência, de que não gostou de ser “enganada” pelo autor. Acresce salientar que veio a tomar a decisão de terminar a relação que mantinha com este, de quem referiu muito gostar na altura, devido às circunstâncias em apreciação. Rejeita-se, deste modo, a possibilidade de desvalorizar o relevo probatório do depoimento desta testemunha com a alegação de que se trata de «alguém, que foi consumida pelo ciúme e que quis apenas defender os interesses do antigo namorado», tal como parecem defender os recorrentes no âmbito do recurso apresentado.
Pretendem ainda os recorrentes desvalorizar o depoimento prestado pela testemunha L. J., reportando-se à circunstância de a referida testemunha apenas ter visto o autor e a ré por uma vez juntos, por volta das 2:00 horas da manhã, sendo a ré a deixar o autor junto da casa dele, sem acrescentar o que quer que seja de hipotético cariz sexual ou amoroso entre o autor e a ré. Acrescentam que no seu depoimento esta testemunha referiu que o autor sempre lhe disse que não tinha tido nada com ela, (com ela, a ré).
Porém, as referências agora enunciadas revelam uma abordagem meramente parcial e descontextualizada do depoimento prestado pela testemunha, tendo por base determinadas expressões isoladas da testemunha, não permitindo retirar qualquer ilação relevante que permita abalar de forma decisiva a força probatória do respetivo depoimento. Assim, como se viu, o relato efetuado pela testemunha foi bem mais abrangente já que não referiu apenas que o autor inicialmente negou o relacionamento com a ré - o que de resto se revela plausível dadas as circunstâncias em que ocorreu -, esclarecendo ainda que posteriormente veio a admiti-lo, acabando inclusivamente por aceitar perante a testemunha, quando esta o confrontou com o facto de a ré estar grávida, que o filho podia ser seu. A tudo isto acresce o relato detalhado exaustivo de diversas circunstâncias complementares que constam do registo da gravação do depoimento e que permitiram à testemunha fundar relevantemente a convicção que enunciou perante o Tribunal a quo sobre o envolvimento de cariz sexual ou amoroso entre o autor e a ré.
Entendemos, assim, que os concretos meios de prova indicados pelos apelantes como relevantes para a alteração da decisão da matéria de facto contida na decisão recorrida não permitem infirmar de forma decisiva a valoração que a propósito foi feita pelo Tribunal a quo, a qual se afigura rigorosa, acertada e absolutamente adequada à prova produzida.
Em conclusão, feita a reapreciação crítica e concatenação de todos os elementos de prova produzidos e juntos nos autos julgamos que os mesmos permitem formular uma convicção idêntica à do Tribunal a quo no que concerne ao juízo de verosimilhança suficiente para sustentar uma adequada confirmação das questões de facto enunciadas no âmbito do ponto n.º 3 dos “Factos provados”, devendo o mesmo manter-se na matéria de facto provada.
Tal constatação impõe que se mantenha também a decisão recorrida quanto às concretas alíneas d) e e), dos “Factos Não Provados”, aqui impugnadas pelos recorrentes, por se revelarem manifestamente incompatíveis com a matéria vertida no n.º 3 dos “Factos Provados”.
Em consequência, improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto deduzida pelos apelantes/réus, mantendo-se as respostas que foram dadas pelo Tribunal a quo.

2.3. Da Reapreciação de Direito

Atenta a improcedência da impugnação da matéria de facto, resulta evidente que os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados sob o ponto 1 supra.
Tal como resulta das alegações apresentadas pela recorrente, grande parte da argumentação desenvolvida pela apelante nas respetivas alegações implicava a alteração da decisão no que concerne às concretas questões de facto enunciadas a propósito pelo Tribunal a quo.
Mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado e não provado pelo Tribunal a quo, vejamos, ainda assim, se existe qualquer desacerto da solução jurídica dada ao caso sub judice, tal como parecem sustentar os recorrentes.
Neste domínio, também as conclusões vertidas sob os n.ºs 18 e 19 das correspondentes alegações resultam manifestamente improcedentes em resultado da improcedência da impugnação da matéria de facto contida na decisão recorrida.
No caso em apreciação vem o autor/recorrido impugnar a perfilhação registada relativamente à criança V. C., nascido a 5-09-2015, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1859.º, do CC, alegando para o efeito, no essencial, que a perfilhação não corresponde à verdade biológica, porquanto, apesar da menção constante do assento de nascimento, o 3.º réu não é filho biológico do 1.º réu.
Não se tratando nos presentes autos de ação intentada pelo perfilhado ou pela mãe - à qual tem aplicação o regime especial de prova previsto no n.º 3 do citado artigo 1859.º do CC -, resulta manifesto impender sobre o autor/impugnante o ónus de demonstrar que o reconhecimento da paternidade contido na declaração de perfilhação não corresponde à verdade, por ser este o elemento constitutivo do direito que o autor se arroga, nos termos da norma substantiva aplicável, atendendo ao disposto nos artigos 342.º, n.ºs 1 e 3, 1859.º, n.ºs 1 e 2, do CC.
Isto mesmo começou por ser reconhecido no âmbito da decisão recorrida quando se consignou - e bem - que «a possibilidade de impugnar a paternidade estabelecida por via de perfilhação constitui um modo de controlar a verdade do reconhecimento. Visa afastar a paternidade biologicamente falsa. O propósito do autor, nesta espécie de acção, é o de demonstrar que o perfilhante não é o progenitor do indivíduo perfilhado. O fundamento do pedido é, pois, a desconformidade entre a verdade jurídica e a verdade biológica.
O autor pode usar qualquer meio de prova - designadamente as provas científicas - para convencer o tribunal de que o perfilhante não é o pai biológico. E, em princípio, tratando-se de impugnar a paternidade estabelecida através de reconhecimento voluntário, o impugnante tem que provar que o perfilhante não é o pai biológico».
Analisando as questões submetidas à apreciação neste recurso, importa ter presente que a decisão sobre a procedência da ação baseou-se no entendimento expresso na sentença recorrida de que a verdade biológica configura um dos princípios basilares no domínio do direito da filiação, assumindo por isso as provas científicas inegável importância pois permitem, com um grau de certeza de quase 100%, estabelecer a verdadeira paternidade ou, tal como como ocorre no caso em apreciação, afastar uma paternidade registral que não coincida com a biológica.
Daí ter considerado que a recusa do réu neste tipo de ações em submeter-se a esse tipo de prova, quando culposa e impossibilite o autor de, por via de outros meios probatórios, conseguir a demonstração dos factos em que assenta o direito invocado elos meios técnico-jurídicos disponíveis possa conduzir à inversão do ónus da prova.
E mediante a invocação do disposto nos artigos 344.º, n.º 2, 1801.º do CC, e 417.º do CPC, entendeu operar a inversão do ónus da prova por concluir, em primeiro lugar, que a recusa dos réus a submeterem-se à prova pericial, nomeadamente a exames de ADN que hoje podem fazer-se com segurança, no recato de um laboratório, sem invasão da integridade física ou psicológica, através da simples recolha de uma amostra de saliva, se revelava no caso ilegítima e culposa. Para o efeito entendeu não colher a argumentação em que os réus fundaram a sua recusa, de não tolerarem que seja posta em causa a paternidade do 3.º réu e a defesa da sua honra, integridade física e moral.
A questão central a apreciar reside, então, em saber se estão verificados os pressupostos para operar a inversão do ónus da prova por violação do dever de colaboração das partes para a descoberta da verdade.
Como se viu, nas ações relativas à filiação, a prova da procriação pode ser feita de forma científica com base em testes de ADN, nos termos do disposto no artigo 1801.º, do CC ao prescrever que «Nas ações relativas à filiação são admitidos como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados» (26).
Neste domínio, é entendimento que julgamos pacífico que a prova da falta de conformidade entre a paternidade declarada no registo e a paternidade biológica pode ser feita por qualquer meio (27), sendo assim de admitir os exames sanguíneos ou quaisquer outros meios cientificamente idóneos também nas ações de impugnação da paternidade estabelecida por perfilhação (28).
Por outro lado, também não pode merecer contestação a conclusão extraída na sentença recorrida ao sublinhar a inegável importância que as provas científicas têm nos dias de hoje para se alcançar o objetivo de fazer coincidir a verdade jurídica com a verdade biológica. A este propósito, não podemos deixar de considerar o que vem enunciado de forma eloquente no Ac. do STJ de 23-02-2012 (relator: Bettencourt de Faria) (29): «O progresso científico veio alterar por inteiro a investigação dos factos atinente à prova da filiação.
Os testes de ADN fazem a prova cabal da filiação. Não cabe aqui tecer considerações sobre a sua eventual falibilidade, pois trata-se de um debate irrelevante face ao que é a normalidade das coisas».
Trata-se, como é conhecido, de testes científicos que assumem atualmente enorme fiabilidade, do que decorrem consequências a vários níveis no âmbito da prova das relações de filiação: «por um lado, a prova científica ganhou foros de quase exclusividade, ficando as demais provas relegadas para casos excecionais, em que aquela não seja possível. Os demais meios de prova servem por vezes, designadamente em sede de averiguação oficiosa, apenas para determinar a quem deve ser proposta a realização de prova científica.
(…)
Finalmente, o facto de a fiabilidade dos resultados das provas científicas disponíveis ser cada vez mais um facto do conhecimento geral é susceptível de relevar em caso de recusa de sujeição a tais testes, para efeitos probatórios, nos termos previstos na 2.ª parte do n.º 2 do art. 417.º do CPC» (30).
Como decorre do disposto no artigo 417.º, n.º1, do CPC, «Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados», esclarecendo o n.º 3 do citado preceito que a recusa será legítima se a obediência importar: a) Violação da integridade física ou moral das pessoas; b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações; c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
Também no âmbito deste recurso verificamos que os réus/apelantes retomam a alegação de que não aceitaram submeter-se ao exame de genética apenas porque nunca equacionaram sequer a hipótese de o V. C. não ser filho do 1.º réu, e que a atitude do autor consubstancia um mero capricho deste em pretender submeter os réus a um exame pericial sem que alegue factos ou prove minimamente os pressupostos que justifiquem a necessidade de efetuar tal exame, nomeadamente, dúvidas fundadas sobre a paternidade do 3. º réu ou o facto comprovado de ter tido relações sexuais com a mãe do 3.º réu e reclamar para si a paternidade da criança sob pena de se admitir que qualquer indivíduo, com o fim de aborrecer ou causar dano, possa pôr em causa qualquer paternidade de outrem.
Ora, atento o relevo e a natureza que atualmente assumem os exames genéticos no âmbito da presente ação resulta evidente a nossa concordância com a decisão recorrida quando refere que a argumentação sustentada pelos réus para recusarem a realização de exames genéticos não colhe.
Assim, como se viu já, resulta indiscutível que no contexto dos autos e perante os factos que foram alegados com vista à procedência da acção, o autor/recorrido preenche o conceito legal de pessoa dotada de interesse moral na procedência da impugnação da perfilhação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1859.º, n.º 2, do CC, porquanto, para além de invocar ser o pai biológico do perfilhado, alegou um conjunto de factos constitutivos do seu direito que são objetivamente idóneos a consubstanciar a conclusão formulada quanto à desconformidade entre o reconhecimento da paternidade constante do ato de perfilhação e a verdade biológica. Note-se, aliás, que a verosimilhança das circunstâncias inicialmente alegadas pelo autor/recorrido mostra-se consubstanciada pela comprovação do facto apurado sob o n.º 3 dos “Factos Provados”, do qual consta que «no período temporal que corresponde aos 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor, a ré V. F. manteve relações sexuais de cópula completa com o autor».
Por outro lado, atendendo aos métodos usualmente utilizados no âmbito dos exames científicos em sede de ações de filiação também não se vislumbra que a sujeição aos mesmos possa contender com a integridade física, moral - ou mesmo com a honra dos visados -, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3, al. a), do artigo 417.º do CPC (31).
De todo o modo, na linha da ponderação já realizada pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 616/18, de 21-10 (relator: Artur Maurício) (32) a propósito do confronto entre o direito à integridade pessoal e o direito à identidade pessoal, tudo nos leva a sufragar a fundamentação vertida na decisão recorrida quando conclui que os direitos à honra e à reserva da intimidade da vida privada não são direitos absolutos pelo que, quando conflituem com outros, nomeadamente com os direitos à identidade e à historicidade pessoal, todos consagrados no artigo 26.º da CRP, terão de ser comprimidos na justa medida que se mostre necessária para salvaguardar o conteúdo mínimo destes últimos.
Em conclusão, e tal como sustentam Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (33), «Tido em conta o dever de colaboração, não é legítima a recusa à realização dos exames hematológicos em ação relativa à filiação (art. 1801 CC); mas, tida em conta a tutela dos direitos de personalidade, não é admissível a execução coerciva desses exames (…), sem prejuízo de a recusa dever ser valorada em termos de prova, podendo mesmo, designadamente quando implique a impossibilidade de o autor fazer prova da filiação biológica, dar lugar à inversão do ónus da prova».
No caso em apreciação, e tal como consignou a decisão recorrida, verifica-se que «logo com a propositura da ação, ao indicar os meios de prova, requereu o autor a realização de exame pericial a solicitar ao IML, por forma a comparar o perfil biológico dele e do réu menor. Também logo na contestação os réus P. R. e V. F. declararam a sua oposição a serem submetidos a exame pericial.
Tendo o tribunal considerado pertinente para a decisão da causa a produção daquele meio de prova, por despacho de fls. 38 ordenou a realização da perícia, convidando o autor a enunciar as questões de facto que pretendia ver respondidas, o que este fez em requerimento subsequente a esse despacho.
Uma vez mais os réus vieram reafirmar a posição já assumida na contestação, declarando novamente que não aceitavam ser submetidos a exame pericial, acrescentando que “não toleram sequer que seja posta em dúvida a paternidade do réu P. R. relativamente ao seu filho V. C.” e que “em defesa da sua integridade física e moral e da sua honra, não vão sujeitar-se à realização de exame pericial biológico”.
O tribunal registou essa oposição, mas ainda assim, por continuar a entender, tal como o autor, que o exame genético era determinante para a decisão do objecto do processo, solicitou o agendamento do exame ao IML, logo advertindo os réus que o comportamento que aqueles viessem a adoptar poderia ser oportunamente valorado para efeitos probatórios, em consonância com o disposto nos artigos 417º do Código de Processo Civil e 344º, nº 2 do Código Civil.
Fixado o objecto da perícia nesse mesmo despacho e agendado o exame, os réus não compareceram na data designada para recolha das amostras biológicas (cfr. 61), nem apresentaram qualquer justificação para essa ausência.
Num último ensejo para fazer com que aqueles reconsiderassem a sua posição, no início da audiência final foram pessoalmente informados e expressamente advertidos (assim como o foi a curadora do menor) para as consequências probatórias que poderiam advir da sua recusa em submeter-se ao exame pericial, nomeadamente quanto à eventual inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344º, nº 2 do Código Civil, tendo uma vez mais declarado que mantinham aquela recusa».
Decorre do exposto que os réus recusaram sem justificação submeter-se aos exames periciais determinados nos autos. Para além de assumirem uma postura omissiva, não comparecendo na data designada para recolha das amostras biológicas nem apresentando qualquer justificação para essa ausência, declararam nos autos a recusa expressa em se submeterem aos referidos exames, apesar de expressamente advertidos das respetivas consequências.
Importa pois concluir pela ilegitimidade da recusa dos recorrentes, a qual se considera culposa.
O n.º 2 do citado artigo 417.º do CPC prevê diversas sanções para aqueles que recusem a colaboração devida para a descoberta da verdade, as quais, para além da condenação em multa, e sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis, podem implicar consequências de ordem probatória para o recusante que for parte, concretamente, a livre apreciação pelo tribunal do valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no artigo 344.º, n.º 2, do CC.
Nos termos do n.º 2 do artigo 344.º do CC «Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações».
Segundo Lebre de Freitas (34), «[a]o invés do art. 343.º, as normas deste artigo preveem categorias de exceções às regras de distribuição do ónus da prova contidas no art. 342.º - a presunção legal, a dispensa ou liberação legal do ónus da prova, a dispensa ou liberação convencional do ónus da prova e a impossibilidade culposa da prova pela contraparte do onerado», esclarecendo ainda que «o n.º 2 sanciona com a inversão do ónus da prova a atuação da parte com ele não onerada que culposamente impeça o onerado de fazer prova do facto».
A inversão do ónus da prova prevista neste preceito legal apresenta-se, assim, como uma sanção civil à violação do princípio da cooperação das partes para a descoberta da verdade material, consagrado no n.º 1 do citado art. 417.º, quando essa falta de colaboração vai ao ponto de tornar impossível ou particularmente difícil a produção de prova ao sujeito processual onerado com o ónus da prova nos termos gerais e seja culposa, no sentido de que a parte recusante podia e devia agir de outro modo (35).
Ora, tendo em atenção a especial relevância dos exames científicos para garantir a procedência da ação, a que a própria lei confere uma relevância específica por serem manifestamente idóneos à prova direta da filiação biológica, revela-se pertinente e adequado enquadrar a recusa ilegítima da parte em submeter-se à sua realização no âmbito da sanção prevista no n.º 2 do artigo 344.º do CC (para que remete o artigo 417.º, n.º 2, do CPC), nos casos em que tal recusa impossibilita a prova do facto a provar pela contra parte por não ser possível consegui-la por outros meios ou perante a ausência de outra prova (36).
Tal como sublinha Lopes do Rego, «se o exame se configurava como absolutamente essencial à determinação da filiação biológica - implicando, consequentemente, a recusa do pretenso pai a verdadeira impossibilidade de o autor fazer prova da invocada filiação biológica (por exemplo, em consequência de, no caso concreto, inexistirem meios probatórios que a possam demonstrar indirectamente) deverá aplicar-se o preceituado no n.º 2 do art. 344.º do CC» (37).
Ora, à luz das considerações jurídicas supra expendidas, resulta manifesto que a realização do exame pericial biológico ordenado pelo Tribunal a quo ao autor e aos réus certamente permitiria determinar com elevado grau de segurança a filiação biológica e, com isso, determinar o mérito da pretensão deduzida pelo autor, confirmando-a ou negando-a.
E a importância de tal meio de prova revela-se absolutamente decisiva quando no caso se verifica que o autor logrou comprovar que «no período temporal que corresponde aos 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor, a ré V. F. manteve relações sexuais de cópula completa com o autor». Na verdade, apesar da constatação de tal facto, o Tribunal a quo não logrou concluir com suficiente probabilidade que a paternidade do menor V. C. levada ao registo não corresponde à biológica, porquanto, como também referiu aquele Tribunal na motivação da decisão de facto, se constatou que o 1.º réu mantém com a ré uma relação de namoro de longa data, e, como é evidente, não se produziu prova suficiente que no período legal de conceção do menor estes não tiveram qualquer trato sexual.
Assim sendo, face à manifesta impossibilidade da prova indireta do facto com base na exclusividade do relacionamento sexual entre o autor e a mãe da criança mantido durante o período legal de conceção, resta concluir que a sujeição ao referido exame científico se mostrava essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, implicando a verificada recusa dos réus a impossibilidade de o autor fazer prova da invocada falta de coincidência entre a verdade registada e a verdade biológica, enquanto facto essencial constitutivo do direito que se arroga na presente ação.
Por outro lado, atenta a conclusão já extraída a propósito da especial relevância dos exames científicos na generalidade das ações relativas à filiação, resulta manifesto que o entendimento antes sufragado quanto à questão da inversão do ónus da prova tem inteira aplicação no âmbito das ações de impugnação da paternidade, mesmo quando esta foi estabelecida por perfilhação como sucede no caso em apreciação.
Rejeitam-se assim os argumentos enunciados pelos recorrentes a propósito da impossibilidade de equiparar a situação em apreciação às ações de reconhecimento da paternidade, em que determinada pessoa não tem um pai registado.
Pelo exposto, resta concluir, tal como na 1.ª instância, que a conduta dos réus, ao recusarem sem justificação submeter-se aos exames periciais determinados nos autos, para além de ilegítima e culposa, determinou a impossibilidade da prova direta da procriação biológica, que era, em concreto, o meio idóneo para a demonstração de tal facto, atendendo às circunstâncias do processo.
Daí que a decisão recorrida não mereça censura quando, no contexto dos autos, decidiu operar a inversão do ónus da prova, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 344.º, n.º 2, do CC concluindo, em consequência, que era aos réus que cabia demonstrar que o 1.º réu, P. R., é efetivamente o pai biológico da criança, aqui 3.º réu.
Por último, defendem os recorrentes que mesmo entendendo ter ocorrido a inversão do ónus da prova pelo facto de os réus não terem consentido na realização do exame, os réus provaram a paternidade do réu P. R., a qual consta do registo de nascimento do menor V. C., sendo que a mera dúvida do autor não é um facto constitutivo do direito, não lhe conferindo a virtualidade de afastar a presunção derivada do registo da paternidade do réu.

Vejamos se assim é.

A paternidade fora do casamento estabelece-se por reconhecimento em perfilhação ou decisão judicial em ação de investigação (artigos 1796.º, n.º2, e 1847.º do CC).
No caso em apreciação estamos, como se viu, perante a impugnação da paternidade estabelecida por via de perfilhação.
A perfilhação configura um ato jurídico unilateral (38), com caráter pessoal e livre, tal como também decorre do artigo 1849.º do CC, assumindo duas faces: uma de declaração de ciência e outra de declaração de vontade. «Esta segunda face resulta claramente da lei uma vez que esta admite a anulabilidade da perfilhação com fundamento em vício da vontade. Perfilhar é, aos olhos do direito constituído, manifestar uma vontade» (39).

Tratando-se de um ato formal, estabelece o artigo 1853.º do CC que a perfilhação pode fazer-se:

a) Por declaração prestada perante o funcionário do registo civil;
b) Por testamento;
c) Por escritura pública;
d) Por termo lavrado em juízo.

Atendendo ao que consta dos autos - facto 1.1.1. - constata-se que a paternidade relativa à criança V. C., nascido a ..-..-2015, foi reconhecida por meio de declaração prestada pelo perfilhante, ora 1.º réu, perante o funcionário do registo civil no dia 10 de setembro de 2015, nos termos dos artigos 1847.º, 1853.º, al. a), do CC, e 130.º, n.º1, do Código do Registo Civil, encontrando-se em consequência registado como sendo filho do réu P. R..
Assim sendo, a certidão do registo civil que atesta a perfilhação efetuada pelo 1.º réu, ainda que configurando um documento autêntico (nos termos dos artigos 363.º, n.ºs 1 e 2, e 371.º, n.º1, do CC), apenas faz prova plena dos factos que nele são referidos como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora, ou seja, no caso em apreciação, que o registo foi lavrado com base nas declarações dos ora 1.º e 2.º réus, ali mencionados como “pai” e “mãe”, respetivamente. Ao invés, o referido documento não constitui prova plena de que a declaração de vontade manifestada pelo perfilhante corresponda à verdade, ou seja, não faz prova plena de que o 3.º réu é filho biológico de quem o perfilhou, por não estar o referido facto coberto pela força probatória plena deste documento.
Tal como resulta do artigo 3.º do Código do Registo Civil, a prova resultante do registo civil quanto aos factos que a ele estão obrigatoriamente sujeitos e ao estado civil correspondente não pode ser ilidida por qualquer outra, a não ser nas ações de estado e nas ações de registo (n.º1), esclarecendo ainda o n.º 2 do referido preceito que os factos registados não podem ser impugnados em juízo sem que seja pedido o cancelamento ou a rectificação dos registos correspondentes.
Ora, a presente ação corresponde exatamente ao meio legalmente previsto para a impugnação da perfilhação registada, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1859.º, do CC, sendo que no respetivo petitório vem, além do mais, requerida a rectificação do assento de nascimento em causa, com a eliminação da paternidade impugnada.
Como se viu, a possibilidade de impugnar a paternidade adquirida por via de perfilhação constitui o modo de controlar a verdade do reconhecimento, sendo que a eventual procedência da correspondente ação de impugnação da perfilhação implica que esta seja declarada sem efeito (40).

No caso vertente não subsistem dúvidas que, operada a inversão do ónus da prova, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 344.º, n.º 2, do CC, passa a incumbir aos réus demonstrar que o 1.º réu, P. R., é efetivamente o pai biológico da criança, aqui 3.º réu.
Prova que os réus não lograram fazer, como também decorre - e bem - da decisão proferida sobre a matéria de facto, pelo que a ação terá de ser julgada procedente, declarando-se que o réu P. R. não é progenitor do menor V. C., com a consequente correção do assento de nascimento.
Desta forma, não se verifica qualquer contradição na decisão recorrida.
Em consequência, não se revela possível extrair solução diferente da declarada na decisão recorrida.
Pelo exposto, cumpre concluir pela improcedência das conclusões do recurso com a consequente manutenção da sentença recorrida.

Síntese conclusiva:

I - Assiste legitimidade ao autor/recorrido para impulsionar ação de impugnação da perfilhação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1859.º, n.º 2, do CC, quando este invoca ser o pai biológico do perfilhado, alegando um conjunto de factos constitutivos do seu direito que são objetivamente idóneos a consubstanciar a conclusão formulada quanto à desconformidade entre o reconhecimento da paternidade pelo réu, tal como consta do ato de perfilhação, e a verdade biológica;
II - Se a ampliação pretendida pelos apelantes em sede de impugnação da matéria de facto importa o aditamento à matéria provada de factos não considerados na decisão recorrida mas que não podem assumir qualquer relevância jurídica à luz das circunstâncias específicas do caso em apreciação, revelando-se tal matéria inconsequente para a decisão de mérito a proferir, não deverá proceder-se, nessa parte, à reapreciação da matéria de facto, por configurar um ato inútil, como tal proibido por lei, nos termos do disposto no artigo 130.º do CPC;
III - Verificando-se que a conduta dos réus ao recusarem sem justificação submeter-se aos exames periciais determinados nos autos, para além de ilegítima e culposa, determinou a impossibilidade da prova direta da procriação biológica, que era, em concreto, o meio idóneo para o autor fazer prova da invocada falta de coincidência entre a verdade registada e a verdade biológica, enquanto facto essencial constitutivo do direito que se arroga na ação de impugnação da paternidade, por perfilhação, deve operar a inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º, n.º 2, do CC.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Guimarães, 3 de outubro de 2019
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Alberto de Paiva Taveira (1.º adjunto)
Espinheira Baltar (2.º adjunto)


1. Cfr. a decisão recorrida - p. 8.
2. Neste sentido, cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 180 e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 696. Na jurisprudência, cfr. a título exemplificativo, Ac. do STJ de 16-03-2017 (relator: Tomé Gomes), proferido no Incidente n.º 9215/15.6T8PRT-U.P1.S1 - 2.ª Secção (cujo sumário se encontra publicado em www.stj.pt), Ac. do TRL de 1-10-2014 (relator: Teresa Pardal) p. 4654/06.6 TBCSC.L1-6, disponível em www.dgsi.pt.
3. Estrela Chaby, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume II, Coimbra, Almedina, 2017, p. 765.
4. Cfr. a matéria alegada sob os n.ºs 3.º e 4.º da petição inicial.
5. Cfr. a matéria alegada sob os n.ºs 7.º, 8.º e 9.º da petição inicial.
6. Cfr. a matéria alegada sob os n.ºs 10.º, 11.º e 12.º da petição inicial.
7. Cfr. a matéria alegada sob os n.ºs 13.º, 15.º da petição inicial.
8. Filiação, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, p. 134.
9. Cfr. Estabelecimento da Filiação - Notas aos artigos 1796.º a 1873.º do Código Civil, , Coimbra, Livraria Almedina, 1991, p. 134.
10. Comentário do Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1999, p. 200-201.
11. Cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. V, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, p. 268. Também neste sentido se pronuncia o Prof. Guilherme de Oliveira, ob. cit., p. 136, referindo «Em princípio, tratando-se de impugnar a paternidade estabelecida através do reconhecimento voluntário, o impugnante tem de provar que o perfilhante não é o pai biológico».
12. Cfr. a matéria alegada sob o n.º 7 da contestação.
13. Tal como expressamente previsto no artigo 1798.º do CC.
14. Cfr. as alíneas a) e b), dos Temas da Prova.
15. Cfr. as alíneas c) e d), dos Temas da Prova.
16. «A qual é integrada, conjunta e cumulativamente, por três elementos: (i) a reputação como filho pelo pretenso pai (nomen); (ii) o tratamento como filho pelo pretenso pai (tractatus); e (iii) a reputação como filho do pretenso pai pelo público (fama)» - cfr. por todos, o Ac. STJ de 31-01-2017 (relator: Pedro de Lima Gonçalves), proferido na revista n.º 440/12.2TBBCL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
17. Cfr. Guilherme de Oliveira, ob. cit., p. 155.
18. Cfr. a propósito, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2013, 2.ª edição, pgs. 91 a 94 e 104.
19. Ob. cit., p. 30 (nota 17), em anotação ao artigo 5.º do CPC.
20. Em sentido idêntico, cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, p. 38, referindo a propósito o seguinte: «Mas, quanto às presunções legais (também num sentido mais lato do que o do art. 350 CC), sendo a lei a impor a dedução, seguem o regime dos factos principais (e não o dos factos instrumentais) aqueles que estão na sua base, bem como os impeditivos da produção do efeito probatório dos primeiros, por fundarem exceções dirigidas contra a admissibilidade ou a força do meio de prova, isto é, exceções probatórias».
21. Proferido na Revista n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
22. Em sentido idêntico, cfr., entre outros, os Acs. TRG de 2-05-2019 (relatora: Maria Amália Santos), p. 3128/15.9T8GMR.G1; TRL de 30-04-2019 (relator: José Capacete), p. 30502/16.0T8LSB.L1-7; TRG de 11-07-2017 (relatora: Maria João Matos), p. 5527/16.0T8GMR.G1; TRG de 10-09-2015 (relatora: Manuela Fialho), p. 639/13.4TTBRG.G1; TRC de 24-04-2012 (relator António Beça Pereira), p. 219/10.6T2VGS.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
23. In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 126.
24. Ob. cit. p. 128 - nota 5
25. Ob. cit. a pgs. 224-225
26. Tal como sublinha Estrela Chaby, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume II, Coimbra, Almedina, 2017, p. 722, em anotação ao artigo 1801.º do CC, «O exame genético pode ser feito mediante métodos totalmente não intrusivos (recolha de saliva, de um fio de cabelo), tendo sido ultrapassada, por isso, a questão da submissão a procedimento de recolha de sangue».
27. Neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. STJ de 16-03-2013 (relator: Helder Roque), p. 1791/08.6TBAVR.C1.S1; STJ de 18-04-2002 (relator: Ferreira de Almeida), p. 02B737; TRL de 26-05-2015 (relatora: Maria Adelaide Domingos), p. 2030/12.0TVLSB.L1-1; TRP de 27-04-2006 (relatora: Deolinda Varão), p. 0631059, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
28. Tal como refere José da Costa Pimenta, ob. cit., p. 44 «o artigo 1801.º, já pela sua inserção sistemática nas disposições gerais, já pelo teor da sua redação, estende o seu domínio de aplicação a todas as acções do direito de filiação, designadamente, às de investigação de maternidade ou de paternidade ou de impugnação desta, a ação preliminar de averiguação oficiosa, bem como à impugnação de perfilhação. Por outro lado, os dizeres da lei deixam campo aberto à utilização de métodos ainda não utilizados ou descobertos mas que venham a sê-lo».
29. P. 994/06.2TBVFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
30. Cfr. Estrela Chaby, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume II, Coimbra, Almedina, 2017, p. 722, em anotação ao artigo 1801.º do CC.
31. Defendendo a legitimidade da decisão que determina dever o interessado submeter-se a exame hematológico no IML, por ser manifesto que a realização deste não contende com a “dignidade humana”, nem com o direito à integridade física e moral daquele, cfr., entre outros, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1999, p. 360.
32. Processo n.º 363/97, 1.ª Secção, disponível em www.tribunalconstitucional.pt;a propósito de saber se a exigência da realização de exame de sangue nos termos do artigo 1801.º do CC viola o artigo 25.º da Constituição da República Portuguesa (direito à integridade pessoal) e, como tal, se o dever de colaboração das partes para a descoberta da verdade não integra o de sujeição àquele exame, veio a concluir que tal preceito constitucional não se mostra infringido.
33. Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 225-226.
34. Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume II, Coimbra, Almedina, 2017, p. 426 a 428, em anotação ao artigo 344.º do CC.
35. Cfr. Ac. do STJ de 12-04-2018 (relatora: Rosa Tching), p. 744/12.4TVPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
36. No sentido de que «[P]odendo hoje provar-se a paternidade biológica por meio científico (art. 1801º do CC), a recusa a exame hematológico pelo autor requerida, por banda do investigado, sem justificação, faz inverter o ónus da prova a cargo daquele demandante» cfr. o Ac. do STJ de 23-09-2008 (relator: Serra Batista), p. 08B1827; em sentido idêntico, cfr. os Acs. STJ de 17-05-2016 (relator: Paulo Sá), p. 8928/11.6TBOER.L2.S1; STJ de 23-02-2012 (relator: Bettencourt de Faria), p. 994/06.2TBVFR.P1.S1; e os Acs. do TRC de 6-02-2018 (relator: Vítor Amaral) p. 5525/16.3T8CBR.C1; TRP de 24-02-2015 (relatora: Anabela Dias da Silva), p. 3210/13.7TBVNG.P1; TRG de 24-04-2014 (relatora: Isabel Rocha), p. 297/08.8TBPVL.G2; TRG de 13-03-2012 (relatora: Ana Cristina Duarte), p. 331/09.4TCGMR.G1; TRL de 22-03-2011 (relatora: Dina Monteiro), p. 1752/08.5TVLSB.L1-7; TRP de 27-04-2006 (relatora: Deolinda Varão), p. 0631059, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
37. Cfr. Lopes do Rego, Comentário do Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1999, p. 361.
38. Cfr. Estrela Chaby, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume II, Coimbra, Almedina, 2017, p. 758, em anotação ao artigo 1847.º do CC.
39. Cfr. José da Costa Pimenta, ob. cit., p. 122.
40. Cfr. José da Costa Pimenta, ob. cit., p. 137.